Por Equipe Mata Sul de Pernambuco
A imagem mostra o agricultor Geovane da Silva Santos, presidente da associação de moradores/as da comunidade do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros-PE, ajoelhado e clamando por justiça e vida digna no campo. Esse foi um dos momentos mais fortes ocorridos durante o lançamento estadual do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, realizado em 24 de julho, no auditório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra, no Recife. Naquele momento, agricultores e agricultoras de diversas comunidades que enfrentam conflitos agrários no estado fizeram vários relatos que denunciam o cenário de violações de direitos, violência e ausência do estado para combater o martírio e a expulsão no campo. E diante de uma plenária lotada, o agricultor Geovane se ajoelhou para pedir justiça, terra, moradia e o fim da violência no campo.
O gesto simbólico representa bem a indignação e a tristeza de Seu Geovane, dos mais de 200 camponeses e camponesas que ocuparam o auditório do Incra naquele dia e de tantas outras famílias espalhadas pelo estado de Pernambuco e pelo Brasil. São quase um milhão de pessoas no país e mais de 31 mil pessoas em Pernambuco que comungam da mesma realidade e do mesmo sonho de justiça, dignidade e terra para quem nela vive e trabalha.
Seu Geovane é pai de Jonathas Oliveira, menino de nove anos cruelmente assassinado há exatos um ano e seis meses, no dia 10 de fevereiro de 2022. As mobilizações e protestos contra o assassinato do garoto levaram o Governo de Pernambuco, ainda em 2022, a reconhecer a gravidade dos conflitos agrários que afligem comunidades posseiras situadas na Zona da Mata e a decretar a desapropriação das terras do Engenho onde vivem as mais de setenta famílias que formam a comunidade de Roncadorzinho.
O alívio diante da dor e da violência não durou muito. O juízo do processo de falência da Usina Santo André passou por cima do Decreto do Poder Executivo e sentenciou pela impossibilidade de desapropriação do imóvel pelo Poder Público, fazendo com que a dor e a angustia voltassem à comunidade. Para piorar o quadro, famílias da comunidade tiveram suas casas destruídas parcialmente com as fortes chuvas que atingiram o estado de Pernambuco durante os meses de junho e julho. Cerca de 99% das casas da comunidade são feitas de taipa. Três delas já foram condenadas pela Defesa Civil do Município de Barreiros. Uma dessas famílias, com nove crianças, está provisoriamente na escola da comunidade.
O agricultor Geovane, diante do sofrimento do assassinato do filho, da possibilidade de despejo enfrentada por sua comunidade, das casas de taipa vulneráveis, não suportou a dor e se ajoelhou para rogar aos poderes que olhem para quem luta pela terra. Foi o grito de sofrimento dos nascidos e criados nesse torrão de terra e que rogam a Deus por ajuda. Todos e todas que estavam naquele auditório no dia 24 de julho puderam ouvir e sentir a dor de quem clama e de quem faz de sua revolta a luta por justiça, terra e moradia.
A pergunta não cala: por que as elites querem o pouco que os pequenos têm para sobreviver? Que justiça será feita? Será que o Reino de Deus começará para essas famílias da comunidade de Roncadorzinho? Essas perguntas provocam ainda mais dor porque quem tem o poder de dar respostas se cala diante desses clamores. Ajoelhar foi o único gesto possível, não de fraqueza, mas de fé, que o agricultor Geovane da Silva encontrou para chamar atenção das autoridades que poderiam contribuir para uma vida digna no campo. “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 11,15).
Documento foi elaborado a partir do II Seminário Laudato Si’ e da 6ª Semana Social Brasileira
Fotografia: Derlane / Diocese de Roraima
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações de Libia Lopes (Ascom da Diocese de Roraima) e CPT Roraima
Com o tema “Mutirão pela Vida: Por Terra, Teto e Trabalho”, diversas organizações parceiras da Diocese de Roraima, incluindo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), elaboraram e assinaram uma Carta Compromisso, demonstrando seu apoio em traçar metas de defesa e promoção da Vida em todas as suas formas, abraçando causas cruciais junto aos povos do campo, das águas e da floresta, valorizando o protagonismo dos povos indígenas, camponeses, florestais e dos recursos hídricos. A rejeição ao agronegócio, ao desmatamento, mineração e hidrelétricas, com suas graves implicações ambientais, também figura como uma prioridade.
O documento está ligado ao II Seminário “Laudato Si’ Louvado Seja: Cuidando da Casa Comum”, promovido no mês de julho pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) na Universidade Federal de Roraima (UFRR), em consonância com a 6ª Semana Social Brasileira. Durante o seminário, três grupos de trabalho foram formados para se elaborarem propostas com base nos temas Terra, Teto e Águas e Florestas.
No âmbito da Terra, as propostas abrangem desde o resgate da autonomia indígena sobre os territórios até a construção de um estado livre de agrotóxicos, além da importância do plantio de árvores e a produção de alimentos saudáveis. No que diz respeito ao Teto, a busca é por políticas públicas habitacionais justas e sintonizadas com os demais direitos. Já nas discussões sobre Águas e Florestas, o desafio é trabalhar nas comunidades o olhar de defesa dos rios, fauna e flora, entendendo as comunidades como guardiãs desses tesouros naturais, preservando-os para as futuras gerações.
O documento aponta o estado de Roraima como inserido na realidade política e econômica do país, com diversas violações de direitos. Grandes projetos ligados ao agronegócio (como a expansão de plantação do dendê para produção de biodiesel), além da exploração ilegal de madeira e mineração, do narcotráfico e do crime organizado, ameaçam a vida dos defensores e das defensoras dos direitos humanos e da natureza na região, neste estado com uma realidade transfronteiriça.
Empreendimentos como a mineração e a construção da Usina Hidroelétrica do Bem Querer também foram apontados como bastante perigosos para a vida amazônica, e por isso a carta reivindica a imediata paralisação do licenciamento da usina, até que outras alternativas energéticas possam ser levantadas.
O documento instiga as comunidades das igrejas a enfrentarem os desafios socioambientais, reforçando a formação de base sob a perspectiva de fé e política, no engajamento cívico e na participação ativa nos conselhos de direitos, audiências públicas, reuniões das Câmaras Municipais e Assembleia Legislativa Estadual, bem como o envolvimento na política partidária. O protagonismo das juventudes nas lutas populares e na vida eclesial também foi destacado.
A Carta Compromisso também assume a importante tarefa de combater a violência contra grupos vulneráveis, como mulheres, jovens, crianças, pessoas idosas, indígenas, migrantes, ambientalistas, LGBTQIAPN+, comunidades periféricas, população em situação de rua e pessoas negras.
“Tenho a fé, esperança de que esse seminário fortaleceu, fortalece e fortalecerá a formação de base, a organização e a luta por vida aos povos, territórios sagrados banhados pelas águas sagradas do rio Branco, edificando e efetivando o compromisso da evangelização na dimensão orante, comunitária, participativa, samaritana, profética e sinodal, numa missão em rede por Vida e garantia de direitos em Roraima”, afirmou Dorismeire Almeida de Vasconcelos, animadora Laudato’Si e articuladora territorial da REPAM.
Acesse e baixe a Carta Compromisso.
Encontro reuniu agentes da CPT para construção e planejamento de ações estratégicas para erradicação do trabalho análogo à escravidão e fortalecimento da campanha “De Olho Aberto Para Não Virar Escravo!”
Por Heloisa Sousa | CPT Nacional
Fotos: Heloisa Sousa
Do dia 9 ao dia 11 de agosto, agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) dos regionais Tocantins, Piauí, Amazonas, Minas Gerais, Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Ceará, reuniram-se, em Araguaína (TO), para o encontro de formação da Campanha “De Olho Aberto Para Não Virar Escravo!”. Também estiveram presentes, da Secretaria Nacional, o coordenador Ronilson Costa e Flávio Marcos, do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc), além de Frei Klenner da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi/MS). Visando o fortalecimento da capacidade de trabalhadoras e trabalhadores, comunidades, territórios e sociedade, na superação das causas estruturais do trabalho escravo, a campanha permanente completa 26 anos em 2023.
Por meio de uma oficina ministrada por Carolina Motoki, assessora da campanha, e Evandro Rodrigues, agente da regional Tocantins, o encontro foi marcado pela troca de experiências sobre a atuação dos regionais no combate ao trabalho escravo e das articulações junto a entidades parceiras, apresentando as atividades realizadas este ano e planejamento das próximas ações.
O histórico e atuação da Comissão Pastoral da Terra no trabalho de denúncia, acolhimento das vítimas e cobrança de fiscalização perpassou os dias de formação. Há mais de 30 anos, a instituição, junto a organizações parceiras, promove redes comunitárias de vigilância, realiza processos preventivos, incentiva e acolhe denúncias de trabalho escravo. O Cedoc, Centro de Documentação da CPT, que colhe dados de violência no campo desde 1985, realiza ainda um trabalho de registro das notificações de resgate de trabalhadores escravizados no País, visibilizando os dados.
Os três dias de formação contaram com dinâmicas e momentos de reflexão coletiva sobre o assunto, bem como sobre o perfil de homens e mulheres vítimas de trabalho análogo a escravidão no campo brasileiro, mas também nas cidades, que vêm ganhando evidência nos últimos anos. “A invisibilidade do trabalho escravo feminino ainda é muito forte. Mas, desde o caso da Madalena [Gordiano], que apareceu na mídia, começaram a aparecer mais casos de trabalho escravo doméstico, que é majoritariamente composto por mulheres”, destaca Carol Motoki.
Acolhimento às vítimas
No segundo dia, houve aprofundamento e construção participativa das orientações para os processos do fluxo de atendimento às vítimas resgatadas, como acolhimento e encaminhamento para políticas públicas, destacando as particularidades de cada regional. Foram apresentadas as etapas de condução das denúncias, destacando a importância das operações colegiadas entre os vários órgãos de fiscalização, resgate e pagamento dos direitos das vítimas escravizadas.
“Quando há a denúncia, é importante saber se as informações descritas pelo trabalhador coincidem com o que é considerado trabalho escravo. O formulário e a entrevista são importantes nisso. Na época em que foi criado, houve uma conversa da CPT junto ao Grupo Móvel para construir isso, por isso, as denúncias feitas pela CPT são tidas como muito confiáveis” explica Xavier Plassat, agente da CPT Araguaia (TO) e coordenador da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo.
Evandro Rodrigues orientou os agentes sobre o preenchimento dos formulários, tanto o disponibilizado pela CPT, como o do Sistema Ipê, que são ferramentas fundamentais para que haja a denúncia e fiscalização das propriedades suspeitas praticar trabalho análogo à escravidão.
Um dos objetivos da campanha é pensar e construir estratégias para que o ciclo da escravização de trabalhadores seja quebrado. Assim, a articulação de ações de conscientização e desnaturalização da exploração dos trabalhadores, de resistência dos territórios camponeses e tradicionais, de cobrança da efetividade das políticas públicas e do fortalecimento da campanha, dentro e fora da CPT, foram discutidos no último dia de formação, para a prevenção e erradicação do trabalho escravo.
Com os pés imersos nas águas do Rio Lontra, foi realizada a mística de encerramento da formação. O momento foi de celebração da trajetória de luta e de agradecimento pelo esperançar coletivo por um futuro mais digno e justo às trabalhadoras e trabalhadores no Brasil.
Por Pe. Francisco de Aquino Jr*
*Doutor em Teologia, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte/CE, professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Do Boletim Rede de Cristãos | Artigo publicado no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 08-08-2023
No dia 17 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI) para investigar o MST. Articulada e controlada pela bancada ruralista e seus aliados, essa CPI é mais uma tentativa de criminalizar o MST e as lutas por Reforma Agrária e desviar a atenção da apuração dos atentados golpistas de 8 de janeiro.
A concentração da terra é uma das principais causas da desigualdade social e da fome do Brasil. Dados do Censo Agropecuário de 2017 revelam que, enquanto 1% dos imóveis do campo (acima de mil hectares) concentra 47,5% das terras agrícolas, 50% das propriedades (até 10 hectares) ocupam apenas 2,28% das terras. Nunca se fez reforma agrária no Brasil. E o pouco que se conseguiu é fruto de muita luta e até de muito sangue.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2013 e 2022 foram assassinadas 424 pessoas em conflitos no campo. Só em 2022, foram registrados 2.018 conflitos, envolvendo 909.450 pessoas e 47 assassinatos. Essa situação mostra a importância e a necessidade de movimentos camponeses como o MST. Eles são fundamentais na luta por Reforma Agrária e na defesa das famílias camponesas e de seus territórios. E justifica a necessidade de ocupação de terras como meio ou forma de pressão social e política. Sem organização, sem luta, sem ocupação não haverá Reforma Agrária nem justiça social no campo. E isso não é crime, é direito. Não é caso de polícia nem de CPI, mas de justiça social.
Crime é negar a função social da propriedade. Crime é deixar 33 milhões de pessoas passando fome. Crime é destruir o meio ambiente. Crime é atentar contra as leis de proteção ambiental, ‘abrindo a porteira para a boiada passar’. Crime é invadir terras indígenas, quilombolas e camponesas. Crime é formar milícia no campo e assassinar trabalhadores/as. Crime é trabalho escravo. E quem faz isso não é o MST nem os movimentos sociais… A propriedade privada é um direito legítimo e constitucional que deve ser garantido e protegido. Mas é direito de todos e não apenas de uma pequena elite que sempre usou o Estado para manter e ampliar seus privilégios. E não é um direito absoluto.
A própria Constituição Federal de 1988, ao falar dos direitos e deveres individuais e coletivos e coletivos (art. 5º), fala da “função social” da propriedade (inciso XXIII). Ela não pode estar acima dos direitos coletivos e atentar contra o bem comum da sociedade.
A Igreja católica, ao mesmo tempo em que afirma o direito de propriedade, insiste na função social da propriedade. Pio XI chama atenção para o caráter “individual e social” da propriedade (QA 45). Pio XII recorda que o direito de “propriedade” está subordinado ao direito mais fundamental e universal de “uso dos bens” (Rádio mensagem 01/06/1941). João XXIII insiste na “função social” da propriedade (MM 18, 27, 116). Paulo VI é ainda mais claro: “a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto”; “o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum (PP 23); “o bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato de sua extensão, de sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país” (PP 24).
João Paulo II reafirma que “o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens” (LE 14). E Francisco recolhe e sintetiza bem essa reflexão: E Francisco recolhe e sintetiza bem essa reflexão: “o princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma ‘regra de ouro’ do comportamento social e o ‘primeiro princípio de toda ordem ético-social” (LS 93); “o direito à propriedade privada só pode ser considerado um direito natural secundário e derivado ao princípio do destino universal dos bens” (FT 120).
Isso explica e justifica o empenho da Igreja em favor da Reforma Agrária e sua colaboração com os movimentos sociais que lutam para efetivar esse direito fundamental, bem como a defesa desses movimentos quando são atacados e criminalizados por sua luta pela Reforma Agrária e por justiça social. Está em jogo aqui a “destinação universal dos bens” que é condição para a justiça social, o bem comum e a paz social.“
Deus abençoe o MST e os movimentos que lutam por Reforma Agrária. Que continuem organizando o povo e ocupando terra, produzindo alimentos saudáveis e garantindo segurança alimentar.
Reforma agrária, já!!!! Viva o MST!!!
Por Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional
*Com informações do Cimi e CPT-MA
Legenda: Dona Maria Antônia (ao microfone), junto com a comunidade do Quilombo Bica, anfitriã e uma das articuladoras da Teia.
Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
"Com corpos e territórios livres, tecemos o bem viver": com este tema, os povos e comunidades tradicionais do Maranhão realizaram o seu 14o Encontrão da Teia, entre os dias 20 e 25 de julho no Quilombo Bica / Território Aldeia Velha, município de Pirapemas. Cerca de 900 pessoas estiveram presentes, de crianças a idosas, vindas de todo o Estado.
Pela primeira vez na história das Teias, os 14 povos indígenas do Maranhão estiveram presentes e representados: Akroá Gamella, Awá Guajá, Anapuru Muypurá, Tremembé de Engenho e da Raposa, Guajajara, Krenyê, Memortumré-Canela, Apanjêkrá-Canela, Kari’u Kariri, Ka’apor, Gavião, Krepym, Krikati e Tupinambá, bem como as comunidades quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, sertanejos, camponeses, pescadores e pescadoras.
Legenda: Pela primeira vez na história das Teias, os 14 povos indígenas do Maranhão estiveram presentes e representados - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
Organizações sociais e pastorais também apoiam o tecimento e marcaram presença durante as rodas de discussão, como a Comissão Pastoral da Terra - Regional Maranhão (CPT-MA); Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (Nera) da Universidade Federal do Maranhão; Justiça nos Trilhos (JnT) e os coletivos Crespas e Cacheadas, Reocupa, Rama e Emaranhadas.
"Eu só tenho a agradecer pela nossa comunidade receber a Teia desse ano. Essa vinda tem um significado muito importante, porque nos fortalece mais e nos dá a certeza de que não estamos sós, pra continuarmos lutando pelo território livre. Aqui o sofrimento é grande, mas quando participamos desses encontros, vamos entendendo nossos direitos e não nos submetemos mais à opressão de grileiros e fazendeiros", afirmou dona Maria Antônia, moradora do Quilombo Bica e uma das articuladoras da Teia.
O território Aldeia Velha é um lugar de acolhida, mas também de resistência diante dos conflitos, ocasionados pelo assédio constante do agronegócio, avançando diariamente nas propriedades e limitando as populações a terem acesso à terra e à água. Dos 7.600 hectares de área, apenas 248 são livres de fato e de direito, a partir de uma compra e doação da Diocese de Coroatá, através do então bispo Dom Reinaldo Pünder, falecido em 2011. Os demais continuam em disputa pelo reconhecimento legal, enquanto as comunidades sofrem com a invasão de fazendeiros e empresas, vendo reduzidas suas áreas de plantio e criação de animais.
Legenda: Dom Sebastião Bandeira Coêlho, bispo diocesano de Coroatá (MA), também esteve presente no encontro
Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
No espaço do encontro, um dos locais sagrados era a bica, um olho d’água protegido e morada das encantarias, que abastece a comunidade. Sempre preservada da aglomeração das pessoas, ela foi providencial durante todos os dias, seja para o beber, o preparo dos alimentos e o banho. Outro chão sagrado era a tenda principal, destinada às místicas de abertura, aos rituais dos povos e à chamada "fila do povo", momento de microfone aberto para as comunidades relatarem as situações de conflito em suas localidades, os anseios e também as vitórias.
"Os momentos de mística servem para fortalecer uma espiritualidade que nos une, uma oportunidade de nos conectarmos com a terra, com as águas, com essa natureza da qual fomos desconectados ao longo do tempo", afirma Lenora Rodrigues, da coordenação da CPT/MA. Ao redor da tenda, as pessoas ficaram acampadas em uma estrutura coberta, onde foi possível a convivência, cooperação e adaptação à realidade local. Uma programação que, mesmo construída, é fluida de acordo com a dinâmica do momento.
Legenda: Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
Dentre as denúncias, foi destacada a morosidade do Estado em não regularizar territórios herdados há séculos, desde a chegada dos ancestrais, uma garantia e um enfrentamento que têm de partir do poder público. A todo momento, a cobrança era sempre destinada a instituições em âmbito federal como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e estadual, caso do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), que até agora continuam de forma omissa diante dos crimes, isto quando não agem em favor do latifúndio e contra as comunidades.
Legenda: Povo Gavião, Terra Indígena Governador, município de Amarante (MA) - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
Um dos esteios da teia, a Soberania Alimentar foi motivo de discussão e prática das comunidades, que levaram parte do que produziram para todas as refeições, além de compartilharem sementes crioulas para o momento de troca. "Eu não trouxe semente, porque eu não tenho onde plantar na nossa comunidade, mas não podemos perder a esperança, porque a semente é que nem nós, e a gente só tem um território livre quando temos o que comer e onde plantar e tirar esse alimento. Quando a aranha faz a teia, o mais importante é que ela prepara o lugar onde pegar o alimento dela", afirmou o líder indígena Durval Tremembé, da Raposa.
Legenda: Líder indígena Durval Tremembé, da Raposa - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo
Outro momento forte de partilha aconteceu durante o terceiro dia da Teia, com a discussão sobre a libertação dos corpos, em depoimentos de mulheres vítimas de violência e que tiveram amigas e familiares vítimas de feminicídio, pessoas resgatadas de trabalho escravo, vítimas de racismo e LGBTQIAPN+fobia. O desafio de se afirmarem dentro de suas comunidades e no ambiente de universidade levou a várias reflexões sobre o pertencimento e a necessidade de serem acolhidas e respeitadas em suas individualidades, um processo de desconstrução de uma cultura baseada num padrão de homem branco que excluiu ao longo dos séculos a convivência entre a diversidade humana.
Ao final do encontro, a compreensão entre os povos venceu e levou a Teia para o seu 15º Encontrão no território Campestre, em Timbiras (MA), o primeiro em um contexto camponês. E assim, a Teia é sinônimo de resistência, de retomada das raízes, do contato com a natureza e da identificação da pessoa e de sua comunidade como parte integrante dela, por quem é fundamental lutar de forma conjunta pela preservação dos costumes, da espiritualidade, da soberania alimentar e da liberdade dos corpos e territórios.
Leia e baixe a CARTA DO 14º ENCONTRÃO DA TEIA DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO
Por Júlia Barbosa CPT Nacional | Com informações da Direção Política do Acampamento Dom Tomás Balduino
Na última sexta-feira (11), o Acampamento Dom Tomás Balduíno, localizado em Formosa, Goiás, recebeu a visita técnica da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Na ocasião, membros da Comissão ouviram os relatos de lideranças sobre a origem e trajetória de luta das famílias acampadas.
A visita técnica contou com a presença de autoridades dos poderes público e judiciário. Estiveram presentes: Dr. Romero do Carmo Cordeiro (juiz presidente da Comissão); Desembargador Anderson Máximo; Dra. Fabiana (Conselho Nacional de Justiça - CNJ); Dr. Tairo Esperança e Dr. Gustavo (Defensoria Pública do Estado de Goiás - DPE/GO), Dr. Ângela (ouvidora geral da DPE/GO); Dr Márcio Toledo (Ministério Público do Estado de Goiás); Dra Andreia Beatriz (Ministério Público do Estado de Goiás); Comarca de Formosa/GO; Dra. Maíra Coracy (ouvidora agrária do INCRA Nacional); Dra. Maria Cláudia Dadico (ouvidora nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar - MDA); Cláudia Farinha (superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA/DF); Claudia Nunes (Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno); e Saulo Reis (Comissão Pastoral da Terra Goiás).
Com as falas das autoridades, bem como pelas reportagens e conteúdos veiculados no dia seguinte à atividade, 12 de agosto, a avaliação da Direção Política da regional Dom Tomás Balduíno é que a visita técnica foi positiva para as famílias do Acampamento, em relação ao processo de reintegração de posse da área. A direção aguarda, ainda, o relatório do Dr. Romero do Carmo Cordeiro, para assim divulgar mais informações sobre o processo.
Ao final da visita, as famílias organizaram uma mesa de produção com alimentos cultivados no Acampamento Dom Tomás, que foram doados às pessoas presentes na atividade, incluindo os funcionários dos órgãos representados.
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