Confira a análise do Conselho Nacional dos Direitos Humanos sobre a inconstitucionalidade do PL.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH publicou na última sexta-feira, 20, a nota técnica 01/2023 sobre o projeto de lei 2903/2023, o projeto do Marco Temporal, aprovado pelo Congresso Nacional. O documento analisou o projeto de lei à luz da Constituição Federal e dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário e recomendou à presidência da República veto integral ao projeto. No mesmo dia, o presidente Lula vetou parcialmente o PL 2903 e retirou o Marco Temporal da proposta. O veto parcial, porém, não elimina as ameaças aos direitos territoriais dos povos indígenas.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dois trechos do PL que não foram integralmente vetados por Lula geram maiores preocupações sobre violações aos direitos indígenas:
Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Mesmo com essa ameaça, reforçamos que os Povos indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso do PL 2903.
Os vetos parciais de Lula seguem para análise e votação pelo Congresso Nacional, em sessão conjunta entre Deputados e Senadores, que vão decidir se acatam ou não os vetos. Caso sejam mantidos, a lei será aprovada isenta dos trechos vetados. Caso os vetos sejam derrubados, a lei será aprovada integralmente, com todas as ameaças e violações de direitos dos povos indígenas.
Diante do veto parcial, o documento do CNDH mantém sua relevância para a compreensão das inconsistências do PL, pois aponta a “manifesta” inconstitucionalidade do projeto, reafirmando o direito constitucional dos povos indígenas às terras que ocupam, garantidos nos artigos 231 e 233 da Constituição Federal. O julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, que concluiu definitivamente pela rejeição da tese do marco temporal é retomado, mas também a convenção 196, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que garante o direito originário dos povos indígenas a suas terras.
A nota técnica cita manifestações feitas por diversos organismos internacionais que alertam para a violação de direitos humanos que a tese do marco temporal representa, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais e Ambientais (Redesca), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Comitê de Direitos Humanos da ONU, além de organizações brasileiras indígenas, indigenistas e do próprio Estado.
Além de apontar inconstitucionalidade da própria tese de um marco temporal, a nota aponta inconstitucionalidade nas alterações do procedimento de demarcação. De acordo com o projeto de lei aprovado, os interessados podem contestar a demarcação das terras indígenas a qualquer momento, o que, para o CNDH representa a criação de um procedimento “sem qualquer respaldo na literatura do direito administrativo ou do direito processual”. Afirma a nota que, “ao se permitir que pessoas interessadas contestem o procedimento de demarcação, a qualquer momento, o projeto de lei em exame não apenas viola o princípio da segurança jurídica, como atinge também frontalmente os princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo”.
A inconstitucionalidade também é observada na previsão de retomada de terras indígenas por alteração de traços culturais, o que contraria a convenção 169 da OIT, que estabelece a autoidentificação como critério para a definição dos povos indígenas.
A flexibilização do usufruto exclusivo das terras indígenas, para permitir, por exemplo, atividades energéticas, ou construção de estradas, sem prévia consulta às comunidades, é considerada pelo conselho como “verdadeiro atentado jurídico”. Já a possibilidade de contato com povos isolados, prevista pela lei, desrespeita “a autonomia, o direito de autodeterminação e as legislações internacionais”, além de abrirem “potencial risco de extermínio” e genocídio dos povos isolados.
A nota ainda aponta inconstitucionalidade na previsão de indenização a não indígenas, o que é vedado expressamente pela Constituição Federal, e na permissão do cultivo de organismos geneticamente modificados, o que poderá contaminar as sementes e espécies crioulas e nativas, “comprometendo a biodiversidade, o patrimônio genético dos povos indígenas, a segurança alimentar e o bem-estar”.
O documento finaliza com o princípio da proibição de retrocesso em matéria de direitos humanos. “Os dispositivos desse projeto de lei implicam grave retrocesso em matéria de direitos humanos, atingindo preceitos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969)l, da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), da Convenção nº 169 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”. Além de recomendar veto total ao projeto, a nota afirma que a “insistência do Poder Legislativo em inserir no ordenamento jurídico brasileiro dispositivos com manifestos conteúdos inconstitucionais, assim já declarados pela Suprema Corte, configura uma lamentável ofensa ao princípio da harmonia entre os Poderes da União e, portanto, uma violação ao disposto no art. 2º da Constituição”.
Leia a nota técnica 01/2023 na íntegra aqui.
Por Comunicação CPT Nacional
Em meio ao contexto internacional de ataques israelenses na disputa pela hegemonia dos territórios palestinos, a Assembleia Legislativa de Rondônia concedeu nesta segunda-feira, 16, o título de cidadão honorário rondoniense justamente ao maior agente causador e mantenedor do conflito, o primeiro-ministro de Israel.
Dentre os argumentos do deputado estadual que apresentou a proposta, está incluído que Benjamin Netanyahu promoveu “relevantes serviços prestados ao Brasil, que se estendem ao Estado”. É importante destacar que já são milhares de mortes nos territórios palestino e israelense, no conflito mais sangrento desde a fundação do Estado de Israel.
Diante disto, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Rondônia, junto a diversas outras organizações de trabalhadoras e trabalhadores rurais, povos e comunidades tradicionais e diversos segmentos sociais, elaboraram uma nota pública contra a ação de representantes do povo além das competências, que ignoram as diversas pautas do campo e políticas públicas voltadas a minimizar a violência e os conflitos agrários.
Confira a nota completa.
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NOTA PÚBLICA
HOMENAGEM RIDICULARIZA RONDÔNIA E ESTIMULA A CRUELDADE CONTRA AS MINORIAS
É patético o decreto da Presidência da Assembleia Legislativa (ALE RO) que colocou em ridículo o nome de Rondônia, ao homenagear o principal responsável pelas mortes na Palestina e em Israel. De extralimitação de suas competências a criação de um grupo parlamentar pró-israelita, imiscuindo-se na política exterior do Brasil, de competência federal. Ignorando as diversas pautas existentes em Rondônia, como as diversas mortes no campo vinculadas aos conflitos agrários, em que Rondônia ocupou em 2022 o Estado na Amazônia com maior número de assassinatos no campo, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra.
Quais “serviços relevantes" para Rondônia têm realizado aqui o extremista de direita que está à frente de Israel, a não ser dar um exemplo de invasão dos territórios imemoriais do povo palestino e o genocídio do seu povo?
Reduziu os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, para zombar da própria Constituição e Democracia. As custas da militarização de seu próprio país, provocou insistentemente um ataque, para depois poder retaliar, aniquilando sem piedade qualquer vestígio de paz e de justiça. Acabando com os últimos sobreviventes da Palestina, um povo condenado ao exílio, como os próprios judeus em um passado não tão distante.
Estas são as virtudes homenageadas pela maioria dos deputados estaduais de nosso Estado de Rondônia?
Cruel e desumana, pois a mesma atitude vem aqui acompanhada também por uma política de genocídio e extermínio, de impunidade intencional da violência que no campo já se cobrou os últimos dez anos mais de noventa mortes, cinco delas neste mesmo ano de 2023.
Intimidações e ameaças armadas contra aqueles que em nosso Estado se atrevem a demandar por demarcação das Terras Indígenas, dos ancestrais territórios quilombolas, com a grilagem e o roubo das terras públicas, a destruição das Reservas Extrativistas e a expulsão dos povos tradicionais.
Negação da Reforma Agrária, às terras da agricultura familiar favorecendo o latifúndio improdutivo.
Promoção da derrubada da floresta, contribuindo com índice de desmatamento e do fogo nos últimos remanescentes das florestas, a destruição dos rios e das águas pelo garimpo sem controle.
Ausência de reforma urbana que coloca milhares de pessoas nas ruas da capital Porto Velho e na insegurança jurídica do direito humano à moradia por todo o estado.
Ignora os Direitos da Natureza, a Constituição Brasileira, a Democracia e os Direitos Humanos, assim como dos Povos Originários.
Nega a justiça na distribuição da terra e dos seus bens, criada por Deus para todas, todos e todes visando uma sociedade igualitária.
Se algo deve ser dito por essa casa de leis que seja em nome da Paz e dos inocentes desta guerra. Repudiamos quaisquer atos que venham a enaltecer a perseguição e extermínio de um povo!
A estes inocentes, vítimas de uma guerra maldita balizada pelo capital, manifestamos nossa SOLIDARIEDADE. Que a Paz seja estabelecida e que o Amor e a Justiça prevaleçam!
Porto Velho-RO, 17 de outubro de 2023.
Subscrevem essa Nota Pública:
Entre janeiro e junho de 2023, Goiás foi o estado com maior número de registros de conflitos por terra em todo o Brasil. Governo Estadual se destaca como maior causador da violência no campo
Por Comunicação CPT Goiás
Dados parciais registrados no primeiro semestre de 2023 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra, apontam para grande aumento no número de ocorrências de conflitos no campo no estado de Goiás. De janeiro a junho deste ano, foram 85 ocorrências registradas, tendo como principal causador da violência contra a ocupação e a posse da terra o governo do estado. No mesmo período foi realizado apenas um registro de ocupação de terras, referentes a uma área que já pertence ao INCRA.
Goiás foi, no primeiro semestre deste ano, o estado com maior número de ocorrências de conflito por terra e território em todo o Brasil. O número é quase 4 vezes maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando foram registradas 22 ocorrências, um aumento de mais de 386% no número de registros. A categoria Governo estadual aparece como causadora do conflito em 55,29% das ocorrências (47 ocorrências), seguida da categoria Fazendeiro, que aparece como causadora em 24,70% dos registros (21 ocorrências), e Empresário, categoria apontada como responsável por 7,05% das ocorrências (6 ocorrências).
Gráfico: Número de ocorrências de violência contra a ocupação e a posse em Goiás – Série Histórica 2014-2023 (Fonte: Centro de Documentação (Cedoc) CPT Nacional)
O aumento dos conflitos no campo em Goiás, sobre o qual as comunidades e movimentos do campo têm alertado permanentemente as autoridades e a imprensa goiana, foi tratado este ano em reunião na Secretaria de Segurança Pública e denunciado por diversas vezes na imprensa e junto ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-GO, Ouvidorias Nacionais do MDA e INCRA, em que fizeram os devidos encaminhamentos às instâncias competentes do governo de Goiás.
Além dos conflitos por terra e território, que representam 87,62% do total dos registros, foram registradas 6 ocorrências de conflitos pela água e 6 ocorrências de trabalho rural análogo à escravidão. Ao todo, foram registradas 97 ocorrências de conflitos no campo no primeiro semestre de 2023 no estado de Goiás, um número maior do que o total de registros realizados em todo o ano de 2022, que somaram ao todo 78 ocorrências*.
De acordo com dados da Campanha Nacional Contra o Trabalho Escravo, foram 373 trabalhadores resgatados do trabalho escravo rural em Goiás no primeiro semestre de 2023. A maior parte destas pessoas foram resgatadas em grandes fazendas e empresas do agronegócio. O número mostra um aumento significativo em relação ao volume de trabalhadores resgatados no último ano. Em todo o ano de 2022, Goiás registrou 15 ocorrências de trabalho escravo rural, com um total de 258 pessoas resgatadas. Em 2021, pico da última série histórica de 10 anos, foram 304 trabalhadores resgatados do trabalho escravo rural.
*Dado publicado no caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, da Comissão Pastoral da Terra, e no encarte “Conflitos no Campo 2022 – Análise dos dados do estado de Goiás”. O banco de dados sobre conflitos no campo do Centro de Documentação (Cedoc) Dom Tomás Balduíno/CPT é atualizado de forma permanente. Atualmente, os registros somam 82 conflitos ocorridos em 2022 (Consulta realizada no dia 16 de outubro de 2023).
Desde terras amazônicas, os 27 anos da Rede dos Advogados e Advogadas Populares - RENAP - é marcado pela reafirmação do compromisso com os movimentos sociais e fortalecimento da assessoria jurídica popular
Via Página do MST
Foto: Reprodução
Entre os dias 05 a 08 de outubro de 2023, cerca de quarenta advogadas e advogados populares de todas as regiões do país se reuniram em Porto Velho – Rondônia para o XXVII Encontro Nacional da Rede de Advogadas e Advogados Populares – RENAP. Também estiveram presentes organizações da sociedade civil, universidades, representantes de órgãos públicos e movimentos sociais e populares ligados à defesa dos direitos humanos e da natureza.
A RENAP se constitui como um dos espaços que historicamente realiza a articulação de advogadas/os que atuam com os movimentos populares no Brasil, em suas diversas dimensões estruturais de classe, gênero, raça, diversidade sexual e geracional, na proteção contra a violência e espoliação pelo modelo de desenvolvimento econômico, na defesa diante da criminalização da luta por direitos, bem como na afirmação de novos direitos que se constroem na luta social organizada.
Reunidos nas margens secas do Rio Madeira, um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas, sentindo o cheiro da fumaça das queimadas, conhecemos um pouco mais dessa realidade. É muito marcante ver que em decorrência da gravidade da crise ambiental as usinas hidrelétricas construídas para gerar energia nesse rio, hoje estão em desuso.
Nos reunimos após quatro anos sem encontros nacionais presenciais em razão da pandemia que deixou cerca de 700 mil mortes causadas pela COVID-19 no Brasil. Um doloroso reflexo do governo genocida de Bolsonaro que nosso país testemunhou, um período caracterizado pela preocupação crescente com o autoritarismo, medidas de exceção e um discurso de ódio que permeou a esfera política do país. Pós-derrota eleitoral ainda houve a tentativa de golpe contra a democracia brasileira, no qual tomou posse um dos congressos mais favoráveis a bala, bíblia e ao boi da nossa história. A polícia mata e as emergências climáticas comprovam o quão nefasto o agronegócio e o modelo primário-exportador são para o país e ao povo.
Sem dúvida, a vitória eleitoral do campo progressista, fruto da luta popular, representa um momento importante na retomada da democracia no Brasil, retomada das políticas públicas e participação ativa da sociedade civil. Nesse encontro também celebramos os 35 anos da Constituição Federal, ao qual instituiu uma ordem jurídica comprometida com a igualdade, o pluralismo e a inclusão, fundamentalmente na defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito.
É nesse contexto sociopolítico que se reuniram não só advogadas/os, mas também estudantes de direito, militantes dos movimentos populares lutadores pela terra, moradia, pelas águas, florestas, igualdade de gênero, contra o racismo, machismo, fascismo, xenofobia, contra qualquer discriminação de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero e características sexuais, contra a criminalização da maconha e contra as injustiças e as desigualdades que afetam especialmente as populações negras e periféricas. Identificados em torno da tarefa da advocacia para jurídica popular, esse encontro anuncia a reconstrução da rede em torno da nossa identidade e causa.
As injustiças que tornaram necessárias a criação de uma rede nacional, apesar de todas as conquistas sociais dos movimentos sociais e populares nesses vinte e sete anos, ainda se fazem presentes e, portanto, segue necessária a articulação nacional de advogadas/os que aderem à rede de forma livre, voluntária e gratuita, adesão irrevogável com as lutas populares, sendo o sentido de suas atuações jurídicas, de forma permanente, urgente e ativa.
Nesses vinte e sete anos a RENAP atuou na luta contra as barragens, as mineradoras, os agrotóxicos, os transgênicos, contra o desmatamento na Amazônia e Cerrado, na defesa da reforma agrária, na promoção dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais; se posicionou pela igualdade de gênero, na garantia de direitos da população negra e combate ao racismo, e direitos das pessoas LGBTQIAPN+, sempre no caminho para a justiça, igualdade e inclusão. Se fez presente na luta dos movimentos sociais e populares, atuando na educação popular em direitos, na defesa em ações judiciais, proteção de defensores de direitos humanos, contra a criminalização de lideranças populares e a violência no campo e cidade. Elaborou coletivamente teses jurídicas que acompanhassem os benefícios e avanços que esses movimentos sociais e populares trouxeram para a sociedade brasileira, realizando atividades de formação para os membros/os da Rede, seminários, cadernos, publicações, pensamento crítico sobre o direito, acesso e democratização do nosso sistema de justiça, bem como, a educação jurídica nacional.
Muitas foram as vitórias nesses vinte e sete anos, desde o primeiro agravo de instrumento que suspendeu ordem de reintegração de posse de imóvel que não cumpria a função social, passando pelo reconhecimento de que ocupação de “terras não é esbulho possessório”, até as decisões que determinam ao estado brasileiro a estruturação de políticas públicas para indígenas e quilombolas, assim como despejo zero em todas as ocupações urbanas e rurais no Brasil durante a pandemia. Muitas são causas do presente que ainda desafiam.
Queremos superar esse sistema econômico, político e jurídico desenhado e imposto para a dominação, expropriação humana pelos próprios humanos que coloca o planeta e a vida em risco.
Enquanto essa superação não acontece, a RENAP segue conectada com as causas no presente, as quais nos motivam a seguir na luta: o enfrentamento territorial dos povos da América Latina que perpassa estruturalmente pelas questões socioambientais; a superação da ideologia do ser, do querer e do ter; a garantia às camponesas e camponeses e aos povos de comunidades tradicionais o livre exercício dos seus modos de vida e produção em seus territórios, baseados no respeito a mãe terra, livre de agrotóxicos e com a preservação das águas, florestas e biomas, garantido a esses sujeitos a sua existência, proteção e permanência; a não mercantilização da água, das florestas e do carbono. Na luta urbana, pelo direito à moradia, acesso aos serviços básicos, busca por justiça social com oportunidade de viver com dignidade. No campo, pela efetivação da dimensão constituinte da reforma agrária, investimento do estado brasileiro na criação de assentamentos que promovam a agroecologia, na titulação célere de todos os territórios quilombolas e demarcação das terras indígenas.
A assessoria jurídica popular segue necessária para a transformação social, haja vista a compreensão que possui do papel e da tarefa das lutas dos movimentos sociais e populares para essas transformações, e do seu lugar nessas lutas. Sabendo que a organização talvez seja a única fonte de poder do povo, ela é o caminho também para a assessoria que pretende pensar e agir coletivamente com ele e com as/os colegas de trabalho e a luta.
Vida longa para as/os advogadas/os populares, que de forma coletiva, com os movimentos sociais e populares, defendem quem luta, promovem direitos humanos, fazem das bandeiras daqueles as suas bandeiras, as mais generosas de nossa sociedade nesse tempo histórico, e das suas vidas, a defesa das outras, especialmente das mais injustiçadas, marginalizadas e necessitadas.
Vida longa para quem vive a serviço do povo organizado!
Vida longa à RENAP!
Porto Velho (RO), 08 de outubro de 2023.
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Regional Rondônia
Foto: Valdinei Coelho / CPT Rondônia
Mais de 28 anos depois do massacre de Corumbiara (RO), a comunidade, familiares e demais pessoas envolvidas ganham um espaço para honrarem a memória e fortalecerem a luta e resistência, para continuarem vivendo e produzindo no assentamento. A cerimônia de inauguração do espaço, realizada no último dia 02 de outubro, contou com a presença de lideranças de movimentos sociais, sindicatos, assentadas e assentados da reforma agrária, lideranças religiosas e políticas. Representando a Diocese de Guajará-Mirim, também esteve o pároco local, pe. Josiel Santos.
O monumento conta com um pedestal e placa de metal, personalizada de acordo com a escolha dos moradores, e está localizado no assentamento Alzira Augusto Monteiro, próximo ao local do massacre. A organização do memorial é coordenada por Valdinei Antônio Coelho (Nenzinho), e parceria e acompanhamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - Regional Rondônia.
A reivindicação pelo espaço começou no último mês de agosto, durante o lançamento das Referências Técnicas para Atuação das (os) Psicólogas (os) em Questões Relativas a Terra, publicação organizada pelo Conselho Regional de Psicologia Rondônia/Acre (CRP 24a Região). No momento de escuta, agricultores e agricultoras familiares falaram das dificuldades de atendimento psicológico no campo, sendo a política de saúde mental uma grande lacuna e demanda das comunidades camponesas, ainda mais agravada diante das violências enfrentadas.
Para o psicólogo Cleibson André Nunes Torres, presidente do CRP-24, o espaço servirá para relembrar o passado e olhar para o futuro.
“Nós somos solidários a esta causa desde o início, porque tantos anos depois, é um fato que ainda reverbera dentro das unidades de saúde e das escolas. Este espaço é pra que todos nós possamos dizer que se passaram 28 anos, mas a história continua. Não é um projeto ou palanque político, mas é pra que nós nunca mais esqueçamos o que aconteceu aqui, e também para reivindicarmos políticas públicas de demarcação e titularização de terra, que ainda não estão resolvidas no Brasil”, afirmou.
A opinião foi reforçada por Denise Monteiro, presidenta do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Cerejeiras e Pimenteiras: “É preciso lembrarmos do quanto aquelas mulheres sofreram, com suas filhas e filhos, seus companheiros. Penso que devemos nos organizar e manter o compromisso de sempre estar neste local, todos os dias 09 de agosto, pra relembrar o dia do massacre. Isto é reviver a história, honrar as vidas que foram perdidas e renovar a luta.”
“Este memorial é algo pequeno, diante da simbologia do que ocorreu aqui. Mesmo com a realização da prefeitura, este espaço é fruto das mãos e do suor de toda a comunidade”, afirmou o prefeito Leandro Teixeira Vieira, também presente no evento.
Já o agricultor Moacir Camargo, uma das vítimas sobreviventes do massacre, falou que mesmo com a marca muito dolorosa deixada pela violência, comemora a construção do memorial: “Hoje eu me sinto muito honroso, porque muitas crianças que nem tinham noção da violência na época, hoje são homens e mulheres assentadas, lideranças atuantes. Depois de tudo que passamos, somos vitoriosos; tiramos a terra da mão do latifundiário e hoje ela está nas mãos de quem realmente produz”, afirmou.
Ao final da cerimônia, foram plantados três ipês em torno do memorial, sendo a árvore escolhida como símbolo de resistência.
Histórico do massacre – A violência ocorreu em 09 de agosto de 1995, quando 8 trabalhadores rurais sem-terra, incluindo uma criança, foram mortos durante a madrugada, em uma investida de cerca de 300 pistoleiros e policiais contra um acampamento na ocupação da Fazenda Santa Elina, com bombas e tiroteio por cerca de quatro horas. A ação aconteceu de surpresa, enquanto as famílias dormiam. No confronto, houve reação dos trabalhadores e dois policiais morreram. Do lado dos sem-terra, além dos mortos, outras 20 pessoas ficaram desaparecidas, 350 gravemente feridas e 200 presas. A perícia e as investigações também apontaram casos de espancamento e tortura entre os sobreviventes. No julgamento acontecido em 2000, saíram condenados dois posseiros e três policiais militares.
Por Comunicação CPT Piauí
Na tarde do último domingo (15), Carlos Rone Salgim ameaçou de morte o Sr. Juarez Celestino, liderança no território Melancias, município de Gilbués, no Piauí.
A ameaça ocorreu junto aos moradores da comunidade Passagem da Nega, no mesmo território. Segundo os moradores, Salgim estava bastante exaltado e, além de dizer que os moradores deveriam sair daquela área, afirmou ainda que “já estava encomendada a pessoa que irá matar o Sr. Juarez”. Rone, como é conhecido na região, já ameaçou Juarez em outras ocasiões.
Nesta segunda feira (16), foi registrado um boletim de ocorrência no município de Corrente e as autoridades estaduais e nacionais foram também comunicadas.
As 42 famílias que vivem há gerações de modo tradicional no território Melancias vêm sofrendo com o avanço do agronegócio, que desmata, abusa de agrotóxicos, contamina suas águas e plantações. Além disso, são vítimas de ameaças de expulsão e de morte, como as ocorridas recentemente.
O Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado no Piauí, a Comissão Pastoral da Terra-PI e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos repudiam e denunciam mais essa violência, ao mesmo tempo em que cobram das autoridades competentes as medidas necessárias para garantir a vida e a dignidade das famílias do território Melancias.
Erosão no território Melancias. Crédito: Mariella Paulino.
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