Entre as substâncias autorizadas no País está o brometo de metila, utilizado como inseticida e para o controle de pragas.
(Por Ivanir Ferreira, Jornal da USP | Imagem: Agência Brasil)
A dieta dos brasileiros é rica em agrotóxicos, inclusive os mais tóxicos. Ao cruzar os dados sobre o que come habitualmente a população brasileira com a lista de agrotóxicos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a serem aplicados na cultura desses alimentos, pesquisa realizada na USP identificou 68 compostos que excediam o valor de ingestão diária aceitável de acordo com limites estabelecidos pela própria Anvisa.
Entre os 283 agrotóxicos verificados, o brometo de metila (BM) – pertencente à classe dos inseticidas, formicidas e fungicidas e listado como extremamente tóxico – foi a substância com maior estimativa de frequência nos alimentos. Os resultados fazem parte da dissertação de mestrado de Jacqueline Mary Gerage, defendida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em 2016. A ideia foi avaliar o risco de exposição crônica de agrotóxicos na dieta da população, sabendo-se do uso regular dessas substâncias em cultivos como arroz, feijão, soja e frutas.
A mesma substância também foi identificada por meio de outra pesquisa da Esalq, cujo enfoque foi estimar a ingestão de agrotóxicos a partir da dieta dos alunos das escolas urbanas da rede municipal de ensino da cidade de Guariba, interior de São Paulo. Os dois trabalhos tiveram a orientação da professora Marina Vieira da Silva, do Departamento Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq.
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O BM é um gás que age como inseticida para desinfestação de solo, controle de formigas e fumigação de produtos de origem vegetal. Mata insetos, fungos e bactérias, ervas daninhas ou qualquer outro ser vivo presente no solo. Embora tenha esta utilidade na agricultura, Jacqueline relata que o produto é altamente prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente. “Seu uso está em descontinuação global por causar danos à camada de ozônio e provocar riscos à saúde de trabalhadores rurais e moradores de regiões próximas às áreas de produção agrícola.” Em 1990, na assinatura do Protocolo de Montreal, houve um comprometimento de 180 países para diminuir o uso de produtos semelhantes ao BM na agricultura. O Brasil aderiu ao tratado internacional com a promessa de diminuir gradualmente o manejo ao longo dos anos.
Passo a passo
Baseada em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008/2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jacqueline obteve os alimentos que compunham a dieta habitual de 33.613 brasileiros, com idade superior a dez anos. Foram considerados 743 itens alimentares. Em seguida procurou saber da Anvisa, a quantidade de agrotóxicos que era autorizada para alimentos que compunham o banco de pesquisa, chegando a 283 compostos. Destes, Jacqueline verificou que 68 excediam o valor máximo permitido pela agência.
Para avaliar a exposição da população aos agrotóxicos, foi aplicado o cálculo de Ingestão Diária Máxima Teórica (IDMT), que relaciona o consumo médio dos alimentos e as concentrações médias de agrotóxicos. O resultado obtido do cálculo IDMT foi então comparado ao parâmetro de Ingestão Diária Aceitável (IDA), para caracterização do risco de exposição. Apresentando valores acima do Limite Máximo de Resíduos (LMR), os índices eram considerados preocupantes. Periodicamente, a Anvisa publica informações técnicas sobre os agrotóxicos autorizados para uso no Brasil.
Apesar de este tipo de exposição não ter sido avaliado por meio da pesquisa, a especialista ressalta que na área rural há também os riscos de intoxicação aguda envolvidos com a aplicação destes produtos, ao inalar ou manipulá-los diretamente.
Já a pesquisa Ingestão de resíduos de agrotóxicos potencialmente contidos na dieta habitual de escolares foi conduzida pela nutricionista Ana Paula Gasques Meira, aluna da Pós-Graduação da Esalq, com base em informações disponíveis e na análise de dados locais que levantou. Os resultados obtidos em Guariba, cidade do interior de São Paulo, seguiram a tendência das informações observadas nacionalmente: o brometo de metila se confirmou como uma das maiores médias de ingestão. Nesta pesquisa, participaram 341 crianças e adolescentes, com idade entre 7 e 16 anos.
*Com colaboração de Caio Albuquerque/ Divisão de Comunicação da Esalq
Um grupo de detentos da Unidade Prisional de Senador Guiomard, no Acre, recebeu a certificação no curso de Horticultor Urbano. O projeto é uma parceria entre o Instituto de Administração Penitenciária do Acre com o Instituto Dom Moacyr (IDM).
(Fonte: Ciclo Vivo | Imagem: Diego Gurgel – Secom)
O curso teve uma carga de 60 horas e foi executado pela Escola da Floresta Roberval Cardoso, onde os participantes trabalharam partes teóricas e logo depois a parte prática executada na própria horta da penitenciária.
Ao todo, 18 detentos, que já estavam executando um trabalho na horta, concluíram o curso e agregaram mais conhecimento à prática.
O reeducando Jhone Costa falou emocionado sobre a importância da qualificação. “O curso foi muito importante, pois assim vemos que a sociedade lá fora também está preocupada com nós que estamos aqui, não é todo dia que temos uma oportunidade dessa. Com certeza lá fora irei desenvolver o que aprendi”, disse.
Para o diretor da Unidade, Arlenilson Cunha, momentos como esse são motivo de alegria e gratidão. “Só temos que agradecer a essa parceria. É de fundamental importância, nosso papel é esse, educar, ressocializar e gerar oportunidade para aqueles que querem uma nova vida”, frisou Arlenilson.
Durante a entrega dos certificados, a diretora-presidente do IDM, Rita Paro, falou da perspectiva e da oportunidade que é gerada a partir do curso. “Hoje vocês têm um novo olhar, e podem pensar que lá fora tem um novo momento na vida de vocês, conhecimento nunca é demais, e que vocês possam adquirir conhecimento cada vez mais.”
A seca que, desde 2012, castiga a região semiárida do Nordeste do Brasil já é mais severa do que a registrada entre 1979 e 1983, a mais prolongada do século 20. Mas agora não causa as tragédias do passado. Não estão ocorrendo as mortes em massa por fome e sede, nem o êxodo de multidões castigadas pela falta de água, que invadiam cidades e saqueavam seus comércios, ou buscavam melhor sorte em terras distantes no centro-sul, região mais desenvolvida do país.
(Fonte: Envolverde | Imagem: Mario Osava - IPS)
A falta de chuvas, porém, está presente em tudo. A Caatinga, o bioma exclusivo da região do semiárido brasileiro, parece morta, com exceção de algumas árvores resistentes e áreas onde garoas recentes reverdeceram os arbustos. A represa de Tamboril, nos arredores de Ouricuri, cidade de 68 mil habitantes no oeste do Estado de Pernambuco, está seca há mais de um ano. Felizmente a cidade também conta com a água do rio São Francisco, que fica a 180 quilômetros, por meio de aquedutos.
"A seca em 1982 e 1983 foi pior, não tanto pela escassez de água, mas porque não sabíamos como lidar com a situação", contou à IPS o camponês Manoel Pereira Barros, de 58 anos e sete filhos, em sua propriedade, o Sítio Santa Fé, a 80 quilômetros de Ouricuri. Justo no momento mais árduo da crise, em 1983, ele se casou. "Foi difícil para toda a família. Matamos alguns bois, sobrevivemos com água de uma cacimba (buraco no leito de um pântano ou outro corpo de água), poucas vacas e muitas cabras. Os animais nos salvaram, a plantação de feijão secou", recordou.
Naquele ano, os governadores dos nove Estados que compartilham o semiárido brasileiro pediam mais ajuda ao governo federal, argumentando que cem pessoas morriam por dia devido à seca. Nos cinco anos que durou a seca (1979 a 1983), as mortes somaram 100 mil, segundo os governos regionais, mas pesquisadores estimam em pelo menos 700 mil as pessoas que morreram por fome e sede, na maioria crianças.
Um milhão é a estimativa adotada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede de mais de três mil organizações sociais criada em 1999 para impulsionar as transformações que estão melhorando a vida da população mais afetada pela seca, os camponeses pobres do Nordeste do país. Disseminar cisternas para captar e armazenar água de chuva para beber e cozinhar foi sua primeira meta.
Além de garantir água potável para neutralizar a estiagem anual, que dura oito meses em tempos normais, essa iniciativa é a alavanca de um novo enfoque para o desenvolvimento do semiárido, onde vivem mais de 23 milhões dos 208 milhões de brasileiros. Um milhão de cisternas já foram construídas, cerca de um terço por iniciativa da ASA, que distribuiu unidades familiares de 16 mil litros feitas com placas de concreto e implantadas com participação dos beneficiados, que também recebem aulas de cidadania e de gestão de recursos hídricos.
Conviver com o clima local, superando as fracassadas políticas de "combate à seca", é o lema do movimento, que, por isso, incentiva o conhecimento do ecossistema, aproveitando o saber tradicional dos camponeses e promovendo intenso intercâmbio de experiências entre comunidades rurais. Educação contextualizada, que prioriza a realidade local, práticas agroecológicas e o princípio da armazenagem de tudo – seja água, incluída aquela para plantar e dar aos animais, forragem para o período seco, e sementes crioulas (tradicionais) adaptadas ao solo e clima locais – são outros itens da convivência com o semiárido.
Essas tecnologias, proporcionadas pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamentais Alternativas (Caatinga) membro da ASA, não existiam nas secas anteriores e hoje fazem a diferença, reconheceu Barros. A elas se soma o Bolsa Família, a aposentadoria rural e programas sociais do governo para garantir uma sobrevivência razoável dos camponeses, inclusive quando não chove.
Barros optou por deixar sua terra em 1993, ao final de outra seca de dois anos, para buscar emprego em monoculturas irrigadas de uva e manga, no município de Petrolina, 200 quilômetros ao sul de Ouricuri, nas margens do rio São Francisco. "Foram 15 anos longe da família, trabalhando com venenos agrícolas, por isso pareço mais velho do que sou", brincou. "Aqui só como alimentos orgânicos", acrescentou.
Esse camponês "sonhava ter uma cisterna que não existia, agora tenho três, uma delas ainda com água das chuvas de janeiro de 2016. Usada apenas para beber, dura mais de um ano para cinco pessoas. A economia é rigorosa, antes desperdiçávamos muita água", destacou Barros. Além das cisternas, a comunidade de 14 famílias conta com um poço artesanal, cavado entre pedras há 70 anos, para armazenar água que desce de uma área mais acima. Ainda não secou, mas está muito suja. "Precisa de uma limpeza", afirmou Clarinda Alves, de 64 anos, vizinha de Barros.
O bioágua, um sistema de filtros que permite reutilizar o esgoto doméstico na irrigação de hortas e pomares, é outro recurso que se espalha entre camponeses do semiárido. Apesar de todo esse arsenal hídrico, mais a água distribuída pelo exército em caminhões-tanque que se multiplicaram pelo Nordeste, Barros decidiu suspender a produção da horta, que muitos camponeses conseguem manter em suas terras. Ele apostou em priorizar a água para consumo humano e animal.
A ASA considera que ainda há muito a ser feito na questão hídrica. Para a meta de universalizar as "duas águas" faltam 350 mil cisternas para água de beber e 800 mil destinadas à produção. São necessárias "cinco águas", segundo André Rocha, coordenador de Clima e Água do não governamental Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada, também membro da ASA, com sede em Juazeiro, na Bahia.
O uso doméstico exige duas águas, uma para beber e cozinhar e outra para higiene, assim a água produtiva seria a terceira. A quarta é de emergência ou reserva, "como um banco de sangue", e a "quinta destina-se ao ambiente, para recuperação de nascentes, recarga do lençol freático e para manter os rios perenes", explicou Rocha em seu escritório.
"Construir a convivência com o semiárido", como quer a ASA, enfrenta uma ameaça política. Será difícil manter a armazenagem de água de chuva e o fortalecimento da pequena agricultura como políticas públicas, após a virada conservadora do governo brasileiro, com a queda do PT. Também exige uma batalha ideológica permanente e, em consequência, um esforço de comunicação, porque combater as secas, em lugar de se adaptar e conviver com elas, permanece como a estratégia para o semiárido nas mentes oficiais e econômicas do país.
Grandes projetos hídricos – como a transposição do rio São Francisco para fornecer água a outros rios e represas do Nordeste –, além da irrigação de monoculturas do agronegócio e da agricultura em grande escala destinada principalmente à exportação, avançam em detrimento da agricultura familiar. Elevados investimentos e créditos oficiais são dedicados ao agronegócio, apesar dos fracassos anteriores e da corrupção, enquanto minguam recursos para as ações da ASA, de êxito comprovado na superação dos efeitos da seca.
Escola enfrenta críticas de parte do agronegócio por homenagear povos do Xingu. Para carnavalesco, ameaças aos indígenas são parte importante da história brasileira.
(Por Ingrid Matuoka – Carta Capital)
“O índio luta pela sua terra, da Imperatriz vem o seu grito de guerra! Salve o verde do Xingu”, diz o samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, preparado para o Carnaval deste ano no Rio de Janeiro.
O tema “Xingu, o clamor que vem da floresta" foi criado pelo carnavalesco Cahê Rodrigues, 40, que trabalha há 5 anos com a escola, com o intuito de homenagear os indígenas da região e sua luta pela preservação da floresta e de sua cultura.
A música também critica o extrativismo insustentável, a hidrelétrica de Belo Monte e agradece aos irmãos Villas-Bôas, enquanto as alas mostram a exuberância da cultura indígena e os males que os afetam, como desmatamento, uso agressivo de agrotóxicos, queimadas e poluição.
Uma das fantasias, em especial, desagradou parte do setor do agronegócio.
Ela mostra um fazendeiro, com um símbolo de caveira no peito, a pulverizar agrotóxicos. Em nota de repúdio, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) afirmou ser “inaceitável que a maior festa popular brasileira, que tem a admiração e o respeito da nossa classe, seja palco para um show de sensacionalismo e ataques infundados pela Escola Imperatriz Leopoldinense”. No dia seguinte, a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando também se manifestou contra a Leopoldinense.
Embora a fantasia não seja uma crítica direta ao agronegócio, nem generalize o setor, é fato que o Brasil precisa rever suas políticas sobre agrotóxicos.
Mais da metade das substâncias usadas aqui é proibida em países da União Europeia e nos EUA, e os agrotóxicos atingem 70% dos alimentos, segundo um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Em um ano, um brasileiro terá consumido cinco litros dessas toxinas, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA).
Responsáveis por 70 mil intoxicações agudas e crônicas anualmente em países desenvolvidos, os agrotóxicos também estão altamente associados à incidência de câncer e outras doenças genéticas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para elaborar o tema, o carnavalesco carioca estudou durante quase um ano os povos do Xingu, e passou quatro dias em uma oca, vivendo ao lado deles.
“Eu vi quanto o índio depende da floresta para sobreviver e quão forte é o contato com a terra, com o verde. Logo pela manhã, quando acordei, vi curumins brincando de correr atrás de borboletas, é a brincadeira preferida deles, e subindo em árvores para pegar uma fruta, descascar e comer com a mão. O índio é a própria natureza. E quando você agride a natureza, está agredindo diretamente a vida do índio”, conta Cahê.
O medo e a ameaça de uma nova invasão, de perderem seu espaço de direito, que os índios vivem quase diariamente também marcou Rodrigues. “Pude sentir na pele essa angústia, e a Imperatriz não está inventando nada, faz parte da história do Brasil”.
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Para ele, a ABCZ e outras empresas que seguiram a crítica foram precipitadas. "Nunca foi intenção agredir o agronegócio diretamente. A ala que leva o título de "fazendeiros e agrotóxicos", e aponta o uso indevido da substância que mata os peixes, polui os rios e agride a vida dos índios e a nossa. Estamos falando do caos que cerca a vida do índio”.
Em outra passagem, o samba-enredo diz “o belo monstro rouba as terras dos seus filhos”. Segundo o carnavalesco, é uma analogia à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e à desapropriação de terras de povos indígenas. Para a ABCZ, foi uma crítica a suas práticas: “Chamados de “monstros” pela escola, nós, produtores rurais, respondemos por 22% do PIB Nacional e, historicamente, salvamos o Brasil em termos de geração de renda e empregos”.
Mapa da Cobertura e Uso da Terra do Brasil mostra que o país aumentou em 40% área agrícola entre 2000 e 2014; e perdeu 10% de florestas.
(Por Alceu Castilho – De Olho Nos Ruralistas)
Menos 10% de florestas. Quarenta por cento a mais de áreas agrícolas. Silvicultura, eucalipto à frente? Aumento territorial de 56%. A vegetação campestre diminuiu 14%. As pastagens (divididas entre as naturais e com manejo) se mantêm no patamar de 260 milhões de hectares – quase cinco vezes mais que as áreas agrícolas. Os dados – relativos ao período entre 2000 e 2014 – são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As informações constam do novo Mapa da Cobertura e Uso da Terra do Brasil, divulgado no fim de dezembro. O Brasil de Fato concluiu que o agronegócio “dita o ritmo das mudanças” e fez uma tabela ilustrativa a respeito. (Veja abaixo)
Destruição está mais veloz
O período entre 2012 e 2014 registrou um aumento do ritmo de alterações, informa o IBGE. Nada menos que 4,6% do território brasileiro sofreu algum tipo de alteração nesse intervalo. No período anterior, entre 2010 e 2012, esse índice foi de 3,5%.
O instituto define como “pastagem natural” uma vasta área do território brasileiro – de 160 milhões de hectares. Para se ter uma ideia, mesmo com o aumento das áreas agrícolas, elas saltaram agora para 56 milhões de hectares. Outros 100 milhões de hectares são destinados a “pastagens com manejo”.
Exatamente essas áreas de pastagens naturais, nos biomas Cerrado, Caatinga e Pampa, foram as que mais perderam espaço para as áreas agrícolas e para as pastagens com manejo – ou seja, para a agricultura e pecuária extensivas, capitaneadas pelo agronegócio.
Menos Amazônia, mais soja
A fronteira com o Uruguai assiste a uma troca do pampa por plantações de soja e milho. O sul do Mato Grosso do Sul substitui pastagens por grãos e pela cana de açúcar. O leste do Mato Grosso vê o avanço da indústria da celulose. “O bioma Cerrado e as bordas do bioma Amazônia continuam sendo as áreas mais dinâmicas do Brasil”, diz o estudo do IBGE.
Atente-se para o eufemismo no conceito de “dinamismo”, que, na prática, significa a destruição de florestas. “Ao norte do Mato Grosso, no contato entre os biomas Amazônia e Cerrado, prossegue o avanço da fronteira agrícola em direção aos ambientes florestais amazônicos, predominando o plantio de grãos como soja e milho”, informa o instituto.
As pastagens com manejo – ou seja, a pecuária extensiva – avançam no leste da Amazônia, na divisa entre Pará e Tocantins, “em direção ao oeste, contornando terras indígenas e áreas de proteção ambiental como a Floresta Nacional de Carajás”. “Na porção nordeste do Pará”, continua o IBGE, “próximo à divisa com Maranhão, antigas pastagens têm dado lugar ao cultivo de soja e a extensas plantações de dendezeiros”, utilizados para a produção de biodiesel.
Como a investigação que flagrou problemas trabalhistas em cafezais “sustentáveis”, auditados pelos principais selos de boas práticas do setor – UTZ e Rainforest Alliance –, revela falhas no monitoramento do grão.
(Por André Campos | Imagens: Lilo Clareto - Repórter Brasil)
Trabalho informal, irregularidades no uso de agrotóxicos e até mesmo queixas de pagamento inferior à metade do salário mínimo. Esses foram alguns dos problemas apurados pela Repórter Brasil em fazendas de café que comercializavam sua produção com a chancela de importantes selos de boas práticas. Os casos revelaram limitações e falhas no monitoramento dos cafeicultores que integram o bilionário mercado de cafés sustentáveis – segundo a UTZ, cerca de 20% da produção mundial é hoje verificada por algum padrão voluntário de conduta.
A Repórter Brasil revela, com exclusividade, os bastidores do café certificado produzido em Carmo de Minas (MG) e Jesuânia (MG) – apenas dois entre os diversos municípios com fazendas dedicadas a esse crescente nicho de mercado. Os resultados são apresentados no relatório Café certificado, trabalhador sem direitos (baixe aqui o relatório). Além de violações trabalhistas em cafezais supostamente “sustentáveis”, verificou-se a necessidade de mais transparência de empresas e selos em relação ao resultado de suas auditorias. E, além disso, na própria divulgação de quem são as fazendas por eles certificadas.
Irregularidades nas fazendas
Em julho de 2015, fiscais do Ministério do Trabalho flagraram 13 safristas colhendo café sem carteira assinada no Rancho São Benedito. A propriedade tem o selo de boas práticas da Rainforest Alliance. O Imaflora, certificador nacional responsável por monitorar o selo, afirmou que não tinha conhecimento da situação. Após o contato da Repórter Brasil, uma auditoria na fazenda foi feita em outubro de 2016. A entidade informou que os problemas já haviam sido então solucionados.
Até 2015, o Rancho São Benedito também possuía certificação da UTZ. A Repórter Brasil perguntou à UTZ se ela tinha conhecimento das infrações trabalhistas flagradas no Rancho São Benedito, mas a UTZ não respondeu à pergunta. Limitou-se a informar que, devido a não conformidades identificadas em 2015, a fazenda havia perdido o certificado. Perguntada sobre quais seriam essas não conformidades, a entidade disse que não poderia responder por razões de confidencialidade.
Reiteradas vezes a Repórter Brasil questionou também qual foi a data exata (dia, mês e ano) em que a fazenda perdeu o selo UTZ. “Nós não vemos a necessidade de divulgar qualquer informação adicional sobre a auditoria ou a licença expirada da fazenda em questão neste momento”, informou a UTZ.
Outro caso remete à Fazenda Monte Verde, de propriedade da empresa Fal Coffee. Em agosto de 2014, trabalhadores que colhiam café na propriedade procuraram o sindicato da região queixando-se de descontos ilegais no salário e do pagamento abaixo do combinado – em alguns casos, inferior à metade do salário mínimo. A situação foi regularizada com a assinatura de um acordo extrajudicial entre a fazenda e o sindicato. A propriedade era – e continua sendo – certificada pela Rainforest Alliance.
A Fal Coffee informou à Repórter Brasil que os fatos eventualmente considerados equivocados foram imediatamente corrigidos e não houve prejuízos para os trabalhadores. Já o Imaflora apontou que os problemas haviam sido corrigidos em outubro de 2016, quando a fazenda foi novamente inspecionada pela certificadora.
Multinacionais
Desde 2011, o Rancho São Benedito faz parte do Nespresso AAA Sustainable Quality Program, o programa de compras sustentáveis da Nestlé. A empresa confirmou à Repórter Brasil que já comprou café certificado da fazenda.
“Nós levamos as alegações de más condutas nas fazendas a sério e, quando informados, fomos investigar imediatamente a situação do local. Foi levantado que o governo tomou as medidas cabíveis e repreendeu os responsáveis pela fazenda. Todos os 10 trabalhadores já foram registrados. Os três que se recusaram a fazer exames médicos voluntariamente deixaram a fazenda”, informou a Nestlé. Desde 2015, segundo a Nestlé, o Rancho São Benedito não apresenta problemas.
A mesma propriedade participou do Starbucks C.A.F.E. Practices em 2015 – mesmo ano em que o Ministério do Trabalho flagrou as irregularidades trabalhistas na fazenda. O C.A.F.E. Practices é um programa de verificação de cadeia produtiva que tem entre seus objetivos garantir compras éticas de café, com boas práticas trabalhistas.
A empresa informou que não adquiriu café do Rancho São Benedito, apesar de a propriedade ter participado do seu programa de sustentabilidade. “Não somos obrigados a comprar de fazendas que eventualmente participem do C.A.F.E. Practices. Isso pode ocorrer por uma variedade de razões, incluindo questões sobre a qualidade do café, o sabor ou o não atendimento de nossas expectativas quanto a compras éticas. Além disso, essas propriedades podem optar por vender o café a outros por razões próprias”, informou o departamento global de comunicação da empresa em Seattle (EUA).
A Repórter Brasil perguntou se o C.A.F.E. Practices identificou problemas trabalhistas na fazenda, e quais seriam esses problemas. A Starbucks não respondeu à pergunta.
Monitoramento falho
Ao longo do segundo semestre de 2016, a Repórter Brasil investigou o que certificadoras e multinacionais fizeram em relação aos casos de violações descritos. Até o contato da Repórter Brasil, ninguém relatou conhecimento prévio sobre as irregularidades identificadas.
Duas certificadoras – UTZ e Fairtrade Internacional – relataram surpresa ao serem informadas sobre irregularidades ligadas a uma marca de café que estampava na embalagem o selo de ambas, e cujo produto nem era certificado por elas. A utilização indevida é lesiva ao consumidor final e, em última instância, pode afetar a própria credibilidade da certificação.
Outra constatação da Repórter Brasil é a necessidade de maior transparência das certificadoras sobre a identidade das fazendas certificadas. Em muitos casos, faltam informações claras e detalhadas sobre a localização das propriedades e sobre seus respectivos donos. É um obstáculo para que trabalhadores, sindicatos e outras organizações possam denunciar aos selos de boas práticas eventuais irregularidades trabalhistas.
Posição sobre a certificação
Ao expor problemas trabalhistas em fazendas ligadas a selos de boas práticas, não é intenção da Repórter Brasil desqualificar o trabalho de ONGs, certificadoras e empresas que utilizam destes instrumentos para fomentar um mercado de café socialmente justo. Diversos estudos e organizações apontam o impacto positivo da certificação sobre a realidade cotidiana em fazendas do grão – inclusive no Brasil. Mas as situações apuradas mostram que tais selos não são, necessariamente, sinônimo de boas condições laborais.
Na avaliação da Repórter Brasil, critérios mais rígidos, melhores práticas de monitoramento e mais transparência podem colaborar para que a realidade do campo se aproxime cada vez mais das normas e princípios encampados pelas diferentes certificações.
Saiba mais: Baixe aqui o monitor que traz o relatório Café certificado, trabalhador sem direitos em português e inglês