Legenda: Acidente com hélices de aerogeradores em comunidade no litoral do Piauí em 2020 (Foto: G1 / Divulgação)
João do Vale é membro da Comissão Pastoral da Terra, educador popular e professor universitário
Querido presidente Lula, que o mundo pode acabar, a gente já sabe. Ou melhor, que a existência humana na terra pode chegar ao fim, não há mais como duvidar. Aquele tempo, que chamávamos de futuro, e tinha dentro dele catástrofes ambientais gigantescas, chegou. Em níveis diversos, e com propósitos também diversos - você já deve ter observado isso - a humanidade tem apresentado caminhos de salvação. Os povos da natureza estão propondo a salvação da vida. As empresas e governos a salvação do capitalismo.
No meio disso tudo, incentivado, principalmente, por governos e empresas europeias, acontece o que estão chamando de transição energética, que seria, em síntese, deixar de usar fontes energéticas que emitem CO2 e causam o efeito estufa. Deixar de usar combustíveis fósseis - que emitem dióxido de carbono -, incentivando, assim, a instalação de usinas que produzem eletricidade a partir do vento e do sol. Até aí a história parece ser bem interessante. Porém, presidente Lula, tem uma outra parte dessa história que pouca gente tem contado, e que sem ela a conversa acaba se tornando mentirosa.
Presidente Lula, seria menos trágico se o que está nos levando ao fim do nosso mundo – ou queda do céu, como chamam os Yanomami - fosse somente as emissões de CO2. Assim, bastava mudar a matriz energética e não haveria mais o que se preocupar, viveríamos igual aqueles quadros antigos que retratavam o paraíso, com pessoas loiras fazendo piquenique com leões. Lembra desses quadros, presidente Lula?
Pois é, nem o paraíso loiro apresentado no quadro, nem a solução que vem sendo apresentada pelo capitalismo para a crise ambiental são reais. Não há como frear o fim do mundo, presidente Lula, sem rever a lógica do consumo sem limites, sem frear a mineração que tem cavado nossa cova, sem parar com a derrubada das florestas – todas elas, não só a amazônica. Sem se preocupar com o desaparecimento de espécies, com a poluição de rios e mares. Sem questionar o capitalismo.
A emissão de gases de efeito estufa é apenas um problema, dentro de vários outros. Porém, é o problema que o capitalismo percebeu que pode mexer sem deixar de ser capitalismo. Sem deixar de ser violento, ecocida, opressor e desigual. E, de quebra, ganhar muito dinheiro com isso. A solução que nos tem sido apresentada – ou melhor, empurrada – é a de mudar o modelo energético sem questionar o padrão de violência contra a natureza, contra os povos da natureza e a lógica de consumo. Ou seja, na verdade, na verdade, a chamada transição energética – ou pelo menos o modelo que a Europa está impondo e o Brasil está adotando de maneira irresponsável - não carrega consigo uma preocupação com o meio ambiente, mas é tão somente um jeito de colocar uma roupa nova no capitalismo.
O Brasil tem hoje 916 parques eólicos funcionando, a maioria no Nordeste, quase todos no sertão. Como eles têm se espalhado mais rápido do que conversa ruim, em poucos dias esse número não será verdadeiro. O argumento para a implementação desses parques – e para seu contínuo avanço – volto, é o da transição energética.
Porém, presidente Lula, o Brasil faz muito tempo que já utiliza energia renovável. Mais de três quartos de nossa eletricidade é produzida por uma matriz de energia considerada renovável e limpa, que são as hidroelétricas. O problema delas é outro e tem sido repetido pelos empreendimentos eólicos. Presidente Lula, se formos pesquisar direitinho – e nem precisa do ChatGPT – vamos ver que 73% do dióxido de carbono no Brasil é emitido pelo agronegócio. Por que, presidente Lula, não fazemos uma transição do modelo do agronegócio para o da agricultura tradicional camponesa, que é tradicionalmente não poluente?
A Europa não chega a um quinto de eletricidade produzida por fontes renováveis. E por que essa tal de transição está acontecendo aqui? Essas empresas de energia eólica, que passaram a ter controle total sobre os territórios camponeses, chegam em nosso país por um cálculo de mercado, e por encontrar aqui no Brasil uma legislação permissiva, que não regula – nem quer regular – praticamente nada sobre o tema. Esses dias, em um jornal de grande circulação, a chamada de capa era: Brasil, a Disneylândia das energias renováveis. A nossa vida, presidente Lula, para os gringos, é lugar de diversão. Ou melhor, ou pior, de enriquecimento.
E o que esses mais de novecentos parques eólicos tem causado onde chegaram? Muito sofrimento. Como assim? Explico:
Os parques – ou usinas – eólicas são instalados em territórios de comunidades camponesas e povos tradicionais, porém fingindo que elas não existem. Derrubada de árvores centenárias, promessas de coisas que nunca são cumpridas, contratos abusivos e ameaças é a metodologia usada pelas empresas – e apoiados pelos governos - para se instalar nesses lugares. As famílias perdem o direito de conviver com seus lugares e assumem a função de inquilinos. Como o governo federal tem incentivado o latifúndio de energia eólica, as comunidades são inundadas por imensas torres instaladas a poucos metros das casas, roçados e lugares de criação de animais.
Essas torres – chamadas também de aerogeradores – fazem, dia, noite e madrugada, sem parar, um barulho enlouquecedor – sem exagero algum na palavra - que impede as pessoas e bichos de dormirem. Não conheço nenhuma comunidade que esteja feliz vivendo com parques eólicos em seus territórios. Na verdade, arrendar a terra para a instalação de torres eólicas só tem valido a pena para latifundiários que não vivem nela. Quem, por assinar um contrato, é obrigado a viver ao lado do barulho de um parque eólico está tendo que escolher entre gastar o dinheiro com medicamentos para depressão ou sair de seu lugar ancestral e pagar o aluguel de uma casa na periferia de alguma cidade.
Presidente Lula, Dona Alzira, rezadeira, a pessoa mais idosa da Comunidade de Sobradinho, está com a pele do corpo caindo. Um pó tóxico liberado das torres eólicas cai sobre o telhado das casas, é levado pela chuva para as cisternas e ingerido por Dona Alzira e sua família. Dona Alzira fez um empréstimo para comprar os medicamentos, já que o salário mínimo que recebe de sua aposentadoria não permite comprar. Saiu ganhando o banco e o parque eólico, que se procurar direitinho corre o risco de pertencerem aos mesmos acionistas.
Na Comunidade de Pau Ferro, os porcos criados por Seu José estão tentando suicídio. O estresse causado pelo barulho dos aerogeradores tem os levado a automutilar-se até a morte. Na Comunidade Quilombola do Cumbe, os moradores, em sua maioria pescadores e pescadoras, dependem da permissão do parque eólico para visitar o cemitério, os lugares sagrados e o mar, que está cercado. Presidente Lula, já visitei comunidades que depois da chegada do parque eólico, ao menos uma pessoa por família passou a usar antidepressivos e ansiolíticos. Um adoecimento generalizado. Por não conseguirem dormir em razão do barulho, pressão alta, diabetes e problemas cardíacos passaram a ser cada vez mais comuns.
Imagino, presidente Lula, que você dorme uma noite silenciosa. Que no palácio da alvorada as emas não perturbam seu sono. Infelizmente quem viu uma torre eólica erguer-se a poucos metros de sua casa não desfruta do mesmo direito. Já imaginou você ter um problema e não conseguir dormir para descansar um pouco o juízo? E você estar doente e ter que conviver com um barulho insuportável ao seu lado? E uma criança? E um idoso? E as abelhas e passarinhos que sumiram quando os parques eólicos chegaram? O governo federal sabe disso tudo. Em todos os estados do Nordeste há comunidades articuladas fazendo as denúncias e cobrando uma solução, o governo permanece fingindo que nada está acontecendo, em silêncio. Ao contrário dos aerogeradores.
Esses parques eólicos ocupam dois, dez, vinte mil hectares cada e passam a ter controle sobre tudo que acontece. Nesses mais de novecentos parques em funcionamento, quantos milhões de hectares estão nas mãos de empresas estrangeiras? Dois, três, cinco milhões?
Presidente Lula, em suas viagens pela Europa você tem dito que o Brasil está disposto a ajudar na transição energética mundial com os parques eólicos no mar, chamados off shore – afinal, tem que ter um nome em inglês. Vamos traduzir isso tudo? Não satisfeitos com os quinhentos anos de colonização de nossas terras, agora estamos chamando os colonizadores para privatizar nossos mares. É bem triste ver que a atitude do governo tem sido oferecer os territórios da pesca artesanal à Europa. Qual seria a palavra em inglês pra isso?
Lembro que na última eleição, em que te defendemos a sonho e suor, presidente Lula, tínhamos a preocupação que você repetisse os mesmos erros em relação à natureza e aos povos da natureza. O que vemos agora é que não só repete os mesmos erros, como insiste em cometer erros novos. E o principal deles, e de onde saem a maioria dos outros, é de não levar a sério o que dizem os povos da natureza...
É sem discussão, presidente Lula, que já entrasse para a seleta lista dos presidentes que se preocuparam com a população pobre de um país. O mundo reconhece isso. Agora, presidente Lula, você tem uma chance de ser ainda mais do que isso, a de entrar para o ainda mais seleto grupo de lideranças que se preocuparam com a natureza e com a sobrevivência humana na terra. Você, presidente Lula, pode ficar pra história como um dos poucos presidentes que ouviu o povo que mora dentro das matas, nas margens de rios e mares, no pé do mangue e no alto das serras sobre o que fazer pra salvar a natureza. Por quê, presidente Lula, você optou por não fazer isso?
O que o governo tem dito, a propaganda que tem sido feita sobre a transição energética, sobre os parques eólicos, presidente Lula, é um mundo de fantasia, que seria muito bom que fosse realidade, mas não é. Não há como achar que empresas multinacionais, que a Europa, vai deixar de ser colonizadora. Ela, elas, vivem faz mais de cinco séculos às custas de nosso sofrimento. Existe uma expressão chique que aprendi: Zona de Sacrifício. Mas há como esperar que um governo eleito pelos povos da floresta, pelos movimentos sociais, pelo Nordeste, poderia realizar uma “transição energética” – as aspas, lembro, são merecidas – que não fosse às custas do sofrimento do nosso povo.
É ruim perceber que mais uma vez os de sempre – empresas capitalistas - ganham, e também os de sempre – povos da natureza – perdem, nisso que chamam de progresso, de desenvolvimento. Presidente, o que nós, que somos seres da mata, da zona rural, do mato, queremos, é continuar ouvindo o canto dos pássaros, o sopro o vento, o berrar da cabra. É continuar chamando o sossego de companheiro. E, pela primeira vez depois da invasão, ter uma paz duradoura. Mas vocês – aí, infelizmente, tenho que te incluir presidente Lula - não estão deixando. A pergunta que teima em ficar é: por que perde essa chance, presidente Lula?
Por Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional,
com informações e imagens da CPT Regional Acre e PJ Diocese de Rio Branco
Juventudes de diversos lugares, mas com o mesmo coração animado e potente, se encontraram neste fim de semana (27 a 29 de outubro), no encontro “Os caminhos do Bem Viver: juventudes semeando seus quintais!”, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Acre e a Pastoral da Juventude da Diocese de Rio Branco.
Foram mais de 60 jovens da capital e diversas regiões do estado do Acre, como Acrelândia, Assis Brasil, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, além da região sul do Amazonas (Boca do Acre e Pauini) e do vizinho país da Bolívia, celebrando a pluralidade dessa Amazônia que ultrapassa fronteiras, e refletindo sobre o quanto cada uma e cada um pode contribuir com a luta e defesa de territórios ameaçados, e que convivem com os conflitos de terra.
Pensando suas realidades a partir do chão em que pisa, cada grupo de jovens mostrou um pouco do que é ser parte de um mosaico de realidades: juventude do campo, urbana, indígena e em meio às diversidades. Momentos de mística trouxeram sempre mensagens de comunhão com a Terra, contemplando-a como Mãe e reafirmando que ela é parte de quem a habita, e quem a habita também é uma extensão dela.
E para valorizar o tema “Espalhando sementes de transformação, de ternura e teimosia”, o grupo se sentiu desafiado a compartilhar o que viveu e aprendeu com suas amizades, vínculos familiares, comunidades e paróquias, sempre na disposição de resistir, não fugir e nem se opor às lutas dos povos da floresta, que estão e são ameaçados constantemente.
O encontro contou com o apoio de Diego Aguiar (ao centro), da Rede Eclesial Pan Amazônica (REPAM) em Manaus, apoiando na assessoria
“Olá, sou Vinícius, tenho 20 anos de idade, sou da Pastoral da Juventude da Diocese de Rio Branco e da paróquia Cristo Libertador. Nesse encontro maravilhoso que vivenciei, teve muitas místicas boas, esse encontro me proporcionou a conhecer mais a CPT, que eu já tinha ouvido falar, mas não sabia direito como funcionava. Foi muito bom fazer parte desse encontro, nossa Noite Cultural foi muito boa também, e asoportunidades de conhecer outras pessoas, conhecer outros quintais. Já estou ansioso pro próximo que tiver! Certeza que estarei lá, com todo mundo!”
“Tô saindo desse encontro com meu coração cheio de alegria. Eu fiquei 3 dias com pessoas diferentes e ao mesmo tempo, iguais a mim, os mesmos problemas vivenciados. O tema do encontro me chamou muito a atenção, porque a juventude tem pouco espaço. E hoje, eu tô levando muita coisa pra juventude da minha comunidade. Tô muito grata e feliz de ter participado de um momento tão maravilhoso. Gostaria muito que tivessem mais encontros desses, para que os outros jovens da minha comunidade pudessem sentir a mesma coisa que eu senti em todos os momentos do encontro. O momento místico, o momento de se conectar com nosso quintal… eu vou voltando com um olhar muito mais profundo pro meu quintal, pra minha Amazônia. E voltando com uma vontade grande de mudar minha realidade e revolucionar!” – Francisca Duarte da Silva – município de Pauini (Sul do Amazonas)
“Hola, me llamo Franz Junior Nava Domínguez, representante de Bolivia en el encuentro de juventud de CPT, y sobre el evento fue una experiencia única, conocí a muchas personas, aprendi mucho y estoy muy agradecido por tomarmarno en cuenta como Bolivia. Para mí es muy fácil porque entiendo el idioma de portugués y lo hablo muy poco. No es nada difícil porque pasamos por lo mismo. El primer encuentro en Cruzeiro fue un poquito difícil, porque no conocía a nadie, solo a mi compañera, pero el segundo encuentro aquí en Río Branco fue más fácil, porque ya conocía a muchas personas. Gracias a ustedes por tomarnos encuenta a nosotros de Bolivia 🇧🇴”
A atividade contou com a exposição dos dados parciais de violência no campo no primeiro semestre de 2023 e análise da conjuntura política e agrária no Brasil
Por Júlia Barbosa | Comunicação CPT Nacional
A Comissão Pastoral da Terra participou, na tarde de ontem (30), da Plenária Nacional da Campanha Contra a Violência no Campo*. A atividade foi realizada em plataforma virtual, com a participação de diversas organizações e movimentos que aderem à Campanha, com o intuito de promover análise de conjuntura da política agrária no governo e dos movimentos populares do campo, além de pensar conjuntamente a construção dos próximos passos para o enraizamento da Campanha.
A atividade teve início com a exposição e análise dos dados parciais de violência no campo no primeiro semestre de 2023, lançados no dia 10 de outubro deste ano, pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc/CPT). Além do panorama geral do primeiro semestre de 2023, o coordenador do Cedoc, Tales Pinto, apresentou um comparativo dos dados de violência nos últimos dez anos no mesmo período.
Durante o primeiro semestre de 2023, o Cedoc registrou 973 conflitos no campo, com um aumento de 8% em comparação ao mesmo período de 2022, quando 900 conflitos foram registrados. Isto significa que o primeiro semestre de 2023 ocupa o 2o lugar em número de conflitos nos últimos 10 anos, ficando atrás apenas de 2020, quando 1.007 conflitos foram registrados pelo Cedoc.
"Os dados apresentados pela CPT são a expressão concreta da natureza do estado para combater as organizações populares em detrimento dos projetos de exploração e destruição do capital e do agronegócio", afirmou Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Os casos de Trabalho Escravo Rural também foram destaque nos dados do primeiro semestre. Houve um aumento no número de casos registrados (102) e de pessoas resgatadas em condições de trabalho análogas a escravidão (1.408), sendo o maior número de resgates dos últimos dez anos, no mesmo período.
Ao final da exposição, Tales evidenciou a atualização do número de assassinatos em contexto de conflitos no campo. Em relação ao primeiro semestre de 2023, o número de mortes violentas era de 14 pessoas. Na última sexta-feira (27/10), mais uma liderança quilombola foi assassinada. José Alberto Moreno Mendes, conhecido como Doka, foi morto a tiros em Itapecuru-Mirim, no Maranhão, por dois pistoleiros. Até a data de hoje, o número de mortes violentas já chega a 20 pessoas vitimadas.
Após o momento de exposição e análise dos dados, a Plenária teve seguimento com a análise de conjuntura, que contou com a explanação de Acácio Leite, da Associação Brasileira de Reforma Agrária, e de Ayala Ferreira, da direção nacional do MST. "Precisamos escalar o debate da violencia no campo e a Campanha, com suas organizações, tem conseguido fazer isso, porque estes dados que a CPT expõe não estão sendo debatidos nos órgãos do governo", afirmou Acácio.
A avaliação geral dos participantes da Plenária é que não há, por parte do governo, propostas de ações concretas em combate à violência no campo. Nesse sentido, Acácio reflete que a derrota da extrema direita nas urnas não é suficiente. "Paralisamos o retrocesso, mas precisamos avançar nas nossas lutas", afirmou.
Ayala deu seguimento à análise de conjuntura, afirmando que o que o movimento busca é uma agenda política a qual as propostas apresentadas pelo capital como saída para suas crises não suportam. "A insistência em manter um projeto de desenvolvimento baseado no capital coloca todas as possibilidades de vida em risco", concluiu Ayala.
* A Campanha Contra a Violência no Campo tem por objetivo propor ações políticas de proteção das comunidades do campo, das florestas e das águas. Propõe-se a sensibilizar a opinião pública nacional e internacional das denúncias que somam a cada dia contra a vida de homens, mulheres, jovens e crianças que defendem o chão para plantar, pescar e colher seu próprio alimento. Acompanhe pelo instagram (@contra_violencia_no_campo)
Carta enviada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pede que o Brasil forneça informações sobre vítima resgatada em regime análogo à escravidão em Florianópolis
Por Alessandra Monnerat | Uol - Editado por CPT Nacional
Foto: Arquivo Agência Brasil
Nove organizações e sindicatos expressaram "profunda preocupação" em uma carta enviada na sexta-feira, 27, à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a respeito da situação de uma mulher resgatada em condições análogas à escravidão doméstica em Florianópolis, Santa Catarina.
Na carta, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e outras organizações afirmam que "houve desrespeito aos procedimentos legais" da política de combate ao trabalho escravo no caso. A vítima foi resgatada em junho da casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mas voltou à convivência da família em setembro, após autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).
A CPT, responsável pela iniciativa, junto às demais organizações, pede que a CIDH questione o Brasil sobre a situação atual da vítima. As entidades perguntam se a mulher recebeu atendimento adequado e educação formal no pós-resgate e se o retorno dela à casa do desembargador ocorreu após sentença judicial definitiva. Outro questionamento levantado é sobre o afastamento do auditor do trabalho que denunciou o caso, Humberto Monteiro Camasmie. Ele é investigado por crime de violação de sigilo funcional por ter concedido uma entrevista ao Fantástico sobre o ocorrido. A carta também pede que o governo liste quais medidas tomou em relação ao caso da mulher resgatada e a casos de trabalho escravo.
Também assinam a comunicação: Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Instituto Trabalho Digno (ITD), Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Associação Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Anafitra) e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Relembre o caso da mulher mantida sob escravidão em Florianópolis
A mulher foi resgatada pela Polícia Federal (PF) em junho deste ano. As investigações apontaram que ela vivia em condições análogas à escravidão há 40 anos. A vítima é surda e muda, e nunca recebeu salário, assistência médica ou instrução formal. O Ministério Público do Trabalho (MPT) ouviu diversas testemunhas que lembraram situações de "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes".
Desembargador Jorge Luiz de Borba é acusado de manter uma mulher em condições análogas à escravidão e sua casa por 37 anos. Foto Assessoria de Imprensa - TJSC
De acordo com 11 depoimentos obtidos pelo Estadão, a mulher resgatada sofria com puxões de cabelo e beliscões, usava roupas "nojentas" e antigas, dormia em um "quarto mofado" fora da casa da família e não podia comer da mesma comida dos patrões. Uma das ex-funcionárias relatou que em uma ocasião a empregada apresentou uma poça de sangue e pus no ouvido.
No início de setembro, a mulher voltou à casa de onde tinha sido resgatada. O reencontro com a família do desembargador catarinense foi autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Ele manteve a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que não havia indícios suficientes de crime porque a empregada vivia "como se fosse membro da família". A Defensoria Pública vai recorrer ao STF da decisão.
O MPT afirmou que o reencontro foi um "circo estapafúrdio". Borba e a mulher dele teriam debochado da equipe de atendimento que acolheu a mulher resgatada e desrespeitado a decisão que autorizou o encontro. Eles levaram consigo dez advogados, uma escrevente cartorária, vários membros da família e empregados.
Jorge Luiz de Borba é desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) há 15 anos e foi advogado por quase 30. Ele presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Blumenau. Borba recebe salário de R$ 37,5 mil por mês e, de janeiro de 2022 a junho de 2023, recebeu R$ 271 mil em benefícios da magistratura, os chamados penduricalhos.
O magistrado nega a acusação de trabalho escravo; diz que acolheu a vítima em sua casa como um "ato de amor". Ele afirmou ainda que vai fazer um pedido de filiação da mulher para reconhecer a relação familiar.
Leia a carta: Caso Sônia Maria de Jesus
Por CPT João Pessoa
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) participou no dia 23/10, em João Pessoa (PB), de uma reunião com o Incra para tratar sobre a situação de 30 comunidades em situações diversas de conflitos na Paraíba.
"Esses grupos estão na luta pela terra. Em algumas comunidades foi feita a vistoria, mas diante do tempo que já se passou, não está valendo mais e precisa fazer novamente. Há comunidades fora da terra sem poder plantar, enquanto outras estão na terra, mas sem a garantia da desapropriação. Todo esse cenário acaba gerando uma grande insegurança nas vidas dessas famílias", explica o agente da CPT, Rogério Oliveira.
Dentre os encaminhamentos definidos na ocasião, será realizado um recadastramento para saber quantas famílias vivem em cada comunidade, além da quantidade de área necessária a ser desapropriada. Esse estudo será conduzido pelo Incra e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Essa é a terceira reunião de uma série de outros encontros que ocorrerão nos próximos meses. Também participaram o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
O evento exaltou a memória de Irmã Vera Lobo, agente pastoral histórica da CPT falecida em maio deste ano
Por Júlia Barbosa | Comunicação CPT Nacional
Foto: Júlia Barbosa | CPT Nacional
No último sábado (21), a IX Festa da Troca de Sementes Crioulas foi realizada na comunidade tradicional de Brumado, no município de Nossa Senhora do Livramento, em Mato Grosso. Com o tema 'Sementes no chão, fartura de pão', a nona edição trouxe a memória da agente histórica da Comissão Pastoral da Terra Regional Mato Grosso falecida em maio deste ano, com o lema 'Irmã Vera Maria Lobo virou semente… Irmã Vera Presente!'.
A IX Festa teve início com um café da manhã partilhado, com alimentos trazidos pelas famílias participantes. Logo em seguida, um momento de acolhida e apresentação de todas as comunidades presentes. A acolhida teve sequência com a realização de uma mística, exaltando a memória de luta e convivência de Irmã Vera junto às comunidades do campo de Mato Grosso.
Momento de acolhida das comunidades. Foto: Júlia Barbosa | CPT Nacional. Homenagens a Irmã Vera Lobo, querida agente da CPT MT. Foto: Júlia Barbosa | CPT Nacional.
Tendas temáticas
Para além da promoção da troca de sementes, a atividade contou com três tendas temáticas para reflexão e discussão coletiva, com os temas 'Agroecologia é vida', 'Plantas medicinais - promovendo o bem viver e o cuidado com a vida' e 'Cerrado - plantar árvores, colher água'. Divididos em grupos e com uma dinâmica de rodízio, todas e todos tiveram oportunidade de participar das três tendas de debate e contribuir com as discussões propostas.
Na tenda 'Agroecologia é vida', os enfrentamentos ao agronegócio e ao uso de agrotóxicos permeou o debate. "O agronegócio destrói a vida. Para nós, da agroecologia, sobrou a responsabilidade de gerar e preservar a vida", afirmou Maria Valéria, da Comunidade Serragem e presidente da Cooperativa Nossa Senhora do Livramento. Valéria reafirmou, ainda, a importância de praticar a agroecologia não só para o cultivo, mas em todas as relações cultivadas em vida: "Se alguém está sendo violento/a em suas relações, é porque não está vivendo a agroecologia", declarou.
O facilitador da roda de conversa, Roberto Prado, que é educador popular do Fundo Mato-Grossense de Apoio a Cultura da Semente (FASE/MT), também lembrou a origem devastadora dos hoje chamados defensivos agrícolas: "Agrotóxico é uma arma de guerra transformada em um insumo dito indispensável para o plantio", destacou. Durante a roda, ainda houve a partilha sobre os impactos dos agrotóxicos na vida das comunidades e o enfrentamento às violências do agronegócio.
Na tenda da saúde 'Plantas medicinais - promovendo o bem viver e o cuidado com a vida', a mesma preocupação foi destaque nas reflexões. Maria do Carmo, da Comunidade Buriti do Atalho e do Grupo de Mulheres Amiga do Cerrado, expôs sua inquietação com a silenciosa contaminação por agrotóxicos pela população brasileira, tanto no campo, quanto na cidade, que também envenena o solo, as águas e o ar: "Hoje é tanto veneno que colocam nas sementes transgênicas que a gente come e bebe desse veneno que nos adoece", afirmou.
A roda de conversa na tenda 'Cerrado - plantar árvores, colher água' também abordou questões importantes sobre a valorização e preservação do bioma. "Nós somos o Cerrado. No dia que o Cerrado acabar, nós também morremos. O Cerrado precisa ficar em pé. Nós precisamos preservar essa troca de sementes e de experiências para preservar o Cerrado", explicou Miguelina Campos, da Comunidade São Manoel do Pari, agricultora familiar e guardiã do Cerrado.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
O futuro depende das sementes
Após as tendas temáticas, a tarde teve início com uma apresentação de Siriri, uma dança tradicional do Mato Grosso, pelas mulheres da comunidade. Em seguida, vários cantos e rezas foram entoados pelos camponeses e camponesas, reforçando a importância do cuidado com a terra do Deus dos pobres.
"Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão" foi uma das orações que abençoaram as sementes crioulas partilhadas em seguida, num momento de troca e espiritualidade. Durante a partilha, um camponês contou que as sementes de milho trazidas por ele foram trocadas há mais de 30 anos, durante a primeira Festa da Troca de Sementes Crioulas, e que as mesmas já eram cultivadas há mais de 140 anos pela família com quem trocou pela primeira vez.
"Esta é uma festa da resistência camponesa popular, pois nosso futuro depende das sementes", afirmou Gloria María Grández, agente voluntária da CPT/MT. Nas comunidades, as sementes crioulas representam a ancestralidade, a resistência na terra e a tradição de partilha, mas também defendem a possibilidade de um futuro fraterno, com soberania alimentar e popular.
Fotos: Júlia Barbosa | CPT Nacional
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