Legenda: O agricultor Magnandes Costa Cardoso conta que não foi informado sobre a contrapartida da Jari Celulose
Por Carolina Bataier | De Olho nos Ruralistas
Com edição de Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional
Créditos das fotos: Harrison Lopes
Compartilhamos trechos desta reportagem publicada no portal De Olho nos Ruralistas, com autoria da jornalista Carolina Bataier, e apoio da CPT em Santarém (PA) nos diálogos com as lideranças das comunidades. Os projetos do mercado de carbono têm sido uma realidade que cresce na região amazônica, e têm impactado as comunidades.
Quando a proposta de participar de um projeto de créditos de carbono chegou até a comunidade Nova Vida, no município de Almeirim (PA), o agricultor Carlos Jorge Araújo Cruz foi o único a recusar. Ele e os vizinhos foram os primeiros a serem consultados sobre o interesse em fazer parte do Projeto Jari/Pará, uma parceria entre a Jari Celulose e a Biofílica Ambipar Environmental Investments, especializada em iniciativas de preservação ambiental. A primeira alega ser proprietária de 909 mil hectares. A segunda é responsável pela comercialização dos créditos de carbono no Brasil e no exterior.
Legenda: O casal Arlete e Carlos considerou o valor oferecido pouco vantajoso
O Jari/Pará é uma proposta de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD), conceito adotado pela Convenção de Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) e se refere à remuneração de quem mantém suas florestas intactas, poupando-as do desmatamento e evitando a emissão de CO2 na atmosfera.
O projeto abrange 58 comunidades que vivem da agricultura camponesa e da venda de açaí e castanha do Pará. Na Nova Vida, são cerca de 30 famílias. Muitas delas enviaram representante para a reunião com a equipe da Jari, realizada na casa de um dos moradores. “Eles falavam: em quatro anos, vem um dinheiro”, lembra Carlos. Mas o pagamento nunca chegou até os agricultores.
Legenda: Casas foram abandonadas em Monte Dourado
As atividades do Jari/Pará estão suspensas desde 2023 e o projeto é alvo de ações da Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PGE-PA) e do Ministério Público do Pará (MPPA), que questionam a autenticidade dos títulos de propriedade de parte das terras da Jari Celulose. O trabalho da PGE resultou na devolução para o Estado da Gleba Arraiolos, de 386 mil hectares, e apontou irregularidades nos documentos apresentados pela empresa para provar a propriedade da terra. A Jari Celulose contestou a decisão, e a disputa entre a empresa e o Estado segue até hoje na Justiça.
Mesmo com as irregularidades, o projeto teve resultados financeiros milionários para as empresas. E como nenhum dos moradores da Nova Vida ficou com cópia dos documentos assinados na primeira – e única – reunião com a empresa, não é possível confirmar o valor prometido ou a data do encontro.
A PGE move uma ação de indenização por danos materiais e morais pelo uso ilegal de terra pública contra a Jari Celulose. Embora vivam no território e tirem dali o seu sustento, as famílias do Braço, Nova Vida e Morada Nova não possuem títulos definitivos das terras. Nem os moradores mais antigos conseguiram o documento de posse da terra.
Na ação de indenização por danos materiais e morais pelo uso ilegal de terra pública movida pela PGE contra a Jari Celulose, o procurador Ibraim Rocha acusa a empresa de praticar grilagem de carbono. “No passado, o grileiro se aproveitava dos títulos registrados nos cartórios, nulos, mas que validavam e davam a aparência de propriedade e com isso podia vender para terceiros”, explica. “Hoje, em vez dos cartórios de imóveis, eles usam as certificadoras internacionais como grandes cartórios”.