Reunidos em Marabá, no Pará, durante a Conferência Internacional da Reforma Agrária, 170 militantes, camponeses e indígenas de 23 países, puderam debater na tarde do dia 15 de abril, última sexta feira, os dados dos conflitos no campo no Brasil em 2015. Na ocasião, a CPT lançou seu relatório anual com essas informações.
Cristiane Passos*
Nancy Cardoso, pastora metodista e agente da CPT Mato Grosso, iniciou o lançamento do Conflitos no Campo Brasil 2015 com a seguinte pergunta “como um fogão vai parar no teto de uma casa?”, referindo-se a foto que estampa a capa da publicação, tirada no distrito de Bento Rodrigues, Minas Gerais, em novembro de 2015, após o rompimento da barragem de detritos da Samarco, a barragem do Fundão. Impactados pela imagem, os participantes da Conferência passaram, então, a entender a conjuntura dos conflitos no campo no país, e a ação da CPT em registrá-los.
"Os números às vezes confundem a cabeça da gente, por isso a publicação é acompanhada de textos analíticos", afirma o advogado da CPT em Marabá, José Batista Afonso. Os conflitos, segundo ele, estão presentes em todo o País e decorrem de causas estruturais relacionadas à expansão do capital no campo e ao aumento da concentração da terra. "A aceleração do processo de concentração da terra significa mais gente com pouca ou sem terra e menos gente com muita, mas muita terra mesmo".
"Não são apenas crimes só contra a pessoa, mas também praticados contra o meio ambiente onde a impunidade predomina, como exemplo o desastre de Mariana, ou o desmatamento na Amazônia. Mas contra a pessoa é mais grave ainda no Estado do Pará, onde o número de violências praticadas contra os camponeses é maior do que qualquer outro Estado da Federação. Desde que a CPT tem feito os registros, 1/3 ocorreu no Pará. A cada três assassinados, um foi aqui no Pará", analisou Batista.
No levantamento de “Assassinatos e Julgamentos”, que a CPT faz paralelamente ao relatório, há 846 assassinatos desde 1985 até 2014, e em apenas 293 houve algum tipo de investigação: "em 65% das mortes no Pará, sequer houve investigação das responsabilidades, nem sequer um inquérito policial", explica Batista. Somados os 19 assassinatos no ano passado, nos últimos 30 anos, 861 camponeses e camponesas foram mortos e mortas no Pará. Essa impunidade é a prova, segundo o advogado, de que a atuação do Poder Judiciário tem sido insuficiente para combater o problema da impunidade. "O pistoleiro que pegou uma morte de encomenda e recebeu dinheiro para assassinar o camponês e não é punido, e ele vai estar no outro dia à procura de uma nova encomenda: é o assalariado da morte. Da mesma forma o mandante vai resolver o problema do conflito na base sempre da bala, porque tem a certeza de que a lei não o vai atingir.".
O avanço violento do capital ocorre junto do que Paulo César dos Santos, da coordenação executiva nacional da CPT, chama de "violência institucional" e "violência legislativa": "há ao menos 26 projetos de lei ou emendas constitucionais que querem diminuir ou acabar com os direitos conquistados no campo". Como exemplo, ele citou o projeto que pretende alterar o conceito de "trabalho escravo" para inviabilizar a atuação dos grupos móveis. "Os projetos estão em voga no Congresso mais conservador da história". "O território amazônico, as comunidades tradicionais e os posseiros que migraram para cá estão sofrendo uma violência enorme", explica Santos. Como exemplo, a chacina em Conceição do Araguaia, em 17 de fevereiro do ano passado, que matou uma família inteira: Washington Miranda Muniz e sua esposa, Leidiane, assassinados junto de três filhos e um sobrinho.
Por outro lado, os dados levantados pela CPT indicam que se intensificaram as manifestações da classe trabalhadora, com um aumento de 40% do número de participantes, "o que significa que mais e mais pessoas estão indo para as ruas", afirmou Santos. E, nesse sentido, aumentou a criminalização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, daqueles que vão continuar a lutar contra o sistema capitalista que está ai. Como exemplo, há duas semanas a prisão do cacique Tupinambá Babau, no sul da Bahia.
Debate
Os militantes presentes na Conferência reagiram à apresentação dos dados da CPT, a partir da realidade que vivenciam em seus países. Para representantes da África e da Venezuela, foi difícil compreender como um organismo ligado a Igreja Católica tem atuação incisiva na luta dos povos do campo, por tantos anos. Outros questionaram como é possível fazer um trabalho tão amplo em um país territorialmente tão grande e como são utilizados esses dados em benefício dos povos do campo e de suas lutas.
Os representantes da CPT explicaram que os dados são coletados, primeiramente, pelos agentes de pastorais que estão espalhados em todos os estados. “Também temos a ajuda de entidades e movimentos sociais e, por último, fazemos muitas pesquisas em sites e diversos meios de comunicação”, destacou Paulo César. Quanto à relação com a Igreja, o coordenador da CPT explicou que “aqui no Brasil também não é simples e nem fácil, existe uma onda conservadora muito forte e muita gente do clero e bispos não apoiam esse nosso trabalho. Acreditamos que somos uma Pastoral de fronteira, ou seja, estamos em lugares limites, de conflitos e, também, estamos em lugares onde a própria igreja, às vezes, não quer estar”.
Em relação à utilidade dos dados apresentados pela CPT, foi explicado que o objetivo desta publicação é que ela seja um instrumento de denúncia e que possa também ajudar nas lutas junto às comunidades afetadas pelos diversos conflitos no campo. Além disso, ela cumpre a função de dar visibilidade às diversas agressões ao povo do campo. Esses números, bem como a publicação em si, são repassados para todos os bispos do Brasil e em vários momentos são entregues, também, às autoridades federais, para que estejam cientes dos conflitos e violências causadas no campo pela inoperância de suas ações.
Mulheres da Argentina e do Peru pediram mais informações sobre as mulheres nesses conflitos, afetadas, segundo elas, diretamente. Questionaram como registrar a violência contra as mulheres, para além das categorias já trabalhadas pela CPT, mas nas outras formas de violência sofridas, como as situações em que mulheres foram levadas para o âmbito das grandes obras e todo o esquema de exploração do trabalho doméstico e sexual. Além disso, denunciaram a utilização do agrotóxico como arma para expulsão de diversas comunidades, ao envenenarem a água e o solo, bem como os impactos sobre as comunidades da expansão da mineração em vários países da América Latina. Elementos que, segundo os representantes da CPT, vão fazer parte das discussões constantes que a Pastoral promove, para aprimorar e adequar a metodologia da coleta de dados dos conflitos no campo à realidade que vivenciamos.
*Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – coletivo de comunicação da Conferência Internacional da Reforma Agrária, com informações de Felipe Milanez, para a Carta Capital.
*Foto Cristiane Passos
A Comissão Pastoral da Terra Bahia/Sergipe realizou, entre os dias 12 e 14 de abril, sua XVIII Assembleia Regional, no Recanto Maria de Nazaré, em Feira de Santana, onde há 40 anos foi criada. “Comemorando os 40 anos da CPT no Brasil e na Bahia, reafirmamos nossa posição de autonomia político-pastoral a serviço do protagonismo camponês, para o que vão se tornando mais urgentes a sustentabilidade de nosso trabalho e a contribuição de agentes voluntários”. Confira, na íntegra, a Carta Final:
“Vim trazer fogo à terra e como
gostaria que já estivesse queimando!”
(Lucas 12,49)
Em meio à crise generalizada que assola o País, a Comissão Pastoral da Terra Bahia/Sergipe, vinda das lutas pela terra e pela dignidade da vida na terra, juntando forças para resistir e alimentar esperanças, reuniu-se em sua XVIII Assembleia Regional, entre os dias 12 e 14 de abril de 2016, no Recanto Maria de Nazaré, em Feira de Santana, onde há 40 anos foi criada. Tomados pela perplexidade do momento nacional, mas animados pelo lema do IV Congresso Nacional da CPT (Porto Velho, 2015) “Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança dos pobres da terra”, 34 trabalhadores e trabalhadoras rurais, agentes pastorais e assessores puderam refletir sobre a conjuntura atual, avaliar o último triênio de trabalho, definir prioridades e estratégias para os próximos anos e eleger nova coordenação.
Os angustiantes retrocessos políticos em curso só agravam a situação e as perspectivas para o campo na Bahia e no Brasil. Os testemunhos de trabalhadores/as e agentes teceram um quadro de mazelas vividas cotidianamente pelas comunidades camponesas e também urbanas nos quatro cantos do estado: perda das terras e territórios, destruição de nascentes e matas, expulsão das famílias, desemprego e carestia, violência física e simbólica, degradação cultural etc. Fica explícito que o atual modelo econômico-político, baseado na produção e exportação de commodities dos setores do agronegócio, energia e mineração, com as obras públicas e privadas de infraestrutura a serviço deles, não tem limites e supõe e requer a grilagem da terra e dos territórios dos camponeses e dos povos e comunidades tradicionais, em especial indígenas, e mesmo seu aniquilamento. O recrudescimento da violência no campo, sobretudo com os assassinatos de camponeses e indígenas e suas lideranças, não deixa dúvidas: estamos, em pleno global século XXI, vivendo um novo ciclo de expropriação camponesa e acumulação capitalista da terra.
Impactos se dão por primeiro no campo fundiário e ambiental, em que territórios e áreas pleiteadas para a Reforma Agrária são disputados por ávidos interesses empresariais e bens naturais são tomados como inesgotáveis e meras mercadorias, sob o falso e velho discurso do “desenvolvimento”, ao revés das evidências de reconcentração da renda e da riqueza e do que a própria natureza vem crescentemente sinalizando com a exaustão de recursos e ciclos naturais, como na crise hídrica. Evidenciou-se para nós que a crise política, que chega ao auge nesta semana de votação do impedimento da presidente no Congresso Nacional, tem muito de fabricada, nada tem de ética e visa o controle absoluto do Estado para uma nova e mais aprofundada fase deste modelo predatório, corrupto e aniquilante de bens comuns e direitos. Seja qual for o resultado, entraremos numa período ainda mais difícil de luta e resistência popular, à qual não nos furtaremos! Não abrimos mão desta democracia, mesmo com seus óbvios limites, e exigimos respeito às regras estabelecidas e uma reforma política radical conduzida pela sociedade civil organizada.
Este horizonte sombrio nos provoca a um olhar para trás, quando as organizações populares tiveram êxito em um processo de repensar a sociedade brasileira a partir do povo, nos movimentos de educação de base, alicerçados nos métodos da Educação Popular, na emancipação e autonomia dos pobres e em um projeto para o Brasil. Sob esta inspiração histórica, urge retomar as iniciativas de educação, organização e mobilização populares para reinventar a luta, a sociedade e a política. Nesta caminhada, de onde, como Pastoral da Terra, nunca arredamos pé, nos reencontramos – o que nos permite vislumbrar horizontes menos sombrios, não só para o País, mas também para a América Latina, a Pátria Grande, e todo o Planeta.
A avaliação dos trabalhos revelou que, apesar das adversidades, o povo lutou e resistiu em defesa dos seus direitos; empreendimentos degradantes foram barrados ou condicionados; comunidades unidas conseguiram manter seus territórios e modos de produzir e viver e mesmo nestes avançar. Muito foi feito e os resultados, insuficientes, apontam para a necessidade de continuar fazendo. A articulação e a troca de experiências entre os diversos grupos e povos, em intercâmbios, redes e “teias”, mostram o quanto é importante a construção coletiva do conhecimento, que nasce da prática cotidiana e da luta. A agroecologia aparece aí como elemento unificador e provocador de que os povos tradicionais e comunidades camponesas possuem um modo de vida e de trabalho e de relação com os bens da terra e entre si – marcados pelo Bem Viver em construção permanente – que sinaliza na direção do que pode e deve ser a superação das crises atuais do País e da humanidade. Não se trata de uma impossível volta ao passado, mas de reconstrução destas relações vitais, na contemporaneidade, em base a estes princípios essenciais, a Vida e as vidas acima das mercadorias e do lucro. Este o novo sentido da Reforma Agrária para os sem-terra e os povos territoriais.
Neste rumo, entendendo que a “luta pela Terra é a mãe de todas as lutas”, vão as prioridades e estratégias definidas para os próximos três anos da CPT Bahia/Sergipe: apoio às lutas pelos territórios e pela reforma agrária e de enfrentamento aos projetos do capital (agronegócio, de energia – barragens e parques eólicos – e mineração), lançando mão do trabalho de base / educação popular / formação política comunitária e da comunicação alternativa e alterativa. Comemorando os 40 anos da CPT no Brasil e na Bahia, reafirmamos nossa posição de autonomia político-pastoral a serviço do protagonismo camponês, para o que vão se tornando mais urgentes a sustentabilidade de nosso trabalho e a contribuição de agentes voluntários.
O momento é de vigília permanente em defesa da democracia e da dignidade do povo brasileiro. Nesta sua XVIII Assembleia assumimos dar prosseguimento à histórica atuação da CPT Bahia/Sergipe junto aos povos e comunidades do campo, em suas trincheiras de resistência a todo tipo de golpe contra a terra e os territórios de vida na Terra. Renova-se em nós o desejo do “fogo” revolucionário e libertador de todas as opressões, que Cristo veio trazer à terra, por uma nova forma de nela bem viver.
Feira de Santana - BA, 14 de abril de 2016.
A publicação anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conflitos no Campo Brasil 2015, foi lançada ontem, sexta-feira, 15, em ato no Acampamento Nacional pela Democracia e Contra o Golpe, em frente ao Estádio Mané Garrincha, em Brasília.
(Por Assessoria de Comunicação da CPT | Imagem: MAB)
O lançamento se deu no contexto de uma grande plenária de formação, com a participação de aproximadamente 1500 pessoas. O ato teve início às 14:30 e se estendeu até quase 17 horas. Participaram da mesa João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Iuri, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e que atua em Altamira, no Pará, e um representante da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Pela CPT, estavam na mesa Dom Enemésio Lazzaris, presidente da CPT e bispo de Balsas, no Maranhão, Antônio Canuto, secretário da coordenação nacional da CPT, e o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP).
A figura mais aguardada no evento, sem dúvida, era João Pedro Stédile, que, de início, fez uma análise da conjuntura atual, no momento em que está para ser votado o processo de impedimento da presidenta Dilma, criticou as articulações políticas na busca pelo poder a todo custo, como o réu e presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). O líder do MST disse ainda que independente da decisão que a Câmara tomará no domingo, o que é necessário e urgente é a articulação da população da cidade e do campo em torno de um projeto político popular. Stédile afirmou apostar na contribuição do ex-presidente Lula no governo após este período de turbulência.
Após isso, a palavra foi passada para a CPT. Dom Enemésio saudou, entusiasticamente, os/as participantes do Acampamento falando do compromisso da CPT em defesa da democracia. Canuto fez uma rápida apresentação dos dados de conflitos no campo e de violências que ocorreram em 2015. Ele destacou ainda os 14 assassinatos que já aconteceram em 2016, momento em que repassou informações recentes sobre a gravidade dos conflitos no município de Cujubim, em Rondônia, onde testemunhas de assassinatos, familiares das vítimas e jornalistas têm sofrido tentativas de assassinato. Antônio Canuto, com a publicação em mãos, mostrou aos participantes que, pela primeira vez, a CPT traz um quadro dos projetos que tramitam no Congresso Nacional que visam a desconstrução dos direitos dos povos.
SAIBA MAIS: Conflitos no Campo Brasil 2015
Em seguida, o professor Ariovaldo analisou os dados da CPT. Destacou que, após o fim da ditadura militar, em três períodos houve aumento da violência e dos assassinatos no campo, em 1987 e 1988, quando as forças democráticas conquistaram algumas vitórias, o que provocou que a UDR desencadeasse um forte processo de violência, e em 2002 e 2003, quando se conseguiu eleger um presidente que nos discursos mostrava um compromisso com a Reforma Agrária e se construiu o II Plano de Reforma Agrária, e agora com a fragilização do governo Dilma, que, apesar de não atender os clamores dos movimentos populares, a todo custo a elite quer alijá-la do poder. "As elites estão interessadas na retirada de direitos e ao mesmo tempo em mostrar aos trabalhadores, indígenas, quilombolas que têm uma arma, a violência. Observamos isso no recorde de assassinatos em 2015", afirmou.
Na continuidade, o representante do MAB falou sobre a questão energética e a construção de barragens que atingem as comunidades do campo. Já o representante dos petroleiros fez uma defesa enfática da Petrobrás e das suas conquistas nestes últimos anos, conquistas que, segundo ele, tentam passar às mãos do capital.
A grande palavra de ordem que galvanizava a todos era "Não vai ter golpe, vai ter luta!". Possivelmente este tenha sido o lançamento do Conflitos no Campo Brasil com o maior público e que se mostrou muito atento ao que era exposto. Os dados, porém, ficaram um tanto ofuscados pelo momento político em que eram apresentados.
Um grupo de indígenas Xacriabá, do Norte de Minas Gerais, participou do ato, acompanhado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Também estiveram no evento e saudaram o povo a ministra interina do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Maria Fernanda, que ressaltou que Patrus Ananias assumiu, temporariamente, seu mandato de deputado federal para votar contra o impedimento da presidenta. Os deputados federais Paulo Pimenta e Marcon, ambos do PT, que garantiram que na Câmara há votos suficientes para frear o impedimento. Houve grande afluência da imprensa, a Rede Globo, porém, que tentou entrar pelos fundos, foi barrada pelos militantes.
"Esse lançamento me fez lembrar as palavras do Papa sobre a igreja em saída. Pois neste evento estivemos reunidos com o povo do campo, os movimentos, organizações, indígenas. Estivemos, nesse acampamento, reunidos com o povo", analisou, ao fim do evento, Dom Enemésio.
Em Mato Grosso as maiorias pobres vivem sem terra e sem direitos, esmagadas pelo avanço do capitalismo no campo. Um dos principais obstáculos é o monopólio do saber jurídico, de domínio quase exclusivo de uma pequena classe profissional e acadêmica afastada das demandas e anseios da população em geral, fato que termina por sustentar a concentração e elitização do saber jurídico.
“Direitos humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé!”
Dom Tomás Balduino
O 1º Curso de Juristas Populares (2014/2016) teve como objetivo contribuir para o protagonismo dos/as camponeses e das camponesas na defesa de seus direitos, para que estes/as possam desde as bases orientar os/as trabalhadores rurais, e com isso fortalecer a conquista de novos direitos a partir da elaboração conjunta de um novo discurso jurídico com base na efetivação dos Direitos Humanos e da Terra.
A primeira turma juntou homens e mulheres de todo o estado do Mato Grosso, agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e lideranças de vários movimentos sociais com potencial de multiplicação da experiência do curso e aplicação dessa experiência na sua prática cotidiana em suas comunidades, articulações, organizações ou espaços públicos de participação popular. Participaram do curso membros de organizações como: Associação Pequenos Produtores de Acuaçu, Monjolo e São Manoel do Pari, Movimento dos Trabalhadores Assentados (MTA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTS), 13 de Outubro, STTRS Livramento e Rondonópolis, Retireiros do Araguaia, e Movimento Quilombola.
Com a conclusão do 1º Curso esperamos que os/as juristas possam atuar como multiplicadores deste saber em suas comunidades, esclarecendo e incentivando seus pares à defesa de seus direitos, na medida em que se forja, na experiência concreta do dia-a-dia, um novo direito insurgente, fruto das suas próprias necessidades comuns.
Compromissos dos Juristas Populares do Mato Grosso – Turma Dom Tomás Balduino:
Ao longo desses dois anos de estudos, vivências e experiências adquiridas obtivemos o empoderamento necessário ao crescimento intelectual, político, fraternal, para o engajamento junto aos que gritam por Justiça e liberdade.
As contradições sociais provocadas pelo capitalismo no estado do Mato Grosso acirrou a concentração da terra, consequentemente os conflitos agrários, as mortes no campo, despejos, prisões, destruição da fauna e flora, envenenamento das águas e dos alimentos, violações dos direitos dos povos e territórios.
Esse mesmo sistema criminoso provoca nas relações de trabalho a escravidão, a exploração, ameaças, provoca fome, desemprego, a destruição física e mental do/a trabalhadora rural e do/a operário/a.
É o mesmo capitalismo que oferece as migalhas previdenciárias aos homens e mulheres que dedicaram suas vidas com a expectativa de uma vida humanamente digna na velhice.
Nós, juristas populares, temos o dever moral, político e evangélico de nos indignar contra qualquer forma de injustiça cometida por qualquer sistema perverso, os quais retiram direitos de homens e mulheres, por isso juramos:
1 – Combater todas as formas de capitalismo e suas forças representativas: Estado e burguesia;
2 – Lutar contra o agronegócio que mata, desmata, envenena, exclui e concentra;
3 – Identificar, discutir e combater as leis e normas que oprimem os trabalhadores;
4 – Combater toda forma de preconceito e discriminação cometidas contra as mulheres, negros, pobres, idosos, homossexuais, transexuais e presos;
5 – combater os programas governamentais que enfraquecem a luta por Reforma Agrária e toda a classe trabalhadora;
6 – Ampliar e fortalecer o debate em defesa da agroecologia;
7 – Resgatar o modo de produção e reprodução da vida da classe camponesa sustentável e autônoma;
8 – Provocar o debate acerca de direitos inerentes aos povos indígenas, quilombolas, tradicionais, camponeses, ribeirinhos e suas experiências coletivas de produção e consumo, um direito que humaniza e solidariza as relações sociais e de trabalho. Nos comprometemos na defesa desses costumes, buscando projetos de lei que contribuam nesse sentido;
9 – Manter a coragem, o sentimento de indignação, mesmo com a realidade dolorosa, pessimista na cidade e no campo;
10 - Manter acesa a esperança, mística, fé, solidariedade, na consolidação de uma sociedade justa e livre.
Mato Grosso, 1 e 2 de abril de 2016
Os sonhos nunca envelhecem!
A CPT em São Paulo divulgou ontem, 10 de abril, Nota Pública se posicionando "contra o golpe em curso e exige, por parte do governo federal, a retomada das bandeiras históricas da classe trabalhadora". Confira o documento:
“Malditas sejam todas as cercas!
Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos,
para ampararem cercas e bois e fazerem da terra escrava e escravos os homens!”
(D. Pedro Casaldáliga)
Neste momento de turbulência política, econômica e social, a Comissão Pastoral da Terra - SP vem a público reafirmar seus valores pastorais, manifestando-se contraria ao impeachment da presidenta democraticamente eleita por mais de cinquenta e três milhões de votos. A breve história da democracia brasileira - interrompida por inúmeros períodos ditatoriais - nos impele a reforçar a importância do fortalecimento das instituições democráticas do Estado brasileiro, dentre elas o voto direto para presidente(a). Vemos com preocupação os recentes desmandos e a exagerada partidarização operados por setores do judiciário brasileiro. O combate à corrupção é, de longa data, uma das inúmeras demandas dos movimentos sociais, mas não admitimos que seja exercido aos arrepios da lei, corrompendo a própria Constituição. Assusta-nos, também, o papel cumprido pela grande mídia na distorção e fabricação de fatos, bem como na perseguição de adversários políticos, num jogo que só faz mal à democracia e que distancia a população dos verdadeiros acontecimentos que tanto importam e impactam suas vidas.
Os avanços sociais dos últimos governos são inegáveis e devem ser defendidos. Milhões de brasileiros foram retirados da miséria, ao passo que importantes setores da sociedade acessaram inúmeros serviços antes restritos à pequenos e privilegiados grupos sociais. Contudo, a defesa dos direitos constitucionais, do Estado Democrático e da permanência de políticas sociais voltadas para as classes vulneráveis não podem ser confundidas com uma adesão inconteste ao atual governo. A política econômica levada a cabo pelos governos do PT, fortemente baseada na exploração e exportação dos produtos primários, capitaneada principalmente pelo agronegócio, pelo setor de petróleo e da mineração, traz prejuízos incalculáveis para a sociedade brasileira, especialmente para as populações que vivem da terra e das águas. O resultado está expresso no genocídio de povos indígenas, o quase total abandono da Reforma Agrária e da regularização de territórios tradicionais, na explosão sem precedentes dos assassinatos no campo, no deslocamento forçado de famílias das áreas rurais, na contaminação do solo e das águas e em prejuízos ambientais incalculáveis, dos quais o desastre de Mariana é, tão somente, um exemplo.
A solução dos impasses políticos e econômicos dos pais não será atingida pelo aumento do envolvimento de corporações no financiamento de campanhas político-partidárias. A solução não sairá de uma maior arrecadação oriunda das exportações do agronegócio e das mineradoras que tanto envenenam, escravizam e matam as populações deste país. A CPT é contra o golpe em curso e exige, por parte do governo federal, a retomada das bandeiras históricas da classe trabalhadora.
Comissão Pastoral da Terra - Regional São Paulo
A Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga Nota Pública sobre os diversos conflitos recentes no campo. Em dois dias três pessoas foram mortas, inúmeras ficaram feridas, lideranças foram presas, mandantes de crimes absolvidos e diversas comunidades a mercê de despejos e violências do Estado, do latifúndio e da Justiça. Confira o documento:
Uma notícia está chegando lá do interior
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil
Não vai fazer desse lugar um bom país
- Milton Nascimento
Prenderam Cacique Babau e seu irmão na Bahia, executaram dois companheiros sem terra e deixaram muitos feridos no Paraná, no dia 07 de abril. Uma liderança de assentamento e do PT na Paraíba foi executada dentro de casa, ao lado da filha de um ano, no dia 06. No dia 31 de março, na comunidade quilombola Cruzeiro, município de Palmeirândia, MA, foi encontrado morto por disparo de arma de fogo o quilombola, conhecido como Zé Sapo. Em Rondônia mortes violentas, desaparecimentos e crimes rondam as comunidades camponesas. Em Mato Grosso e no Pará despejos violentos são constantes, e fazendeiros mandantes de crimes contra lavradores são absolvidos. No Mato Grosso do Sul as comunidades indígenas vivem ameaçadas e violentadas em suas próprias terras ancestrais.
Em 2015, o sangue de 50 trabalhadores e trabalhadoras assassinados no campo e o sangue de Vitor, criança Kaingang degolada no colo da mãe na rodoviária de Imbituba, em Santa Catarina, continuam a escorrer na vala da impunidade. Ao sangue deles se soma o de outros 13 lutadores e lutadoras tombados neste ano de 2016.
É competência do Governo Federal demarcar terras indígenas e fazer a Reforma Agrária. Se coisas como essa acontecem é porque há milhares de camponeses debaixo da lona preta à espera da tão prometida - e hoje abandonada - reforma agrária, e ainda milhares de indígenas e quilombolas tentando retomar os territórios dos quais foram esbulhados.
O fim do mundo para o povo excluído começou faz tempo. A execução de camponeses e indígenas nesse país é coisa comum.
Quando o governo federal entregou o Ministério da Agricultura para o agronegócio, autorizou também o latifúndio a continuar expulsando e matando os/as trabalhadores/as sem terra e indígenas.
Quando a reforma agrária vira moeda de troca e cabide de emprego na ineficiência criminosa do Incra, os antigos laços entre policiais e jagunços se reforçam mantendo intacto o cenário sem lei e sem direito no campo no Brasil.
Quando o TCU (Tribunal de Contas da União) determina a paralisação imediata do programa de reforma agrária do Incra em todo o país, age assim porque é um programa que beneficia excluídos, não faz a mesma coisa quando fraudes maiores e mais graves acontecem no sistema financeiro, ou quando estão envolvidas grandes empresas.
Quando a estrutura política, econômica e jurídica do país se move ao redor dos interesses de uma minoria burguesa, elitista e racista contra os interesses das maiorias negras e pobres, autoriza também o terror nas favelas e periferias – no campo e na cidade.
Na contramão dessa barbárie institucional e política, o povo do campo, com coragem, se insurge e mantem viva a esperança do seu território reconquistado, como fazem os Tupinambás e tantas outras etnias indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Como acontece na incansável e inglória luta pela terra pelos posseiros e sem terra de todos os cantos. Esse é o verdadeiro Brasil do sacrifício e da semente dos mártires, plantada e replantada na terra que sangra todos os dias.
Pensar o cenário nacional hoje não pode ser um exercício curto de identificar os golpistas de sempre e as manipulações da mídia. Que sejamos contra o golpe institucional que se encaminha, mas que sejamos também honestos: a democracia que queremos tem que passar pela terra, tem que começar pelos territórios indígenas, tem que interromper a destruição de florestas e cerrados, e estancar de vez o sofrimento e assassinato do povo que busca terra pra viver e plantar.
A democracia que queremos começa no chão! A democracia que defendemos passa pela casa do povo pobre! A democracia que buscamos precisa reconciliar esse povo com esse território, acabando de vez com a sanha assassina do capitalismo e seus truques de colocar as maiorias de joelhos longe do poder e as minorias pelos salões e corredores trocando favores e influência.
A democracia que queremos... não existe! O projeto popular para o Brasil que construímos foi derrotado e precisa ser reinventado. A hora para fazer isso, é agora. O povo que vai fazer isso, somos nós, pela base.
A CPT convocada pela memória subversiva do evangelho da vida e da esperança, fiel ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, ouvindo o clamor que vem dos campos e florestas, seguindo a prática de Jesus, se junta a outros movimentos e articulações na denúncia do sistema que violenta o direito dos pobres e mais fracos.
Nossa irrestrita solidariedade ao cacique Babau, ao povo do campo, das águas e das florestas, aos sem terra e a todos os que sofrem a intolerância e a perseguição, quando buscam o reconhecimento de sua cidadania e dos seus direitos. Que sigamos em caminhada, em romaria em busca da terra sem males!
Aqui vive um povo que merece mais respeito
Sabe, belo é o povo como é belo todo amor...
Aqui vive um povo que cultiva a qualidade
Ser mais sábio que quem o quer governar
- Milton Nascimento
Goiânia, 08 de abril de 2016.
Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra
Mais informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6406
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6414
*Imagem: Mauro de Souza/Ururau/Futura Press/Reprodução UOL