Diversas atividades serão realizadas entre os dias 9 e 15 de maio no Norte do Tocantins em comemoração à luta de Josimo junto aos povos do campo. Confira as informações:
(Fonte: CPT Araguaia-Tocantins | Imagem: Arquivo CPT)
A tradicional Semana Social da Terra e das Águas Padre Josimo celebra, em 2016, os 30 anos do assassinato de Padre Josimo. Em 10 de maio de 1986, a mando de fazendeiros da região do Bico do Papagaio, extremo Norte do Tocantins, um pistoleiro baleou e matou Josimo pelas costas na escada do então escritório da Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins (CPT) em Imperatriz, Maranhão.
Diversas atividades serão realizadas entre os dias 9 e 15 de maio, em memória à luta de Padre Josimo junto aos povos da terra e das águas. Dentre elas, está o II Acampamento da Juventude Romeira. Campo e cidade estarão reunidos nos dias 14 e 15, em Buriti do Tocantins (TO), quando jovens de comunidades camponesas da região Norte do estado e da zona urbana de Araguaína (TO) trocarão experiências e conhecimentos. Na ocasião, será exibido o filme Padre Josimo, “O Padre negro de sandálias surradas”, produzido pelo Instituto Cultural Padre Josimo.
No dia 10 de maio, a CPT lançará a nova edição de Conflitos no Campo Brasil – a cada ano, a publicação traz o registro dos diversos conflitos pela terra, pela água e trabalhistas ocorridos no Brasil. O evento ocorrerá no Auditório II da Universidade Federal do Tocantins (UFT) de Araguaína, às 19h.
A programação da Semana contará, no dia 11, também no Auditório da Faculdade Católica, com a exibição do filme “Araguaia”, realizado pela Comissão Justiça e Paz da Família Dominicana do Brasil. O filme relata histórias de ex-guerrilheiros e pessoas que testemunharam a Guerrilha do Araguaia. Já no dia 12, será realizado na UFT, em Araguaína, um seminário sobre saneamento básico da cidade, pegando como gancho a Campanha da Fraternidade 2016 “Casa Comum, Nossa Responsabilidade”.
Ainda hoje, Padre Josimo está muito vivo e presente no coração e na mente de milhares de pessoas que lutam para que a terra seja libertada das garras do latifúndio e partilhada com as famílias camponesas que dela precisam para seu e nosso sustento.
Que a missão de Josimo seja também a nossa! Que sua entrega à causa dos povos do campo sirva de inspiração para vencermos as batalhas de hoje. A Semana Social da Terra e das Águas Padre Josimo 2016 é organizada pela Diocese de Tocantinópolis, Comissão Pastoral da Terra Regional Araguaia-Tocantins (CPT), Pastoral da Juventude (PJ), Juventude Missionária (JM), Alternativa Para a Agricultura no Tocantins (APA-TO) e movimentos populares e sindicais do Bico do Papagaio.
Confira abaixo a programação completa da Semana Social da Terra e das Águas Padre Josimo 2016:
09/05 - Memória da luta de Josimo na II Jornada Universitária pela Reforma Agrária: 30 anos com Josimo - Auditório da UFT Tocantinópolis, às 19h
10/05 - Lançamento do Caderno de Conflitos 2015 da CPT - Auditório II da UFT Araguaína, às 19h
10/05 - Missa da Memória do Martírio de Josimo às 19h em Buriti do Tocantins e, em horários específicos, nas demais paróquias da Diocese
10/05 – Lançamento do filme "Padre Josimo, o Padre negro de sandálias surradas", em Buriti do Tocantins, a partir das 19h
11/05 - Lançamento do filme "Araguaia" - Faculdade Católica, em Araguaína, às 19h
12/05 - Lançamento do filme "Araguaia" - Associação Quilombola, em Muricilândia, às 19h
12/05 - Seminário CF 2016: Casa Comum, Nossa Responsabilidade - Auditório II da UFT Araguaína, às 19h
13/05 - Memória da luta de Josimo - Praça de Wanderlândia, às 19h
14 a 15/05 - II Acampamento da Juventude Romeira e exibição do filme "Padre Josimo, o Padre negro de sandálias surradas", em Buriti do Tocantins
Mais informações:
CPT Araguaia-Tocantins: (63) 3412-3200
A Associação União das Aldeias Apinajé – Pempxà divulgou, ontem (4), em seu blog, texto em que homenageia Dom Tomás Balduino e lembra os dois anos de sua páscoa. Confira:
Tributo a Dom Tomás Balduino
Neste 02 de maio de 2016 fez dois anos que o grande profeta Dom Tomás Balduino nos deixou. No velório na Cidade de Goiás-GO estavam presentes seus amigos e companheiros representantes das entidades camponesas, trabalhadores (as) rurais e urbanos e lideranças dos povos Apinajé, Krahô, Xerente, Carajá Xambioá do estado de Tocantins e Tapuia de Goiás, que representaram os demais povos indígenas brasileiros, pelos quais lutou intensamente e dedicou a maior parte de sua existência terrena.
Em seu tempo, Dom Tomás Balduino foi um ser humano sábio justo e sensato que fez opção pelos povos mais necessitados e oprimidos do país. Mas Dom Tomás também foi um cidadão brasileiro de atitude que cumpriu politicamente seu ministério, que não se omitiu e nem se calou diante da injustiça e da violência. Na década de 70, em plena ditadura militar, junto com outros religiosos, ajudou fundar a CPT e o CIMI, pastorais sociais que atuam até hoje junto aos camponeses e indígenas do Brasil.
A nossa gratidão a esse benfeitor da humanidade que foi Dom Tomás Balduino uma pessoa extremamente sensível e humana que se lembrou e se preocupou, dedicando sua vida missionária especialmente em favor dos povos da Amazônia, do Cerrado e do semiárido brasileiro, populações que até os dias de hoje são consideradas atrasadas e invisíveis pela sociedade dominante e literalmente abandonadas pelo Estado brasileiro.
Nos anos 60, 70 e 80, época crítica e turbulenta da vida brasileira, Dom Tomás não se perturbou e nem se intimidou diante da arrogância, da prepotência e da tirania dos latifundiários e militares protagonistas do golpe militar de 64. De forma convicta e ajuizada ajudou denunciar a nível internacional os abusos da ditadura militar e o plano do Estado brasileiro de promover novas frentes de conquistas, dominando e integrando a força as minorias indígenas sobreviventes de mais de 500 anos de massacres.
Em sua trajetória militante, Dom Tomás nunca se curvou e soube denunciar com grandeza e sabedoria essa violência e intolerância dos ditos “poderosos” de ontem, que infelizmente persiste até os dias de hoje. Nos momentos difíceis sempre fez uso do verbo profético para argumentar em favor dos direitos e valores da pessoa humana, em defesa da pluralidade étnica e da diversidade cultural brasileira. Enfim, viveu e cumpriu sua jornada espiritual e missionária em prol da dignidade dos homens, mulheres, crianças e idosos, por liberdade e justiça, contra a opressão e a exploração do homem pelo homem.
Junto com o CIMI e a CPT, Dom Tomás também se dedicou e lutou contra invasão e a exploração desordenada da Amazônia e do Cerrado pelas grandes empresas do agronegócio, pelas hidrelétricas, as mineradoras e madeireiras. Consciente dos graves problemas sociais e ambientais do Brasil, sempre cobrou do governo brasileiro a demarcação das Terras Indígenas e a efetivação da reforma agrária. De forma contundente sempre denunciou os massacres de indígenas, quilombolas e camponeses, a exploração e escravidão dos trabalhadores (as) rurais e urbanos e criticou a corrupção em todos os níveis.
Esse o testemunho e o exemplo de vida que Dom Tomás Balduino viveu e deixou para nossa geração. Esses são princípios e valores que devem ser constantemente adubados e regados para crescerem se desenvolverem nas consciências, na vida e na história dos indivíduos, das famílias, das comunidades e da sociedade. A caminhada profética de Dom Tomás Balduino, na terra que ele tanto amou, imprimiu rastros de solidariedade, humildade, simplicidade, sabedoria e amor ao próximo. Um exemplo de vida a ser eternamente lembrado e seguido por todos nós.
Terra Indígena Apinajé, 04 de maio de 2016
Associação União das Aldeias Apinajé - Pempxà
Reunidos em sua 29ª Assembleia Nacional, agentes da CPT em todo o país divulgam Carta Final em que destacam a preocupação com o aumento exponencial dos assassinatos no campo, assim como do aumento da investida do capital contra os territórios camponeses. Leia o documento na íntegra:
Estamos reunidos em Assembleia Nacional, há dois anos da morte de Dom José Moreira e de Dom Tomás Balduino e de tantos outros que nos precederam. Ficamos chocados pelas notícias de assassinatos, nestes dias, de camponeses e indígenas de vários recantos do País. Desde o começo do ano já somam mais de 20. Unidos aos povos do campo, das águas e das florestas, animados e orientados pelas luzes do nosso 4º Congresso, na noite de tempos difíceis, buscamos a água que sacia nossa sede de uma sociedade mais justa e solidária. Pois, como alerta o papa Francisco:
“onde há tantas desigualdades e são tantas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se, como consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais pobres” (Laudato Sì, nº 158).
A memória dos lutadores do povo e de nossos mártires, bem como a força inspiradora do Espírito de Deus, nos animam a levar adiante nossa missão profética porque:
O avanço do capitalismo neoliberal no campo se apropria das terras e territórios em nome do desenvolvimento - o agro e hidronegócio, mineradoras e projetos de geração de energia. Trata-se de uma violência crescente que ameaça e assassina. Somada ao silêncio e conivência da mídia e do judiciário, potencializada pelo legislativo, apoiada pelos setores conservadores do País, provocam perdas de direitos e tornam os dias mais difíceis para os povos da terra e das cidades. A crise que o País hoje vive, marcada por conflitos de interesses e privilégios, provocou nossa Assembleia a emitir uma Nota Pública à sociedade e ao Senado.
Esse modelo econômico desenvolvimentista leva à saída da juventude do campo, dificultando a vida camponesa. A maioria de nossos jovens camponeses, além de sentirem sua cultura inferiorizada e a política agrícola familiar e cooperativa desprotegida pelas políticas públicas, acabam nas periferias das grandes cidades, onde tem ocorrido o extermínio de jovens.
Este mesmo modelo violenta as mulheres nos seus direitos e desejos. A cultura machista quer seu silêncio permanente e as submete à exploração de uma dupla jornada não reconhecida e que não permite a construção de sua autonomia.
Continuar acreditando na “Alegria do Evangelho” da Boa Nova de Jesus de Nazaré, pessoa simples e pobre que nos estimula a estar junto aos mais vulneráveis do campo.
Lutar pelos princípios do Bem Comum que orientam no sentido de uma sociedade justa e solidária, respeitando a Casa Comum, como lugar bom onde todos têm seu espaço de vida e de convivência harmoniosa e fraterna, é construir o Projeto de Deus.
Continuar assumindo a missão e o serviço da CPT como uma prioridade em nossas vidas, sendo uma generosa entrega a aqueles e àquelas que necessitam de nós, como verdadeiros lutadores do povo e da construção de uma sociedade para todos.
Convocamos todos e todas companheiros/as e amigos/as da CPT a estarmos unidos em torno à luta pela terra e na terra, mantendo sempre nossa ousadia profética e nosso compromisso com os camponeses e seus direitos.
Luziânia, 29 de abril de 2016.
Os/as participantes da 29ª Assembleia Nacional da CPT
O lançamento oficial da publicação anual da CPT, Conflitos no Campo Brasil 2015, acontece na tarde desta sexta-feira no Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na capital baiana Salvador. Confira os detalhes:
(Fonte: CPT Bahia)
Os debates em torno da publicação coincidiram com as atividades pedagógicas realizadas pelas Universidades da região, envolvendo a temática do Abril Vermelho, em que se tornou o mês símbolo da resistência dos movimentos de luta pela terra em memória as vitimas da violência do latifúndio e do capital, que cometeu o seu maior massacre em abril de 1996, em Eldorados dos Carajás – Pará.
No município de Guanambi, sudoeste do estado, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus-XII, a linha de pesquisa Educação no Campo, Educação de Jovens e Adultos e Movimento Sociais, junto ao colegiado do curso de Pedagogia, está realizando nesta semana a I Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, tendo como tema: Questão Agrária, Democracia, Educação no Campo: A Quem Interessa?
Na abertura do seminário, no dia 26 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi convidada para realizar o lançamento da publicação. O evento contou com a presença de estudantes, professores, pesquisadores e camponeses.
SAIBA MAIS: Conflitos no Campo Brasil 2015
Os presentes ressaltaram a importância do trabalho, destacando que os dados revelados pela publicação evidenciam a injustiça e violência do capital com os camponeses. Os estudantes, muitos deles moradores de áreas em conflitos, especialmente com as empresas eólicas na Bahia, ressaltaram os impactos socioambientais, assim como violações provocadas pelos empreendimentos nos territórios das comunidades.
Em Vitória da Conquista, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), o Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental realizou uma semana pedagógica para o debate sobre a questão agrária no Brasil. Sendo que no dia 26 de abril a CPT participou da mesa com o tema “De Eldorado dos Carajás a Quedas do Iguaçu: um debate sobre reforma agrária”, onde também houve o lançamento de Conflito no Campo Brasil 2015.
Segundo o militante do MST no Pará, Marcio, “é a certeza da impunidade no campo que leva tantos companheiros tombar na luta pela terra”.
Neste sentido, a publicação, que este ano completa 31 anos, continua na caminhada de denúncias das injustiças e violência expressa através do agronegócio, mineradoras, e empresas de energia contra os camponeses.
Os/as participantes da Assembleia Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), reunidos/as em Luziânia, Goiás, entre os dias 26 e 29 de abril de 2016, assinam Nota Pública em que questionam se “O Senado vai assegurar o processo democrático?”, em referência ao processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Confira o documento na íntegra:
Depois do deprimente espetáculo que a nação brasileira e o mundo acompanharam no dia 17 de abril, na Câmara dos Deputados, na qual aos olhos de todos se desenrolou uma orgia de hipocrisias, de patriarcalismo exacerbado, de blasfemas referências a Deus, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), reunida em sua Assembleia Nacional anual, dirige-se a toda a nação, de modo particular aos senadores e senadoras da República. A votação do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff acabou criando uma imagem ridícula de nosso País no contexto das nações, deixando muitos milhões de brasileiros envergonhados.
O compromisso histórico e atual da CPT é com os homens e mulheres do campo e suas organizações, buscando manter fidelidade ao Deus dos Pobres, aos Pobres de Deus e à terra de Deus para todos e todas. Não tem compromisso com qualquer governo ou partido. Por isso tem se manifestado criticamente em relação a todos os governos nestes 40 anos de sua história, inclusive os de Lula e Dilma. Criticou firmemente os governos petistas por terem priorizado os acordos e alianças para garantir o poder, em detrimento da defesa dos valores e princípios que eram defendidos quando da criação do partido. Acordos e alianças que desembocaram neste inferno de intrigas e traições que o governo e o partido hoje vivem, e que os tornaram indefensáveis por terem cedido tudo às elites e não atendido às reivindicações do povo, sobretudo do povo do campo. Reforma Agrária e reconhecimento dos territórios quilombolas e das Terras Indígenas não tiveram qualquer prioridade nas pautas destes governos.
Apesar disso, reafirmando o que a CPT expressou em Nota do dia 05 de abril, na qual qualificou o governo Dilma de ‘desastroso’, neste momento, diante do quadro político nacional, sustenta que o processo de impedimento é um atentado à ordem democrática. E é inqualificável pelo fato de ser julgada sem que sobre ela pese qualquer acusação de crime ou de enriquecimento ilícito, ou de malversação de recursos públicos.
Ao lado dos movimentos populares do campo e da cidade, a CPT tem certeza que esta mudança será um golpe fatal nos direitos duramente conquistados e inscritos na Constituição Federal, sobretudo pelos indígenas, quilombolas e as demais categorias de camponeses. E reafirma a necessidade urgente de uma profunda reforma política que garanta mecanismos de maior participação popular nos destinos da nação.
Senhores e senhoras senadores e senadoras, a dignidade do povo brasileiro, tão vilipendiada pela votação na Câmara dos Deputados, precisa ser resgatada para que os direitos dos mais frágeis de nosso País sejam resguardados, garantidos e para não sermos taxados como uma ‘república de bananas’. Ainda mais, como os senhores e as senhoras responderão à história pela substituição de uma pessoa honesta, como dizem muitos até da oposição, por figuras claramente involucradas em denúncias e em casos de corrupção?
Aqueles e aquelas que têm uma rica biografia de compromissos com os movimentos populares e de históricos lutadores contra o golpe militar e a ditadura, não a queiram macular com a pecha de cúmplices e promotores de um golpe à democracia. A CPT insiste no cumprimento das regras do jogo democrático.
Luziânia, 28 de abril de 2016.
Os/as participantes da Assembleia Nacional da CPT
Mais Informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6412 | 9307-4305
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 4008-6414 | 9309-6781
A reunião do Conselho Nacional da CPT, que teve início ontem (26) pela manhã e vai se estender até o dia 29, teve como primeira atividade análise de conjuntura feita pelo conhecido sociólogo padre François Houtart.
Antônio Canuto*
Houtart, 91 anos, nascido na Bélgica, teve uma atuação relevante em diversos momentos da história, sobretudo em países da América Latina. Hoje ele vive no Equador.
Ele iniciou sua fala lembrando de Dom Tomás Balduino, de quem foi amigo. Esta é a primeira vez que ele tem oportunidade de estar com a CPT.
Começou dizendo que o que se vive hoje é uma decorrência da crise financeira que é mundial. Fruto de contradição entre o capitalismo produtivo e o financeiro.
O capitalismo financeiro tem suas instituições legais FMI, Banco Mundial e OMC, e ilegais, como os paraísos fiscais. Mais de um terço da economia mundial está nos paraísos fiscais. Lá estão as grandes reservas das multinacionais.
Cresce a dívida dos estados, o que se busca compensar com a diminuição dos gastos sociais. O povo paga a crise do capital financeiro, e o Estado gasta bilhões para salvar o sistema financeiro. Estamos chegando ao fim de um ciclo, vive-se uma crise do sistema, destacou Houtart.
A crise tem multifacetas que se expressam na crise alimentar. A especulação financeira jogou na crise mais de 150 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, o que significa fome.
“A crise financeira buscou outras fontes de acumulação. E uma delas é a da agricultura, a de compra de terras onde se pode dar a acumulação de capital, que é a lógica do capitalismo. E por isso é que se assiste em todo o mundo a uma contra-reforma agrária”, analisou o sociólogo.
Alem da crise alimentar há a crise energética. A energia que a humanidade utiliza é totalmente irracional, há uma superexploração das fontes de energia que está levando ao esgotamento das mesmas.
Diante da diminuição das fontes, o capital busca outras fontes imediatas e uma delas é a agroenergia, como a produção de etanol da cana e do milho. É uma solução imediata para o capital. O que se busca não é uma solução para o ambiente, mas para a acumulação do capital. Esta nova investida do capital destroi o ambiente e expulsa comunidades camponesas.
Segundo Houtart, a crise atual é tão profunda e não vai encontrar solução no sistema capitalista, pois ele é a própria causa da crise. Tem que se buscar um novo paradigma para a economia, uma nova ordem econômica. A que está aí é responsável pelas mudanças climáticas, pela concentração de CO² na atmosfera e, ainda, pela destruição das florestas e dos oceanos, que são os que absorvem o CO². Hoje em dia a China é o país que mais emite poluentes no ar, mas em termos proporcionais os Estados Unidos está em primeiro lugar. Cada americano emite 20 toneladas de CO² no espaço por ano, enquanto que cada chinês emite 9 toneladas.
Outra irracionalidade do sistema se vê pelo sistema de transportes. São levadas mercadorias de um lado para outro, e não se produz localmente o que poderia ser produzido. Tudo é dominado pela lógica da acumulação do capital. Além disso, para Houtart, outra irracionalidade são os militares. Os EUA tem hegemonia total para garantir o acesso às fontes de energia e às matérias primas. As guerras acontecem por isso.
América Latina
Houtart ao analisar a crise na América Latina centrou-se nos países ditos progressistas, que combateram o neoliberalismo – Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina - em que o estado estava à serviço do capital, mas não atacaram a raiz do capitalismo. Foram pós-neoliberais, mas não pós-capitalistas. Trabalharam para a redistribuição da renda, na melhora das condições de saúde e educação, mas com políticas assistencialistas.
A crise que estes países enfrentam, segundo Houtart, têm explicações externas e internas.
Externas: 1. A queda dos preços das commodities, e a América Latina se tornou dependente delas. Enquanto os preços internacionais estavam altos tudo fluía. Com a queda esgotaram-se as reservas para aplicação em política sociais. 2. A desvalorização das moedas nacionais.
Internas: 1. O descompasso entre o discurso anticapitalista e a prática que continua capitalista. Os governos tem adotado o discurso de um capitalismo moderno, que é até aplicado por algumas empresas. Mas as externalidades dos investimentos - os danos ambientais e sociais – ficam por conta da natureza e do povo.
As medidas pos neoliberais foram eficazes com diminuição da pobreza Tem uma filosofia mais humanista, mas os alicerces capitalistas permanecem intactos.
Essas politicas pós-neoliberais foram únicas no mundo, mas não se transformaram em políticas pós-capitalistas. O perigo é a reconstrução conservadora, e isso começa dentro dos regimes progressistas. Fala-se em modernizar o país, os pobres melhoraram, mas os ricos não diminuíram a riqueza, pelo contrário, houve maior concentração. Por isso há, também, mais conflitos sociais e ideológicos, muitos deles com os movimentos indígenas, camponeses, operário e estudantil. Quando não se pode cooptar os movimentos existentes, criam-se movimentos alternativos oferecendo vantagens econômicas. Com isso mina a resistência das comunidades.
Os movimentos que apoiaram estes governos progressistas tinham esperança de mudança. Mudança que ficou embargada por que:
Como sair desta situação?
Para a construção de um socialismo não ilusório, de um novo paradigma, deve-se pensar a transição, definindo metas e os passos a serem dados. “Devem-se definir metas, não sob o trabalho de visionários e da academia, mas resultado do trabalho de base, acompanhado de reflexão teórica”, destacou Houtart.
Reforçar a autonomia dos movimentos sociais em todo mundo, com um trabalho de base, sistemático de médio e longo prazo, para que sejam atores sociais na construção do novo paradigma e que tenham autonomia diante do movimento político, também são ações que devem ser planejadas, na visão do sociólogo.
Igreja
Na América Latina, o Concílio Vaticano II e Medellin instauraram um período com forte caráter profética na Igreja, com a Teologia da Libertação. Período, porém, curto. Depois foi seguido por um período de restauração preconciliar. Esta restauração encontrou no Brasil mais resistência, mas foi se implantando.
Com o papa Francisco, novos espaços foram abertos e temos que os ocupar para retomar um novo período profético, contribuindo na construção de um paradigma não capitalista, como igreja, não como ator político. “Ela deve denunciar os efeitos do sistema e anunciar os valores do Reino, de modo concreto. A igreja tem papel importante nisso. Não gritando a verdade desde cima, mas vivendo com o povo. Para a construção mais adequada dos valores do reino”, concluiu o sociólogo.
*Secretário da coordenação nacional da CPT e Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.