Com histórico de expulsões, invasões e incêndios criminosos a comunidade quilombola, pesqueira e vazanteira de Croatá (MG), luta pela regularização fundiária de seu território
Por Cláudia Pereira | Articulação das Pastorais do Campo
O segundo documentário da série 'Povos da Beira D'Água' aborda a luta da comunidade quilombola de Croatá, em Januária, Norte de Minas Gerais. Marcada por um histórico de violência e violações de direitos, desde a década de 1970, a comunidade sofre com expulsões, invasões e incêndios criminosos, instigados por latifundiários que forçam a expansão de suas propriedades. A chegada de grandes projetos e a especulação imobiliária na região intensificaram os conflitos, colocando em risco a vida e a cultura da comunidade que reafirma em suas lutas a identidade de quilombola, pesqueira e vazanteira.
O documentário produzido pela Articulação das pastorais do Campo (APC), que é composta pelas pastorais: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas Brasileira e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). No ano de 2023 a comunicação da APC, que integra o coletivo de comunicadores das pastorais do campo, visitou a comunidade e produziu uma reportagem especial que destaca denúncias, consciência de identidade, preservação ambiental e sobretudo a luta pelo direito de ser e existir.
“Um documentário como esse é um instrumento importante. Precisamos denunciar aquilo que as comunidades estão vivendo e evidenciar as resistências das comunidades que lutam pelos seus direitos” ressaltou Thiago Valentim, secretário executivo da Articulação das Pastorais do Campo.
O segundo episódio da série ‘Povos da Beira D'Água' – Comunidade Croatá será publicado no dia 13 de dezembro às 19h no canal do YouTube da Articulação das Pastorais do Campo.
Margem do Rio São Francisco, comunidade de Croatá - MG - Foto| Cláudia Pereira - APC
Histórico de violações e conflitos
Os moradores de Croatá já sofreram várias expulsões de suas próprias terras, sendo a última em 2022, quando foram pressionados a serem removidos por jagunços a serviço de um fazendeiro, com o apoio da Polícia Militar, devido a uma cheia do Rio São Francisco.
A comunidade preserva a sua ancestralidade que é enraizada às margens do Rio São Francisco e tenta manter viva a resistência com a nova geração. Além das cheias do rio, da qual sabem conviver, precisam lidar com a especulação imobiliária, incêndios criminosos e a exploração ilegal de madeiras.
A comunidade de Croatá, é certificada pela Fundação Palmares, mas sofre com a demora na garantia de seus direitos territoriais. Apesar de o processo de demarcação estar em andamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) desde 2018 e contar com laudo técnico e antropológico, a comunidade continua sendo alvo de violência e disputas judiciais com fazendeiros. A ineficiência do Estado em garantir a titulação das terras da comunidade quilombola, expõe a fragilidade da política de proteção aos povos tradicionais do Norte de Minas Gerais.
“O nosso rio, nós sabemos que ele, quando enche, ele vai ter que passar, agora, o que não admitimos é que o fazendeiro que chega dizendo que o território é dele, e quer passar, tomar e quer retirar aquele povo. Isso não admitimos”, afirma Maria das Dores.
Foto | João Vitor Rodrigues - SPM
A luta pela titulação do território quilombola de Croatá, foi iniciada em 2013 com o reconhecimento da área como bem da Secretária de Patrimônio da União (SPU). Desde então o território sofre com as perseguições do fazendeiro e latifundiário, dono de uma das redes de supermercados do estado de MG. O fazendeiro ampliou as cercas de suas propriedades nas terras que pertencem à União e nas áreas que são reconhecidas como quilombolas.
“Eu sou novo, mas desde criança estou nessa luta com a minha mãe. Já sofremos perigo, mas não baixamos a guarda. Temos que manter esse nosso sonho que é ter essa terra livre, natureza livre. Nós estamos lutando por eles, pelo que é nosso”, disse o jovem Kaio Souza bastante emocionado ao ser entrevistado.
Além dos incêndios criminosos a comunidade sofre com a retirada ilegal de madeira - foto: João Vitor Rodrigues
O documentário destaca a denúncia de incêndios criminosos e a exploração ilegal de madeiras, que nos últimos anos tem intensificado e os órgão ambientais não cumprem com a sua função, dando margem para a omissão do Estado. No segundo semestre deste ano (2024), a comunidade passou quatro dias combatendo incêndios sem o apoio do corpo de bombeiros da região, que alegou falta de viaturas para atender à ocorrência.
“A comunidade de Croatá está cercada pelos fazendeiros, pelo rio e pela especulação imobiliária. A comunidade está muito próxima da cidade e essa questão é um outro gargalo que a comunidade tem que superar. Nós quanto pastorais sociais nos unimos para enfrentar esses desafios e lutar pelo acesso à terra”, disse Jerre Sales, agente da Cáritas (MG).
Croatá, como outras comunidades tradicionais da região, conta com o apoio das pastorais do campo, entre elas o Conselho Pastoral de Pescadores e Pescadoras (CPP), Cáritas e todas as articulações de pastorais e organismos da igreja que caminham junto pela causa dos Povos e Comunidades Tradicionais.
A narrativa do filme é construída a partir dos depoimentos dos moradores das comunidades que vivem na coletividade e da produção agroecológica, respeitando o ciclo da natureza e preservando o Velho Chico, como denominam de forma carinhosa e respeitosa o Rio São Francisco.
É importante ressaltar que o laudo antropológico realizado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e a certificação da Fundação Palmares, a comunidade quilombola de Croatá possui provas irrefutáveis de sua ancestralidade e vínculo com a terra. No entanto, a falta de implementação das políticas públicas garantidas pela Constituição federal impede que a comunidade viva em seu território de forma livre e segura.
Ficha Técnica:
Realização: Articulação das Pastorais do Campo
Produção e Reportagem: Cláudia Pereira | APC e João Victor Rodrigues | SPM
Direção: Cláudia Pereira e Humberto Capucci
Edição e Finalização: Humberto Capucci
Trilha Sonora: Antônio Cardoso, Zé Pinto, André Souza e Ewerton Oliveira
Apoio: Misereor