Em documento, Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira (ACIE) manifesta preocupação e afirma que não “pode ser descartado um furto oportunista”. Os dois jornalistas estrangeiros estavam em Rondônia há oito dias para produção de reportagem sobre a incessante violência no campo. No dia 09 de fevereiro, os equipamentos e todo o material produzido pelos jornalistas foram furtados.
Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2016.
Prezados senhores:
A Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira (ACIE) quer expressar seu alarde e preocupação sobre acontecimentos ocorridos em Rondônia nesse mês de fevereiro, quando uma jornalista e um fotógrafo tiveram seus materiais de comunicação furtados, logo depois do governo do estado ordenar que a polícia não cooperasse com a cobertura que os profissionais faziam em uma área violenta e politicamente sensível.
Juliana Barbassa, escritora e jornalista, e Bear Guerra, um fotógrafo radicado em Quito, estavam trabalhando em pautas para as revistas Americas Quarterly e US News & World Report. A reportagem estava sendo feita em uma região onde tem ocorrido, recentemente, uma onda de violentas disputas por terras entre fazendeiros e camponeses sem-terra.
Os dois estavam há oito dias na região entrevistando e filmando pessoas locais. No dia 9/02/2016, eles planejavam visitar Ariquemes, a porta de entrada para a região com a mais alta taxa de homicídios no estado. Na véspera, eles contataram o chefe da Polícia Militar do Estado de Rondônia, que estava em Ariquemes. Inicialmente ele concordou em falar. Mas, antes da entrevista acontecer, um porta-voz do governo do estado de Rondônia ligou para informar que a polícia tinha sido instruída a não cooperar porque um relatório internacional sobre o tema teria "repercussões terríveis para o Estado". Barbassa respondeu que o apoio da polícia era essencial não só para concretizar a reportagem, mas também por questões de segurança. O porta-voz manteve sua posição.
No dia combinado, Guerra e Barbassa visitaram a delegacia da Policia Militar em Ariquemes, mas o chefe estava ausente. Sem a cooperação policial, os jornalistas deixaram o território de risco e viajaram para a capital do estado, Porto Velho. Naquela tarde, quando os dois haviam deixado momentaneamente o carro que usavam, alguém arrombou o veículo e furtou seus equipamentos, cartões de memória, arquivos de vídeo e notebooks. Os ladrões também levaram a bolsa de Juliana Barbassa, onde estava seu passaporte.
A mala do fotógrafo, contendo roupas, passaporte e outros itens e o GPS do veículo não foi furtada.
Independentemente de quem realizou o furto, e com qual intenção, toda esta situação despertou a preocupação da Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira (ACIE).
Em primeiro lugar, é altamente preocupante que a polícia tenha sido aparentemente instruída a não cooperar com os jornalistas, sob o argumento de temor em relação à repercussão da reportagem na mídia estrangeira. Essa postura agride os princípios da transparência e também aumenta os riscos enfrentados pelos jornalistas na cobertura de áreas perigosas.
Em segundo lugar, é preocupante que os materiais do repórter e fotógrafo tenham sido furtados de seu carro. Enquanto não pode ser descartado um furto oportunista, é notável que outros objetos de valor foram deixados para trás e que isso tenha acontecido logo depois de as autoridades informarem a Barbassa e Guerra que a cobertura não era bem-vinda na região.
A suspeita de má fé só pode ser reforçada pelas recentes declarações públicas, tanto do chefe da polícia e do governador, que têm chamado os trabalhadores sem terra de "terroristas" e "criminosos", pessoas que devem ser “colocadas em seu lugar" e pelo fato que esta ameaça foi estendida "àqueles que os apoiam."
O Brasil aspira ser um país com uma imprensa aberta, regida pela lei do Estado e com forte compromisso com questões de meio ambiente e direitos humanos.
A ACIE apoia plenamente os esforços nesse sentido. Mas o recente caso em Rondônia, com o pano de fundo das frequentes ameaças e assassinatos sofridos por jornalistas e ativistas locais na região, leva-nos a questionar o compromisso assumido pelas autoridades no sentido de sustentar estes princípios em uma sociedade aberta e democrática.
Lembrando as palavras da Presidenta Dilma Rousseff quando descreveu a liberdade de imprensa como “a pedra fundadora da democracia,” conclamamos que as autoridades federais investiguem os acontecimentos e busquem explicações do oficial do estado que informou sobre a decisão da polícia em não cooperar. Dessa forma, esperamos que o governo federal viesse reafirmar o seu compromisso de defender e proteger os princípios da transparência e da liberdade de imprensa.
Atenciosamente,
Gareth Chetwynd Jon Watts
Presidente, ACIE Vice-presidente, ACIE