Por CPT Regional Rondônia
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Registros da comunidade e equipe CPT Rondônia
Um grupo de jagunços encapuzados destruiu na tarde desta quinta-feira, dia 01 de agosto de 2024, cerca de 10 casas da ocupação do Acampamento Ipê, um grupo de 125 famílias que reivindicam uma área de terra no Distrito de Tabajara, de Machadinho do Oeste, a 221 km da capital do estado, Porto Velho.
Enquanto o grupo estava serrando e destruindo as casas, carros com pessoas armadas e encapuzadas estavam situados na entrada do Acampamento, nas proximidades da área reivindicada, para impedir a aproximação e qualquer reação das famílias acampadas. Junto com as famílias, diversas crianças presentes corriam grave risco de serem vítimas da violência. As ações ocorrem sem nenhum mandato judicial nem diálogo com as famílias.
As imagens mostram a maioria dos participantes fardados como pertencentes a uma suposta empresa de segurança e escolta armada. Os moradores do Acampamento Ipê, localizado no município de Machadinho do Oeste, residem na área do acampamento há cerca de dois anos, após terem sofrido uma reintegração de posse da área reivindicada.
Em maio deste ano de 2024, acampados e acampadas relataram a uma missão da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, as constantes agressões que têm assolado o acampamento, entre elas o assassinato de uma liderança, vítima de 31 tiros, José Carlos dos Santos, de 54 anos, assassinado na noite de 14 de outubro de 2023, enquanto a esposa dele resultou ferida no pé. Outros têm sofrido graves ameaças de morte, solicitando a proteção do Programa de Defensores de Direitos Humanos, o que demonstra a gravidade da situação e o perigo enfrentado pelos residentes do acampamento.
Os moradores mencionaram também que alguns companheiros foram vítimas de prisões indevidas por parte da polícia da região em diversas ocasiões, e que a área é monitorada diariamente por jagunços, evidenciando um ambiente de constante tensão e ameaça. Os mesmos também têm divulgado numerosas filmagens que comprovam em outras ocasiões as violências sofridas dentro da área, incluindo destruição de roças e de casas, assim como incidentes envolvendo a polícia local. Uma destas ocorrências aconteceu em janeiro deste ano.
A população reivindica uma área de 3.000 alqueires de terra para Reforma Agrária, enquanto os herdeiros de João Carlos de Gênio se apresentam como proprietários da Fazenda Maroins. Segundo os acampados, a fazenda foi subdividida em várias áreas, acumulando total mais de 10.000 alqueires, a maior parte acrescentados de forma ilegal a um antigo título provisório, sem cumprimento das cláusulas resolutivas.
No ataque de hoje, diversas pessoas armadas e equipadas com motosserra destruíram casas, roças e mantimentos das famílias, roubando diversos pertences como lonas, que protegiam as famílias da chuva e do sol.
Os acampados também denunciam o desmatamento de madeira nativa, que os envolvidos alegam ser de manejo. Segundo os moradores, pessoas responsáveis pelas derrubadas das árvores também estariam ligadas ao massacre no Assentamento Taquaruçu do Norte, em Colniza (MT), ocorrido em 2017, quando nove trabalhadores rurais foram assassinados com requintes de crueldade.
Enquanto a destruição de casas e roças continua, diante desse cenário de violência e impunidade, os representantes do acampamento Ipê fazem um apelo por ajuda às famílias do acampamento, destacando que todos os órgãos responsáveis já tem sido repetidamente notificados sobre as violações e os crimes ocorridos, mas até o momento nenhuma ação efetiva foi tomada para garantir a segurança e o bem-estar das famílias, protegendo seus direitos fundamentais e proporcionando um ambiente seguro para suas reivindicações.
Uma reunião foi marcada com o Incra para o próximo dia 07/08 (quarta-feira), para discutir o assunto. Foram convidados o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Rondônia (DPE).
Por: Campanha Nacional “De Olho aberto para não virar escravo” - CPT
Foto: Bom Jesus da Lapa, Campanha da CPT contra trabalho escravo - arquivo CPT Nacional
Os resultados do combate ao trabalho escravo do último ano (2023) confirmam a tendência registrada nos dois anos anteriores: a retomada de números expressivos de fiscalização e de resgate, uma situação que, equivocadamente, alguns comentadores têm interpretado como a ressurgência de uma prática criminosa após 7 anos de “calmaria”. É sempre bom lembrar que número não é realidade: somente a ponta do iceberg que a vigilância da sociedade e as investigações do poder público conseguem trazer para a superfície visível.
A mobilização da categoria dos Auditores fiscais do trabalho, desde janeiro de 2024, manifesta o desdém com o qual esses combatentes da primeira linha têm sido tratados pelos últimos governos, chegando ao extremo de faltar mais de 40% do efetivo teoricamente aprovado para ir a campo, sem falar do abandono na área de equipamentos e meios de trabalho.
Nossa primeira saudação é para eles e para elas. Apesar das condições adversas, às vezes tirando leite de pedra, eles conseguem comprovar para a sociedade que o trabalho escravo nunca parou. Pelo contrário, continuou se propagando à sombra de políticas de abandono e precarização que, anos a fio, presidiram ao destino do país.
Números que questionam
Vejamos alguns dados, começando pelo ano de 2023 e ampliando para períodos recentes. Pela quantidade de pessoas resgatadas, os 5 estados que em 2023 mais ‘escravizaram’ — Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Piauí (nessa ordem) — formam um quinteto surpreendente. Isso porque nele não estão estados habituados a frequentar essa classificação inglória, como costumam ser Pará, Maranhão, Mato Grosso ou Bahia, estados nos quais, durante décadas, o trabalho escravo tem sido prática recorrente.
Outra curiosidade: este mesmo quinteto ‘2023’ já vem liderando praticamente desde 2015, mediante ínfimas diferenças na ordem dos fatores (Minas ficando à frente de Goiás — e de longe — na 1ª posição, ou Pará mantendo-se esporadicamente na 5ª posição).
No quinteto ‘2023’, como no de 2021-2024, estão representadas todas as grandes regiões do Brasil: Sudeste, Centro Oeste, Sul, Nordeste... Todas? Falta aquela que, na ótica da história do trabalho escravo contemporâneo, “deveria” ser a principal: a região por onde iniciou grande parte da luta moderna contra essa prática: a região Norte (e a Amazônia como um todo).
O Pará, que ocupou sempre a 1ª posição até 2014, passou para a 5ª posição no ranking 2015-2024 (e para a 7ª posição no ranking 2021-2024).
Entre 1995 e 2004, o bioma amazônico representou 64% dos resgatados (9.105 pessoas); essa proporção caiu para 31% no período 2005-2014 (11.500) e apenas 10% no período 2015-2024 (1.620).
Cerrado, espaço de expansão do agronegócio... e do trabalho escravo
Em contrapartida, é notável a posição dominante ‘conquistada’ pelos estados inseridos na região do ‘Cerrado’, território principal da expansão recente do agribusiness brasileiro. Os trabalhadores escravizados encontrados no Cerrado estavam em 49% do total em 1995-2004 (7.059), subiram para 56% em 2005-2014 (20.883) e 63% em 2015-2024 (10.041)
Para o período de 2021 a 2024, dos 9 estados com maior número de resgatados (5.914, ou 71% do total nacional), 7 estados têm seu território — em totalidade ou em sua maior parte — dentro do Cerrado. São eles, por ordem: Minas, Goiás, São Paulo, Piauí, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Bahia. Idem para o período 2015-2024: esses mesmos 7 estados permanecem no grupo dos 9 ‘campeões’ de resgates.
De 2015 para cá, neles foram resgatadas, uma média de 1.000 pessoas por ano (7 em cada 10 do total nacional). Sua força de trabalho era explorada, principalmente, em lavouras (350 resgatados por ano, sendo 140 na cultura do café, 90 entre soja e milho, 75 no alho), em canaviais (128), no extrativismo vegetal (43), na pecuária (34) ou na monocultura de árvores (16).
Situações contrastadas
Nos últimos 4 anos, mais da metade dos resgates se concentrou em apenas 2 estados: Minas e Goiás, ficando os outros 3 estados do quinteto com 20% dos resgatados. Em todos eles, o trabalho escravo é concentrado em atividades realizadas no campo e ligadas ao agronegócio — com destaques para o café e para o “retorno” do setor canavieiro:
- A disseminação da prática é grande em Minas Gerais: é alto o número anual de casos identificados no estado mineiro (70 ou mais), comparado ao de Goiás (15 a 20). Quanto às atividades econômicas envolvidas, 80% dos 739 resgatados de Goiás em 2023 foram retirados de 4 canaviais e 2 lavouras; em Minas Gerais, a maioria dos resgates foi concentrada em 2 setores: café (27 ocorrências) e carvoarias (12). Mesma situação em 2022, com a diferença de que, naquele ano, Minas Gerais resgatou 367 pessoas em 5 canaviais. Outro indício da disseminação do trabalho escravo em Minas: a prática foi flagrada em nada menos que 58 municípios em 2023 e 57 em 2022 (em Goiás: 18 municípios em 2023, 14 em 2022).
Trabalho Infantil no canavieiros na Bahia. Foto: João Ripper
- Em São Paulo: 27 dos 40 flagrantes de 2023 ocorreram fora do campo, mas metade dos resgatados foram encontrados no campo (196 deles em 6 canaviais).
- No Rio Grande do Sul: 9 em cada 10 resgatados de 2023 foram retirados de apenas 3 estabelecimentos, e virou manchete nacional o caso das vinícolas de Bento Gonçalves (Garibaldi, Saltão & Aurora), com seus 210 resgatados, quase todos negros, trazidos da Bahia por um gato “pejotizado” por nome “Fênix”. Em 2022, o trabalho rural havia também representado 10 dos 12 casos ali encontrados, com destaque na maçã onde é costumeira a contratação de trabalhadores indígenas trazidos de Mato Grosso do Sul.
- No Cerrado piauiense, o panorama é distinto: fora algumas lavouras de soja, o trabalho escravo é flagrado na extração de palha de carnaúba e em pedreiras, na atividade de britamento.
- No resto do país, em 10 estados a média ficou, em 2023, na faixa de 80 pessoas resgatadas: MA (107), PR (101), BA (94), MS (88), ES (77), AL (74), PA (74): esses mesmos estados têm ocupado posição semelhante (exceção: AL) ao longo dos últimos 3 anos (2021-2023). Por fim, outros 11 estados, cada um com uma média de 30 resgatados (PB, SC, CE, TO, RR, RJ, PE, RO, MT, AM, DF). Apenas 4 estados não tiveram resgate (AC, AP, RN, SE).
2023: número recorde
O total de fiscalizações e de resgates realizados em 2023 superou qualquer número observado desde 2010. O ano de 2023, por si só, representa o dobro da média registrada entre 2010 e 2022.
Mesmo assim fica essa dúvida: quantas pessoas nesta condição não foram resgatadas? Quantas situações semelhantes deixaram de ser denunciadas ou investigadas?
E mais essa pergunta: por que mistério — em contraste com os Cerrados - a região Norte e a Amazônia, também comprovadas áreas de expansão do agronegócio ao longo do famoso arco do desmatamento e espaço aberto para tantas atividades ilícitas, teriam escapado desta “nova onda” de trabalho escravo no país?
A média anual de resgates na Amazônia — 2.000 pessoas por ano no período 2003-2012 — caiu abaixo de 500 resgates anuais a partir de 2013, ficando na média de 300 por ano entre 2013 e 2018, e 235 de lá para cá (em 2023: 285). Paralelamente, verificamos que a média de fiscalizações de trabalho escravo na Amazônia, que era de 150 por ano entre 2003 e 2015, de lá para cá caiu abaixo de 100, com exceção dos anos de 2017 (114) e 2021 (140).
Foto: João Ripper
As dificuldades de acesso, mas, sobretudo, a desarticulação e os retrocessos nas políticas de controle ambiental, reforma agrária e fiscalização dos territórios, devem ser relacionados a esse recuo. Difícil é acreditar que a situação hoje visível na Amazônia seja reflexo da realidade: ela mais traduz um déficit crucial de fiscalização e uma falta de coordenação das ações do Estado — especialmente na área ambiental — que remetem a problemas criados por anos sucessivos de sub investimento em contratação e infraestrutura.
Neste contexto, o anúncio, feito em junho de 2023, de um concurso visando repor 900 vagas na carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho — ainda por ser efetivado — soou como um alívio. No entanto, isso não garante que serão providos os cargos tão necessários nas regiões hoje entre as mais deficitárias, se for considerada não apenas a população ativa existente, mas também a extensão do território a ser fiscalizado e suas dificuldades próprias.
Hoje, na Amazônia, estão lotados em torno de 200 Auditores Fiscais do Trabalho, menos que em São Paulo (292), Minas Gerais (223) ou Rio de Janeiro (216); o Norte tem 137 Auditores: menos que o Rio Grande do Sul (145).
Trabalho escravo doméstico
Um destaque importante nos últimos anos é a frequência de flagrantes no trabalho escravo doméstico (101 casos desde 2021). Uma atividade emblemática, essencialmente feminina, não exclusiva do ambiente urbano: entre as 41 pessoas resgatadas de serviços domésticos em 2023, 11 laboravam em residências rurais.
De novo, verificamos que os 5 estados liderando neste ramo tão emblemático da cultura escravocrata são quase os mesmos já citados acima, só trocando Piauí por Bahia: SP (11), RS (7), BA (6), MG (5), GO (2), sendo equiparado com RJ e PE.
Emblemático, o trabalho escravo doméstico pode ser assim considerado não só pela tradicionalidade desta prática em um país que tem 5,8 milhões de pessoas empregadas em serviços domésticos (92% são mulheres e 65% delas, negras), mas também pela força e recorrência das narrativas de naturalização apresentadas pelos próprios empregadores, encampadas por setores da mídia ou mesmo ratificadas por membros eminentes da magistratura, como ocorreu no caso recente — escandaloso — da empregada Sônia, mulher negra, com deficiência auditiva profunda, mantida analfabeta, sucessivamente resgatada e “retornada” ao lar dos seus patrões catarinenses, auto referidos como “pais afetivos” de uma senhora relegada por 40 anos no quartinho da casa grande.
Sônia Maria de Jesus. Foto: Divulgação
Neste caso específico se expressa com toda a sua crueldade, a contraditória condução da política brasileira de combate ao trabalho escravo. Inédita é a paralisia concertada das mais altas instâncias do Judiciário, exclusivamente empenhadas em acobertar, há quase um ano, a mais descarada prática escravagista de um dos seus membros de alta patente (desembargador de Justiça). Inacreditável é a inversão total de responsabilização que levou um Ministro do STJ a decretar investigação administrativa e penal contra o Auditor Fiscal do Trabalho que coordenou, com todas as regras da arte, a operação de resgate de Sônia em junho do ano passado. Insuportável é a re-vitimização da trabalhadora resgatada e, em seguida e até hoje, des-resgatada, devolvida aos seus patrões e privada do convívio da própria família biológica.
Em sua absurda extremidade, o caso de Sônia deixou de ser singular, tão revelador o caso se tornou da entranhada impregnação da cultura do quartinho e da naturalização da prática do trabalho escravo no discurso de quem dela se beneficia há séculos.
Quantas outras ‘Sônias’ precisarão aguardar uma vida para saírem (se saírem...) desta condição? Quem falhou?
Em tempo: nas características recorrentes das pessoas tratadas em condição análoga à de escravo está a cor: no registro oficial do Seguro-Desemprego onde, a partir de 2003, todo resgatado tem o nome inserido, apuramos que, entre as 8.309 pessoas incluídas entre 2016 e 2022, 6.813 se autodeclararam como pardas (65,2%) ou como pretas (16,8%): 4 em cada 5. Sônia é mais uma delas. #sonialivre!
Chega de Escravidão!
Para a CPT, o combate ao trabalho escravo nos remete à raiz do compromisso com o caráter sagrado da vida e sua absoluta dignidade. Nela, se conectam e se reforçam as lutas travadas pelos povos do campo contra todas as cercas que oprimem, degradam e matam a vida.
Por isso, vem! Entra na roda com a gente! Hoje lançamos essa campanha de sustentabilidade: um convite dirigido a você para lutarmos juntos pela erradicação do trabalho escravo e com as demais lutas conectadas com essa causa. Juntos, façamos nosso esse clamor: “Chega de Escravidão!”
Saiba mais e contribua com a continuidade da ação da CPT pelo site chegadeescravidao.org.br. Aguardamos você.
*Texto atualizado e publicado na coluna da Campanha em Defesa do Cerrado, no Mídia Ninja
Caso Gabriel Sales Pimenta: Ato de Reconhecimento de Responsabilidade do Estado
Juiz de Fora, 30 de julho de 2024 – O caso Gabriel Sales Pimenta e outros foi o primeiro decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em que se reconheceu o contexto de impunidade estrutural e violência contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil. Em sua sentença, a Corte não somente reitera sua jurisprudência sobre o dever reforçado dos Estados de prevenir, proteger e garantir o direito a defender direitos, mas também estabelece obrigações para o Estado brasileiro de reparar os danos sofridos e adotar medidas para sua não repetição.
O Brasil está entre os países mais violentos para aqueles e aquelas que trabalham cotidianamente para a defesa de direitos humanos, arriscando as suas vidas para que possamos avançar no fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. Deste modo, o cumprimento da sentença é também uma medida necessária e urgente para que violações de direitos, como as denunciadas no caso, não voltem a acontecer.
O ato público de reconhecimento de responsabilidade é um passo importantíssimo e simbólico para a reparação dos familiares de Gabriel. Também, deveria ser um marco do compromisso do Estado brasileiro para cumprir todas as medidas determinadas pela sentença e que estão pendentes de cumprimento. É fundamental que, neste esforço, além da criação de espaços institucionais, sejam garantidas as condições para o seu pleno funcionamento e para a participação social efetiva.
“Para nós, é extremamente importante; é um ato histórico que está acontecendo aqui hoje, esse pedido de desculpas formal do Estado brasileiro aos familiares do advogado Gabriel Sales Pimenta. Fazer justiça, preservar a memória e a história desse advogado lutador e defensor dos Direitos Humanos é, para mim, uma grande satisfação”, disse José Batista Gonçalves Afonso, advogado do Comissão Pastoral da Terra (CPT Marabá/PA), organização que litigou o caso perante a Corte IDH junto com o Centro por la Justiça e o Direito Internacional (CEJIL).
Destacamos, neste sentido, iniciativas como a criação dos grupos de trabalho no âmbito do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, que têm como objetivo a elaboração de um Plano Nacional para a proteção de pessoas defensoras, e do Conselho Nacional de Justiça, que deve elaborar recomendações para enfrentar a impunidade em relação às violências contra pessoas defensoras.
Contudo, ainda estão pendentes medidas importantes, como a criação de um protocolo nacional para a investigação de crimes contra pessoas defensoras de direitos humanos; um sistema de dados público e acessível sobre esses crimes; e um mecanismo que permita avançar no cumprimento de decisões internacionais que determinem a reabertura de investigações de casos prescritos de forma irregular.
“A importância da sentença e das medidas de reparação e de não repetição a serem construídas pela sociedade brasileira pode parecer algo meio distante, mas não é. […] Nós precisamos de uma política real de defesa dos defensores de direitos humanos advogados, lideranças indígenas, quilombolas, gente do povo, que estão sendo ameaçadas ou mortas pela violência do latifúndio, das milícias, em todos os cantos do Brasil”, disse Rafael Pimenta, irmão de Gabriel.
“A trajetória de Gabriel foi brutalmente interrompida no auge de seus esforços e de sua disposição, mas seu legado permanece, produzindo impactos até a atualidade. O dia de hoje, representa mais uma importante etapa nessa luta, mas é fundamental que a sociedade civil siga articulada e que o Estado brasileiro siga cooperante, para que a sentença alcance todo o seu potencial transformador e que a trajetória de Gabriel não seja novamente interrompida”, disse Lucas Arnaud, advogado do CEJIL.
Assim, esperamos que o presente ato de reconhecimento transcenda seu simbolismo enquanto reparação e possa representar um verdadeiro compromisso do Estado brasileiro pela prevenção, promoção e garantia do direito a defender direitos e pelo pleno cumprimento da sentença.
Organizações e denunciam falta de transparência e diálogo do Ministério dos Transportes, responsável pelo GT
Com informações do Movimento Tapajós Vivo e de
Leonardo Fernandes (Brasil de Fato – Brasília/DF)
Organizações entregaram carta ao Ministério dos Transportes, rompendo com o grupo de trabalho (Foto: Indira Barros/Quartzo Comunicação)
Organizações da sociedade civil que integram o Grupo de Trabalho (GT) criado pelo Ministério dos Transportes para debater o projeto da ferrovia Ferrogrão, anunciaram, na última segunda-feira (29/7), que não participam mais do grupo. A decisão das organizações ocorreu devido ao esvaziamento de um espaço que deveria ser de diálogo transversal e interministerial entre o governo e membros da sociedade civil, uma vez que não houve representantes da Casa Civil nas reuniões.
O projeto inicial da ferrovia possui estudos falhos, ignora impactos e desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades da região, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada no Brasil há mais de 20 anos. O traçado da ferrovia, paralelo à rodovia BR-163, vai resultar no desmatamento de mais de 2 mil km de floresta nativa, impacta 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas e afeta pelo menos 16 Terras Indígenas, além de diversos quilombos e comunidades tradicionais, um megaprojeto do agronegócio brasileiro que pode devastar 50 mil km² de Amazônia.
Na carta entregue ao Ministério dos Transportes, pelo Instituto Kabu, a Rede Xingu+, a Aliança #FerrogrãoNão e o Psol, as organizações afirmam que foram surpreendidas na semana passada com a informação de que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) havia anunciado a previsão de leilões para a construção da ferrovia para 2026. No documento, as entidades manifestam “discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema.”
Com o rompimento, as organizações integram a Aliança Contra a Ferrogrão: “Expressamos nossa discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema. No entanto, não mediremos esforços para barrar esses trilhos de destruição e seguiremos os diálogos com o governo federal de outras maneiras e em outras instâncias,” afirmam.
A atualização dos estudos de impactos socioambientais excluiu indígenas e sociedade civil. A estatal Infra S/A e o Ministério dos Transportes contrataram a mesma empresa que fez os primeiros estudos em 2012, sem discussão, transparência e participação da sociedade civil.
As organizações pedem que o governo brasileiro reconheça a inconstitucionalidade do traçado da Ferrogrão e cancele o empreendimento. “Do mesmo modo, é urgente promover a regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas e a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal na região. Projetos de infraestrutura e logística não podem seguir promovendo a destruição da Amazônia, do Cerrado e do futuro de todas e todos nós,” diz o texto.
“Nós não comemos soja. A gente não se alimenta de soja. A gente quer apenas água limpa e a floresta em pé,” declarou ao Brasil de Fato, Alessandra Korap Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri.
Cobrança ao governo
A decisão de se retirar do GT demonstra a insatisfação das organizações indígenas em relação ao andamento de projetos do governo que têm impactos diretos nas populações tradicionais. Alessandra Munduruku afirma que o próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é responsável pela situação, por privilegiar setores do agronegócio brasileiro, em detrimento dos povos originários.
“Olha o que esperar [do governo]? Esperar que aconteça uma nova Belo Monte? Como esperar? Na COP30, que o mundo vai estar todo de olho na Amazônia, e ele [Lula] vai construir essa Ferrogrão passando por cima de todo mundo?,” questionou.
A liderança indígena afirmou que as organizações seguirão em luta para barrar o “projeto de morte” do agronegócio.
“A gente vai impedir com as nossas próprias forças, com o nosso ritual, com a nossa pintura, com os nossos cantos, com a nossa língua, o nosso rio, a nossa floresta. Porque é isso que nos faz mover há 524 anos. Não vai ser essa Ferrogrão que vai nos matar. A gente vai continuar vivo, a gente vai continuar resistindo.”
Confira a matéria completa no Brasil de Fato, com as respostas da ANTT e Ministério dos Transportes.
23/04/2019 - Conflitos no Campo: BR 163 no oeste do Pará é palco de assassinatos e ameaças de morte
Por Edilson da Costa Albarado (Assessor regional da CPT/AM)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
No Estado do Amazonas, o movimento de ribeirinhos é muito marcante e mobilizou muitos amazônidas a resistirem, para existirem nos seus territórios, através de lutas coletivas e organizativas em prol da preservação das riquezas naturais, num primeiro momento e pela conservação num segundo momento. Uma das estratégias foi e continua sendo o manejo cuidadoso dessas riquezas da natureza, por meio de acordos coletivos de pesca, aprovados em assembleias comunitárias.
O texto trata dessa luta dos povos ribeirinhos do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Ilha Paraná de Parintins, no município de Parintins (AM), que existe até hoje no seu território de origem, por resistir à depredação da natureza; motivo que levou à criação do Grupo Ambiental Natureza Viva/GRANAV. Trata-se de uma organização não governamental que, a partir de 1992, passou a representar os interesses dos ribeirinhos, de forma institucionalizada, e com apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Parintins, institucionalizou-se e formou várias lideranças comunitárias, que passaram a desenvolver ações de preservação e conservação dos lagos existentes nas comunidades ribeirinhas do município.
A princípio, o movimento lutou pela garantia de alimento (peixe) para os moradores dessas comunidades, que na época os lagos eram abundantes, mas viviam ameaçados por pescadores profissionais, que invadiam esses lagos para desenvolver a pesca comercial predatória.
Os ribeirinhos preocupados com a depredação dos lagos e a falta do peixe, sua principal proteína, passaram a realizar empates nas entradas dos lagos, para impedir a entrada de grandes embarcações, que vinham do estado do Pará e do próprio estado do Amazonas, para realizar despesca para vender nos grandes centros.
Empate é uma técnica de enfrentamento usada com o propósito de impedir a pesca predatória e o desperdício. Segundo Spínola (1997) e Maybury-Lewis (1997), os empates ribeirinhos foram inspirados nos empates promovidos pelos seringueiros do estado do Acre, tendo como líder Chico Mendes.
Isso gerou conflitos e violência contra os ribeirinhos, que resistiram, inclusive sofrendo com prisão e responsabilização criminal pelos seus atos em defesa da vida no território. A CPT sempre esteve ao lado desses povos, inclusive, defendendo judicialmente as lideranças que responderam processo por defender os lagos.
A partir de 2008, as comunidades que tinham lagos no seu território, com o GRANAV e a CPT, passaram a dialogar sobre a criação de acordo de pesca, que inicialmente envolveu 22 lagos e 25 comunidades, em 2008, e, mais recentemente, em 2022, iniciou a revisão de dois acordos, concluindo em 2023, com a aprovação do acordo da região do Paraná de Parintins, coordenado pelo GRANAV e outro acordo, na região do Máximo, coordenado pela Cooperativa Agroextrativista e Turismo do Lago do Máximo/COOPMAFA.
No último dia 18 de junho, o Governo do Estado do Amazonas entregou duas Instruções Normativas de Acordo de Pesca no município de Parintins/AM. A Instrução Normativa n. 02, de 10 de maio de 2024, reconhece o Acordo de Pesca e estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do Complexo Histórico das Regiões: Paraná de Parintins, Valéria, Muritiba, Laguinho, Jauari e Miriti. Já a Instrução Normativa n. 03, de 15 de maio de 2024, reconhece o Acordo de Pesca e estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do complexo de Lagos da Região do Lago do Máximo e Zé Miri no PA Vila Amazônia.
As portarias são muito importantes para os comunitários. Elas são um instrumento legal que vai impedir a pesca predatória nos lagos que estão nos dois Acordos de Pesca, e num futuro próximo os lagos poderão recuperar a população de peixes e garantir alimento saudável e em quantidade suficiente para os assentamentos das Comunidades do PA Vila Amazônia e PAE Paraná de Parintins. Esses acordos de pesca são fruto da luta coletiva dos ribeirinhos(as), representandos pelo Grupo Ambiental Natureza Viva – GRANAV e COOPEMAFE.
Os acordos organizaram os lagos em: área de preservação – destinadas a manter o estoque de peixe para reprodução, onde a pesca fica proibida; área de autoconsumo – ambiente aquático de maior extensão, permitida a pesca para autoconsumo e comercial artesanal de pequena escola, para as famílias pertencentes às comunidades; área de autoconsumo – ambiente aquático menor e próximo à comunidade, destinado à pesca para alimentação das famílias; área do uso comercial/artesanal, destinada à atividade comercial, respeitando a legislação vigente.
Os referidos acordos estão em processo de publicação de suas respectivas portarias, mas ao tocante à gestão, foi criado, pelas organizações e órgãos públicos, um Comitê condutor, para monitorar e fiscalizar o cumprimento das referidas portarias. Dentre os órgãos envolvidos estão: Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas/IPAAM, Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas/IDAM, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente/SEDEMA, Câmara Municipal de Parintins, Associação dos Pescadores Z-17, Associação dos Pecuaristas de Parintins, Sindicato de pescadores/Sindi-Pesca, Promotoria de Justiça da 1ª Comarca de Parintins, Agência Fluvial de Parintins, Colônia dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Parintins/COLPPAPIN, Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Parintins/STTRPIN, Conselho dos Assentados da Gleba Vila Amazônia/COAGVA, Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado Amazonas/ADAF/Parintins, Universidade Federal do Amazonas/UFAM, Universidade do Estado do Amazonas/UEA, Comissão Pastoral da Terra/CPT, GRANAV e COOPMAFA.
Depoimentos das comunidades
Paulo Ribeiro Diniz, coordenador da associação da comunidade Aparecida (região do Miriti), afirma: “Esse acordo é muito importante para a comunidade, vai incentivar as pessoas a se conscientizarem de como preservar o nosso lago, e também de ter o pescado em nossa mesa com facilidade, com todos se envolvendo pra que esse projeto dê certo. E esperamos que vai dar certo, e nós possamos desfrutar, mas também as outras comunidades vizinhas, todo o município de Parintins e a região da gleba do Paraná de Parintins.”
Adilson da Costa Silva, morador da comunidade Menino Deus (região de Paraná de Parintins) e coordenador do GRANAV, também traz o seu depoimento: “Aprovar a minuta do acordo, pra nós, é a realização de um trabalho que vem desde os anos 2000, e com nossos pais desde os anos 1990, trabalhando a pesca na nossa região. O acordo é uma ferramenta que nós temos de controle tanto do nosso recurso que nós temos, quanto de controle social, e vai abranger os agricultores, pescadores, ribeirinhos e criadores, que também estão incluídos neste acordo. É uma oportunidade de a gente mexer com o povo, porque às vezes as pessoas estão muito acomodadas. E agora podem surgir novas oportunidades, como a questão da piscicultura, do manejo das espécies, do conhecimento da legislação ambiental, da educação, que é necessária. É a retomada de um trabalho de forma legal e com apoio do poder público.”
Adilson acrescenta que o monitoramento, fiscalização e planejamento é da comunidade, que ela não é apenas objeto da ação, ela é gestora do projeto. O comitê gestor é formado por vários órgãos da sociedade civil e públicos, e serve pra discutir e planejar ações pra que o acordo se torne prático.
Tiago Mourão, engenheiro de pesca do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), destaca: “Nós vamos cumprir aquilo que nós acordamos na Instrução Normativa. Quanto mais forte for este instrumento normativo, é melhor pra as comunidades, que podem também procurar a Polícia Militar e ajudar na fiscalização dos lagos. Elas só não vão poder entrar nas embarcações, porque é competência do Estado e do município. Vamos enviar esse processo para a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que vai avaliar essa instrução normativa e enviar para a assinatura do governador, tendo validação e força de lei. Vamos ter a parceria com outras instituições e as classes, como o Sindicato dos Pescadores, pra ajudar a ter força de lei nestes monitoramentos.”
Com esse Comitê condutor e com o apoio das comunidades envolvidas, espera-se que num futuro próximo, com o cumprimento desses acordos, os lagos voltem a ter fartura de peixes como pirarucu e mapará, e as famílias, alimento saudável e em quantidade suficiente para o consumo próprio; servir de fonte de renda para os pescadores artesanais, que vivem da renda da comercialização dos peixes que ainda existem. Com esses acordos, a tendência é aumentar a população de peixe e garantir, consequentemente, a permanência dos ribeirinhos nos seus territórios de origem na Amazônia parintinense.
*Edilson da Costa Albarado é Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará/UFPA, Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, Especialista em Educação Ambiental Urbana e Pedagogo. Assessor regional da CPT Amazonas. Contato: edilsonalbarado@gmail.com.
por Pe. Luis Miguel Modino, Assessor de Comunicação CNBB Regional Norte 1
e Vívian Marler, Assessora de Comunicação CNBB Regional Norte 2
Imagens: Assessoria de Comunicação da CNBB Regional Norte 1 /
Pascom da Prelazia do Marajó
Edição: Comunicação CPT Nacional
A cidade de Soure (PA), sede da prelazia do Marajó, acolheu na noite do sábado, 27 de julho de 2024, a posse canônica de dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, nomeado pelo Papa Francisco no dia 03 de novembro de 2023. A celebração de início da missão contou com a presença do núncio apostólico, dom Giambattista Diquattro, mais 16 bispos vindos das Arquidioceses de Belém, Santarém (PA) e Manaus (AM); Dioceses de Marabá, Cametá, Alto Xingu, Altamira, Bragança e Abaetetuba (PA); Roraima (RR); Palmas e Miracema do Tocantins (TO); e da Prelazia de Tefé (AM).
Dentre as lideranças eclesiásticas, estavam presentes: dom Irineu Roman, arcebispo de Santarém e presidente do Regional Norte 2 (Pará / Amapá), do qual faz parte a prelazia do Marajó; o cardeal Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte 1 (Amazonas / Roraima), onde dom Ionilton era bispo na prelazia de Itacoatiara (AM), e o atual bispo de Roraima, dom Evaristo Spengler, que foi seu predecessor como bispo do Marajó.
A população marajoara também marcou presença, além de padres, religiosas, representantes do laicato, familiares (irmã, primas e sobrinhos) e amigos de dom Ionilton, chegados de vários estados do Brasil, e agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da secretaria nacional e regionais Pará e Maranhão, instituição na qual ele atua como presidente.
Equipes da CPT e CNBB se deslocando para a posse de dom Ionilton
"Quando há partilha, todos comem e sobra"
Na homilia, o novo bispo do Marajó iniciou lembrando a atitude do profeta Eliseu, em uma atitude de solidariedade com quem passa fome, questionando se nós, “sabemos ser solidários e partilhar o que temos com quem não tem?”, ressaltando que “quando há partilha, todos comem e sobra; sem partilha alguns comem e outros passam fome”. Uma ideia também presente no Salmo 144, que mostra que saciar a fome é projeto de Deus, e que “a fome é negação da vontade de Deus; injustiça; má distribuição da renda e dos bens”.
Durante a homilia, Dom Ionilton questionou os presentes sobre como cada um estava dando seu testemunho de Fé diante de tanta miséria (Foto: Prelazia de Itacoatiara)
Seguindo as palavras de Paulo aos Efésios, o bispo do Marajó fez um chamado a avaliarmos “a vivência de nossa vocação de leigo, consagrado, ministro ordenado, missionário”, perguntando se “Estamos sendo coerentes? Estamos dando testemunho?”. Ele refletiu sobre o chamado a se suportar, na perspectiva de “dar suporte, sustentar, apoiar, ser presença solidária”.
As sandálias e o cajado simbolizando a vida humilde e a vida episcopal de Dom Ionilton, e o barco representando o futuro do novo bispo da Prelazia do Marajó que levará a Palavra às comunidades marajoaras (Foto: Prelazia do Marajó)
Jesus andante, missionário
No Evangelho, dom Ionilton destacou a atitude de Jesus andante, missionário, questionando para onde devemos ir em missão. Ele destacou que a preocupação de Jesus é que o povo coma, fazendo um chamado a fazer a mesma coisa. Ele lembrou as palavras de Papa Francisco, que considera um escândalo que muitos ficam sem o pão de cada dia, mesmo sendo produzida comida suficiente; que define a fome não só como uma tragédia, mas também uma vergonha. Isso tem que levar a superar a lógica fria do mercado, a não submeter os alimentos à especulação financeira, seguindo as palavras do Papa, que chama a criar um Fundo mundial para acabar com a fome com o dinheiro usado em armas e em outras despesas militares.
São atitudes que são puro Evangelho, insistiu dom Ionilton, que afirmou, seguindo a atitude do menino na passagem do Evangelho, que “Jesus quer que todos se envolvam e colaborem para saciar a fome das pessoas e aponta a partilha como o caminho para que a fome seja saciada e eliminada entre nós”, e que “não se pode estragar alimentos em uma sociedade de milhões de famintos”.
Dom Ionilton recebendo a estola que pertenceu ao frei João Xerri das mãos das coordenações nacional e regionais da CPT (Foto: Prelazia do Marajó)
A Comissão de Pastoral da Terra (CPT) fez-se presente através do presidente da coordenação nacional e das coordenações dos Regionais Norte 2 (Pará) e Nordeste 5 (Maranhão), que presentearam Dom Ionilton com a estola do frei João Xerri, um militante da solidariedade: “junto com meus amigos do Maranhão e Pará, queremos entregar um presente dos Dominicanos. Esta estola pertenceu ao frei dominicano João Xerri, que teve uma vida totalmente dedicada aos pobres. Dom Ionilton, nessa simplicidade, nesse jeito baiano de ser que assumiu a Amazônia, é uma pessoa que tem muito a nos oferecer”, disse Carlos Lima, presidente nacional da CPT.
Estar aqui como aquele que deve servir
No final da celebração, o novo bispo disse ter se esforçado bastante nos sete anos de bispo na prelazia de Itacoatiara para viver seu lema episcopal: “Estou no meio de vós como aquele que serve”, dizendo ter essa mesma disposição para sua nova missão: “estar aqui com vocês como aquele que deve servir, seguindo o exemplo do Mestre Jesus”.
Uma missão que acolheu diante do pedido da Igreja, ressaltando que “como Religioso Vocacionista, sempre acolhi as transferências como expressão da vontade de Deus”. Ele disse estar no Marajó “para ser mais um servidor, para somar com todas as forças vivas que já estão aqui fazendo a missão evangelizadora da Igreja acontecer, de todas as vocações, Leigos e Leigas, Ministros Ordenados, Seminaristas e Irmãos e Irmãs da Vida Consagrada e das Comunidades de Vida”.
Dom Ionilton Lisboa recebe o báculo das mãos do Núncio Apostólico Giambatistta Diquattro (Foto: Regional Norte 1)
Trabalhar juntos e juntas
A todos e todas, ele fez um pedido: “vamos juntos e juntas trabalhar para fazer o Reino de Deus continuar crescendo neste chão da Prelazia de Marajó. Vamos continuar sendo uma Prelazia Evangelizadora, Missionária, Ministerial, Samaritana e Ecológica”. Dom Ionilton disse chegar para ser bispo de todos, “mas deverei ser, de modo especial, o bispo de quem mais precisar de ajuda e apoio”, o bispo “de modo especial dos empobrecidos, excluídos e marginalizados, os preferidos de Jesus”, dando continuidade “à missão dos dois últimos irmãos bispos, Dom José Luis Azcona, OAR e Dom Evaristo Pascoal Spengler, OFM, com as necessárias adaptações que a realidade eclesial e social exigirem”.
Igualmente, o bispo disse chegar para continuar encarnando na realidade da Prelazia do Marajó as orientações do Papa Francisco, da CNBB Nacional e Regional Norte 2, do Sínodo para a Amazônia, das decisões do Encontro da Igreja na Amazônia (Santarém 2022), e as decisões da última Assembleia da Prelazia do Marajó em 2022. Ele enviou sua saudação ao povo da prelazia, aos servidores da Cúria, e lideranças eclesiais, ao administrador da prelazia no tempo da vacância de bispo, aos membros dos diversos conselhos, com quem disse querer contar.
Citando Santo Agostinho, “Para vocês sou bispo; com vocês sou cristão”, pediu que rezassem pelo seu serviço na prelazia, agradecendo a presença dos padres, consagrados, missionários, leigos e leigas, do Núncio apostólico e dos bispos, e daqueles que chegaram da prelazia de Itacoatiara, de sua Congregação Vocacionista, e de sua família, dos agentes da Comissão Pastoral da Terra, e de todos os que colaboraram na organização da celebração.
Dos 16 municípios que compõem o arquipélago, nove deles são parte da Prelazia do Marajó: Anajás, Afuá, Bagre, Breves, Chaves, Melgaço, Portel, Salvaterra e Soure.
Padre Casimiro Antoni Skorski, administrador diocesano, apresentou a Prelazia do Marajó, seus municípios, os padres, e apresentou o povo marajoara como a sua maior riqueza: “Coube a mim, um simples operário, preparar a nossa prelazia para a sua chegada. Na história dos 94 anos de caminhada da Prelazia do Marajó, hoje o senhor vai encontrar nove municípios, dez paróquias, dez padres agostinianos recoletos, três padres missionários de Fideldone da Polônia, três padres da comunidade Providência Santíssima, totalizando 26 padres trabalhando na prelazia. Várias comunidades de vida novas e seis seminaristas. E o povo, que é a nossa maior riqueza dessas terras. […] Sua nomeação é um Ato de Fé para esta Igreja, seja bem-vindo, a casa é sua, fica à vontade, conte com a nossa colaboração”, disse o administrador que ficou quatorze meses à frente da administração da prelazia.
"O maior tesouro desse arquipélago, dessas águas e dessas terras é o povo marajoara"
O antecessor de Dom Ionilton, Dom Evaristo Spengler, bispo da Diocese de Roraima, convidou Dom Pedro Brito e a Irmã Irene a acompanhá-lo nas boas-vindas, e apresentou aos presentes a diretoria da Rede Eclesiástica Pan-Americana – REPAM, a qual Dom Ionilton faz parte como secretário. Ao dividir a fala com Dom Pedro, Arcebispo de Palmas, no Tocantins, apresentou a importância do trabalho junto as comunidades no Marajó.
“Você está vindo para uma prelazia que já tem 94 anos de história, você vem para uma terra que tem sim, problemas sociais e a Igreja, historicamente, já há décadas tem, em decorrência da sua Fé, enfrentado essa busca com muita força. Mas o maior tesouro desse arquipélago, dessas águas e dessas terras, eu posso dizer com toda certeza, é o povo marajoara, que é um povo de muita fé, é um povo acolhedor, é um povo que busca a Deus com todo o seu coração, que não distingue a sua vida e a sua fé. A Igreja é a sua vida no dia a dia”, disse Dom Evaristo, relembrando sua passagem pela Ilha.
Dom Pedro Brito, Arcebispo de Palmas (TO) e presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica, enalteceu o trabalho realizado por Dom Ionilton como secretário da REPAM “a REPAM Está completando dez anos, nasceu sob a figura de Dom Cláudio Hummes, a quem nós temos muita reverência e muita deferência, e hoje está sob a nossa direção, a qual Dom Ionilton é o secretário, é aquele que guarda os segredos, é aquele que guarda os segredos bons. Mas hoje eu vim com uma missão, de lhe presentear com um símbolo que será a marca de seu trabalho, um barco, um símbolo que lhe fará navegar nesses mares tão bonitos da terra de Marajó, que lhe é ofertado com muita alegria, com muita fé, com muito amor, esse presente será importante para navegações, visitações, para o seu caminhar. Deus o abençoe!”, disse Dom Pedro.
Cardeal Dom Leonardo Ultich Steiner, Arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte 1, durante seu discurso (Foto: Regional Norte 1)
O Cardeal Dom Leonardo Ultich Steiner, Arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte 1, expressou sua preocupação inicial quanto a nomeação de Dom Ionilton para a Prelazia do Marajó, mas o que ele encontrou acalmou o seu coração: “eu queria agradecer primeiro a vocês [povo marajoara], que não sabem a aflição que tinha no meu coração quando começaram a chegar as notícias daqui, foi uma aflição. E hoje, vendo aqui esse modo de receber, esse modo carinhoso de receber para ele [Dom Ionilton], para mim é um grandíssimo alívio e motivo de grande alegria de vocês. Fomos enviados pelo Papa Francisco para a Amazônia como missionários e nós estamos muito felizes por estar aqui, tanto Dom Ionilton quanto eu, estamos muito felizes por estarmos na Amazônia e podermos experimentar esse Dom da Fé, esse modo de ser das comunidades, esse modo de mostrar que a fé é aquilo que anima, conduz, é sempre de novo, fortifica”, disse o Cardeal.
Padre Danilo da Prelazia de Itacoatiara durante os agradecimentos a Dom Ionilton, pelos serviços prestados naquela prelazia (Foto Regional Norte 1)
A Prelazia de Itacoatiara fez-se presente nas palavras do padre Danilo: “Nosso querido Dom José Ionilton, muito obrigado! Na bula que foi lida no início dessa celebração, o Papa dizia as suas virtudes humanas e pastorais que todos nós passamos também a perceber ali de perto, no dia a dia, na convivência, na caminhada da sua maneira de viver, sua simplicidade na sua maneira de estar próximo, de amar as pessoas. E quantas vezes nós, como prelazia, tentamos amarrar seus pés, suas mãos, muitas vezes dizer o que eu devia ou não o senhor deveria falar. E nós fomos percebendo que isso era impossível, porque jamais seria possível calar a voz de um grande profeta ali no nosso meio. E com a sua maneira de viver o Evangelho, foi nos revelando que isso era próprio de Deus, na nossa vida, no nosso caminhar, sua presença no nosso meio. Provocou a nossa acomodação, provocou o que nos tirou do nosso conforto para viver de maneira autêntica ao Evangelho. Tudo isso vai ficar também no nosso coração. O senhor não veio embora de Itacoatiara, permanece nos corações que o Senhor adentrou, nos lares que lhe recebeu ali”, disse emocionado o padre que foi um dos assessores diretos de Dom Ionilton em Itacoatiara.
Ao falar do amor por Marajó, Frei João Manoel, secretário da Província São Tomás Vilanova, dos Agostinianos Recoletos, colou a sua Congregação a disposição para a continuidade da missão “Marajó é nosso amor, nossa pérola. Hoje em dia estamos em três paróquias, dez padres da nossa província fazemos nossa missão pelo Evangelho e por amor a Deus. Conte com a nossa comunhão, com o nosso apoio, com nossa entrega a esse povo marajoara que a gente tanto ama”, disse
Nuncio Apostólico Giambattista Diquattro durante a leitura da mensagem do Papa Francisco (Foto Regional Norte 1)
Representando o Papa Francisco, o Nuncio Apostólico Giambattista Diquattro a manifestou o desejo do Santo Padre “estou aqui para transmitir a proximidade e o afeto do Santo Padre Francisco para com Dom José Ionilton, com a Prelazia de Marajó. Esta atenção especialíssima do Papa se manifesta neste momento solene da história da Prelazia. E enquanto o Santo Povo de Deus se prepara para celebrar o próximo ano Jubilar, o ano no qual a Palavra, a Palavra, a chave para o caminho da Igreja Universal desta Igreja será a palavra sinodalidade, ou seja, comunhão no caminho, amor a Jesus, seus irmãos, amor pela Igreja, ou seja, no seu Espirito Santo e no seu desejo que todos nós estejamos em unidade com Ele”, e continuou contando sobre sua promessa a Dom Azcona.
“Quando eu visitei Dom José Luis Azcona Hermoso, assegurei de que rezaríamos pela sua saúde e agora convido a todos juntos a rezarmos pela saúde de Dom Azcona um Pai Nosso Pai” disse, convidando os presentes a ficar de pé para a oração.
Prelazia do Marajó oferece, simbolicamente, um remo de boas-vindas a Dom Ionilton Lisboa (Foto Prelazia do Marajó)
A Prelazia do Marajó ofertou ao seu novo bispo um remo, como um simbolismo as boas-vindas e o desejo de uma ótima missão “queremos entregar este remo como um símbolo que representa os marajoaras para que o Senhor possa somar a nós na missão de poder, junto com esse povo que na fé tem uma devoção muito bonita também a Nossa Senhora. Para o senhor poder navegar, poder remar por esses muitos rios que têm o Marajó. Queremos que o senhor se sinta acolhido em nossa Prelazia e some conosco, remando nesses rios”.
Dom Ionilton Lisboa durante seu discurso de agradecimento (Foto: Regional Norte 1)
Ao final da celebração Dom Ionilton Lisboa, externou sua gratidão a todos que o acompanharam ao logo de sua vida e falou sobre sua nova missão na Prelazia do Marajó “vou dirigir essa mensagem a Igreja do Marajó, que me acolhe nesta noite para ser o seu quinto bispo ‘Eu estou no meio de vós como aquele que serve’, esse foi o versículo do Evangelho de Lucas 22, 27, que eu escolhi como meu lema de ordenação. Inicio hoje o meu serviço de Bispo aqui na Prelazia do Marajó do Marajó, com a disposição daquele que deve servir, seguindo o exemplo do Mestre Jesus.
[…] E estou aqui para somar com todas as forças vivas que já estão aqui fazendo a missão evangelizadora da Igreja acontecer. As forças de todas as vocações, dos leigos e leigas, ministros, ordenados, seminaristas, irmãos e irmãs da vida consagrada e das comunidades de vida. Vamos juntos e juntas trabalhar para fazer o Reino de Deus continuar crescendo nesse chão da Prelazia do Marajó.
Vamos continuar sendo uma Prelazia Evangelizadora, missionária, ministerial, samaritana e ecológica. […] tenho consciência que eu deverei ser, de modo especial, o bispo de quem mais precisarei de ajuda e apoio. Eu vim para ser o bispo de todas as pessoas, mas tenho consciência que deverei ser o bispo, de modo especial dos empobrecidos, dos excluídos, dos marginalizados, os preferidos de Jesus.
Povo marajoara junto com convidados e familiares de Dom Ionilton Lisboa presentes na Celebração de sua Posse como o bispo da Prelazia do Marajó (Foto: Prelazia do Marajó)
Eu vim para dar continuidade à missão dos nossos bispos que me antecederam aqui de modo particular dos últimos dois irmãos bispos, Dom José Luiz Azcona e Dom Evaristo Pascoal […] Eu vim, para dar continuidade à missão que eles já desenvolveram. É claro que com as necessárias e precisas adaptações, porque a realidade eclesial e social muda e, portanto, exige também mudanças no jeito da gente fazer a missão acontecer. Eu vim para continuar encarnando na realidade da Prelazia do Marajó, às orientações do Papa Francisco, da CNBB nacional e regional Norte 2, do Sínodo para a Amazônia […] Eu quero mandar a minha saudação aos moradores de cada município, católicos e não católicos, cristãos e não cristãos, crentes e não crentes que compõe a Prelazia do Marajó […] Rezem pelo meu serviço aqui na Prelazia de Marajó, eu sempre, desde o dia 3 de novembro, estou rezando por vocês. Nossa Senhora da Consolação interceda a Deus por nós […] E é claro, a nossa gratidão àquele que é a razão de ser de tudo que é o nosso Deus. Ele foi quem nos criou. Ele foi quem nos deu o Dom da Fé. Ele foi quem nos chamou a uma vocação. Ele foi quem nos confiou uma missão através da Igreja. Louvado seja Deus! Laudato Si!”, concluiu o novo bispo da Prelazia do Marajó, Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira.
Página 19 de 188