Texto e imagens: CPT Regional Pará, com edição da Comunicação do CPP Nacional
A comunidade Aricuru, território de pescadores/as, agricultores/as no município de Maracanã/PA, se reuniu nesta sexta-feira (23) no Centro Comunitário São Benedito, para fazer a apresentação do seu Protocolo de Consulta Prévia. Todo o processo de construção teve a participação das famílias e apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e consultoria jurídica do escritório Machado Brito, Will, Macedo e Pimentel. Estiveram presentes as comunidades convidadas de Vista Alegre e Curuçacinho.
Na oportunidade, as lideranças fizeram um resgate de como todo esse processo foi feito. Valmir Furtado, liderança da comunidade e membro do CPP, fez um resgate de como se deu a construção do protocolo. Segundo ele a iniciativa se deu devido a entrada de pesquisadores na comunidade, que vinham fazer pesquisa, mas não comunicavam nada para as lideranças. Outro fator que favoreceu a construção desse instrumento foi a presença de empresas de comércio de créditos de carbono, que vêm aliciando as comunidades.
"O protocolo vai nos ajudar a garantir os direitos de nós, pescadores/as. Ele vai ser um instrumento para ajudar a combater essas ameaças que já rondam nosso território pesqueiro”, comemorou Valmir.
Ângela Silva, presidente da Associação de Moradores/as, Pescadores/as e Agricultores /as de Aricuru (APEAGA), ressalta que “diante de tantas coisas ruins, de empresas que vem entrando nas comunidades ribeirinhas, esse documento vem ajudar a gente para lutar pela defesa do nosso território e dos nossos direitos".
Sandra Costa, coordenadora da comunidade, concluiu: "Deus deixou a natureza para nosso bem. Infelizmente, temos um congresso que quer sempre privatizar os bens comuns. precisamos ficar atentos com essa proposta de privatizar as praias. Precisamos lutar. Aqui chega muita gente querendo comprar nossa terra, mas as coisas não são assim. Eu defendo sempre o Aricuru. O protocolo é uma ajuda pra nós.”
Sobre a Cartilha e o Protocolo de Consultas
A Cartilha do Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada e Consentida da Comunidade de Aricuru traz informações sobre a história da comunidade, as ameaças ao território onde vivem os pescadores e pescadoras artesanais e todo o processo de organização que viria a culminar na criação do Protocolo de Consulta lançado hoje. Os Protocolos de Consulta estabelecem o regramento da maneira como a comunidade quer ser consultada quando há a ameaça de instalação de um empreendimento.
Os Protocolos de Consulta são construídos a partir das normas estabelecidas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata de Povos indígenas e tribais e da qual o Brasil é signatário. Ela estabelece que os governos devem consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente. Desde então, populações tradicionais têm construído protocolos estabelecendo como essas consultas devem ser feitas e os Protocolos de Consulta têm se transformado num importante recurso em defesa dos Territórios.
Por Paulo Martins, da Comissão Episcopal para a Amazônia
Com a publicação de uma carta com compromissos comuns, bispos da Igreja da Amazônia legal finalizam encontro.
Realizado em Manaus, no Centro de Formação Maromba, entre os dias 19 e 22 de agosto, o V Encontro da Igreja na Amazônia Legal também contou com a participação de religiosos, leigas e leigos e lideranças convidadas da REPAM e CEAMA. Juntos, eles avaliaram a caminhada da Igreja pós-Sínodo para a Amazônia e encontro de Santarém, em que caminhos foram pensados para a evangelização no território.
A região da Amazônia Legal compreende quase 60% do território brasileiro, abrangendo os sete estados da região Norte, além do Mato Grosso e parte do Maranhão e do Tocantins.
“A memória da caminhada sinodal da Igreja na Amazônia nos iluminou e nos impulsionou. Sem esta perene consciência do agir de Deus, que nos precede, e da atuação dos primeiros evangelizadores, perderíamos a capacidade de uma fé histórica, encarnada, e do comprometimento profético diante dos desafios de hoje”, afirma o texto da carta situando a necessidade de se olhar para o caminho realizado até aqui.
Na carta, os participantes do encontro pontuam caminhos a serem percorridos a partir de 6 eixos: formação, ministerialidade, participação das mulheres, Casa Comum, sustentabilidade e caridade e profecia. Para cada um dos caminhos, são apresentados passos a serem dados, pistas de ações e responsáveis pela execução. E os bispos reforçam, ainda, “a necessidade de ferramentas que nos permitam um acompanhamento sistemático de nossa ação evangelizadora por meio de planejamento participado, estratégias de atuação e avaliação de processos. Meios que nos ajudem a bem ler os sinais dos tempos, que nos abram a novos horizontes e que nos permitam identificar a presença do Reino”
Atentos aos sinais dos tempos e do Espírito, na carta, eles afirmam que a “Amazônia não precisa de pastores indiferentes ao seu povo, que andam longe do rebanho, indiferentes às suas dores e aos seus sofrimentos, mas homens e mulheres sensíveis e comprometidos capazes de dar a vida até o fim”. E sobre a presença das mulheres na Igreja, reforçam que sentem “o forte apelo para que a ministerialidade que é exercida de fato tenha reconhecimento oficial.”
Com olhar de esperança, eles concluem a carta falando da necessidade de se alargar a tenda e os horizontes. “As interpelações que brotam incessantemente desse chão amazônico nos colocam em comunhão com a realidade de toda terra. Nossa disponibilidade de resposta aos desafios locais nos faz dispostos, também, aos desafios que ecoam nos lugares mais distantes: da Igreja Local aos confins do mundo”, afirmam os bispos e todos os presentes no encontro.
CONFIRA AQUI A CARTA COMPLETA: Carta Compromisso:
Foto: Ana Paula, Assessora Arquidiocese de Manaus (AM)
Memória do Encontro
O V Encontro da Igreja na Amazônia teve início na última segunda-feira, à noite, com uma celebração seguida de uma mesa em que as lideranças do encontro apresentaram a proposta da atividade e acolheram os participantes. Na ocasião, a Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas esteve presente e entregou um caderno de respostas do Governo Federal às demandas da Igreja, como retorno às ações de incidência realizadas no final do ano passado pela REPAM-Brasil e CEA junto a uma série de ministérios e órgãos do governo.
O primeiro dia de encontro foi dedicado a um olhar para a realidade da Igreja na Amazônia. Na primeira parte do dia, os regionais apresentaram uma síntese do que vem sendo realizado nas Igrejas particulares à luz do Sínodo para a Amazônia e indicativos do Santarém 2022, apontando as conquistas e entraves. À tarde, foi feita uma análise conjuntura, quando foram destacados alguns pontos de alerta para a realidade contemporânea na Amazônia, que tocam diretamente os povos, a natureza e a Igreja. O dia foi concluído com uma apresentação da REPAM e CEAMA. O Cardeal Pedro Barreto, presidente da CEAMA, e Irmão João Gutemberg, secretário executivo da REPAM destacaram a caminhada dos organismos na trajetória após o Sínodo.
Retomar as linhas prioritárias afirmadas em Santarém 2022 e pensar compromissos comuns foi o trabalho realizado na manhã do segundo dia do encontro. Em pequenos grupos, os participantes fizeram sugestões de atividades concretas para serem implementadas. O material foi acolhido pela equipe de metodologia que sistematizou as contribuições e submeteu à plenária no final do dia. No período da tarde, foram discutidos alguns desdobramentos do caminho pós-Sínodo. Pe. Agenor Brighenti apresentou o caminho que vem sendo construído, desde 2020, na elaboração do Rito Amazônico. Ir. Sônia Matos partilhou sobre a experiência do regional Norte 1 em relação ao desdobramento da Ministerialidade. Ao final do dia, o grupo aprovou uma carta do encontro que será encaminhada ao Papa Francisco.
No terceiro e último dia de encontro, os participantes do encontro dialogaram sobre a presença da Igreja da Amazônia na Conferência do Clima (COP30). Dom Paulo Andreolli e Melillo Dinis apresentaram o que vem sendo construído e motivaram as lideranças eclesiais na articulação em vista da construção de ações de conscientização e mobilização para a COP30.
Dom Antônio de Assis, bispo auxiliar de Belém, apresentou a proposta para a celebração do Jubileu da Igreja da Amazônia. De acordo com ele, a ideia é que seja realizada concomitante ao processo da COP30, com um grande pavilhão e uma série de atividades que consigam atender a multiplicidade de participantes que estarão em Belém ao logo da Conferência. Para tanto, pretende-se envolver parceiros na realização da proposta, tais como escolas católicas, mídia, Conferência Nacional dos Religiosos e Religiosas do Brasil, entre outros. Foi destacado pela plenária, também, a necessidade de se pensar em estratégias locais para celebrações mais próximas das Igrejas particulares.
Avaliação dos Participantes
De acordo com Dom José Altevir da Silva, bispo prelado de Tefé, o encontro foi muito bom porque viemos fazendo memória do que foi proposto desde 1972, no primeiro encontro em Santarém, do que foi retomado 50 anos depois de Santarém, em 2022, e, principalmente, as expectativas do Sínodo para Amazônia. Para ele a retomada da caminhada, “vindo à tona esses momentos fortes para não cair no esquecimento, nos faz começar a colocar em prática dentro da nossa querida Amazônia todo essa novidade que o Evangelho de Jesus Cristo nos traz, principalmente através do Papa Francisco”, concluiu.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) participou ativamente do encontro, por meio da presença de Dom Ricardo Hoepers, secretário geral. “Como presidência da CNBB, queremos dar todo o apoio, todo o suporte necessário, não só para que essa região possa se articular mais, mas para que todo o Brasil conheça essa realidade, e o grande momento que teremos é o tema da Campanha da Fraternidade ano que vem, que vai tratar da Ecologia Integral”, destacou Dom Ricardo. Para ele, a CF 2025 pode ser um momento significativo para sensibilizar o Brasil para a o cuidado com a nossa querida Amazônia.
Ir. Sônia Matos participou do encontro e afirma que “foi muito importante, no sentido de um espaço de escuta recíproca, de aprofundamento, de coragem de enfrentar alguns temas, de levar adiante algumas reflexões, como a questão ministerialidade e do Rito Amazônico”. Ela destacou, ainda, a necessidade de se envolver mais pessoas no encontro para que não seja “só um encontro dos bispos da Amazônia, seja o encontro realmente eclesial, que se abra mais na sua eclesialalidade para que outros agentes de pastoral possam participar, sobretudo, aqueles que estão nas bases”, afirmou.
“Foram dias muitos fraternos de estudo e é uma oportunidade que o episcopado tem de se encontrar”, observou Dom João Muniz Alves, bispo do Xingu. Para ele, o tema da participação das mulheres na Igreja chamou bastante a atenção. “A mulher tem uma ação muito bonita no nosso território da Amazônia. O que seria da ação da Igreja sem a presença ativa e efetiva da mulher na Amazônia, questionou o bispo.
“Só o fato de a gente se encontrar já é importante”, afirmou Dom José Ionilton Lisboa, bispo prelado do Marajó. “Depois essa integração entre os diversos regionais, que a gente acaba acompanhando somente pelas redes sociais, nas notícias, até mesmo internamente do nosso próprio regional, é a oportunidade que a gente tem aqui de conhecer mais de perto alguns irmãos” destacou. Ele avaliou ser de fundamental importância a avaliação desses 2 anos após o lançamento do documento de Santarém 2022, revendo o que foi possível avançar desde lá.
Martha Bispo, secretária do regional Nordeste 5, afirmou que o gostou do encontro, “sobretudo das propostas que saem a partir das prioridades assumidas no encontro de 2022, em Santarém.” Para ela também foram importantes as cartas para o Papa Francisco e sobre as eleições. “Eu vou levando muita riqueza, muita coisa boa para o nosso regional”, finalizou.
O Relatório “Massacres no Campo” denuncia a violência persistente contra indígenas, camponeses e comunidades tradicionais no Brasil, revelando um sistema de justiça que favorece poderosos e perpetua a violência no campo
Por Osnilda Lima | Cepast-CNBB
Lançamento do relatório "O Massacre no Campo" | Foto: Heloisa Sousa/CPT
O relatório “Massacres no Campo”, lançado em 22 de agosto de 2024 pelo Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), denuncia a violência persistente contra povos indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores rurais no Brasil. O estudo, que se concentra nos massacres ocorridos entre 1985 e 2019, revela um sistema de justiça que falha em proteger os mais vulneráveis, perpetuando a impunidade e a injustiça no campo.
A versão digital do relatório pode ser acessada e baixada neste link (confira).
Lançamento do relatório “O Massacre no Campo” | Foto: Heloisa Sousa/CPT
Segundo a Halyme Antunes, integrante da equipe de pesquisa do relatório, os dados revelam um sistema de justiça deficitário, que enfrenta dificuldades na apuração dos massacres no campo e na violência rural. “O sistema ainda se mostra comprometido com o latifúndio e com aqueles que buscam expulsar posseiros, trabalhadores rurais e camponeses de suas terras e meios de subsistência”, sinaliza a pesquisadora.
Para Antunes, apresentar o relatório primeiro às vítimas é importante, pois ela se torna uma ferramenta para reivindicarem seus direitos e a punição dos responsáveis pela violência que sofrem. Ao se apropriarem da pesquisa, podem fortalecer suas demandas perante o Poder Judiciário e o Estado. “Essa estratégia visa empoderar as vítimas antes de levar a pesquisa a outras instâncias da sociedade, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e que a luta por justiça no campo ganhe força”, salienta Halyme.
Integrantes da equipe de pesquisa do relatório: Diego Augusto e Halyme Antunes
A pesquisa se aprofundou em seis casos emblemáticos de massacres, revelando padrões de criminalização das vítimas, uso de grupos armados privados e públicos e a influência de organizações como a União Democrática Ruralista (UDR) na perpetuação da violência. A impunidade é a norma, com o sistema de justiça atuando para proteger os interesses dos proprietários de terras.
A Amazônia Legal é o epicentro da violência, com 84% dos massacres ocorrendo na região. O Pará lidera o ranking, com 29 casos, seguido por Rondônia, com sete. O relatório aponta para um “Arco dos Massacres” que acompanha a expansão da fronteira agrícola.
Em relação ao relatório sobre a violência no campo, de acordo com Márcio Rodrigues, da etnia Puri, de Minas Gerais, que atua na questão indígena há mais de 30 anos, é fundamental destacar a questão indígena e dar maior visibilidade a essa problemática.
Marcio lembra que a pesquisa é uma ferramenta que poderá ajudar as comunidades indígenas e tradicionais a reivindicarem seus direitos e a punição dos responsáveis para que a justiça seja efetivada. Segundo a liderança indígena, ao se apropriarem do conhecimento gerado pelo relatório, “as comunidades podem fortalecer sua luta por justiça e resistir às investidas contra seus territórios e modos de vida”, enfatiza.
Márcio Rodrigues, da etnia Puri, de Minas Gerais
O estudo também destaca a necessidade de um debate sobre o conceito de “massacre continuado”, que abrange situações de conflito persistente e violência prolongada. A CPT defende a importância de manter viva a memória das vítimas e continuar a luta pela terra, única forma de transformar a estrutura fundiária brasileira e garantir justiça para aqueles silenciados.
O relatório é um chamado à ação, uma denúncia da violência sistêmica e da impunidade que assola o campo brasileiro. A luta pela terra é uma luta por direitos humanos, por justiça e por um futuro mais equitativo para todos os brasileiros.
Por equipe CPT Araguaia-Tocantins
Fotos: Ludimila Carvalho (CPT Araguaia Tocantins)
Na última terça-feira (20), a Comunidade Remanescente de Quilombo Dona Juscelina realizou na Casa Quilombola, Memorial Lucelina Gomes dos Santos, em Muricilândia, norte do estado do Tocantins, uma roda de conversa para celebrar o septuagésimo segundo aniversário da chegada dos pioneiros quilombolas em terras nortistas. Com o tema “Caminhos do Rio Muricizal: Vozes da Memória Ancestral”, o evento reuniu instituições parceiras, quilombolas de todas as idades, em especial, os filhos e filhas dos antepassados do quilombo que integraram a comitiva pioneira que chegou nas margens do rio que batizaram de Muricizal, em 20 de agosto de 1952, para um diálogo inspirador sobre as raízes e a trajetória histórica da comunidade.
Foi um espaço de troca intergeracional de saberes ancestrais, onde os mais jovens puderam aprender diretamente com aqueles e aquelas cujos pais viveram os primeiros anos de instalação do quilombo às margens do Rio Muricizal, nos Santos Campestres e nas Bandeiras Verdes localizadas em terras goianas (atualmente tocantinenses), parte importante da história deste povo quilombola que busca por liberdade, paz e dignidade desde o tráfico negreiro que lhes arrancaram da África-Mãe. Quilombolas, educadores, alunos e pesquisadores experienciaram a vida e a resistência que nasceram e se fortaleceram pelos caminhos de águas sagradas, e ouviram a história da comunidade a partir dos potentes relatos sobre a luta pela terra, a preservação da cultura e os desafios enfrentados ao longo dos anos.
No entanto, para os quilombolas, o momento de celebração este ano vem acompanhado de imensa preocupação, nos últimos meses a comunidade foi surpreendida com a informação da Superintendência Regional SR(TO) do INCRA que o processo administrativo de Regularização Territorial se encontra paralisado e na iminência de cancelamento e arquivamento, sob a justificativa de que não foi comprovada a trajetória histórica da comunidade, na produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). A comunidade, indignada com a tentativa de apagamento da sua história e com o desrespeito a luta quilombola no estado, afirmou que não foi apresentado nenhum parecer oficial do INCRA para a ocorrência da pretensa paralização, e não recebeu nenhuma informação documentada até o momento sobre essa decisão, senão o pronunciamento de um servidor da SR(TO) durante uma Oficina de Planejamento Participativo Regional do órgão, que aconteceu em 11 de abril de 2024, em Palmas.
Em um ofício protocolado na SR(TO) em maio do corrente ano (INCRA-SR-26/TO DOC N° 2971/24), a comunidade apresentando fundamentações históricas e jurídico-normativas, solicitou em caráter de urgência um parecer oficial sobre a suposta paralisação, cancelamento e arquivamento do processo administrativo de regularização territorial, além de uma cópia da integralidade do referido processo, mas até o momento a comunidade não obteve respostas.
A Comunidade Quilombola Dona Juscelina, que como muitos quilombos do Tocantins e do Brasil, teve sua trajetória histórica marcada de muita luta pela sobrevivência, primeiro a exploração europeia ainda em África, seguida dos navios negreiros, da escravização, da abolição que não libertou e deixou aprisionada a terra, nos anos seguintes padeceu com a fome do povo quilombola a miséria e a seca que assolou o nordeste brasileiro até o início do século XX, momento que os seus antepassados guiados pela força ancestral que lhes regem, pela fé e esperança em dias melhores, migraram para o norte brasileiro na busca das “bandeiras verdes” ou “Santos Campestres”, terras de paz e bem-viver, e, em 1952 o referido povo, na data em que celebraram ontem (20), chegaram às margens do rio que batizaram “Muricizal”, terras devolutas, sem cercas, onde se estabeleceram e fincaram raízes, atualmente, é o lugar que chamam de casa.
Para o quilombo, os últimos acontecimentos são parte de um projeto estrutural racista que ameaça desde sempre a existência das comunidades quilombolas e perseguem a todo custo a efetivação de seus direitos, e se tratando de uma tentativa de apagamento histórico que, se concretizada, coloca em risco a segurança dos quilombos do país, especialmente no tocante às garantias constitucionais de acesso à terra e ao território ancestral. A comunidade, junto de instituições e organizações parceiras, segue inspirada em seu lema “uma luta a cada dia”, que pronunciado incontáveis vezes pela matriarca quilombola dona Juscelina (em memória), motiva a resistência, a esperança pelo fim das ameaças, tentativas de violações e por dias melhores, em que os sonhos de todos se tornem reais: a conquista do território ancestral.
Mobilização e articulação entre povos originários e tradicionais, movimentos e entidades parceiras tem sido ferramenta de enfrentamento à violência que atinge as comunidades e também na defesa dos direitos
Heloisa Sousa | CPT
Foto: Heloisa Sousa
Animado com cantos e elementos de espiritualidade, o segundo dia do Seminário Povos e Comunidades Contra a Violência, nesta quarta-feira, iniciou com mística trazendo a terra, a água, as sementes e a palavra de Deus ao centro do espaço das falas. Dando continuidade ao momento de partilha dos desafios e conquistas nos territórios, iniciado no primeiro dia, os grupos destacaram a contaminação dos rios e das matas pela pulverização de agrotóxicos e garimpo de ouro, além da invasão dos empreendimentos de transição energética nas comunidades.
“Dos territórios vêm nossos direitos, nossas lutas, nossas espiritualidades e nossas forças e é nos territórios onde a gente constrói nossas redes”. A fala é do padre Dário Bossi, assessor da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora (Cepast-CNBB), que apresentou o Projeto Popular “O Brasil que queremos: o bem querer dos povos", lançado no dia 02 de agosto.
A manhã também contou com análise de conjuntura, realizada por Luis Ventura, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Segundo ele, uma boa análise deve ser feita a partir dos territórios, que são, ao mesmo tempo, o lugar do conflito e o lugar da vida, dos conhecimentos e das ancestralidades. “A luta pela terra e pelo território é a principal, é a mais estratégica. Sabemos que é absolutamente fundamental para o capital a invasão e o roubo dos territórios”.
Luis Ventura falou ainda do papel do Estado no fortalecimento do agronegócio e dos grandes empreendimentos da indústria energética, que violentam os povos. “A gente vem de uma noite escura, de quatro anos de governo Bolsonaro, um ano de governo Temer e um processo de ruptura. Mas nós não podemos usar isso como muleta para aceitar migalhas do atual governo e do Congresso”, alertou.
O momento foi de reflexão sobre os interesses políticos colocados acima dos direitos dos povos e comunidades. Ao mesmo tempo em que o posicionamento do Superior Tribunal Federal (STF), que definiu a tese do marco temporal como inconstitucional, é vista como uma vitória, é necessário retomar as mobilizações e enfrentamentos. “Como vamos enfrentar o cenário atual? A articulação é fundamental para os enfrentamentos, que devem passar pelas retomadas, autodemarcação dos territórios e cobrança permanente ao Estado. Não vamos recuar”, completou Luis.
Foto: Cláudia Pereira - APC |
Sinais de esperança e bem viver
Orientado pelo relato das experiências de luta de Alessandra Korap, liderança Munduruku, em seu território, o debate realizado na parte da tarde abordou questões como contaminação por mercúrio, saúde, formação de lideranças e a atuação das mulheres na luta.
“A gente precisou se posicionar, entrar na frente e falar que agora é nossa vez, que nós vamos decidir juntos”, contou Alessandra a respeito dos desafios enfrentados pelas mulheres nos espaços de decisão nas comunidades. A fala inspirou as demais participantes do seminário, que trouxeram as experiências de organizações de mulheres nos locais em que vivem.
Dona Ana, guardiã de sementes no Rio Grande do Norte, falou sobre a importância dos momentos de encontro, troca de saberes e experiências dos povos dos diversos territórios na continuidade e fortalecimento da luta. “Foi muito difícil para mim chegar até onde estou hoje, pegar em um microfone desses e falar. Hoje, eu faço tudo pelo conhecimento e pelo amor às sementes”, ressaltou.
Foto: Heloisa Sousa
O encerramento do dia enalteceu a Campanha Contra a Violência no Campo. Alessandra Farias, que integra a coordenação da Campanha e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), destacou que todas as ações são ferramentas de lutas contra ass várias formas de violência contra os povos.
Com informações da CPT Regional Acre e jornal Varadouro
O estado do Acre vive uma das piores secas de sua história. Na capital, Rio Branco, o nível do Rio Acre atingiu a marca de 1,41 metros, ficando apenas 16 centímetros acima do menor nível já registrado desde o início das medições, conforme dados do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma), da Secretaria do Meio Ambiente (Sema). A situação crítica levou o governo federal a reconhecer o estado de emergência em todos os 22 municípios acreanos, conforme a Portaria nº 2.850, publicada no Diário Oficial da União (DOU) e assinada pelo secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Wolnei Wolff.
Os impactos desta seca extrema são perceptíveis nas duas bacias que formam o Acre: a do Purus e a do Juruá. O volume baixo de mananciais coloca em risco o acesso de comunidades à água potável e alimentos. No começo do ano, muitas já tinham perdidos os roçados para a alagação – além do impacto da estiagem severa de 2023. Em muitos pontos, onde antes havia água, agora apenas estão grandes bancos de areia às margens dos rios.
O agravante das queimadas
Há mais de um mês, Rio Branco permanece em estado de emergência, à medida que a seca extrema continua a devastar a região. O Acre, historicamente sujeito a cheias e secas severas, enfrenta um cenário ainda mais dramático devido às queimadas que se alastram pela floresta amazônica, cobrindo o céu de fumaça e piorando as condições de vida da população.
O rastro do fogo pode ser visto no ambiente e através dos satélites de monitoramento. Segundo o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente (Labgama), da Ufac em Cruzeiro do Sul, até o último dia 31 de julho, o Acre registrou 17.228 hectares de cicatrizes de queimadas em seu território – ou seja, a marca do fogo deixada no solo.
Emergência Climática
A emergência climática parece ter se instalado de forma permanente na região, que luta para sobreviver em meio a desastres naturais cada vez mais frequentes e intensos. A falta de água e os incêndios florestais colocam em risco a saúde, a economia e a subsistência das comunidades locais, que dependem dos recursos naturais para sobreviver.
Com a seca, o acesso à água potável torna-se cada vez mais escasso, e provoca impactos socioeconômicos no estado. As autoridades locais e federais estão em alerta máximo, mas a solução para a emergência climática no Acre requer ações coordenadas e de longo prazo, que vão além das medidas emergenciais atualmente em vigor.
O cenário no Acre é um reflexo das mudanças climáticas globais, que têm intensificado eventos extremos em diversas partes do mundo. A população do estado, já acostumada a enfrentar as adversidades do clima, agora se vê desafiada por um novo patamar de instabilidade ambiental, que demanda respostas urgentes e eficazes.
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