COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

“Ai dos que dizem que o mal é bem e o bem é mal, dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas, dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo! Ai dos que são sábios aos seus próprios olhos e inteligentes diante de si mesmos!” (Isaías 5, 20-21).

Recentemente, no dia 9 de junho, Dom João Justino de Medeiros Silva, primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Goiânia, presidiu uma missa no Santuário Nacional de São José de Anchieta, a convite do reitor do Santuário, em comemoração aos dez anos da canonização do jesuíta.

Conforme notícia no site da CNBB: “Um dos momentos mais marcantes da festa de encerramento foi a apresentação do Grupo de Xondaro, da aldeia indígena Guarani Nova Esperança, de Aracruz”. Neste contexto, em uma entrevista, Dom João Justino associou os desafios que acometiam os povos originários assistidos pelo missionário no século XVI aos enfrentamentos feitos por seus descendentes nos dias de hoje. O arcebispo citou a importância da reforma agrária e, em especial, a urgência da demarcação dos territórios indígenas, posicionando-se contra o projeto de lei do Marco Temporal, aprovado pelo Congresso.

Suas palavras, Dom João, refletem o pensamento da Igreja Católica em relação à questão agrária brasileira, evidenciada em vários documentos, a exemplo de “A Igreja e a questão agrária brasileira no início do século XXI”, “Nordeste: a missão da Igreja no Brasil” e “A Igreja e problemas da terra”. Consta deste último: “A situação dos que sofrem por questões de terra em nosso país é extremamente grave. Ouve-se por toda parte o clamor desse povo sofrido, ameaçado de perder sua terra ou impossibilitado de alcançá-la” (CNBB, 1980, p. 1).

Esse pronunciamento alegra e encoraja os povos e suas lutas em defesa da terra e do território. As mesmas palavras, no entanto, incomodaram ao deputado Evair Vieira de Melo, integrante da bancada do agronegócio e vice-líder da oposição, que resolveu protocolar uma moção de repúdio na Comissão de Agricultura da Câmara, alegando que “Dom João Justino, ao expressar visões políticas sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas durante uma celebração dedicada a São José de Anchieta, não só foi inoportuno, mas transgrediu a sacralidade do evento e desrespeitou a expectativa de devoção dos participantes” (Fonte: O Estado de São Paulo).

Questionamos o deputado Evair sobre o que ele buscava naquela festa religiosa: escutar superficialmente os feitos do santo no passado, ignorando o sofrimento e as lutas contemporâneas? Não é assim que os ministros da Igreja dialogam com as comunidades – desvinculados do contexto em que vivem.

Seu posicionamento, Dom João, contrário ao Marco Temporal, está em sintonia com a mensagem do Papa Francisco, em “Querida Amazônia” (2020), na qual adverte: “Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu”.

A denúncia do Papa Francisco anuncia a realidade em que a população brasileira vive, estarrecida, nos últimos anos, com desastres naturais em várias regiões do país. Enchentes e deslizamentos de terra em estados litorâneos, secas severas seguidas de enchentes em estados amazônicos, o Pantanal novamente incendiado. Ser contra o Marco Temporal representa, portanto, a contrariedade a todo este contexto devastador que sacrifica vidas humanas e a natureza.

Sua voz, Dom João, reverbera a angústia de cerca de 90% da população brasileira que, segundo pesquisa conduzida pela PwC e pelo Instituto Locomotiva, reconhece os impactos destes eventos como resultados do desequilíbrio climático mundial. Na contramão da crise anunciada, um levantamento do MapBiomas mostrou que as terras indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa nos últimos 38 anos, enquanto nas áreas privadas a devastação foi de 17%.

Isso se deve ao entendimento dos povos originários como pertencentes à integralidade do meio natural em que vivem. Por isso, cuidam da natureza como sua mãe e entendem seu território como um espaço de vida em comunhão. Os povos indígenas são exemplos ancestrais e presentes do cuidado com a Casa Comum.

Por sua voz e vida colocadas a serviço da luta por uma terra sem males, agradecemos o seu compromisso, Dom João, ao anunciar o Reino de Deus, fiel ao evangelho, levando alegrias e esperanças aos empobrecidos da terra.

 

Goiânia, 21 de junho de 2024

Comissão Pastoral da Terra

 

*A carta foi lida e entregue à Dom João Justino durante a Celebração Eucarística de abertura do Ano Jubilar da CPT, em 22 de junho, em Goiânia/GO.

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline