Por Manuel do Carmo da Silva Campos (CPT Amazonas), com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Equipe local
Moradores de comunidades ribeirinhas do Rio Amazonas e afluentes, nos municípios de Parintins e Barreirinha (AM), na divisa com Juriti e Aveiros (PA), pedem providências urgentes de contenção e punições aos ataques permanentes à Floresta Amazônica, diante do desmatamento e transporte ilegal de madeira através de balsas, com destaque para este início de 2024.
As terras das comunidades do Igarapé Açu, Semeão, Ponta Alta e comunidades vizinhas, são banhadas pelos rios Mamuru e Uaicurapá. Durante a seca do ano passado, diversas balsas permaneceram encalhadas nesses rios. A retirada era feita com balsas pequenas, com seus rebocadores.
Agora, com a subida das águas, o fluxo é diário de saída de diversas balsas grandes abarrotadas de madeiras, para o Paraná do Ramos e Rio Amazonas abaixo. Além disto, informações desta semana dão conta de que estão entrando balsas carregadas com maquinários novos, para o serviço de derrubada da floresta. A queixa da população ribeirinha é de que, mesmo com as constantes denúncias, até agora nenhum órgão público de fiscalização esteve presente na região devastada.
Diante desta situação, as comunidades buscaram o apoio de entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Amazonas, Arquidiocese de Manaus e equipes do Baixo Amazonas e da Prelazia de Itacoatiara, que junto com outras organizações como sindicatos, coletivos e movimentos, enviaram na última sexta-feira (26) um ofício direcionado à superintendência do Ibama Amazonas, ICMBio, Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública da União e do Estado, reivindicando a urgente fiscalização, apreensão e punição aos devastadores da nossa floresta.
Assinam a petição:
. Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas e equipes: Baixo Amazonas, Arquidiocese de Manaus e Prelazia de Itacoatiara
. Coletivo em Defesa do Rio Mamuru Confluência Amazonas Pará e Adjacências
. Coletivo Solidariedade ao Rio Abacaxi
. Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parintins
. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas
. Parlamento Sustentável do Planeta Azul
. Grupo Natureza Viva de Parintins – GRANAV
. Teia Cidadã de Parintins
. Presidentes de Comunidades dos Rios Uaicurapá e Mamuru
Texto elaborado coletivamente pelas equipes da CPT Regional Maranhão, CONAQ, MOQUIBOM e Cáritas
Imagens: Equipe CPT Maranhão
A organização de parceiros articulados (CPT, CONAQ, MOQUIBOM e Cáritas) realizou de 26 a 28 de janeiro de 2024 no Território Quilombola São Benedito dos Colocados em Codó / MA, o II Encontro das Comunidades Quilombolas da Região Leste e Cocais maranhense, com o objetivo de proporcionar o processo de formação e partilhar as resistências para a construção de estratégias coletivas para o enfrentamento ao avanço do MATOPIBA, denunciando a omissão do Estado sobre os territórios ameaçados. Estiveram presentes cerca de 97 pessoas oriundas de 06 diferentes municípios, representando 20 comunidades tradicionais quilombolas dessa região.
Na oportunidade, as comunidades puderam participar do processo de formação conduzida pelo Assessor Jurídico da CPT Regional Maranhão, Rafael Silva, sobre Licenças ambientais, Convenção 169/OIT e aquilo que no Maranhão está se chamando de Nova Lei de Terras, mais precisamente, a Lei da grilagem 12.169/2023. No debate, as comunidades puderam partilhar os problemas que estão enfrentando contra as emissões desordenadas de licença ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) aos grileiros da região, ocasionando desmatamento, ameaças e mortes. Muitos desses territórios estão com seus processos em andamento para titularização, no entanto, a morosidade do Estado acerca desse assunto tem dificultado a tranquilidade desses territórios.
Com a presença de Murilo Cavalcante, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e da representação do Departamento de Conciliação Agrária do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Dra. Cláudia Dadico, as comunidades puderam externar as situações problemas sofridas e o andamento de cada processo diante da SEMA, INCRA e INTERMA. Essas comunidades solicitaram do MDA e do CNDH a efetivação das políticas agrárias em prol da garantia de sua permanência no chão de suas ancestralidades com bem viver. Mas também, ouvir sobre o funcionamento das questões agrárias dentro do ministério e como estão sendo construídas as ações efetivas emergenciais para atender os diferentes povos e, nesse certame, o Maranhão tem sido priorizado com algumas ações por ser considerado o Estado com o maior número de conflitos.
Foram encaminhadas agendas com 02 representações de cada comunidade para os próximos passos, além de encaminhamentos de documentos a serem enviados ao Departamento de Conciliação Agrária do MDA. O III Encontro será realizado em janeiro de 2025 na comunidade Puraquer em Codó / MA, e o processo de atuação da comissão articuladora dos Territórios em luta da região Leste e Cocais para o enfrentamento ao avanço do agronegócio.
Manifestação de apoio ao Professor Dr. Sandoval Amparo (UEPA) e ao Sindicalista Francisco Chagas (Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia-PA)
O modo de produção capitalista, geralmente articulado à política fisiológica e à ambição de políticos descomprometidos com a realidade social, possui um modus operandi já bastante conhecido daqueles que estudam sua expansão nos países do Sul global, levando à desterritorialização do campesinato e de povos indígenas, e deixando o caos e a desordem nos espaços onde se instalam. Essa realidade denuncia a injustiça e o racismo ambiental, uma vez que a expansão do capital através destes projetos, impactam, principalmente, populações com baixa capacidade econômica e jurídica de assegurarem seus direitos à cidadania e à vida digna, gerando uma dissimetria de forças e limitando suas possibilidades de reagir a tais projetos e permanecer na terra.
Especialmente na Amazônia brasileira, esta situação é corriqueira, sendo frequente a acumulação por espoliação, em prejuízo do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas, das Comunidades Tradicionais e Quilombolas, além da população camponesa e ribeirinha, reforçando uma lógica histórica que privilegia a expansão do capital em detrimento da sociedade, mesmo quando ela gera desigualdade, violência e constrangimentos para a maioria da população.
Não obstante o quadro acima desenhado, a expansão do Capital no Brasil e na Amazônia tem ainda uma característica a mais: a perseguição política e a intimidação de lideranças, ativistas e intelectuais. Neste sentido, cabe ressaltar que o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para ativistas, segundo dados recentes: em poucos anos, foram dezenas de acadêmicos, militantes dos movimentos sociais e indígenas ameaçados, intimidados ou mesmo assassinados, como revelam os dados da Comissão Pastoral da Terra. E esta tem sido a tônica do capitalismo periférico e desigual no Brasil e na região.
É neste contexto que fomos surpreendidos na última quinta-feira (18/01/24) com a notícia de que o Geógrafo Dr. Sandoval Amparo, Professor Adjunto de Geografia Humana da Universidade do Estado do Pará (UEPA) lotado em Conceição do Araguaia/PA, foi intimado a prestar esclarecimentos na Delegacia de Polícia Civil, juntamente com o camponês Francisco Chagas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia-PA. A denúncia foi feita pelo atual prefeito de Conceição do Araguaia-PA, Sr. Jair Martins, no dia seguinte à Amazônia Real, uma importante agência de jornalismo investigativo da atualidade, publicar mais uma relevante matéria sobre o Projeto Níquel do Araguaia e o cenário de danos socioambientais causado logo na primeira fase da sua implantação.
O motivo da denúncia foi o compartilhamento em um grupo de WhatsApp, feito pelo professor Sandoval, da reportagem “Por que a mineradora Horizonte Minerals deixou o Pará?”, publicado pela agência de notícias Amazônia Real. Quanto ao sindicalista, Francisco Chagas, a denúncia diz respeito a uma citação feita por ele na referida reportagem, por ter dito: “A gente não tem a informação bem clara do que está acontecendo com a mineradora aqui no nosso município. Dizem que alguns dirigentes do projeto juntamente com os administradores da cidade de Conceição do Araguaiamexeram na verba da obra”. Na denúncia ainda consta que o Sr. Jair Martins, prefeito da cidade, se sentiu “ofendido” com a referida reportagem.
No dia 21 de janeiro, o professor Sandoval e o sindicalista Francisco Chagas prestaram depoimento, acompanhado pelo advogado Dr. Álvaro Brito. Os fatos revelam que as denúncias feitas pelo prefeito de Conceição do Araguaia não têm nenhuma sustentação, e fica evidente que se trata de uma perseguição aos dois defensores dos direitos dos trabalhadores e de um projeto onde a defesa da vida, do respeito, da democracia estejam em primeiro lugar.
Vale ressaltar que, anteriormente, diante do completo descaso das autoridades competentes, Chagas e Sandoval elaboraram e assinaram juntos um competente dossiê em que denunciavam os graves problemas do Projeto Níquel do Araguaia, especialmente no que tange ao uso temerário dos recursos hídricos, à deterioração da qualidade do ar (gerando diversos problemas de saúde para a população camponesa) e, por fim, revelando que a empresa não possuía, de fato, uma política de gestão ambiental, ancorando-se em um marketing verde como viés de autopromoção.
Em seguida, Chagas e Sandoval, ambos então membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente da cidade, conseguiram a maioria de votos para aprovar, naquela instância, uma Instrução Normativa que previa a suspensão das atividades do Projeto Níquel do Araguaia da mineradora Horizonte Minerals PLC apresentado como o maior projeto de níquel do Brasil pela própria empresa, até que esta atendesse a contento os reclames da população diretamente afetada por suas atividades. Entretanto, a Instrução jamais foi publicada no Diário Oficial do município e Sandoval foi retirado do Conselho, após pressões do prefeito junto à UEPA.
Apesar disso, o dossiê gerado por ambos e encaminhado a todas as autoridades competentes da Justiça, do Executivo e do Legislativo, além de ter sido disponibilizado ao público em geral, gerou uma série de desdobramentos, dentre eles a suspensão do financiamento do projeto por parte das instituições financeiras, com a consequente suspensão do projeto, cerca de 1 mês depois.
Sandoval é Geógrafo, Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com expertise em povos indígenas. Enquanto Francisco Chagas é militante dos movimentos sociais no sul do Pará, responsável pela luta histórica contra o latifúndio e pela reforma agrária, resultando na criação dos assentamentos Capivara, Santa Mariana e Pecosa, todos em Conceição do Araguaia. Ambos são figuras comprometidas com as causas em que atuam e por isso são reconhecidos.
Por sua vez, políticos descomprometidos com as questões ambientais, que vêm perseguindo Chagas e Sandoval, costumam achar que podem legislar em causa própria e suspender os direitos da população, para atender a interesses mais do que escusos, esquecendo-se de que, com a atual crise climática e ambiental, os olhos do mundo se voltam para a Amazônia e tudo que ali acontece é de interesse da comunidade científica e da sociedade civil nos níveis nacional, latino-americano e global.
Diante disto, as entidades e intelectuais abaixo se reuniram e decidiram lançar esta nota em repúdio à tentativa de intimidação dos movimentos sociais e dos acadêmicos, cobrando das autoridades competentes que sejam respeitados os direitos dos cidadãos à livre manifestação e o direito da população a um meio ambiente saudável. Esperamos que esta arbitrariedade seja corrigida e os direitos da população afetada sejam respeitados, trazendo paz e tranquilidade para todos.
24 de Janeiro de 2024.
Assinam esta carta:
Rede de Pesquisadores de Geografia (Socio)Ambiental – RPG(S)A
Comissão Pastoral da Terra – CPT Xinguara
Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Pará – SINDUEPA
Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - SINDUNIFESSPA
Regional Norte I da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Regional Norte II da Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará
Comissão de Direitos Humanos da OAB Xinguara
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Conselho Regional de Psicologia – CRP-10 (Pará e Amapá)
Núcleo de Pesquisas sobre Espaço, Política e Emancipação Social – UFOPA
Grupo de Pesquisa Territorialização Camponesa na Amazônia
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Conflitos Agrários – UNIFESSPA
Federação dos Trabalhadores e trabalhadoras da Agricultura Familiar - FETAGRI - SUL
Instituto Zé Cláudio e Maria – IZM
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Conceição do Araguaia
Projetos de Assentamentos: PA Capivara, PA Santa Mariana, PA Pecosa, PA Joncon – Lote 08, PA Curral da Pedra, PA Morro Alto, PA Serra Verde e PA Volta Nova
Ocupação Jacutinga e Ocupação Talismã
Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – PPGG/UNIR
Núcleo de Estudos sobre Território, Ações Coletivas e Justiça NETAJ/UFF
Vagner Fia - Conselheiro no Crea-RJ, Coordenador da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e Vice-presidente da Aprogeo RJ
Dinah Tereza Papi de Guimaraens - Professora Associada Permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Thiago Roniere Rebouças Tavares – Professor de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Rafael Zilio Fernandes – Professor do curso de Geografia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)
Fabiano de Oliveira Bringel – Professor do Departamento de Geografia – DGEO/CCSE e Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação de Geografia – PPGG/UEPA
Prof. Dr. Josué da Costa Silva – Pesquisador Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas G.E.P. Culturas Amazônicas. Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento Silva - Pesquisadora e Lider do Grupo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero – GEPGENERO da Universidade Federal de Rondônia-UNIR
Rita Montezuma – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa de Paisagens da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Josué da Costa Silva – Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia (PPGG/UNIR)
Carlos Alexandre Bordalo – Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA)
Valter do Carmo Cruz – Geógrafo e doutor em Geografia, professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense -UFF
Rogério Hasbaert – Núcleo de Estudos Território e Resistência na Globalização - GEOGRAFIA-UFF
“Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam; querem uma casa, e a tomam. Assim oprimem ao homem e à sua família, ao proprietário e à sua herança” (Miquéias 2, 1-2)
A Comissão Pastoral da Terra - Bahia (CPT BA), vem por meio desta manifestar sua indignação contra a onda de violência e tentativa de massacre promovida por fazendeiros latifundiários no município de Potiraguá (BA). Numa ofensiva contra os povos indígenas Pataxó Hã – hã – hãe, a violência ceifou a vida de Maria de Fátima Muniz de Andrade, Nega Pataxó, e atentou contra a vida do Cacique Nailton Muniz e mais outros 12 indígenas, deixando-os gravemente feridos. Mais de 500 anos após a invasão portuguesa, a política escravagista e de extermínio dos povos originários continua. Nos solidarizamos com os povos indígenas e sua luta justa e sagrada pela retomada de seus territórios de origem.
A reserva Catarina Paraguaçu, onde foram relocados todos os povos indígenas do Baixo, extremo sul, e parte do sudoeste do estado da Bahia, foi demarcada desde início do século passado para que seus territórios fossem liberados para plantio do monocultivo do cacau. Mesmo com a reserva legalizada, fazendeiros invasores tentam destruir a nação Pataxó Hã Hã Hãe que, para assegurar seu território, conseguiram no governo de Dilma Rousseff a nulidade dos títulos, dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra o estado da Bahia emissor nos anos 70. No entanto, muitas lideranças já foram dizimadas juntamente com outros membros da comunidade.
Numa região marcada pelo latifúndio na Bacia do Rio Pardo, o sangue derramado de Nega Pataxó clama por justiça exigindo do Estado que não seja omisso como tem sido diante de tantos casos de violências contra os povos e comunidades tradicionais quilombolas, fundo e fechos de pasto, pequenas e pequenos agricultores e povos indígenas. Por isso, é urgente, justo e necessário garantir aos povos tradicionais e povos originários a imediata demarcação de seus territórios.
No Brasil, conforme dados parciais apresentados pela Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT), no primeiro semestre de 2023 foram registrados 973 conflitos no campo, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram registrados 900 conflitos. A Bahia tem figurado como um dos estados com maior incidência de número de conflitos e um dos mais violentos do Brasil, alcançando a 3ª posição do ranking.
Ao longo dos últimos 10 anos, foram 36 camponeses assassinados no estado, 41 tentativas de assassinatos, 117 ameaçadas com nenhum assassino ou mandante julgado e preso. Nesse mesmo período, foram registrados 111 casos de violência contra indígenas na Bahia, sendo 10 assassinatos. Os dados apontam um Estado omisso e conivente com o latifúndio sangrento e depredador.
Em uma região fortemente marcada na história pela presença indígena, cujos nomes das cidades da região reafirmam sua presença — a exemplo de Potiraguá, Itapetinga, Itambé —, onde historicamente habitavam diversos povos, as raízes históricas desses povos continuam fincadas ali, mesmo que ao longo do tempo várias tentativas de apagar essas marcas tenham sido feitas, essas terras são sagradas a eles pertencem e para eles voltarão.
Que Nega Pataxó e muitos e muitas que encantaram no sonho da terra partilhada, da justiça, do amor fraterno, possa nos impulsionar na luta em defesa da vida.
Legenda: Terceiro dia de atividade do 19º Acampamento Terra Livre (ATL) realizado entre os dias 24 e 28 de abril de 2023. Foto: Verônica Holanda/Cimi
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Em carta, a comunidade lamenta a morte e o ferimento de indígenas Pataxó Hã Hã Hãe, alvo de um ataque armado, e cobra demarcação dos territórios indígenas
Em repúdio ao ataque sofrido, no último domingo (21), pelo povo Pataxó Hã Hã Hãe, o povo Akroá Gamella, do território Taquaritiwa, no Maranhão, publica carta manifestando sua dor e revolta com a situação de violência vivida pela comunidade do território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, localizada no município de Potiraguá, no Sudoeste da Bahia.
Naquela tarde, cerca 200 fazendeiros, mobilizados pelo movimento Invasão Zero atacaram com armas de fogo a retomada do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe sobre o pretexto de realizar uma reintegração de posse nunca expedida judicialmente. O ataque resultou no assassinato de Maria Fátima Muniz de Andrade Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega Pataxó, e no ferimento do cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe e outros três indígenas.
Na carta, o povo Akroá Gamella reverencia a memória de Nega Pataxó e cobra providências do Estado quanto a demarcação das terras indígenas. “Exigimos do Estado brasileiro o cumprimento do dever constitucional de demarcar e proteger nossos territórios e que sejam punidos os organizadores e suas organizações criminosas desse ataque covarde que continua fazendo do Brasil o lugar mais perigoso para quem defende os direitos da natureza”, bradam em carta.
Leia a carta na íntegra:
Carta ao povo Pataxó Hã Hã Hãe
O povo Akroá Gamella, do território Taquaritiuá, no Maranhão, neste momento de silêncio tecido de dor e revolta por causa da violência extrema que recai sobre nossos corpos e territórios, manifesta sua solidariedade aos parentes e parentas Pataxó Hã Hã Hãe que lutam pela defesa de nossos territórios e pelo direito de Bem Conviver.
No último domingo (21) fomos surpreendidos com a notícia do ataque aos parentes Pataxó Hã Hã Hãe organizado pelo movimento que se autointitula “Invasão Zero” e pelas Polícias Militar e Civil do estado da Bahia. O ataque resultou no assassinato da pajé Nega Pataxó e no ferimento grave de outros parentes e parentas. A tentativa de homicídio contra o cacique Nailton Pataxó Hã Hã Hãe pretendeu ser um ato contra os direitos indígenas esculpidos na Constituição Federal de 1988, da qual o cacique Nailton foi articulador e artesão. Silenciá-lo de forma brutal e covarde se insere no rol do genocídio praticado pelo Estado brasileiro e pelas elites que o dominam.
Nega Pataxó, o teu sangue derramado por mãos assassinas dos latifundiários haverá de ser honrado em todas as lutas que ainda haveremos de fazer. Teu nome será bandeira que hastearemos em todos as árvores, animais, rios, nascentes, em nossos territórios ainda cercados, mas cuidado e acariciado dentro nós onde nunca chegarão os ladrões e assassinos.
Exigimos do Estado brasileiro o cumprimento do dever constitucional de demarcar e proteger nossos territórios e que sejam punidos os organizadores e suas organizações criminosas desse ataque covarde que continua fazendo do Brasil o lugar mais perigoso para quem defende os direitos da natureza.
Aos parentes Pataxó Hã Hã Hãe a nossa irrestrita solidariedade neste momento de dor.
Por Campanha nacional permanente “De Olho aberto para não virar escravo” - CPT
Foto: Bom Jesus da Lapa, Campanha da CPT contra trabalho escravo - arquivo CPT Nacional
Os resultados do combate ao trabalho escravo em 2023 confirmam a tendência registrada nos dois anos anteriores: a retomada de números expressivos de fiscalização e de resgate, uma situação que, equivocadamente, alguns comentadores têm interpretado como a ressurgência de uma prática criminosa após 7 anos de “acalmia” (é sempre bom lembrar que número não é realidade: somente a parte do iceberg que a vigilância da sociedade e as investigações do poder público conseguem trazer para a superfície visível).
A mobilização da categoria dos Auditores fiscais do trabalho iniciada neste mês de janeiro está aqui para manifestar o desdém com o qual esses combatentes da primeira linha têm sido tratados pelos últimos governos, chegando ao extremo de faltar mais de 40% do efetivo teoricamente aprovado para ir a campo, sem falar do abandono na área de equipamentos e meios de trabalho.
Nossa primeira saudação é para eles e para elas, nesta Semana Nacional dedicada à memória de heróis que tombaram neste combate, em Unaí em 28 de janeiro de 2004. Contra toda esperança, às vezes tirando leite de pedra, conseguiram mostrar para a sociedade que o trabalho escravo nunca parou. Pelo contrário, continuou grassando à sombra das políticas de abandono e precarização que presidiram ao destino do país.
Números que questionam
Vejamos alguns dados. Pela quantidade de pessoas resgatadas, os 5 estados que em 2023 mais ‘escravizaram’ — Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Piauí (nessa ordem) — formam um quinteto surpreendente. Isso porque nele não estão estados habituados a frequentar essa classificação inglória como o Pará, Maranhão, Mato Grosso do Sul ou Bahia, estados nos quais, durante décadas, o trabalho escravo tem sido prática recorrente.
Outra curiosidade: estemesmo quinteto ‘2023’ já vem liderando desde 2021, mediante ínfima diferença na ordem dos fatores (com Minas alternando com Goiás na 1ª posição). Nele estão representadastodas as grandes regiões do Brasil: Sudeste, Centro Oeste, Sul, Nordeste... Todas? Falta aquela que, na ótica da história do trabalho escravo contemporâneo, “deveria” ser a principal: a região por onde iniciou grande parte da luta moderna contra essa prática: a região Norte (e a Amazônia como um todo).
Foto: João Ripper
Situações contrastadas
Nos últimos 3 anos, a metade dos resgates se concentrou em apenas 2 estados: Minas e Goiás, ficando os outros 3 estados do quinteto com 20% dos resgatados. Em todos eles, o trabalho escravo é concentrado em atividades realizadas no campo e ligadas ao agronegócio — com destaques para o peso do ramo do café e para o “retorno” do setor canavieiro:
- A disseminação da prática é grande em Minas, menor em Goiás: é alto o número anual de casos identificados no estado mineiro (70 ou mais), comparado ao de Goiás (15 a 20). Se no ano passado 80% dos 739 resgatados de Goiás foram retirados de 4 canaviais e 2 lavouras, em Minas, a maioria dos resgates ocorreu em 2 setores: café (27 ocorrências) e carvoarias (12). Mesma situação em 2022, com a diferença de que, naquele ano, Minas resgatou 367 pessoas em 5 canaviais. Outro indício da disseminação do trabalho escravo em Minas: a prática foi flagrada em nada menos que 58 municípios em 2023 e 57 em 2022 (em Goiás: 18 municípios em 2023, 14 em 2022).
- Em São Paulo: 27 dos 40 flagrantes de 2023 ocorreram fora do campo, mas metade dos resgatados foram encontrados no campo (196 deles em 6 canaviais).
- No Rio Grande do Sul:9 em cada 10 resgatados foram retirados de apenas 3 estabelecimentos, e virou manchete nacional o caso das vinícolas de Bento Gonçalves (Garibaldi, Saltão & Aurora), com seus 210 resgatados, quase todos negros, trazidos da Bahia por um gato “pejotizado” por nome “Fênix”. Em 2022, o trabalho rural havia também representado 10 dos 12 casos ali encontrados, com destaque na maçã onde é costumeira a contratação de trabalhadores indígenas trazidos de Mato Grosso do Sul.
- No Piauí, o panorama é distinto: fora algumas lavouras de soja, o trabalho escravo é flagrado na extração de palha de carnaúba e em pedreiras, na atividade de britamento.
No resto do país, em 10 estados a média ficou na faixa de 80 pessoas resgatadas: MA (107), PR (101), BA (94), MS (88), ES (77), AL (74), PA (74): esses mesmos estados têm ocupado posição semelhante ao longo dos últimos 3 anos (exceção: AL). Por fim, outros 11 estados, cada um com uma média de 30 resgatados (PB, SC, CE, TO, RR, RJ, PE, RO, MT, AM, DF). Apenas 4 estados não tiveram resgate (AC, AP, RN, SE).
2023: número recorde
O total de fiscalizações e de resgates realizados em 2023 supera qualquer número observado desde 2010. O ano de 2023, por si só, representa o dobro da média registrada entre 2010 e 2022. Mesmo assim fica essa dúvida: quantas pessoas nesta condição não foram resgatadas? Quantas situações semelhantes deixaram de ser denunciadas ou investigadas?
E mais essa pergunta: por que mistério a região Norte e a Amazônia teriam escapado da “nova onda” de trabalho escravono país?
A média anual de resgates na Amazônia — 2.000 pessoas por ano no período 2003-2012 — caiu abaixo de 500 resgatados anualmente a partir de 2013, ficando na média de 300 por ano entre 2013 e 2018, e 235 de lá para cá (em 2023: 285). Paralelamente, verificamos que a média de fiscalizações de trabalho escravo na Amazônia, que era de 150 por ano entre 2003 e 2015, de lá para cá, caiu abaixo de 100, com exceção em 2017 (114) e 2021 (140).
Foto: João Ripper
As dificuldades de acesso, mas, sobretudo, a desarticulação e os retrocessos nas políticas de controle ambiental, reforma agrária e fiscalização dos territórios, devem ser relacionados a esse recuo. Difícil é acreditar que a situação hoje visível na Amazônia seja reflexo da realidade: ela mais traduz um déficit crucial de fiscalização e coordenação das ações, e remete a problemas criados por anos de sub investimento em contratação e infraestrutura.
Neste contexto, o anúncio, feito em junho de 2023, de um concurso visando repor 900 vagas na carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho, soa como um alívio, porém não garante que serão providos os cargos tão necessários nas regiões hoje entre as mais deficitárias, se for considerada não apenas a população ativa existente, mas também a extensão do território a ser fiscalizado e suas dificuldades próprias. Hoje, na Amazônia, estão lotados em torno de 200 AFTs, menos que em São Paulo (292), Minas Gerais (223) ou Rio de Janeiro (216); o Norte tem 137 Auditores: menos que o Rio Grande do Sul (145).
Trabalho escravo doméstico
Um destaque importante nos últimos anos é a frequência de flagrantes no trabalho escravo doméstico (96 casos desde 2021). Uma atividade emblemática, essencialmente feminina, não exclusiva do ambiente urbano: entre as 41 pessoas resgatadas de serviços domésticos em 2023, 11 laboravam em residências rurais. O quinteto de estados liderando neste ramo tão emblemático da cultura escravagista é quase o mesmo já citado, só trocando Piauí por Bahia: SP (11), RS (7), BA (6), MG (5), GO (2, sendo equiparado com RJ e PE).
Emblemático, o trabalho escravo doméstico pode ser assim considerado não só pela tradicionalidade desta prática em um país que tem 5,8 milhões de pessoas empregadas em serviços domésticos (92% são mulheres e 65% delas, negras), mas também pela força e recorrência das narrativas de naturalização apresentadas pelos próprios empregadores, encampadas por setores da mídia ou mesmo ratificadas por membros eminentes da magistratura, como ocorreu no caso recente — escandaloso — da empregada Sonia, mulher negra, com deficiência auditivaprofunda, mantidaanalfabeta, sucessivamente resgatada e ‘retornada’ ao lar dos seus patrões catarinenses, auto referidos como “pais afetivos” de uma senhora relegada por quase 40 anos no quartinho da casa grande. Quantas outras ‘Sonia’ precisarão aguardar uma vida para sair desta condição? Quem falhou?
A cor da servidão
Nas características recorrentes das pessoas tratadas em condição análoga à de escravo está a cor: no registro oficial do Seguro-Desemprego onde, a partir de 2003, todo resgatado tem o nome inserido, apuramos que, entre as 8.309 pessoas incluídas entre 2016 e 2022,6.813 se autodeclararam como pardas (65,2%) ou como pretas (16,8%): 4 em cada 5.
Foto: Reprodução do documentário "Servidão"
Éequivocado imaginar que cenas como as expostas no filme Pureza, de Renato Barbieri, ou relatadas no documentário Servidão, do mesmo diretor — lançado nesta semana no Brasil — remetam a outras épocas, nas quais imperavam violência, brutalidade e humilhação, nas mãos de feitores e gatos extrapolando ou “fugindo” do controle de seus contratantes. Casos recentes ilustram a repetição ou aatualização de padrões de atuação que, poucas décadas atrás, eram a apanagem dos mais violentos recantos da Amazônia: aliciamento em regiões remotas de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, utilização de formas ilícitas de intermediação de mão-de-obra, mecanismos de endividamento compulsório, sujeição a jornadas exaustivas e a condições degradantes, humilhação, pistolagem e até tortura.
Política de Estado, empenho de todos
A política de erradicação do trabalho escravo é uma política de Estado, construída a duras custas a partir de 1995. Ela sobreviveu aos inúmeros ataques contra ela empreendidos, seja para acabar com o conceito moderno (Art. 149 CPB) que rege a identificação do crime, seja para abalar a firme articulação interinstitucional que caracteriza sua execução ou inibir a autonomia de sua implementação, seja para tirar a eficácia da temida “Lista suja” ou ainda para facilitar práticas que inviabilizem a responsabilização dos autores diretos do crime ou seus cúmplices de facto (é o caso da terceirização desenfreada, hoje legitimada com a anuência de altos magistrados). Ou mesmo, por último, para propor fiscalizações com aviso prévio!
Mesmo assim, avanços foram possíveis: hoje um Fluxo Nacional de Atendimento às vítimas do trabalho escravo orienta as ações coordenadas do poder público, do sistema de justiça e da sociedade; hoje Comissões estaduais de erradicação do trabalho escravo (Coetrae’s) e Comissão Nacional (Conatrae) exercem seu papel de vigilância e monitoramento; hoje autores de crimes até então cobertos por suposta imprescritibilidade respondem por seus atos; hoje pessoas em risco de trabalho escravo ou egressas desta condição (ainda bem poucas!) encontram iniciativas que poderão abrir outro ciclo em sua vida: o de uma vida digna (nesta parte, a CPT traz uma contribuição original com seu programa Raice - Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão).
Ao fazer memória de Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, Auditores Fiscais do Trabalho, e de Ailton Pereira de Oliveira, seu motorista, tombados em Unaí, renovamos nosso compromisso com a causa da erradicação do trabalho escravo e chamamos a sociedade a redobrar vigilância, mobilizando-se em torno desta bandeira: “De olho aberto para ninguém virar escravo!”.