Conselho Episcopal Pastoral (Consep) aprovou nota sobre a Medida Provisória 746/16 que pretende reformar o Ensino Médio.
(Fonte: CNBB)
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio do Conselho Episcopal Pastoral (Consep), reunido na sede da entidade, em Brasília (DF), nos dias 22 e 23 de novembro, aprovou a nota sobre a chamada "Reforma do Ensino Médio", apresentada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional na forma de Medida Provisória. Para os bispos, são louváveis as iniciativas que busquem refletir, debater e aprimorar a realidade do ensino brasileiro, mas "assim como outras propostas recentes, também essa sofre os limites de uma busca apressada de solução". A entidade acredita que "questão tão nobre quanto a Educação não pode se limitar à reforma do Ensino Médio. Antes, requer amplo debate com a sociedade organizada, particularmente com o mundo da educação. É a melhor forma de legitimação para medidas tão fundamentais".
No texto, os bispos ressaltam que a educação deve formar integralmente o ser humano. "O foco das escolas não pode estar apenas em um saber tecnológico e instrumental", afirmam na nota.
Leia na íntegra:
NOTA DA CNBB SOBRE A “REFORMA DO ENSINO MÉDIO” – MP 746/16
“A fim de que os estudantes tenham esperança!”
(Papa Francisco, 14 de março de 2015)
O Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, nos dias 22 e 23 de novembro de 2016, manifesta inquietação face a Medida Provisória 746/16 que trata da reforma do Ensino Médio, em tramitação no Congresso Nacional.
Segundo o poder executivo, a MP 746/16 é uma proposta para a superação das reconhecidas fragilidades do Ensino Médio brasileiro. Sabe-se que o modelo atual, não prepara os estudantes para os desafios da contemporaneidade. Assim, são louváveis iniciativas que busquem refletir, debater e aprimorar essa realidade.
Contudo, assim como outras propostas recentes, também essa sofre os limites de uma busca apressada de solução. Questão tão nobre quanto a Educação não pode se limitar à reforma do Ensino Médio. Antes, requer amplo debate com a sociedade organizada, particularmente com o mundo da educação. É a melhor forma de legitimação para medidas tão fundamentais.
Toda a vez que um processo dessa grandeza ignora a sociedade civil como interlocutora, ele se desqualifica. É inadequado e abusivo que esse assunto seja tratado através de uma Medida Provisória.
A educação deve formar integralmente o ser humano. O foco das escolas não pode estar apenas em um saber tecnológico e instrumental. Há que se contemplar igualmente as dimensões ética, estética, religiosa, política e social. A escola é um dos ambientes educativos no qual se cresce e se aprende a viver. Ela não amplia apenas a dimensão intelectual, mas todas as dimensões do ser humano, na busca do sentido da vida. Afinal, que tipo de homem e de mulher essa Medida Provisória vislumbra?
Em um contexto de crise ética como o atual, é um contrassenso propor uma medida que intenta preparar para o mercado e não para a cidadania. Dizer que disciplinas como filosofia, sociologia, educação física, artes e música são opcionais na formação do ser humano é apostar em um modelo formativo tecnicista que favorece a lógica do mercado e não o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.
Quando a sociedade não é ouvida ela se faz ouvir. No caso da MP 746/16, os estudantes reclamaram seu protagonismo. Os professores, já penalizados por baixos salários, também foram ignorados. Estes são sinais claros da surdez social das instâncias competentes.
Conclamamos a sociedade, particularmente os estudantes e suas famílias, a não se deixar vencer pelo clima de apatia e resignação. É fundamental a participação popular pacífica na busca de soluções, sempre respeitando a pessoa e o patrimônio público. A falta de criticidade com relação a essa questão trará sérias consequências para a vida democrática da sociedade.
Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda por nós.
Brasília, 23 de novembro de 2016.
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Presidente em Exercicio da CNBB
Dom Guilherme A. Werlang, MSF
Bispo de Ipamerí
Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade da Justiça e da Paz
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
Durante três dias, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascarán (CDVDH) promoveu atividades jurídicas, culturais e de formação.
(CDVDH)
Entre os dias 17 e 19 de novembro, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmem Bascarán (CDVDH) promoveu várias atividades em comemoração aos seus 20 de aniversário. Fundado em 18 de novembro de 1996, em Açailândia (MA), o CDVDH/CB tem uma história de atuação contra o trabalho escravo, que infelizmente ainda é realidade não somente no Maranhão como em todo o Brasil.
A programação de aniversário teve início com as jornadas sóciojurídicas, onde profissionais de várias áreas (psicologia, direito, assistência social e comunicação) estiveram reunidos durante todo o dia 17 com um objetivo em comum: atender, de forma voluntária, moradores/as de quatro bairros açailandenses Vila Ildemar, Capelloza, Bom Jardim e Jacu.
Ao longo desses anos, o Centro de Defesa tem promovido também atividades culturais como forma de resistência. Por conta disso, no dia 18, foi montada na sede da instituição uma exposição sobre cultura afrodescendente, ressaltando a quebra de preconceitos contra as religiões de matriz africana. Estiveram expostos figurinos e instrumentos dos orixás, umbanda e candomblé, além de materiais de divulgação da entidade e desenhos dos artistas Walison Melo e Morais Filho, que retratam situações do trabalho escravo. Nas paredes, várias fotografias de momentos e ações realizadas, formavam uma “linha do tempo”.
A entidade conta atualmente com uma equipe interna de 12 pessoas, desenvolvendo atividades nos bairros Vila Bom Jardim e Vila Ildemar e ainda 150 pessoas que atuam em atividades culturais, possuindo reconhecimento internacional de órgãos de proteção aos direitos humanos e com forte contribuição social. Dentre os integrantes mais ativos está Xico Cruz, ex-aluno do projeto, hoje é o coordenador das atividades socioculturais. Ele dirigiu o espetáculo “Centro 20 anos”, que estreou na noite do dia 18 e teve quase duas horas de duração, com apresentações de teatro, dança e capoeira fazendo um resgaste histórico sobre a atuação do CDVDH/CB contra o trabalho escravo e pela promoção de uma cultura libertadora.
Além do espetáculo houve também o lançamento do documentário “A força dos pequenos”, um filme que retrata de modo elucidativo e prático a fundamentação do Centro de Defesa e traz um pouco de sua história. Esse vídeo foi reexibido na manhã do dia 19, durante as mesas redondas temáticas.
A primeira mesa discutiu o tema, “20 anos de CDVDH/CB: Contexto de Açailândia em 1996 e o nascimento de um sonho de luta e resistência: Avanços e desafios desta caminhada”, onde a fundadora da entidade, Carmem Bascarán, frisou pontos importantes e históricos ao longo dos anos de existência do Centro de Defesa. “Açailândia era uma desesperança, começamos a idealizar o que hoje é o Centro. Nós queríamos trabalhar com o povo e para o povo, mas, sobretudo, como povo”, relatou ela. Na mesa redonda também tiveram representantes da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), dos Missionários Combonianos e trabalhadores resgatados do trabalho escravo contemporâneo.
A segunda roda de conversa destacou o tema “Enfrentamento ao Trabalho Escravo na Amazônia Maranhense: Avanços e desafios dos últimos 10 anos”, com participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), representantes do Ministério Público do Trabalho e da Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão e também trabalhadores resgatados do trabalho escravo.
Durante essa mesa houve diversos depoimentos emocionantes. Como o relato de Marinaldo Soares Santos, trabalhador resgatado que mora em Pindaré-Mirim. “Eu fui resgatado pelo Centro de Defesa, unidos nós poderemos ajudar muitas pessoas para que não passem o que eu passei. O Centro ainda terá muitas lutas e com muitas vitórias”, enfatizou.
É a missão do CDVDH/CB construir histórias a favor de um ideal. Acreditar na força dos/as pequenos/as. Promover a arte, a música, a dança e a capoeira. É ter anseios de um mundo mais fraterno e tolerante. É como diz Carmém Bascarán: “Este Centro é a conspiração da esperança”.
“Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis
Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12,14-15).
Nós, bispos, padres, diáconos, religiosos, religiosas, assessores, leigos e leigas, reunidos em Belém do Pará, no II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, enviamos esta Carta Compromisso, de coragem e de esperança, aos irmãos e às irmãs das nossas Dioceses, Prelazias e a todos as pessoas que quiserem ouvir a nossa voz.
Estamos vivendo um momento difícil da história do Brasil e da humanidade. A crise econômica, as pragas da guerra, da corrupção e da violência e o fenômeno das migrações forçadas são consequências de uma crise bem mais profunda, caraterizada pela perda de valores referenciais, tais como: a vida e dignidade humanas, o direito a existência das diferentes espécies vegetais e animais que sofrem a incontrolável destruição do maravilhoso jardim da criação, ainda visível em muitos recantos desta verde Amazônia. Os projetos predatórios que aqui se alastram, pelos rios e pelas matas, não levam em conta os direitos da natureza, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que, desde sempre, convivem em harmonia e respeito com o ambiente, na casa comum, dádiva milenar.
O mito do progresso sem limites e do lucro a qualquer custo continuam prometendo o sonho do paraíso aqui na terra, ao alcance de todos. Na realidade, assistimos à exclusão social, à discriminação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, ao inchaço das periferias pobres das nossas cidades. Unimos a nossa voz a tantos que denunciam que “este sistema exclui, destrói e mata” (Grito dos Excluídos 2016).
Estamos conscientes da nossa responsabilidade de sermos testemunhas da alegria do Evangelho com as nossas vidas e com o compromisso de denunciar os males e de anunciar a esperança do reino de Deus: “reino eterno e universal, reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça do amor e da paz” (Prefácio: Cristo, rei do universo). Lamentamos o distanciamento entre a Igreja e os movimentos populares. Pedimos perdão pelas vezes que ficamos calados e omitimos a nossa solidariedade aos pobres e sofredores, aos injustiçados e às vítimas do sistema destruidor que mercantiliza a vida. A Igreja em saída, que o Papa Francisco nos pede, deve ser, em primeiro lugar, uma Igreja samaritana, companheira de caminhada, que evangeliza com a compaixão e a misericórdia, confiante na presença viva e profética do Divino Espírito Santo.
Refletindo sobre a realidade social e eclesial, à luz dos novos desafios que a história nos impõe, confirmamos e atualizamos alguns dos compromissos assumidos nos Encontros anteriores. O processo de mudança é constante e acontece de forma mais rápida que no passado. É possível, urgente e vital participarmos ativa e responsavelmente da nova época que está surgindo para o planeta terra para a humanidade inteira e também para a Amazônia. Somos semeadores de fé, esperança e amor. O semeador nunca desiste de semear, mesmo quando não sabe se verá os frutos maduros das sementes do bem e da Justiça plantadas no chão e regadas com lágrimas, fadigas, corajosa perseverança e paciência evangélica.
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Apoiamos o esforço dos povos indígenas e dos que vivem dos frutos do campo, da floresta e dos rios, pela proteção das terras e das águas que dão sustento às suas comunidades e às suas culturas. Denunciamos como imorais as manobras legislativas que ameaçam os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais consagrados pela Constituição de 1988. A lição de harmonia, respeito e sustentabilidade destes povos vale para o planeta inteiro e para toda a humanidade. Desmascara os ídolos da ganância, do consumo e do desperdício.
Constatamos o silêncio de grande parte dos meios de comunicação a respeito da crescente violência, perseguição e criminalização de lideranças camponesas, indígenas e de entidades que defendem os direitos humanos, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Sentimos a necessidade de uma maior presença da Igreja junto às comunidades espalhadas nesta imensa Amazônia. Preocupa-nos, em muitas delas, a ausência da celebração eucarística, memorial da vida doada de Cristo e da sua vitória sobre o mal e a morte. A realidade urbana desafia também a cada paróquia a se tornar verdadeira Comunidade de Comunidades. Precisamos renovar os ministérios ordenados, promover e valorizar os ministérios laicais, confiando na variedade dos carismas e na força da unidade e da comunhão. Reafirmamos a importância do ministério da Palavra para a missão evangelizadora, para a Iniciação à Vida Cristã e para a formação permanente. A promoção do ministério da coordenação ou do pastoreio pode dar ânimo e energia aos animadores e às animadoras de comunidades, de grupos e de pastorais. Como fruto do Ano da Misericórdia, somos chamados a promover o ministério do perdão, da reconciliação e da paz, também fora do sacramento da penitência, preparando agentes para favorecer o diálogo, o encontro e o perdão entre pessoas, famílias e comunidades.
Comprometemo-nos a promover a formação dos candidatos ao ministério ordenado para que estejam a serviço das nossas comunidades, livres do mundanismo, do carreirismo, do clericalismo e do autoritarismo. Que saibam confiar nos leigos e nas leigas como sujeitos verdadeiramente responsáveis da ação evangelizadora da Igreja para colaborar com todas as pessoas de boa vontade “na construção do desenvolvimento social e cultural” (EG 67).
Reconhecemos a missão própria dos leigos e das leigas na família, no trabalho, na cultura, nos meios de comunicação, na política, na universidade, na arte e no lazer. Eles e elas são a Igreja presente no coração da sociedade, sal da terra, luz do mundo, sinais do Reino que cresce na história humana.
Alimentamos a esperança que a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), possa contribuir eficazmente com a resistência dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, incentive o diálogo e a colaboração entre as Igrejas na obra da evangelização, na defesa e cuidado com a casa comum e na promoção da fraternidade solidária.
Agradecemos ao Papa Francisco, querido amigo da Amazônia, pelo seu empenho, dedicação, documentos e pronunciamentos, que nos encoraja a uma missão mais ousada em defesa da vida no horizonte de uma ecologia integral (LS 137).
Nossa gratidão à Igreja de Belém que nos acolheu nestes dias e que celebra com alegria os 400 anos do início da Evangelização em terras amazônicas. A memória dos primeiros missionários nos ajuda a vencer o medo de abrir caminhos novos. Estes irmãos e irmãs que precederam tiveram esta coragem, porque acreditaram no único Senhor Jesus Cristo, Caminho rumo ao Pai, Verdade que nos liberta e Vida plena, dom gratuito do Espírito. Rogamos a Maria, nossa Senhora de Nazaré, padroeira da Amazônia e estrela da evangelização, que nos acompanhe sempre com a sua maternal proteção.
Belém, 16 de novembro de 2016
Os participantes do II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal
Diretoria e coordenação executiva nacional da CPT divulgam Nota de Pesar pela morte do irmão Antônio Cechin, fundador da CPT no Rio Grande do Sul e animador das Romarias da Terra no estado.
Faleceu o Irmão Antonio Cechin no dia de hoje. A CPT Nacional se junta à sua família biológica, à família marista e a todos os que sentem a partida de quem tanto lutou pela causa da terra, pela causa dos pobres, pela causa da vida entregando seu corpo à mãe-terra.
Irmão Antonio Cechin é um exemplo de amor e fidelidade ao Evangelho, preocupado com os mais pobres e fracos. Sua atuação nos últimos anos foi junto aos catadores e catadoras de lixo e aos recicladores, buscando sua afirmação humana e social.
Nascido em 17 de junho de 1927, se tornou irmão Marista. No início da década de 70 foi pioneiro, entre religiosos, na inserção junto aos pobres, indo morar entre eles na periferia de Canoas, RS. Como diz Isidoro Revers “os olhos, o coração, a consciência compreendem, sentem e vêem o real quando se está nele. Conviver tudo muda. Ele foi testemunho do que falava. Sua ação, reflexão e metodologia estão na CPT, no Cimi, no MST, no coração e na mente de centenas de missionários.”.
Militante dos movimentos sociais foi fundador da CPT RS, da Pastoral da Ecologia e da ONG Caminho das Águas. Foi inspirador e animador das Romarias da Terra do Rio Grande do Sul, romarias essas que se estenderam por todo o Brasil.
Com uma atuação incomum, participou da criação do Centro de Orientação Missionária (COM), do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), do Centro Ecumênico de Capacitação e Assessoria (CECA) e do MST.
A história da Igreja comprometida com os pobres no Rio Grande do Sul e no Brasil se confunde com a História de Irmão Antônio Cechin. Sua lembrança será um farol a iluminar os caminhos dos que procuram construir uma Igreja identificada com os excluídos e uma humanidade nova.
“Com este posso tomar parte na gratidão pelo dom da vida, na dor pela separação causada pela morte e na fé da feliz ressurreição e da vida plena.” (Dom André de Witte, vice-presidente da CPT).
Goiânia, 16 de novembro 2016.
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional
A pastora Romi Benke, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), apresentou ao Conselho Nacional da CPT, reunido de 27 a 29 de outubro, em Luziânia (GO), uma análise de conjuntura a partir de escritos do professor alemão Wolfgang Streck, e destacou o papel que a religião desempenha no mundo dominado pelo neoliberalismo.
(Antônio Canuto - CPT Nacional)
Sua análise parte de que a crise das democracias capitalistas se manifesta de forma surpreendentemente nova... Ninguém sabe o que vai acontecer a seguir. Os temas mudam todos os meses, por vezes, todas as semanas, mas quase todos voltam em algum momento. O campo da ação politica está minado com um número interminável de efeitos secundários imprevisíveis. Se há casos em que se pode falar em complexidade, este é um deles. Faça o que fizer, a política para resolver um problema, cria outro problema. O que põe fim a uma crise agrava a outra. “Por cada cabeça de Hidra que se corta crescem duas novas”, destacou.
É necessário abordar demasiados problemas em simultâneo, as soluções de curto prazo impossibilitam soluções de longo prazo. Aliás, nem sequer se procuram soluções de longo prazo, uma vez que os problemas de curto prazo exigem prioridade. Surgem buracos por todos os lados que só podem ser tapados abrindo novos buracos noutro lado...
A instituição misteriosa da modernidade capitalista para apaziguar conflitos sociais desestabilizadores encontrou a saída com a compra de tempo. Comprar tempo para adiar um acontecimento iminente. Na tentativa de o impedir usa o dinheiro, bem como concede alguns benefícios, como as políticas do bem estar social, para garantir que vai continuar lucrando. A política democrática apenas manteve a aparência de um capitalismo de crescimento com progresso material igual para todos e com aparente distribuição de renda. Estes recursos estão esgotados, precisam ser substituídos por outros.
Beneficiários e gestores do capital consideram caras as políticas sociais. Não é possível mais comprar tempo com dinheiro. Não há como acreditar em um capitalismo socialmente pacificado. O que fica claro é que o capitalismo não é democrático.
Para garantir sua hegemonia utiliza o discurso religioso de um Deus controlador e cerceador das liberdades humanas. Pois o mercado nega a pluralidade e confirma as estruturas de dominação que já não respondem mais às necessidades dos tempos atuais, mas que, no entanto, insistem em permanecer. É também pelo discurso religioso que se esvazia a democracia. O século XXI experimenta a simbiose entre fundamentalismo financeiro e fundamentalismo religioso, que tem com consequência a não aceitação da igualdade social e do respeito às diferenças. O fundamentalismo religioso é consequência do fundamentalismo financeiro.
A expansão de ideais fundamentalistas à serviço do capital
No Ocidente, reatualiza-se a face fundamentalista do cristianismo, tanto na versão protestante, quanto na versão católica romana. Na Europa, recupera-se a ideia de uma identidade ocidental cristã (cristandade) em contraposição ao avanço do Islã sobre o Ocidente.
Instaura-se o medo de guerras religiosas em uma versão pós-moderna. Outros medos são construídos e novos demônios são fabricados. Contra o movimento feminista e LGBTTs, cria-se o temor da “ideologia de gênero”; os diferentes modelos de família são combatidos pela ideia da família patriarcal; o racismo, além do ódio contra as pessoas negras, manifesta-se também como intolerância religiosa. Fortalecem-se as práticas da cristianização dos povos indígenas. O conceito democrático da liberdade religiosa é reivindicado como o direito de impor valores religiosos ao conjunto da sociedade.
E vai ganhando ênfase o fundamentalismo moral que reivindica o reenvio para o domínio privado de questões que os movimentos de emancipação, principalmente feminista e LGBTTS, remetem para o espaço público, discurso anti-corrupção, maniqueísmo e moralismo.
Daí para a cultura do linchamento dos que pensam diferente é só um passo.
O neoliberalismo promove a ideia de que democracia não significa a ampliação de direitos de decisão e participação de cidadãos e cidadãs. Isso, na sua lógica, é o caos, a desordem. Para ele democracia significa a ampliação da permissão para que empresas e corporações financeiras explorem livremente tanto a mão-de-obra produtiva, através da flexibilização das leis trabalhistas (negociação direta), quanto o meio ambiente, através da flexibilização das leis de regulamentação ambiental. Gradativamente, os contratos sociais que tinham a função de garantir um mínimo de bem-estar e equilíbrio são rompidos ou desfeitos.
O neoliberalismo é a própria religião. Surge um único e novo deus – o deus mercado. Mesmo, que as religiões históricas ou tradicionais, como o cristianismo e o Islã, estejam recobrando sua presença na esfera pública, a questão é sobre qual é seu papel no contexto de dominação da religiosidade neoliberal.
Um convívio, aparentemente pacífico, entre religiões tradicionais ou históricas e o contexto neoliberal pode significar a subordinação dessas religiões à religião neoliberal. Muitos deuses sob o comando do deus mercado, atuando em favor da liberdade do mercado. Estes deuses são transformados em uma espécie de “soldados” do deus mercado e arautos da liberdade do mercado. Suspeita-se que as igrejas estejam sutilmente encurraladas entre promover e defender a justiça social ou promover e proteger a justiça de mercado.
Justiça
A justiça de mercado é compreendida como a distribuição do resultado da produção de acordo com a avaliação pelo mercado do desempenho individual das pessoas. O critério de remuneração é a produtividade-limite. Quem decide o que é justo é o mercado e a justiça se expressa em preços.
A justiça social orienta-se por concepções coletivas de honestidade, equidade e reciprocidade, garantia de direitos, mesmo que mínimos, independentemente do desempenho econômico e reconhecimento de direitos civis e humanos - o direito à saúde, à segurança pública, à participação social, à proteção do emprego, à organização sindical - entre outros. Nesse caso, o que é justo é decidido pelo poder de mobilização, característico dos processos políticos. A justiça social, geralmente é alheia à economia.
Ficamos entrincheiradas entre promover a justiça de mercado ou promover a justiça social, entre proclamar a lógica de Mt 25.29-30: “Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem será tirado. E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas”. Ou em prover a lógica de Lc 1.53: “Encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias”.
A liberdade do mercado, precisa ser preservada. Ela não é problematizada. Criam-se harmonias aparentes, a partir do momento em que as confrontações éticas necessárias não são feitas, porque a fé provocadora e questionadora está devidamente contida.Também Deus está contido, enjaulado na intricada busca e afirmação da liberdade do mercado. O falar sobre Deus, de Deus, com Deus significa, cada vez mais, a adequação do discurso teológico às necessidades do mercado. Deus mesmo é tornado agente do mercado, na medida em que atende os desejos de consumo, prosperidade, riqueza de quem crê. Deus é colocado a serviço da liberdade do mercado na medida em que o sentido da sua existência é conferido à sua capacidade e poder de viabilizar a prosperidade material e a felicidade individual.
A liberdade do mercado passa, necessariamente, pela instrumentalização da fé que deixa de ser livre, assim como Deus deixa de ser livre. Deus é comunicado como totalmente adaptado e integrado à lógica do mercado. A fé nesse Deus adaptado e integrado ao mercado, promove e fortalece o individualismo, a autossuficiência, a negação da política em detrimento do fortalecimento da cultura do consumo. Este Deus alienado, não problematiza as relações de poder e nem as injustiças causadas pela promoção e defesa da liberdade do mercado. Este Deus integrado à lógica do mercado precisa destruir qualquer possibilidade da fé que torne o ser humano livre para não praticar as exigências do mercado. O fundamentalismo financeiro-religioso cria, com isso, os inimigos que precisam ser combatidos.
Há uma necessidade premente de crítica à religião e ao Deus tornado servo do mercado. Ambos condicionam as pessoas a uma vida sem liberdade, na medida em que, para obter a salvação, nesse caso, salvação significa acesso ao consumo, precisam dedicar toda a sua vida e o seu tempo em gerar dinheiro e prosperidade. A devoção aos mandamentos do mercado não permite o descanso e nem o convívio entre as pessoas. Todos os momentos da vida são destinados para conseguir dinheiro ou para consumir. Esta dedicação extrema faz com que as pessoas tenham a falsa sensação de que são bem remuneradas. Seriam, portanto, beneficiadas pela justiça do mercado. No entanto, esta justiça é aparente, pois as pessoas estão ganhando menos, trabalhando mais e, consequentemente, produzindo mais riquezas para o mercado, que se alimenta pela concentração das riquezas. A justiça não é para elas, mas para o mercado. Esta relação de total entrega ao cumprimento das exigências do mercado é de servidão. Não há liberdade na lógica do mercado.
A contraposição entre Deus da graça e Deus do mercado poderia ser a crítica à lógica do sistema neoliberal. As pessoas estão livres para dizer não às exigências do Deus mercado. É possível confrontá-lo e romper com a sua lógica para estabelecer novas relações sociais e econômicas que possibilitem equidade, distribuição de riquezas. O Deus que ama e nos encontra possibilita justiça social. A liberdade que conduz à igualdade e democratiza a própria democracia porque ao resgatar a liberdade humana proveniente da fé subverte a lógica da liberdade do mercado.
Romi terminou sua exposição levantando algumas questões: Por que tememos a liberdade? Também na esquerda? Há uma necessidade gritante de superação de maniqueísmos e da alternativa de lutas viáveis e das não viáveis. Há que se ter espaço para a pluralização das vozes. E é urgente devolver a dignidade à política e aos políticos/as.
“A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública”, afirma nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulgada nesta quinta-feira, dia 27 de outubro
O texto foi aprovado pelo Conselho Permanente da entidade, reunido, em Brasília, entre os dias 25 e 27 deste mês.
Segundo a nota, “é possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241”.
Eis a nota.
“Não fazer os pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida.”
(São João Crisóstomo, século IV)
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 25 a 27 de outubro de 2016, manifesta sua posição a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, de autoria do Poder Executivo que, após ter sido aprovada na Câmara Federal, segue para tramitação no Senado Federal.
Apresentada como fórmula para alcançar o equilíbrio dos gastos públicos, a PEC 241 limita, a partir de 2017, as despesas primárias do Estado – educação, saúde, infraestrutura, segurança, funcionalismo e outros – criando um teto para essas mesmas despesas, a ser aplicado nos próximos vinte anos. Significa, na prática, que nenhum aumento real de investimento nas áreas primárias poderá ser feito durante duas décadas. No entanto, ela não menciona nenhum teto para despesas financeiras, como, por exemplo, o pagamento dos juros da dívida pública. Por que esse tratamento diferenciado?
A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública.
A PEC 241 supervaloriza o mercado em detrimento do Estado. “O dinheiro deve servir e não governar! ” (Evangelii Gaudium, 58). Diante do risco de uma idolatria do mercado, a Doutrina Social da Igreja ressalta o limite e a incapacidade do mesmo em satisfazer as necessidades humanas que, por sua natureza, não são e não podem ser simples mercadorias (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 349).
A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional. A partir de 2018, o montante assegurado para estas áreas terá um novo critério de correção que será a inflação e não mais a receita corrente líquida, como prescreve a Constituição Federal.
É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241.
A CNBB continuará acompanhando esse processo, colocando-se à disposição para a busca de uma solução que garanta o direito de todos e não onere os mais pobres.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, continue intercedendo pelo povo brasileiro. Deus nos abençoe!
Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB