A diretoria e coordenação executiva nacional da CPT divulga Nota de Pesar pela morte de Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo emérito de São Paulo, ocorrida no fim da manhã de hoje, 14 de dezembro. O documento destaca "Com uma atuação forte junto às periferias, sobretudo de São Paulo, onde era pastor, Dom Paulo sentia também as contradições vividas no campo, as lutas dos sem-terra por um pedaço de chão, o esforço dos que buscavam formas de sobreviver dignamente do trabalho na terra". Confira:
(Foto: Douglas Mansur)
A Comissão Pastoral da Terra une-se a todos os brasileiros e brasileiras e a todos os que lutando por um mundo de justiça e igualdade, hoje pranteiam a morte de Dom Paulo Evaristo Arns.
Dom Paulo foi um baluarte na luta pela democracia, no combate à Ditadura Militar, denunciando os desmandos praticados contra lideranças e militantes de movimentos, presos e submetidos a horrorosas sessões de tortura. A palavra e a postura de Dom Paulo dando guarida a perseguidos, denunciando as atrocidades e brandindo a espada da justiça é um exemplo que marca até hoje a história de nosso país.
Com uma atuação forte junto às periferias, sobretudo de São Paulo, onde era pastor, Dom Paulo sentia também as contradições vividas no campo, as lutas dos sem-terra por um pedaço de chão, o esforço dos que buscavam formas de sobreviver dignamente do trabalho na terra.
Como ele mesmo disse em entrevista à Revista Terceira Idade, do SESC São Paulo, edição de outubro de 2002, quando perguntado como via a situação dos sem-terra ele disse: “Digo que é um pecado que alguém no Brasil esteja sem terra. Estive no começo deste ano com o Presidente da República, e sentado ao seu lado na mesa disse para ele: ‘Onde o senhor falhou foi na divisão da terra’. É por isso que (os sem-terra) lutam pela terra. Eles têm razão. O senhor deve ajudá-los. A igreja sempre os apoiou e sempre vai apoiá-los, enquanto não houver justiça e melhor distribuição da terra.”.
Há menos de dois meses, quando completou 95 anos, colocou na cabeça um boné do MST, que lhe tinha sido dado.
Ao lado dos próceres da CPT, Dom Tomás Balduino, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Moacir Grechi, Dom Paulo é uma das grandes figuras de uma Igreja não a serviço de si mesma, mas a serviço do povo de Deus, apoiando suas lutas, vibrando com suas conquistas, alimentando sua fé num Deus que se colocou ao lado do povo no seu caminho pela liberdade.
Goiânia, 14 de dezembro de 2016.
Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT
Relatório da Oxfam revela dívidas astronômicas, que, se pagas, assentariam 214 mil famílias; e governo Temer quer anistiar setor.
(Por Cauê Seignemartin Ameni – De Olho Nos Ruralistas | Imagem: Ibama )
O agronegócio leva nas costas, como alegam seus defensores, as contas do Estado brasileiro? Segundo o relatório Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural, publicado pela Oxfam, não. Dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que 4.013 pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra devem R$ 906 bilhões, uma dívida maior que o PIB de 26 estados.
O montante é equivalente a metade do que todo o estado brasileiro arrecadou em 2015. Ou aproximadamente 22 petrolões.
Cada um dos 4.013 devedores tem dívidas acima de R$ 50 milhões. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), há um grupo ainda mais seleto de 729 proprietários que declararam possuir 4.057 imóveis rurais, somando uma dívida de R$ 200 bilhões. As terras pertencentes a esse grupo abrangem mais de 6,5 milhões de hectares, segundo informações cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro Rural.
O Incra estima que com essas terras seria possível assentar 214.827 famílias – considerando o tamanho médio do lote de 30,58 ha/famílias assentadas. Em outras palavras, seria possível atender, com as terras dos maiores devedores do Estado brasileiro, o dobro das 120 mil famílias que estavam acampadas demandando reforma agrária em 2015.
Gráfico: Dívida Ativa da União X Reforma agrária
Em vez de cobrar os débitos, porém, o governo Temer editou em junho a Medida Provisória nº 733, concedendo mais privilégios ao setor. Segundo o relatório da Oxam, a MP permite que produtores rurais inscritos em Dívida Ativa da União e com débitos originários das operações de securitização e Programa Especial de Saneamento de Ativos liquidem o saldo devedor com bônus entre 60% a 95%. Por exemplo, dívidas acima de R$ 1 milhão devem ter descontos de 65%.
Injustiça fiscal com desoneração
O relatório aponta outra peculiaridade: a isenção de diversos impostos. A Lei Kandir, editada em 1996, isentou o pagamento de ICMS aos produtos primários e produtos industrializados e semielaborados destinados à exportação. Segundo o relatório, essa desoneração gera perdas em torno de R$ 22 bilhões por ano aos estados. Com promessa de ressarcimento. Entretanto, só são ressarcidos 12% da isenção. Em 2014, a bancada ruralista emplacou mais uma benesse fiscal para o setor: a isenção de 9,25% na cobrança do PIS e Confins na venda de soja para todos os fins comerciais.
O relatório alerta também para a ineficácia do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), principal tributo no meio rural brasileiro. Apesar da progressividade do imposto em relação ao tamanho e utilização do terreno, a cobrança é responsável por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014, porcentual médio constatado desde os anos 1990.
A injustiça fiscal do ITR fez com que os grandes e médios proprietários passassem a pagar menos imposto por hectare, caindo a média de R$ 1,59 por hectare em 2003 para R$ 1,52 em 2010, segundo os dados das áreas totais cadastradas no SNCR.
Ligada à Universidade de Oxford, a Oxfam está presente em 94 países.
Para ler mais detalhes do relatório Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural acesse aqui.
1 ano após o crime da Samarco (Vale/BHP Billiton), que matou o Rio Doce, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) refez o caminho inverso da lama. A marcha, que percorreu mais de 700 km, se iniciou na Vila de Regência (ES), local onde a lama encontrou o mar, passando por inúmeros municípios às margens do rio até chegar ao seu ponto final: o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), povoado que foi totalmente devastado pela lama.
(Fonte: MAB)
No decorrer dessa jornada de denúncia, luto e luta, atingidos por barragens do Brasil todo trocaram experiências e solidariedade.
Testemunhamos o sofrimento e angústia das pessoas atingidas. Vimos surtos de doenças multiplicando-se aos milhares, famílias com medo de beber a água, sacrificando-se ao buscá-la em locais distantes ou gastando seu dinheiro para comprar água mineral.
Testemunhamos a enorme angústia, inimaginável tristeza de quem perdeu familiares e amigos, suas referências culturais, sua casa, seu meio de subsistência, o seu emprego e trabalho, os pertences pessoais, os brinquedos das crianças, o rio, a água, animais domésticos, peixes e grande parte da natureza.
Testemunhamos também a existência de um povo forte, trabalhador e lutador, que sofre, mas que tem esperança, que quer a justiça, quer seus direitos, e para isto está disposto a se organizar e lutar em um só grito:
A Luta vencerá a Lama!
Confira o documentário na íntegra:
Nos quilombos as mulheres tem papel de protagonismo na organização e nas lutas.
(Catarina de Angola e Mariana Reis – comunicadoras do Terral Coletivo de Comunicação Popular – Brasil de Fato)
A série Mulheres Negras: do centro à periferia, é uma parceria entre o Centro Sabiá e o Terral Coletivo de Comunicação Popular, como forma de marcar o mês da Consciência Negra. Todos os textos que integram a série são escritos por jornalistas negras do Terral e tem como entrevistadas mulheres negras. O BdF PE publicou a segunda matéria trata de mulheres e quilombos, na perspectiva histórica, mas também na contemporaneidade.
“Nas formas de organização de resistências, as mulheres tiveram participação efetiva nos quilombos, mas por conta dos processos mais globais que vivemos de invisibilidade das mulheres, até quando começamos a contar a história, o patriarcado só honra a existência e história dos homens. Mas o que eu vejo é que é impossível afirmar que as mulheres ficaram em uma posição secundária nesse processo, porque elas também estavam submetidas ao sistema escravocrata e estavam na resistência”, explica Cecilia Godoi, integrante do coletivo Cabelaço e mestra em Educação, Culturas e Identidades pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Falar de quilombos é falar de resistência e por isso é importante marcar o papel das mulheres nesse processo que é histórico, mas também contemporâneo. Historicamente, esses territórios não eram espaços que tinham apenas referências masculinas em sua organização política, econômica e social. As mulheres sempre foram muito importantes para sua estruturação, desenvolvimento e luta. “Os quilombos eram uma forma de organização que já existiam em África, em que se fazia resistência ao sistema colonial que estava se alastrando por lá e que estava transmigrando as pessoas. Essa é a primeira base para a gente poder pensar qual a potência do quilombo”, explica a cientista social, cuja própria origem familiar está ligada às comunidades de Feijão e Queimadas, em Mirandiba (PE).
Logo, quilombos não eram esconderijos de escravos. “É essa percepção que se construiu de que os quilombos eram como um campo de refugiados, com pessoas desnorteadas e perdidas que foram para algum lugar e ficaram no meio da mata sem saber o que fazer e para onde ir”, pontua Cecilia, que também resgata esses espaços como uma das formas de organização do povo negro no Brasil. “Assim como os portugueses chegaram aqui e construíram um sistema de sociedade colonial com base na colonização e escravidão, quando os africanos chegam aqui, começam naturalmente com o processo de se estabelecer socialmente e a instaurar um tipo de organização e sociedade a partir da ideia que se tinham de África”, afirma.
História Negada
Essa forma de organização, luta e resistência foi construída por mulheres e homens. No entanto, também tivemos parte dessa história negada. Não são suficientes os registros que temos hoje sobre os quilombos para entender a complexidade de seu processo de organização, assim como as especificidades dos diversos territórios espalhados por todo o País. Além de Zumbi dos Palmares, em cuja homenagem se comemora, no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, temos lideranças femininas dessa resistência, como Aqualtune e Dandara, ambas também de Palmares. A primeira foi princesa do Congo no século XIII, guerreira africana que quando escravizada lutou contra o regime. A segunda é comumente referida como companheira de Zumbi, mas também exerceu papel de protagonismo na luta quilombola.
No Centro-Oeste, a referência é Tereza de Benguela, que liderou um quilombo no Mato Grosso. Além delas, muitas outras mulheres exerceram papéis importantes para a força dos quilombos no País, que eram espaços dinâmicos nos quais as mulheres exerciam diversas atividades. “Essa ideia do quilombo como área isolada, inclusive das cidades, das colônias na época, é uma ideia ilusória. As comunidades produziam e produzem artesanato local. Existia um cultivo e uma agricultura que garantia a subsistência da comunidade e certamente mantinha relações com os centros econômicos que também dependiam do que produziam os quilombos. Eram organizações com tanta força que passaram a estabelecer relações comerciais com a cidade”, explica Cecilia.
Luta contemporânea e também urbana
A identificação dos quilombos enquanto comunidade de descendentes do povo negro persiste até hoje, sendo, inclusive, reconhecidos como territórios com garantias de direitos, com acesso a políticas públicas de cidadania. Segundo dados de maio de 2016 da Fundação Cultural Palmares, hoje, são formalizadas mais de 2.600 comunidades quilombolas em todo o Brasil. Somente em Pernambuco, ainda de acordo com a mesma fonte, são 38 comunidades reconhecidas e 11 em certificação, passando por processo de análise técnica. No entanto, muitas outras comunidades existem e ainda não estão nesse processo de reconhecimento. Tal reconhecimento, para além do espaço geográfico, tem a ver com tradições culturais, religiosas e de vida comunitária que resistem ao longo do tempo. E o protagonismo das mulheres nessa luta não se restringe a um passado remoto, colonial.
É o caso do Quilombo do Portão de Gelo, na periferia de Olinda. Contrariando o imaginário popular de quilombo apenas como terras rurais, a comunidade recebeu o título de primeiro quilombo urbano do Estado, em 2006, e foi o terceiro reconhecido no Brasil. Sua história remonta à sobrevivência do povo de santo da nação Xambá, cuja perseguição devido à intolerância religiosa levou a uma trajetória de fuga desde Alagoas, na década de 1920 – passando por violência e fechamento de terreiros, durante a ditadura do Estado Novo – até fixar-se na localidade, sob liderança de Severina Paraíso, a Mãe Biu, nos anos 1950.
Ali foi erguido o Terreiro de Santa Bárbara, santa católica que, no sincretismo religioso, relaciona-se ao orixá feminino Iansã, arquétipo de guerreira, no candomblé. No entorno do terreiro – único desta vertente religiosa que sobreviveu no Brasil – construiu-se a comunidade, na rua que hoje recebe o nome da fundadora da casa, Severina Paraíso. Nesse arredor, novas famílias são constituídas, há um memorial e um espaço cultural e celebra-se, há mais de 50 anos, o tradicional coco no dia 29 de junho, aniversário da matriarca, falecida em 1993. Nos dias atuais, pode-se dizer que é um espaço em que a liderança das mulheres é bastante forte, com a incidência das mulheres do terreiro na missão de perpetuar a tradição religiosa para dentro e fora da comunidade: preservação de uma memória viva e ressignificada no presente – de quem sobreviveu para contar.
–
Coco de Mãe Biu, no Terreiro da Nação Xambá / Foto: Beto Figueirôa/Arquivo Bongar
Xavante de Marãiwatsédé lançam plano de gestão no Rio de Janeiro dando exemplo de sucesso das lutas indígenas em um contexto político cada vez mais difícil.
(Por Andreia Fanzeres – Amazônia Nativa | Imagens: Mídia Ninja e OPAN)
A 710 metros de altura, as orações diante dos braços abertos do Cristo Redentor costumam ser um ato emocionado de muitos dos visitantes do principal atrativo turístico do Rio de Janeiro. O banho de mar em um dia ensolarado de primavera nas águas cristalinas do Leme também é um presente a quem quer conhecer a cidade. Mas, no final do mês de novembro, o mar foi tingido de urucum e o Pai-Nosso e a Ave Maria foram rezados na língua Akwén, do povo Xavante, por cerca de 30 representantes da Terra Indígena Marãiwatsédé, que retornaram até o Rio para o lançamento de seu plano de gestão territorial.
A história de luta do povo Xavante pelo direito ao usufruto de seu território tradicional, do qual foram expulsos há exatamente 50 anos, criou entre o Rio de Janeiro e Marãiwatsédé uma importante ligação. Durante a Rio 92 (em 1992), lideranças Xavante receberam ali a promessa de que sua terra seria devolvida por empresários da Agip Petroli, que, à época, eram os proprietários de parte da área que um dia foi o maior latifúndio do mundo, a Fazenda Suiá-Missu. Na Rio+20 (em 2012), cerca de 13 Xavante voltaram ao Rio para cobrar do governo federal e da Justiça brasileira urgência na desocupação de seu território, invadido e desmatado intensamente nos 20 anos anteriores.
Agora, em 2016, os Xavante foram ao Rio para agradecer e demonstrar que, quase quatro anos após a desintrusão de Marãiwatsédé – resultante da pressão nacional, internacional e da grande visibilidade da sua trajetória na conferência das Nações Unidas – eles não só reocuparam totalmente a área demarcada e homologada com a abertura de novas aldeias e trabalhos de recuperação ambiental, como reafirmaram que sua luta continua. Afinal, 48 mil hectares identificados como território tradicional aguardam a demarcação desde os anos 90.
Segundo a antropóloga Iara Ferraz, que participou da fundação do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e do processo de identificação de Marãiwatsédé, a decisão de reivindicar a demarcação de parte do território tradicional nos anos 90 foi feita com a intenção de acelerar o trâmite administrativo na Funai, depois de tantos anos desde a expulsão dos indígenas dali em 1966. “Era estratégia pedir apenas a área da fazenda naquela hora porque ela estava totalmente desocupada. Então, pensamos que seria possível demarcar e indenizar num segundo momento as pessoas de boa-fé que estavam no território tradicional no começo dos anos 90”, explicou.
No entanto, às vésperas da Eco 92, após a divulgação na imprensa de que a área seria devolvida aos Xavante, uma grande mobilização local envolvendo a gerência da fazenda da Agip Petroli e os principais políticos mato-grossenses foi responsável pela a invasão de Marãiwatsédé, que, em razão disso, acabou detendo o título de terra indígena mais devastada da Amazônia. “O desafio do plano de gestão que está sendo lançado hoje é fazer a gestão desta terra e daquela que ficou de fora”, considerou Ferraz, no evento realizado no Museu do Índio.
Com recepção impecável, o Museu, que está fechado desde a invasão e a depredação que ocorreram às vésperas das Olimpíadas do Rio, abriu as portas excepcionalmente para o lançamento do plano de gestão, com cerca de 120 convidados. E a alegria não foi só dos indígenas, mas também dos funcionários, animados por verem novamente o Museu cheio de vida. “A primeira parceria cultural do Museu do Índio em 1986 foi com o povo Xavante e, desde então, temos realizado diversos trabalhos de documentação, registro audiovisual, entre outros”, disse na mensagem de boas-vindas, Arilza Almeida, chefe do Serviço de Atividades Culturais do Museu do Índio.
Para Vera Olinda, da Coordenação Geral de Gestão Ambiental e Territorial Indígena da Fundação Nacional do Índio (CGGAM/Funai), o plano de gestão de Marãiwatsédé tem força interna e riqueza singular. “Este trabalho tem valor para vocês como povo, mas também para a humanidade. Nós percebemos na Funai a importância social e ambiental de Marãiwatsédé. Isso aumenta a responsabilidade de proteger aquele território, dando condições para recuperá-lo”, reforçou a servidora. “Estamos dispostos a apoiar ações estratégicas e articulações mais amplas para a implementação do plano, apesar do nosso orçamento reduzido e de condições mais difíceis para trabalhar”.
As lições deste sonho
Conhecidos como o povo do sonho, ao longo de toda a sua trajetória pela retomada de seu território tradicional, os Xavante sempre mostraram força, união e disposição para lutar até o fim, até nas condições mais adversas. Esta também tem sido a postura de seus principais parceiros. Por isso, mesmo aqueles que não estavam no Museu foram lembrados com honradez, como as incontáveis contribuições de Dom Pedro Casaldáliga, em São Félix do Araguaia e a pressão internacional da Campanha Norte Sul coordenada por Mariano Mampiere. “Sabemos que há hoje pouco dinheiro e muitos inimigos contra os direitos indígenas, mas temos aqui pessoas que, com suas histórias, nos ensinam que é possível lutar e vencer porque dentro e fora do governo elas fazem a diferença”, disse o coordenador geral da OPAN, Ivar Busatto.
Por uma combinação de ingredientes ímpar, Marãiwatsédé se tornou um caso emblemático dentro da luta indígena no Brasil não apenas pelas nuances históricas e pela dimensão do desafio de enfrentar as principais forças políticas ruralistas do país, mas por tudo isso ter tido um desfecho favorável aos Xavante dentro do governo Dilma Rousseff.
Apesar do desempenho pífio no reconhecimento de terras e direitos indígenas, assim como no apoio dispensado às causas socioambientais, foi possível construir vontade política e grupos de trabalho articulados para a desintrusão de Marãiwatsédé dentro do governo. Paulo Maldos, ex-secretário nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, contou, por exemplo, que em dado momento o ex-ministro Gilberto Carvalho disse à ex-presidente Dilma Rousseff que aquela era uma questão central para a vida dele e que, sem a desintrusão, ele deixaria o governo. “Toda a estrutura política de Mato Grosso, Câmara, Senado, estavam todos mobilizados. Mentiras sobre a desintrusão eram notícia na imprensa diariamente. Todos os aliados estavam sendo criminalizados. Estávamos batendo de frente no elo central do latifúndio. Eles não acreditavam que isso pudesse ser realizado”, descreveu Maldos, valorizando ainda o fundamental apoio do Ministério Público Federal, de peritos e procuradores que se envolveram de corpo e alma com esta causa. “A partir do momento em que os agentes de Estado se deram conta de que se tratava de uma causa justa, todo o trabalho fluiu. Imagine servidores de diversos ministérios juntos, até coronéis, todos fazendo um trabalho bem feito dentro do governo, na ponta, mantendo a resistência, ampliando as alianças. Era um prazer estar com equipe tão empenhada”, lembrou.
Todas essas lições ficam para o movimento indígena e para a resistência frente aos retrocessos nos direitos constitucionais dos brasileiros. “Tudo que a gente fez na ditadura, vamos ter que fazer agora. A política indigenista está paralisada. Vemos uma agressividade no legislativo. Mais da metade dos congressistas são formalmente filiados à frente parlamentar agropecuária, e têm como objetivo aprovação de projetos como a PEC 215 e a PEC 241 (PEC 55/Senado)”, disse Paulo Maldos. “Esse governo interino não mereceu o nosso voto. Eles querem acabar com a nossa vida. Eu vi na viagem de ônibus até aqui que no Brasil tem muita terra de um dono só. E os pobres ficam na beira da estrada. Eles não têm dó de nós”, falou corajosamente Carolina Rewaptu, que se tornou a primeira cacique mulher entre os Xavante de forma legítima. “O governo não respeitou nosso direito. Estamos preocupados com a sociedade não indígena e indígena”, completou Rewaptu.
No horizonte de implementação do plano de gestão, os desafios locais também ainda são grandes. “A história de Marãiwatsédé ainda não pode ser toda escrita porque ainda continuamos lutando pelo nosso direito à terra”, disse o cacique Damião Paridzané. Para ele, além da vontade de retomar as áreas tradicionais não demarcadas, o principal problema ainda é o risco de invasão, representado pela existência de estradas federais e estaduais cruzando o território recém conquistado. Além do fogo que se espalha, em grande parte, a partir de focos ateados criminosamente na época seca, em 2016 os indígenas relataram a soltura de gado em território indígena. “Este ano os posseiros invadiram com o gado”, denunciou Paridazné.
“No nosso plano de gestão, tem educação, saúde, vida, cultura e nossa relação com o meio ambiente. Com ele, queremos garantir a segurança alimentar do nosso povo e recuperar a área para não invadirem mais”, explica Carolina Rewaptu. E o plano de gestão de Marãiwatsédé tem tudo a ver com o futuro da região, acredita Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), que chamou a atenção para a luta contra a monocultura que destrói o cerrado, suas águas e os povos que ali habitam. A preservação e recuperação de Marãiwatsédé está ligada à preservação e recuperação de seu entorno, que sobre um forte impacto pela expansão das monoculturas, afirmou.
A preservação e recuperação de Marãiwatsédé está condicionada ao que aconteça em seu entorno. O ISA, com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação Nossa Senhora da Assunção, a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e a Rede de Sementes do Xingu, da qual participam as mulheres coletoras xavante, formam a Articulação Xingu Araguaia (AXA), que juntos reúnem esforços em prol da garantia de direitos e valorização da sociobiodiversidade da região.
Para enfrentar essa situação, outros povos já se espelham no exemplo e na força de Marãiwatsédé. “O cacique Damião Paridzané está convidado a dar palestra para o povo Paresi no processo de elaboração do nosso plano de gestão”, anunciou a liderança Haliti, Genilson Kezomae. João Guilherme Cruz, assessor técnico do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), e que atuava na Funai na época da desintrusão, resumiu o sentimento de admiração por todo aquele percurso histórico empreendido pelos Xavante. “A gente vê no plano de gestão as discussões que tivemos desde 2013, assim que a desintrusão acabou. Parabéns para todo mundo e para todo o povo indígena de Marãiwatsédé, que nos dá uma aula a cada dia”.
Contato com a imprensa
Giovanny Vera
gio@amazonianativa.org.br
(65) 3322-2980
O dia 25 de novembro de 2016 marcou os trinta anos de imissão de posse do assentamento Pitanga I, localizado entre os municípios de Igarassu e Abreu e Lima, em Pernambuco. O assentamento é fruto da primeira ocupação de terra do estado e uma das primeiras do país.
(Fonte: Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste II |Imagem: Acervo CPT NE II)
Para comemorar as três décadas de imissão de posse, um dos momentos de alegria mais marcantes da história das famílias que hoje se encontram assentadas em Pitanga I, será realizada uma grande celebração, na escola do assentamento, às 14hrs deste próximo domingo, dia 27 de novembro.
O Assentamento Pitanga I é fruto da luta de cerca de 160 famílias sem terra que ocuparam as terras do Engenho Pitanga, no dia 8 de fevereiro de 1986. A área de aproximadamente 950 hectares era pertencente ao então poderoso grupo Lundgren. O Engenho, que antes da ocupação encontrava-se repleto somente de capoeira (vegetação composta por gramíneas), passou a ser o novo espaço de vida e produção dessas famílias sem terra.
Em um tempo em que quase não se ouvia, ainda, as palavras sem terra ou ocupação, essas 160 famílias ousaram dar os primeiros passos e protagonizar a primeira experiência de ocupação no estado de Pernambuco. Esses Homens, mulheres, jovens, crianças e idosos, injustiçados e injustiçadas, não abriram o caminho para transformar somente suas próprias vidas, mas também foram exemplos de esperança e luta para tantos outros, centenas e milhares de sem terra que os sucederam e que foram forjados nas ocupações de terras estado a fora.
Padre Tiago Thorlby, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanhava os trabalhadores e trabalhadoras à época, relembra que a repercussão da ocupação foi imediata. “Logo os Lundgren acionaram as autoridades e um oficial de justiça foi enviado à ocupação com uma ordem de despejo. O Batalhão de Choque veio em seguida e o povo foi despejado”, lembra. Esse momento, certamente, foi marcante para as famílias. Padre Tiago relembra que os “homens de preto” do Batalhão de Choque chegaram ao acampamento bravejando que os/as trabalhadores/as eram invasores/as e que deveriam respeitar a propriedade privada. O insulto feito pelo Batalhão de Choque foi respondido por um dos acampados, conhecido como Seu Marinho: “Não somos invasores, somos brasileiros dentro da nossa própria terra. Respeitamos a propriedade privada tanto que decidimos pegar um pedaço para nós também”, relembra Padre Tiago. “Esse foi o dia em as famílias de Pitanga viraram brasileiros de fato. Marinho não falou isso sozinho. Foi o povo de Pitanga quem falou”, ressalta.
Vários meses se passaram sem resolução até que as famílias decidiram ocupar a Praça da República, em frente ao Palácio do Governo, onde permaneceram por mais de cem dias. Durante esse período, a situação dos trabalhadores e trabalhadoras foi de extrema negação de direitos e só não foi pior porque “o povo da cidade e das paróquias colaboraram com os seus irmãos do campo. Houve uma cumplicidade, uma comum união entre o povo da cidade e do campo”, afirma o Padre. A luta para a conquista das Terras no Engenho Pitanga deixou 23 mártires, que morreram em decorrência da condição de extrema negação de direitos e da fome.
Finalmente, após quase dez meses de muitas dificuldades, mas também de muita resistência e teimosia, no dia 25 de novembro de 1986 saiu a imissão de posse da área reivindicada pelos trabalhadores e trabalhadoras sem terra. Hoje, passados trinta anos desde aquela data, as famílias do atual assentamento Pitanga I buscam agora garantir as condições para que permaneçam na terra de forma digna. Os desafios ainda são grandes e inúmeros. Mas o espírito da luta e a memória dos dias vividos pelas famílias de Pitanga I certamente alimentam e animam as lutas do presente. Mais que isso, são um exemplo: “O povo de Pitanga não somente aprendeu, mas praticou a partilha e a solidariedade”, conclui Padre Tiago.