MST lança campanha internacional para colocar libertar dois agricultores e um geógrafo, presos há meses, sem julgamento, por lutarem pela Reforma Agrária. Processo sugere investida inédita dos conservadores para criminalizar lutas sociais.
(Outras Palavras)
O MST está lançando uma campanha nacional e internacional pela libertação dos presos políticos da Reforma Agrária em Goiás e contra a criminalização do movimento. No dia 12 de abril, quatro militantes do MST tiveram sua prisão preventiva decretada, acusados de fazer parte de uma “organização criminosa”. O MST repudia a “criminalização” de suas lideranças e pede a revogação das ordens de prisão.
O agricultor Luiz Batista Borges, integrante do acampamento Padre Josimo Tavares, foi preso ao se apresentar na delegacia de Rio Verde, Goiás, dia 14 de abril. Em 31 de maio, o militante José Valdir Misnerovicz, reconhecido nacional e internacionalmente por sua luta pela reforma agrária, foi preso em operação articulada entre as polícias de Goiás e do Rio Grande do Sul, onde se encontrava. Valdir, que é geógrafo e tem formação em pós-graduação, dava aula para jovens estudantes de cooperativismo agrícola quando foi surpreendido pela operação da polícia civil dos dois estados. Há mais de 30 anos no MST e um dos líderes do movimento em Goiás, está preso no Núcleo de Custódia de Segurança Máxima do município de Aparecida de Goiânia.
Já Lázaro Pereira da Luz foi preso dia 15 de junho último, em Itapaci, Goiás. Os militantes Natalino de Jesus e Diessyka Lorena estão exilados.
“Esta é a primeira vez no Brasil que o MST é criminalizado com base na lei 12.850/2013, que diz respeito às organizações criminosas”, afirma a coordenação do Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino. “Esta lei, supostamente criada para atuar contra lavagem de dinheiro e tráfico, pode ser considerada a legitimação de um verdadeiro Estado de Exceção. Com base nela, os inquéritos correm de forma sigilosa e podem automaticamente contar com delação premiada, infiltração de agentes, quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico, escuta ambiente e outras arbitrariedades”.
Nos últimos três anos e meio, o número de famílias acampadas em Goiás passou de 600, em 2013, para 6.500, em 2016. Nesse período ocorreu a ocupação Dom Tomás Balduino, na Agropecuária Santa Mônica, latifúndio com mais de 21 mil hectares de terras declaradamente improdutivas, registradas em nome do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), localizado entre os municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá (GO); e na Usina Santa Helena, latifúndio canavieiro de 22 mil hectares do Grupo Naoum, que deve cerca de 1,1 bilhão de reais a trabalhadores e à União e várias vezes denunciado por crimes ambientais. O movimento luta para que as terras sejam desapropriadas e entregues à Reforma Agrária, para assentamento das 6500 famílias acampadas no estado.
“O absurdo que salta aos olhos neste processo é que o MST foi enquadrado, pela primeira vez, na lei nº 12.850/2013, que tipifica as organizações criminosas”, afirma o Comitê Goiano. Entendendo o movimento como organização criminosa, qualquer militante pode ser acusado em qualquer inquérito que seja iniciado. “É a tentativa absurda de colocar na ilegalidade um movimento democrático, que luta pela reforma agrária no Brasil.”.
Diante da intensificação da luta pela terra, o agronegócio tenta inviabilizar a luta pela terra no estado, articulado com o poder judiciário local e estadual, com o legislativo federal e com o executivo estadual.
“A iniciativa de enquadrar o MST como organização criminosa, apesar de ter iniciado em Goiás, já é defendida pela Bancada Ruralista do Congresso Federal e por figuras políticas que estão à frente do golpe”, afirma o Comitê Goiano do MST.
Esta é a primeira vez, em 32 anos de existência, que o MST é considerado uma organização criminosa. Ao organizar famílias para lutar pelo direito à terra, à comida saudável no campo e na cidade e por uma mudança do modelo produtivo agrícola, o MST é reconhecido internacionalmente e já recebeu diversos prêmios.
O movimento pede que as pessoas solidárias à causa dos Sem Terra escrevam para o governador de Goiás, Marconi Perillo (gabinete.particular@palacio.go), a presidente do Superior Tribunal, de Justiça, dra. Laurita Vaz (presidencia@stj.jus.br) e o presidente Tribunal de Justiça de Goiás, dr. Leobino Valente Chaves (secexepres@tjgo.jus.br), com cópia para o Comitê (comitedhdomtomasbalduino@gmail). O texto sugerido é:
“Vimos, por meio desta, apresentar nossa grande preocupação com a recente escalada da repressão aos Movimentos Sociais no Brasil, especialmente no estado de Goiás. É de nosso conhecimento que lideranças e militantes do MST no referido estado estão presos e sendo perseguidos. Luiz Batista Borges encontra-se preso desde o dia 14 de abril de 2016, José Valdir Misnerovicz, liderança de renome internacional, encontra-se preso desde o dia 31 de maio e Lázaro Pereira da Luz, desde o dia 15 de junho último. Outros dois militantes encontram-se exilados”.
“É extremamente grave que pessoas como eles, comprometidos com a justiça social e com a Reforma Agrária, estejam sendo criminalizadas pela única razão de lutarem para que terras griladas, improdutivas ou devedoras sejam convertidas em áreas de produção de alimentos para milhares de pequenos agricultores Sem Terra.
“Tais medidas repressivas são inaceitáveis e entendendo que os Direitos Humanos são uma demanda internacional, nos manifestamos pela imediata libertação dos presos políticos do MST em Goiás e pelo fim da criminalização da luta por reforma agrária no Brasil. Atenciosamente, Data.”
O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), evidencia a permanência do quadro de omissão dos poderes públicos em relação aos direitos dos povos indígenas, especialmente em relação ao direito à terra, o que impacta drasticamente no direito deles viverem de acordo com o seu modo tradicional, ambos reconhecidos e garantidos pela Constituição Federal.
(Fonte: Cimi)
Os dados evidenciam que, em 2015, também permaneceu a situação de constante invasão e devastação das terras demarcadas; assim como se manteve a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e ameaças de morte, dentre outros; e permaneceu ainda um assustador número de morte de crianças até 5 anos, em muitos casos por doenças facilmente tratáveis.
Acesse na íntegra: Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados 2015
Chama atenção o agravamento do número de perversos ataques milicianos contra os frágeis acampamentos das comunidades Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Até mesmo inaceitáveis práticas de tortura com requintes de crueldade, como a quebra de tornozelos de anciãos, foram realizadas. Neste caso específico, em outubro, no tekoha Mbaracay, município de Amambai, após um desproporcional ataque com armas de fogo.
Nesse sentido, o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, na apresentação do relatório, indigna-se “porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas”, e questiona: “ Até quando teremos que apresentar esses relatórios?”.
Dados de 2015
Como em anos anteriores, em 2015 pouco se avançou nos processos de regularização das terras indígenas. Sete homologações foram assinadas pela presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Ministério da Justiça publicou apenas
três Portarias Declaratórias e a Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou somente quatro terras indígenas, além de ter publicado duas Portarias de Restrição. Na foto, lançamento do relatório na sede da CNBB, em Brasília (DF).
De acordo com a Constituição Federal, todas as terras tradicionais indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição. No entanto, de acordo com o levantamento do Cimi, de 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país.
Observa-se que, do total dessas 654 terras indígenas com pendências administrativas para terem finalizados os seus procedimentos demarcatórios, 348 terras - ou seja, pouco mais da metade (53%) - não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado até hoje. O maior número de terras nessa etapa Sem Providências concentra-se no Amazonas (130), seguido pelo Mato Grosso do Sul (68) e pelos estados de Rio Grande do Sul (24) e Rondônia (22).
Outras 175 terras, ou 26%, encontravam-se na fase A Identificar. Em muitos casos, verifica-se intensa morosidade nesta etapa. Podemos citar o caso da Terra Indígena (TI) São Gabriel/São Salvador, do povo Kokama, localizada no município de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, que teve seu Grupo Técnico criado em 25 de abril de 2003 mas, doze anos depois, seus trabalhos ainda não foram concluídos.
O Cimi registrou 18 conflitos relativos a direitos territoriais e 53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos, sendo que o Maranhão é o estado com o maior número de registros, com 18 casos.
Em 2015, segundo os dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles foram registrados pelo Dsei-MS. Os dados da Sesai, no entanto, não permitem uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e povo. Os dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas, sendo que 20 das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que novamente é o estado com o maior número de casos.
Dentre os casos envolvendo conflitos fundiários, destacamos o macabro assassinato de Vítor Kaingang, uma criança de apenas 2 anos, em Santa Catarina, em dezembro de 2015. Na TI Tupinambá de Olivença, Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, importante liderança de seu povo que lutava pela regularização fundiária da terra tradicional, foi assassinado numa emboscada por disparos de arma de fogo.
No estado do Maranhão, na TI Alto Turiaçu, a liderança Euzébio Ka’apor, que também liderava seu povo na luta pela defesa de seu território e, especialmente contra a exploração madeireira, foi assassinado a tiros quando estava no município de Centro do Guilherme.
Outro caso preocupante ocorreu no Mato Grosso do Sul, o Guarani e Kaiowá Simeão Vilhalva foi assassinado depois que os fazendeiros e políticos da região do município de Antônio João promoveram um ato público convocando a população a se rebelar contra a comunidade indígena de Ñhanderu Marangatu. Os indígenas haviam realizado algumas ações de recuperação de parcelas de seu território, que havia sido homologado em 2005 mas, no entanto, permanece sob a posse de não índios.
Ainda em relação à violência contra a pessoa, houve o registro de 31 tentativas de assassinato; 18 casos de homicídio culposo; 12 registros de ameaça de morte; 25 casos de ameaças várias; 12 casos de lesões corporais dolosas; 8 de abuso de poder; 13 casos de racismo; e 9 de violência sexual.
Dos 87 casos de suicídio em todo o país registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, 45 ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani e Kaiowá. Entre 2000 e 2015 foram registrados 752 casos de suicídio apenas neste estado. Um recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA) sobre os Guarani e Kaiowá afirma: “...esses jovens indígenas carregam um trauma humanitário cheio de histórias contadas por seus parentes, histórias de exploração, violências, mortes, perda da dignidade, enfim, a história recente de muitos povos indígenas. Histórias carregadas de traumas, presas a um presente de frustrações e impotência. Nessas circunstâncias, estes jovens são o produto do que se costuma chamar uma geração que sofre do que se chama Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)”.
Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve, da Sesai e do Dsei-MS, dados parciais da mortalidade indígena na infância. Somando as duas bases de dados, chega-se a um total de 599 óbitos de crianças menores de 5 anos em todo o país. Trata-se de números parciais, visto que pelo menos três Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) deixaram de informar se houve mortes na área de sua abrangência (Alto Rio Juruá, Bahia e Parintins).
As três principais causas das mortes foram: pneumonia não especificada, com 48 mortes (8,2%); diarreia e gastroenterite de origem infecciosa resumível, com 41 mortes (7%). Pneumonia, diarreia e gastroenterite são doenças perfeitamente tratáveis, mas causaram a morte de pelo menos 99 crianças menores de 5 anos. A região Norte do país concentra o maior número de óbitos, com 349 mortes de crianças menores de 5 cinco anos, ou 58% do total dos dados parciais. Os povos indígenas mais afetados são das áreas de abrangência dos Dsei Xavante, com 79 óbitos, Alto Rio Solimões, com 77 óbitos, e Yanomami, com 72 óbitos.
Os dados do Dsei Mato Grosso do Sul revelam um coeficiente de mortalidade infantil duas vezes maior que o da média nacional, com 26,35 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade infantil no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 13,82 por mil nascidos vivos (dados de 2013). Os dados mostram ainda que o maior número de óbitos ocorreu no polo base de Dourados, com 11 mortes.
Ainda em relação à violência por omissão do poder público, foram registrados 52 casos de desassistência na área de saúde; 3 mortes por desassistência à saúde; 5 casos de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas; 41 registros de desassistência na área de educação escolar indígena; e 36 casos de desassistência geral.
Retrocesso e criminalização
Nas análises publicadas no relatório, o Cimi avalia que a ofensiva sobre os direitos indígenas realizada pelos Três Poderes, e protagonizada especialmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, assim como pelo Executivo em relação à omissão nas demarcações de terras, é diretamente responsável pela permanência do quadro de severa violência e violações aos povos indígenas no Brasil, assim como pelo agravamento dos cruéis ataques no Mato Grosso do Sul.
Nesse contexto, em um dos textos da apresentação, o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, ressalta a agudez da criminalização em 2015. “A tentativa de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia, organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas no Brasil também foi intensificada pelos ruralistas em 2015”, avalia Buzatto, referindo-se, por exemplo, às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o Cimi, instalada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e a da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), instalada na Câmara dos Deputados.
Mais informações: Assessoria de Comunicação do Cimi – Patrícia Bonilha: 61 99979-7059 e Tiago Miotto: 61 99686-6205
Nesta sexta-feira, 16, uma comitiva formada por lideranças comunitárias da Comunidade Sabiá, localizada na região de Caxias, no Maranhão, denunciará a situação de extrema violência e ameaças para as instituições públicas e à imprensa. A Coletiva ocorrerá às 09h00 na sede da Comissão Pastoral da Terra no Maranhão (CPT-MA), na capital São Luís.
Cerca de 102 famílias que vivem há mais de 140 anos na Comunidade tradicional Sabiá, em Caxias (MA), distante 80 quilômetros da sede municipal, às margens do Rio Parnaíba, estão sendo ameaçadas de despejo pela empresa Livramento Destilados Ltda. As ações ilegais praticadas contra as famílias contam com apoio de Policiais Militares do Maranhão e jagunços.
Em março deste ano, vários policiais e jagunços invadiram a comunidade, torturaram vários moradores com uso de spray de pimenta e ainda prenderam um jovem de 26 anos, a fim de garantir a destruição de centenas de hectares de palmeiras de babaçu. A maioria das vítimas são mulheres e idosos, inclusive um senhor de 94 anos.
Em agosto de 2016, novamente jagunços e policiais militares invadiram a Comunidade e impediram os moradores de realizarem o roçado. Na ação criminosa, um jovem de 27 anos foi espancado até desmaiar. Segundo relatos dos moradores, os jagunços andam livremente com armas de grosso calibre e pistolas.
Apesar da violência, os moradores não conseguiram registrar boletim de ocorrência, nem mesmo na Delegacia da Mulher. As famílias estão cercadas por homens armados, não conseguem realizar roça e temem ser mortas pelos pistoleiros.
A comunidade é uma das mais de 350 comunidades em situação de conflito por terra no Maranhão e, possivelmente, de acordo com os relatos, o caso mais grave dos conflitos, porque sofrem violência tanto da milícia armada, com agressões físicas, ameaças de morte e cerceamento de liberdade, quanto da Polícia Militar do Maranhão.
SERVIÇO:
Coletiva de Imprensa: Lideranças rurais Comunidade Sabiá, de Caxias (MA), denunciam violência policial e jagunçagem.
Quando: Dia 16 de setembro (sexta-feira), às 09 horas da manhã.
Endereço: Sede da CPT Maranhão – Rua do Sol, 457, Centro – São Luís – Maranhão.
Mais informações:
CPT Maranhão - (98) 3222-4243
Ronilson Costa - (99) 98146-2761
E-mail: cptmaranhao@yahoo.com.br
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresenta amanhã (15), às 14h30, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2015. Além dos organizadores do relatório, o lançamento contará com a presença de Elson Gomes Kaiowá, liderança do tekoha Kunumi Verá, localizado no município de Caarapó (MS), e conselheiro da Grande Assembleia Aty Guasu, do povo Guarani e Kaiowá.
(Fonte: Cimi)
Esta publicação traz informações sobre dezenove formas de violências e violações praticadas em todo o país contra os povos originários, como assassinatos, mortalidade na infância, omissão e morosidade na regularização das Terras Indígenas, racismo e abuso de poder. Como nos anos anteriores, chama atenção a perversa realidade enfrentada pelos indígenas do Mato Grosso do Sul, especialmente os Guarani e Kaiowá, que sofrem violentos e frequentes ataques milicianos, os quais inserem-se no contexto de conflito gerado pela não demarcação dos territórios tradicionais.
O relatório é realizado anualmente a partir da sistematização de dados coletados e compilados com base nas denúncias e nos relatos dos povos, das lideranças e das organizações indígenas, de informações das equipes missionárias do Cimi que atuam nos onze regionais da organização e de notícias veiculadas pelos meios de comunicação de todo país. Também inclui informações de sentenças, pareceres e banco de dados de órgãos oficias, como o Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e tribunais de Justiça, dentre outros.
Serviço
O quê? Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2015
Quando? Dia 15 de setembro, quinta-feira, às 14h30
Onde? Sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Setor de Embaixadas Sul, Quadra 801, Conjunto B, Brasília - DF
Mais informações: Assessoria de Comunicação do Cimi – Patrícia Bonilha: 61 99979-7059 e Tiago Miotto: 61 99686-6205
“Começou um fogo lá no canto, que foi vindo, foi vindo. Juntemos um grupo e a gente foi apagar. Tinha muita fumaça, estava difícil de ver… atrás dela os pistoleiros começaram a atirar. Acho que não queriam matar não, mas não deixaram a gente apagar o fogo”, conta Gilmar Guarani e Kaiowá ao contabilizar sete casas destruídas pelas chamas e cerca de 40 indígenas que, nesta terça-feira, 13, choram por tudo o que perderam.
(Fonte: Cimi)
Estão desabrigados na própria terra, o tekoha – lugar onde se é Kurusu Ambá -, em Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul, fronteira do Brasil com o Paraguai. O incêndio ocorreu pela Terra Indígena e durante a madrugada consumiu as casas. Crianças, mulheres, anciãos: famílias inteiras tiveram que fugir do fogo e dos tiros. “Tô dizendo para eles não chorar. Vamos refazer tudo”, diz Gilmar.
Este é o quinto ataque em 2016 contra acampamentos do povo em Kurusu Ambá. Em janeiro, um outro acampamento também foi incendiado por pistoleiros – na ocasião, porém, o fogo foi ateado pelos próprios pistoleiros nos barracos e pertences indígenas (foto acima). O último ataque antes desta terça ocorreu em 12 de julho: pistoleiros cercaram um outro acampamento e atiraram contra os indígenas.
Não se sabe como este último incêndio começou. “Pistoleiros estavam lá, né. Atrás da fumaça. Correu tudo a gente. Deus protegeu e ninguém se feriu. Perdeu tudo só. Não sobrou nada: cobertas, roupas. Estão sem nada, só roupa do corpo. Triste. Por isso a gente pede demarcação. Só assim pra fazendeiro respeitar”, afirma Gilmar. A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada sobre o novo incêndio e ataque.
O Guarani e Kaiowá explica que as casas incendiadas estavam na retomada da Fazenda Bom Retiro, mas o fogo veio de uma parte não ocupada pelos indígenas, da Fazenda Barra Bonita, onde desde março deste ano há um acampamento do povo em outro pedaço da fazenda. Outras duas fazendas, a Madama e Santa Joana, também com áreas retomadas pelos indígenas, estavam no perímetro do incêndio.
Kurusu Ambá está em processo de identificação e delimitação há uma década. O relatório deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2007. No entanto, o relatório foi entregue pelo Grupo Técnico (GT) somente em dezembro de 2012, e ainda aguarda aprovação da Funai de Brasília.
Histórico de ataques
Em março, horas depois da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ter visitado o acampamento, pistoleiros a cavalo e em caminhonetes atacaram a comunidade a tiros. O ataque se repetiu, dois dias depois.
Em janeiro, os Kaiowa de Kurusu Amba foram atacados a tiros e um acampamento inteiro foi incendiado pelos pistoleiros.
Em junho de 2015, os indígenas haviam tentado ocupar a mesma fazenda, sendo violentamente expulsos pelos fazendeiros. O saldo do ataque foi de duas crianças desaparecidas, casas incendiadas e dezenas de feridos.
Em 2007, ano em que os Kaiowá iniciaram a retomada de Kurusu Ambá, duas lideranças foram assassinadas - uma delas, na mesma fazenda Madama. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu, no contexto da luta pela demarcação de seus territórios tradicionais.
M.G Tenetehar/Guajajara, de 6 anos, morreu na manhã deste domingo, 11, em decorrência de queimaduras sofridas no incêndio que consome há semanas a Terra Indígena (TI) Bacurizinho, município de Grajaú, Maranhão. M.G estava com N.S Tenetehar/Guajajara, outra criança de 11 anos que está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Rafael, em Imperatriz, com 60% do corpo queimado.
(Fonte: Cimi)
Na imagem ao lado, focos de incêndios na região do município de Grajaú captados pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Os garotos saíram da aldeia Pedra para caçar, conforme o hábito. No interior da mata perceberam a rápida chegada das chamas. Tentaram fugir, mas não houve tempo: as labaredas os tinham cercado. Sem alternativa, N.S teve de correr pelo fogo para pedir socorro na aldeia – M.G permaneceu parado esperando a ajuda. Alguns outros Guajajara ouviram os gritos de N.S e foram ajudá-los. Ambos foram levados de moto ao pronto-socorro de Grajaú, e de lá transferidos para Imperatriz.
Na manhã de domingo, por volta das 6 horas, M.G, que teve 95% do corpo queimado, não resistiu e morreu. O outro menino segue em estado grave, se alimenta por sondas, está entubado e respira com a ajuda de aparelhos – fisioterapia respiratória. Os garotos pertenciam ao mesmo grupo familiar: José Vir de Sousa Tenetehar/Guajajara é pai de N.S e avô de M.G, enterrado na manhã desta segunda-feira, 12, na aldeia Planalto, na Terra Indígena Bacurizinho. "O fogo subiu na mata perto da aldeia semana passada. Tinha até apagado, então no sábado os meninos foram caçar", conta José, que permanece com o filho no hospital.
Uma equipe de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) acompanha o tratamento da criança no Hospital São Rafael. N.S está sedado. A parte mais atingida foi o abdômen (distendido), o tórax e a cabeça, mas há queimaduras também nas pernas. Cogitou-se a possibilidade de transferir a criança para a capital São Luís, o que os médicos descartaram temendo que o garoto não resista. Ontem à tarde um comunicado (leia completo abaixo) foi divulgado pela equipe de saúde da Sesai, com atuação na Casa de Saúde do Índio (Casai) de Imperatriz. As secretarias de Saúde e Direitos Humanos do Maranhão foram acionadas e oferecem apoio.
Acordo não cumprido
Uma fonte da Fundação Nacional do Índio (Funai) consultada, servidora em Imperatriz, diz que a equipe de brigadistas do PrevFogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, ligado ao Ibama) da Bacurizinho está na Terra Indígena Arariboia. "Esses brigadistas não tiveram o contrato renovado porque o PrevFogo afirmou não ter recursos para mantê-los. Na condição de colaboradores, foram deslocados para a Arariboia quando o fogo lá chegou nos isolados. Porém, havia um acordo caso um incêndio começasse na Bacurizinho e esse acordo não foi cumprido", destaca.
A servidora explica que a Funai pactuou com as secretarias estaduais de Defesa Pública e Defesa Civil, Bombeiros e PrevFogo que os Guajajara brigadistas iriam para a Arariboia, mas que estes órgãos dos governos Estadual e Federal atenderiam a Bacurizinho em caso de necessidade. "O PrevFogo extinguiu a brigada na Bacurizinho, mas solicitou a ajuda dos indígenas treinados na Arariboia. Não podiam deixar a Bacurizinho descoberta, houve uma quebra de acordo. Os Bombeiros não foram pra lá", ressalta a servidora.
Para Gilderlan Rodrigues da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, o trágico episódio revela o tamanho do descaso governamental com os incêndios envolvendo as Terras Indígenas no estado. "Todo o ano nós temos os incêndios e parece não haver um plano de ação e, sobretudo, de prevenção. A cada ano nos deparamos com uma tragédia nova, as mesmas dificuldades, ineficiências e desculpas. Para nós essa morte entra nessa conta, uma conta cujos recursos diminuem para os povos indígenas e aumentam para o agronegócio".
Prevfogo extinto na T.I Bacurizinho
José Arão Marizé Lopes Tenetehar/Guajajara explica que o PrevFogo extinguiu a equipe de brigadistas da Terra Indígena Bacurizinho em meados de fevereiro deste ano. "Foram selecionados os indígenas, chegaram a assinar o contrato, mas a brigada terminou extinta com a alegação de falta de recursos por cortes de despesas”, diz Arão Guajajara, que mora na aldeia Bacurizinho.
No ano passado, o fogo consumiu parte da Terra Indígena, distante 135 quilômetros de outro território tradicional que desde o último mês de julho sofre com incêndios, a Terra Indígena Arariboia – também Tenetehar/Guajajara e do povo Awá-Guajá em situação de isolamento voluntário. Arão afirma que um documento foi enviado ao Ministério do Meio Ambiente pedindo a volta do PrevFogo.
“Sofremos com um completo abandono institucional. Funai, Ibama, PrevFogo, Polícia Federal sabem do que tem se passado aqui, mas não tomam nenhuma providência. Não é apenas os incêndios que afetam a terra indígena, mas a presença de madeireiros, caçadores, grileiros”, denuncia Arão. Revoltado, o Guajajara acredita que agora com uma criança morta e outra em estado grave o governo federal tomará alguma medida.
Arão explica que sem a ajuda do PrevFogo os indígenas apenas não permitem que as chamas queimem as aldeias. “O fogo que chega perto das moradias é apagado, todos os dias, mas ir para o interior da mata enfrentar o incêndio é impossível sem ajuda, equipamentos. Essa situação de morte não podia acontecer. são anos e anos que a gente passa por esses incêndios e o Ibama sabe. Cortou recurso em Brasília, morreu criança na aldeia", protesta Arão.
A Funai mantém com o Ibama, desde 2013, um Acordo de Cooperação Técnica para implementação do Programa Brigadas Federais Indígenas. O protocolo firmado estabelece que os brigadistas temporários do programa serão indígenas e poderão atuar tanto em suas próprias comunidades quanto em outras mais distantes, contando com o apoio logístico da Funai no transporte, alojamento e alimentação.