Por Movimento Munduruku Ipereg Ayu,
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Representantes do povo indígena Munduruku, no Pará, se manifestam através da carta de reivindicações para que o Poder Público cumpra as decisões de desintrusão (retirada de garimpeiros intrusos das terras indígenas), diante do desmatamento, do avanço do garimpo ilegal e dos projetos de créditos de carbono, e muitos outros danos à vivência segura em seu território. Os Munduruku também reivindicam pela demarcação das terras indígenas no médio Tapajós, Sawre Muybu e Sawre Ba’pim, que estão com processos parados na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Ministério da Justiça.
Crédito: Acervo Movimento Munduruku
O território Munduruku foi um dos mais invadidos em 2023 para a exploração ilegal de ouro, com cooptação de indígenas, desestruturação das aldeias, intensificação de doenças como malária e contaminação por mercúrio, causando também insegurança alimentar e ameaças às lideranças de resistência, com reflexo direto na saúde de crianças, jovens e adultos.
Mesmo com a decisão, em março, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, homologando novos planos de desintrusão no Pará, o governo federal somente realizou ações pontuais de fiscalização e destruição da logística de garimpo, sem fiscalização permanente, ações dos órgãos federais continuam sendo insuficientes e ineficazes para garantia de proteção territorial e aos direitos do povo indígena Munduruku no alto e médio Tapajós.
Garimpo ilegal nas proximidades da aldeia Katõ, na Terra Indígena Munduruku, no Pará - Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
Confira a carta:
QUEREMOS A DESINTRUSÃO DO NOSSO TERRITÓRIO LOGO E DE NOSSO MODO!
Exigimos respeito às nossas organizações, nossos caciques e nossas lideranças!
Nós, das organizações da resistência do povo Munduruku, lideranças, mulheres, caciques e professores, estivemos reunidos na aldeia Praia do Índio para discutir nossa política e nossa resistência. É impossível discutir qualquer outra demanda sem lutar pelo nosso território que continua sendo invadido. Hoje em dia, nós Munduruku, devemos realmente defender o território. Não devemos apoiar e trazer projetos de destruição. Não devemos trazer pessoas estranhas para o território. A Constituição Federal de 1988, garante para nós, indígenas, o usufruto do território. Não podemos admitir que invasões e destruições continuem acontecendo.
Hoje temos uma ameaça disfarçada de benefício que é a promessa do crédito de carbono. Estes projetos e contratos tiram a autonomia do povo Munduruku. Temos notícias de que empresas de pariwat* entraram no território com esses projetos. Sabemos que as empresas são as únicas que se beneficiam com o crédito de carbono. Elas só trazem conflito interno e atrapalham nosso modo de vida. Queremos providências para cancelar qualquer contrato de crédito de carbono com nosso povo. Esses projetos estão assinados por uma única associação. Nós não aceitamos que apenas uma associação ligada ao garimpo ilegal assine contrato que autoriza toda a destruição que os pariwat estão fazendo. Essa organização não fala por todo o povo Munduruku. Nosso protocolo de consulta não foi respeitado. Não queremos projeto de crédito de carbono em nosso território!
A invasão garimpeira não tem parado. Ela está sendo apoiada por parentes que foram enfeitiçados pela ganância. Temos entrada de balsa garimpeira no Rio das Tropas e no Rio Kabitutu (Alto Tapajós). Os garimpeiros não respeitam os caciques. Continuam com ameaças contra lideranças da região, que ficam mudos com medo, e não se manifestam. A maioria das pessoas não querem a presença dos pariwat e suas máquinas, porque eles não deixam nada. Não tem mais peixe, caça, nem comida, nem internet, só destruição. Essas entradas novas têm gerado conflito interno e doença nas comunidades. Mas uma vez, não aceitamos!
Não aceitamos a retirada de madeira dentro da concessão florestal da Floresta Nacional (Flona) Crepori, parte do território tradicional Munduruku, pois nunca fomos consultados sobre o que está acontecendo na divisa do nosso território demarcado com a FLONA. Somos contra a retirada de madeira!
Exigimos que o estado se responsabilize pela crise de saúde e insegurança alimentar do nosso povo. Queremos um plano, construído efetivamente por nossas organizações e nossos sábios, de saúde pública, por conta da contaminação de mercúrio, aumento de malária, gripes, e inexistência de água potável. Nossos parentes estão bebendo água de igarapés sujos pelo garimpo.
Exigimos demarcação das terras indígenas Sawre Muybu e Sawre Ba’pim do médio Tapajós que o processo está vergonhosamente PARADO na FUNAI e no Ministério da Justiça!
Estamos cansados de esperar mais um ano para cumprir suas promessas e a decisão do STF de retirada de invasores das nossas terras. Nós não esquecemos do que os políticos pariwat falam.A defesa do nosso território na ADPF 709 nunca aconteceu! O governo Lula está lento! Não tá cumprindo a ordem judicial. Queremos que fique claro:
Exigimos a desintrusão de nosso território URGENTEMENTE, o fim dos contratos de carbono, o fim do garimpo ilegal em nossos territórios e não haja mais a destruição da floresta no território Munduruku e na Flona Crepori, que também pertence ao povo Munduruku. O nosso rio, a nossa floresta e as nossas futuras gerações estão em risco.
*Pariwat é uma palavra usada pelos índios Munduruku para se referir aos brancos, estrangeiros ou não-indígenas, pessoas que não pertencem à sua linhagem.