Confira o manifesto divulgado ao final do 13º Acampamento Terra Livre (ATL), organizado pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib) e apoiado por entidades da sociedade civil, entre 10 e 12 de maio de 2016, em Brasília.
Manifesto do XII Acampamento Terra Livre
Nós, cerca de 1.000 lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília (DF) por ocasião do XII Acampamento Terra Livre – a maior mobilização nacional que realizamos há mais de 12 anos para reivindicar do Estado e da sociedade brasileira o respeito total aos nossos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição Federal – preocupados com os ataques, ameaças e retrocessos orquestrados contra esses direitos sob comando de representantes do poder econômico nos distintos âmbitos do Estado, nos meios de comunicação e nos nossos próprios territórios, viemos de público manifestar:
O nosso repúdio às distintas ações marcadamente racistas, preconceituosas e discriminatórias protagonizadas principalmente por membros da bancada ruralista no Congresso Nacional contra os nossos povos, ao mesmo tempo em que apresentam e articulam-se para aprovar inúmeras iniciativas legislativas, propostas de emenda constitucional e projetos de lei para retroceder ou suprimir os nossos direitos.
O ataque praticado contra a Democracia nos últimos dias, que culminou com o afastamento temporário da presidente Dilma, demonstrou a força conjugada dos poderes econômicos e políticos que, desde os tempos da invasão europeia, dominam e exploram as maiorias empobrecidas do nosso país, as distintas coletividades étnicas e principalmente os nossos povos e comunidades, em razão da sua vontade de explorar as nossas terras e territórios e bens naturais que milenarmente soubemos proteger.
A nossa preocupação aumenta diante da instalação de um novo governo que a maioria dos setores sociais e populares, como nós, considera ilegítimo e cuja composição é notadamente conservadora e reacionária, além de ser ajustada aos interesses privados que assaltaram o Estado e que ameaçam regredir os direitos sociais conquistados e, em nome da ordem e do progresso, pretendem aprovar medidas administrativas, jurídicas e legislativas para invadir mais uma vez os nossos territórios com grandes empreendimentos: mineração, agronegócio, hidrelétricas, fracking, portos, rodovias e ferrovias, entre outros.
Se nossos direitos foram sistematicamente atacados no governo que sai, com esse atual governo as ameaças e ataques podem aumentar.
Em razão de tudo isso, os nossos povos e organizações declaram publicamente a sua determinação de jamais desistir da defesa de seus direitos constitucionalmente garantidos, manifestando ao Governo Temer que não permitiremos retrocessos de nenhum tipo. Continuaremos empenhados e mobilizados em luta pela efetivação dos nossos direitos.
PELO NOSSO DIREITO DE VIVER!
Brasília – DF, 12 de maio de 2016
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Mobilização Nacional Indígena
Ontem (10), em meio às primeiras atividades do Acampamento Terra Livre 2016, lideranças da Aty Guasu, grande assembleia dos povos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, ocuparam a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília. Entre as reivindicações, está a publicação do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaí Peguá I, na região do município de Caarapó, no sul do estado.
(Fonte/Imagens: Assessoria de Comunicação - Mobilização Nacional Indígena)
Em reunião com o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, os indígenas afirmaram que só deixarão o prédio com o relatório assinado em mãos.
A TI, que já foi identificada pela Funai e aguarda a publicação de seu relatório, é composta por mais de 13 territórios tradicionais – os chamados tekoha – de onde essas comunidades foram expulsas e confinadas na Reserva Indígena de Caarapó, com apenas 3,5 mil hectares. Em carta entregue a Gonçalves, a Aty Guasu reitera que os estudos para a identificação e delimitação da TI já foram finalizados há anos e não são publicados por uma decisão política contra seu povo.
“Desde 1917, quando para criar novas fazendas e empresas roubaram nossos territórios, fomos esmagados e apertados para dentro da Reserva de Tey’i Kue que hoje não possui mais espaço. Muitas mortes ocorreram, muitos de nossos lugares sagrados e Xirus foram destruídos, famílias foram separadas e desde então vivemos em meio ao sofrimento e à dor. Mas vocês sabem que não somos de Tey’i Kue, vocês já têm o relatório, vocês sabem que precisamos voltar para nossas terras ou que morreremos tentando. E mesmo assim não publicam. Como vocês dormem à noite? Nas mesmas noites que estamos na mira de algum novo jagunço de fazendeiro?”, registra a carta.
Os indígenas foram atendidos pelo presidente da Funai em uma reunião às 18 horas, quando enfatizaram a importância do relatório ser publicado para garantir sua segurança e exigiram uma posição do presidente.
“Se o relatório está pronto, porque não publica? Se vocês não publicarem, quem é que que vai publicar? Ninguém aqui sabe como vai ser no dia depois de amanhã. Tem que fazer certo, agora. Porque nosso sofrimento é demais”, afirmou Adauto Guarani e Kaiowá.
O temor dos Guarani e Kaiowá é de que, com o afastamento da presidente Dilma Rousseff após a provável admissão de seu impeachment no Senado, o processo de demarcação seja paralisado. “Queremos saber a resposta hoje: o que você está esperando para fazer essa publicação? O senhor sabe todo o sofrimento de nós, mulheres indígenas, e de todo o povo Guarani e Kaiowá. Se não sair hoje, a gente vai ficar aqui mesmo”, disse Flávia Guarani e Kaiowá.
“O representante da Funai disse para nós, ano passado, que até julho já estaria sendo publicado nosso relatório. Esse papel que tá aqui pra ser assinado não tem vida, mas por causa dele nosso povo tá morrendo lá. Sem educação, sem saúde, sem assistência, sem nenhum médico. Crianças estão morrendo. Nós queremos que publique esse relatório antes que nossos velhos aqui morram, para que nossas crianças cresçam e vivam em paz e com dignidade”, afirmou Elson Guarani e Kaiowá. “Senhor presidente, hoje, eu estou aqui, posso derramar as minhas lágrimas, mas amanhã ou depois eu posso derramar meu sangue”, completou o indígena.
Ocupação até resposta definitiva
Na reunião, Gonçalves afirmou que tem assinado todos os relatórios de identificação e delimitação de terras indígenas que têm chegado até ele, e marcou nova reunião com os Guarani e Kaiowá para a manhã desta quarta (11/5), quando disse que dará uma resposta definitiva aos indígenas.
“A terra é nossa vida. A reserva não é nossa vida. O nosso território é sagrado e nós queremos viver nele. Nele está nossa liberdade, nossa vida, nosso direito de viver como Guarani e Kaiowá. O nosso povo não vai parar de lutar. Se você assina esse papel, pelo menos faz a sua parte, que cabe a esta casa”, afirmou Elson Guarani e Kaiowá.
Em seguida, os Guarani e Kaiowá desceram para a recepção do edifício, onde comunicaram sua decisão de permanecer no local até que o relatório seja publicado. Após uma longa discussão com a segurança, acabaram sendo despejados e levados até a garagem, no subsolo, onde permanecerão até a nova reunião.
“A Funai é a nossa casa. Só que nem na nossa casa a gente tem direitos, fomos expulsos e despejados da recepção”, afirmou Clara Guarani e Kaiowá.
Retomada das demarcações
Os Guarani e Kaiowá também exigem que a Funai retome o andamento dos processos de demarcação dos territórios no sul do estado que ainda aguardam publicação: Apapeguá, Brilhantepegua, Dourado Amambaipegua II, Dourados-Amambaipegua III, Dourados-Amambaipegua IV, Iguatemipegua II, Iguatemipegua III, Amambai Peguá, Nhandevapegua. Os indígenas prometem um grande movimento de retomadas em todos os tekoha, caso a Funai não publique os estudos de identificação.
“Exigimos que os Peguá sejam mantidos como método para a demarcação e que nossos territórios sejam mantidos como estão, com o mesmo tamanho e desenho que os antropólogos fizeram com nossos anciões, pensadores e historiadores tradicionais. Não aceitaremos módulos de terra menores. Chega de reservas, que já nos causaram danos demais”, defende a Aty Guasu.
Representantes de povos indígenas de todas as regiões estarão mobilizados em Brasília, entre 10 e 13 de maio, para cobrar demarcações de Terras Indígenas e lutar contra ameaças e retrocessos aos seus direitos.
(Fonte: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib)
A 12ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) reunirá manifestantes de todo o país com o objetivo de reforçar as reinvindicações dos povos indígenas pela garantia de seus direitos. O acampamento será realizado entre os dias 10 e 13 de maio, em Brasília.
“O objetivo do acampamento é continuar afirmando nossos direitos garantidos na Constituição Federal. E nos manifestar contra os ataques, os retrocessos e todas as ameaças que tramitam principalmente no Congresso Nacional e afetam diretamente os direitos dos povos indígenas”, diz Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No ATL, serão realizados debates, atos e manifestações. O evento faz parte da Mobilização Nacional Indígena, e é organizado pela Apib e apoiado por organizações indigenistas parceiras. A expectativa é reunir cerca de mil representantes indígenas de todos os estados em Brasília. No ano passado, o protesto contou com a participação de mais de 200 povos de todo o Brasil.
A Apib e organizações parceiras pretendem reforçar as principais reivindicações dos povos indígenas, em especial a retomada das demarcações das Terras Indígenas e o arquivamento dos principais projetos contra os direitos indígenas em tramitação no Congresso. Entre eles, a principal ameaça é Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que busca repassar a atribuição de aprovar as demarcações de Terras Indígenas do governo federal ao Congresso. Se aprovada, na prática, a PEC significará a paralisação definitiva das demarcações de Terras Indígenas.
“A aprovação do prosseguimento do impeachment da Presidenta da República […] confirmou taxativamente um cenário totalmente desfavorável à garantia dos direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 88, principalmente os direitos fundamentais dos nossos povos e comunidades”, diz o texto da convocatória do ATL. O documento está disponível aqui.
Retrocessos
Também traz preocupação a perspectiva de mais retrocessos nos direitos indígenas com uma possível mudança de governo, tendo em vista que o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, é identificado historicamente com bandeiras anti-indígenas.
Nos últimos dias, a bancada ruralista no Congresso, também dominada por peemedebistas, encontrou-se com Temer para apresentar uma série de reivindicações. Ele afirmou que, caso assuma a Presidência, irá rever as demarcações de Terras Indígenas. Os ruralistas também defenderam a aprovação da PEC 215, o uso das Forças Armadas em conflitos de terras, a aplicação do chamado “marco temporal” (que restringe os direitos dos povos indígenas nas demarcações) e o enfraquecimento do licenciamento ambiental, por meio de projetos como a PL 654 e a PEC 65, do Senado, reduzindo a proteção de terras e povos indígenas frente a grandes projetos de infraestrutura, entre outros pontos.
Confira a declaração final da Conferência Internacional da Reforma Agrária, realizada entre 13 e 17 de abril, em Marabá-PA. Após se reunirem por cinco dias em Marabá-PA, os 170 delegados de quatro continentes do globo lançaram a Declaração de Marabá, documento síntese das discussões da Conferência Internacional da Reforma Agrária. Confira o texto na íntegra abaixo:
Conferência Internacional da Reforma Agrária
Marabá, Pará, Brasil, 13 a 17 de Abril de 2016
Quem somos? Lutadores e lutadoras por território
Somos mais de 130 representantes de organizações membros da Via Campesina e de aliados/as, de 4 continentes, 10 regiões e 28 países do mundo, reunidos em Marabá, Pará, Brasil para analisar, refletir e continuar nosso processo coletivo de construção de conceitos, propostas de lutas, e projetos alternativos para o enfrentamento à ofensiva mundial do capital sobre os povos e os bens naturais do campo, da costa e do mar, e a construção de sociedades diversas às quais aspiramos. E sobretudo para lutar por nossos territórios. Somos as organizações de camponeses/as, agricultores/as familiares, povos originários, povos sem terra, trabalhadores/as agrícolas, pastores/as, pescadores/as, recoletores/as, habitantes das florestas, de mulheres e de jovens rurais, e de nossos aliados/as, de todo o mundo. Estamos aqui pela memória aos 20 anos da massacre em Eldorado das Carajás, Pará, de trabalhadores rurais lutando pela terra, que deu lugar ao Dia Internacional de Luta Camponesa, celebrado todo ano no dia 17 de Abril. Estamos aqui também para insistir na materialização do compromisso com a reforma agrária, assumido pelos governos do mundo 10 anos atrás na Conferência Internacional da Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR), organizada pela FAO em Porto Alegre, Brasil.
Contexto atual: A ofensiva do capital sobre nossos territórios em todo o mundo e os golpes a democracia
Temos escutado companheiros e companheiras de organizações da América, Ásia, África, Europa e Meio Oriente, e nos damos conta que em todos os lugares o inimigo e os problemas são os mesmos. Há um crescimento na grilagem de terra, florestas e água, golpes contra a democracia e a vontade popular, presos políticos, etc., não apenas na América Latina, Ásia e África, como também na Europa e América do Norte. No atual período histórico somos testemunhas de uma aliança emergente entre o capital financeiro, as empresas transnacionais, o imperialismo, vastos setores dos estados nacionais (quase sem importar sua aparente ‘ideologia’), em particular, porém não limitado a isto, os poderes judiciários e policiais, o setor privado do sistema agro-pesca-alimentar (agronegócio), da mineração, a construção, a exploração florestal, etc., ou seja, do extrativismo, e com os meios de comunicação. Em seu conjunto esta nova aliança impulsiona uma onda de privatização, grilagem e concentração de bens comuns e públicos, como a terra, a água, as florestas, as sementes, as áreas de pasto e de pesca, as áreas glaciais e territórios inteiros. Utilizam a financialização e mercantilização de tudo, os tratados de livre comércio e o investimento, a corrupção de nossos políticos e elites, seu controle dos meios de comunicação e do sistema financeiro, e a concentração empresarial para conseguir seus objetivos.
Ultimamente temos observado, com grande preocupação, como esta aliança em particular, e o capital em geral, já não toleram quase nenhuma mostra, menores que seja, de políticas minimamente independentes implementadas por governos democraticamente eleitos. Se converteram na força principal atrás da onda de golpes de estado, consumados ou em marcha, desde os golpes “técnicos,” “parlamentares,” “judiciários,” “suaves,” ou “brancos”, até os mais “duros,” que passam por cima da lei, das constituições e da vontade popular. Este é o caso do Brasil, onde estamos reunidos agora. Nós unimos nossas vozes às vozes do povo brasileiro, que luta para defender a democracia em seu conjunto, contra a tentativa ilegítima de golpe e para promover as reformas políticas necessárias para que a democracia saia do beco aparentemente sem saída onde se encontra atualmente.
Porque lutamos contra o agronegócio
As consequências desta ofensiva do capital põe em perigo a vida rural, as sociedades inteiras, a saúde, a natureza, a Mãe Terra, o clima, a biodiversidade, e nossos povos e culturas. A imigração massiva, a destruição do tecido social de nossas comunidades, o crescimento desenfreado das periferias urbanas, a insegurança, os agrotóxicos, os transgênicos, a má alimentação e a homogeneização dos hábitos de consumo, o aquecimento global, a destruição dos mangues, a acidificação do mar, o esgotamento da pesca, a perda de qualquer traço da “democracia,” e muito mais, são todos sintomas do que está acontecendo.
A emergência desta nova aliança entre o capital financeiro, o agronegócio, os estados, os meios de comunicação, e outros, e sua capacidade de disputa tanto dos territórios como pelos estados, até os estados “progressistas,” e pela opinião pública, tem nos obrigado uma vez mais a um necessário processo de reflexão e reformulação de conceitos, propostas, projetos alternativos, e estratégias, formas e práticas de luta.
Aqui no Brasil temos visto como o capital financeiro tem transformado o velho inimigo dos camponeses e trabalhadores sem terra, o latifúndio improdutivo, num agronegócio capitalizado, numa mineração, numa pesca e aquicultura industrial, e num setor energético, todos aparentemente “produtivos” – ainda que o que mais produzem são miséria e devastação ambiental. Com esta transformação, o capitalismo já não requer uma reforma agrária ‘clássica’ para aumentar a produção. Isto impossibilita as alianças do passado, a favor da reforma agrária, entre os sem terra e alguns setores do estado que representam o capital produtivo, deixando o tema da reforma agrária diretamente no campo da luta de classes. Por sua vez resta utilidade ao velho argumento da injustiça de muita terra nas mãos de poucos, que quase nem a utilizam, frente a uma massa de pessoas sem terra. Porém desta vez se valida o questionamento, frente a toda a sociedade, e em toda a classe trabalhadora, rural e urbana, da conveniência em seu conjunto do projeto do capital para o campo.
Qualquer resistência que realizem os povos rurais é respondida com campanhas negativas pela mídia, a persecução e criminalização das organizações, líderes e lutadores sociais, repressão, assassinato, desaparição forçada, prisões ilegítimas, detenção administrativa, abuso sexual e violação. Há uma modificação das leis para permitir cada vez mais a criminalização, e uma impunidade crescente e quase total em muitos casos.
Frente a este panorama terrível, os povos rurais e nossas organizações, movimentos, alianças e convergências, são neste momento a principal esperança que tem a humanidade e o Planeta Terra. Nós estamos na linha de frente da disputa territorial e política contra esta aliança obscura. Nossas propostas de soberania alimentar, reforma agrária popular, construção de territórios agroecológicos de produção de alimentos, de agricultura camponesa para esfriar o planeta, oferecem soluções e alternativas reais aos problemas gerados pelo sistema capitalista, e em particular por esta perversa aliança.
O que defendemos e propomos: nossa reforma agrária popular
Na Via Campesina e na Campanha Global pela Reforma Agrária temos uma história de mais de 20 anos com a luta pela terra e de defesa da terra e dos territórios. Em 2012, em Bukit Tinggi, Indonesia, fizemos uma reflexão desta historia, e de como nossa luta tem evoluído em resposta as mudanças no mundo e nossas próprias experiências e diálogos acumulados. Porém em 2012 estávamos apenas percebendo o alcance do recente auge global do capital financeiro e seu domínio sobre outros setores do capital. Isto tem mudado uma vez mais a natureza do jogo, e como convocamos à sociedade em quanto ao tema dos territórios rurais.
Agora perguntamos: É melhor um campo sem camponeses, sem árvores, sem biodiversidade, de monocultivo e produção confinada de animais, de agrotóxicos e transgênicos, que gera exportações e alimentos não saudáveis, que gera mudança no clima e mina a capacidade das comunidades para se adaptar a ele, contaminação, doenças e migração massiva nas cidades? Ou um campo composto pelos territórios agroalimentares de camponeses e camponesas, de povos indígenas, de agricultores familiares, pescadores artesanais, e outros povos rurais, com vida digna, cosmovisões e saberes diversos, árvores, biodiversidade, produção agroecológica de alimentos saudáveis, que esfria o planeta, que produz soberania alimentar, e que cuida da Mãe Terra?
Neste sentido, os companheiros e companheiras do Brasil nos tem ensinado sua proposta de uma Reforma Agrária Popular, uma reforma agrária não apenas para os camponeses sem terra, mas para toda a classe trabalhadora e toda a sociedade, um conceito de reforma agrária com agroecologia, com um enfoque territorial, que somente será conquistada através da luta de classes e do enfrentamento direto ao projeto do capital, e seus lucros, a seus meios de comunicação e a seus outros agentes nacionais e internacionais. Uma reforma agrária para potencializar a agricultura, economia e territórios camponeses.
No mesmo sentido, em toda América, Ásia, África, Europa e Meio Oriente, nossas organizações, movimentos e convergências estão na disputa territorial com o capital, com propostas similares, baseadas em enfoques territoriais, na convergência entre nossa diversidade, cosmovisões, saberes populares e tradicionais, na agroecologia, pesca artesanal e pastoreio tradicional, e em nossos diversos modos e estratégias de vida. As propostas ainda que sejam similares, também são distintas devido a natureza de nossas diferentes realidades. Onde está concentrada a terra, lutamos pela redistribuição e em alguns países se fala em fazer uma “revolução agrária”. Onde nossos povos ainda controlam suas terras e territórios, lutamos por sua defesa, onde a terra foi nacionalizada, e agora é concessionada pelos governos a entidades estrangeiras, lutamos por seu retorno a nossas comunidades e direitos de concessão, e os/as pescadores/as entre nós falam da luta pelos territórios de pesca artesanal. Na Europa temos retomado as ocupações de terras e organizados lutas contra as mudanças no uso da terra, conseguindo visibilizar os problemas de grilagem e concentração, que hoje em dia é um problema crescente nos países do norte também. Na Palestina lutamos contra a brutal ocupação, chamamos ao boicote dos produtos israelitas. E em todos os lados aumenta a luta da juventude pelo acesso à terra e outros recursos.
Temos vitórias significativas, como a reforma agrária massiva, implementada a partir de ocupações e recuperações populares de terra em Zimbábue, a ‘Educação do Campo’ no Brasil, o cancelamento de concessões mineiras e para plantações massivas em alguns lugares na África, a permanência da reforma agrária cubana e seu sucesso agroecológico com movimento “de camponês a camponês,” etc. Temos vitórias parciais também, porem que prometem, como a promessa de uma grande reforma agrária na Indonésia, onde temos que mobilizar a força necessária para fazer que os nossos governos cumpram com suas promessas.
Organizamos nossas lutas com a formação política e técnica-agroecológica de nossos quadros e bases. Temos construído escolas de formação e escolas camponesas de agroecologia em todos os continentes. Temos desenvolvido alternativas educativas para nossos filhos e filhas. Temos aprendido dos povos originários em nossos movimentos que “a vida dos povos e a natureza são uma só.” Temos velhas e novas táticas, como as ocupações e recuperações de terras e territórios, a solidariedade, as caravanas, como as do Oeste da África e de Bangladesh, os meios alternativos, a arte e a cultura, o feminismo camponês e popular, os valores humanistas, ambientais e socialistas, a mobilização e criatividade da juventude, novas alianças campo-cidade, as diretrizes da FAO, etc. Lançamos uma carta de direitos camponeses na ONU. Temos que seguir ajustando e inovando táticas, sobretudo como o próprio inimigo evolui rapidamente suas maneiras de disputar nossos territórios. Temos novos enfoques – como o enfoque territorial – e novas estratégias, como a construção de espaços autônomos e a autonomia relativa e auto-abastecimento em geral, e a massificação da agroecologia popular.
Nossos desafios
Transformar a luta pela terra na luta pelo território, junto com a construção de um novo modelo produtivo, para a soberania alimentar, aprofundando a agroecologia mais “autônoma,” em base a nossos próprios recursos e insumos locais e o resgate de saberes ancestrais.
Organizar a luta por políticas públicas, tanto a favor da produção camponesa como pela saúde, a educação, a cultura e o esporte em nossas comunidades.
Massificaremos a formação política e ideológica, melhoraremos o trabalho com nossas bases, e o trabalho com as massas, a fim de melhorar a organicidade interna e funcionamento de nossas organizações, e incorporando de maneira progressiva a liderança e a participação de mulheres e jovens.
Enfrentaremos as campanhas negativas da grande media, e a maneira como os meios promovem uma cultura de consumismo e um esvaziamento dos sistemas “democráticos”, e trabalharemos arduamente para construir nossos próprios meios de comunicação, que dialogam tanto com nossas bases como com a sociedade em seu conjunto e a classe trabalhadora.
Faremos frente de maneira mais efetiva à criminalização, a repressão, a militarização, e organizaremos a luta internacional a favor de nossos presos políticos. Organizaremos uma jornada permanente de solidariedade, não em base a dar o que nos sobra, mas sim vamos a compartilhar o que temos.
Seguiremos a nossa tarefa permanente de construir alianças de classe, sem dependências, entre o campo e a cidade, e entre o produtor e o consumidor.
Denunciaremos e combateremos as leis “antiterroristas” e sua aplicação contra nossas lutas legítimas.
Aprofundaremos a solidariedade com as lutas dos povos Palestinos e Curdos, e demais povos que sofrem a escalada militar, e condenamos a ocupação militar.
Elaboraremos uma análise do papel que joga o tráfico de drogas na desestabilização de nossos territórios, em conivência com o capital e os estados, e uma estratégia para enfrentar de maneira mais efetiva esta realidade.
Combateremos a concentração empresarial nos diferentes setores da economia e do sistema agro-pesca-alimentar/mediático/financeiro, e os ataques frontais à democracia. Criaremos formas de luta que gerem perdas econômicas ao capital, às multinacionais, aos bancos, etc.
Construiremos convergências e maior unidade em base a objetivos comuns, dada a nossa diversidade (camponeses/as, trabalhadores/as, pescadores/as, indígenas, pastores/as, moradores urbanos, consumidores, etc.)
Enfrentaremos qualquer surgimento de fundamentalismos religiosos conservadores e de direitas, e combateremos a onda de leis e tratados neoliberais e privatizações.
Repensaremos a relação entre nossos movimentos populares, o Estado, os partidos políticos e os processos eleitorais, de acordo com a história e a conjuntura de cada país, combatendo a erosão generalizada dos mecanismos de direitos humanos, internacionais e nacionais.
Lutaremos contra o imperialismo norte americano e enquanto reconhecemos a importância da multipolaridade, também alertamos sobre a necessidade de responder a emergência de mais imperialismos, econômicos, políticos, e militares.
Desde nossas organizações buscaremos formas de como construir convergências ao redor de projetos populares alternativos de construção e formulação coletiva e além disso investiremos na melhora da organização produtiva, as cooperativas, fomentaremos a pequena e média agroindústria para agregar valor a nossos produtos, e trabalharemos para conquistar mais e melhores canais curtos e médios de comercialização, além disto promoveremos a cooperação.
Lutaremos pela abordagem sobre o tema do crédito: como conquistar mais crédito para o campesinato, e como também produzir sem crédito, ou com menos crédito e com poucas dívidas.
Confrontaremos tendência institucional (Banco Mundial, FAO, academia, ONGs, etc.) de esvaziar o conteúdo dos conceitos como “reforma agrária” e “agroecologia,” lançando versões “light” como “acesso a terra” e os alimentos “orgânico-industrial” do monocultivo do “agronegócio verde,” e a “responsabilidade social das corporações.”
Lutaremos para conseguir mecanismos internacionais não somente “voluntários,” mas vinculantes e sancionáveis.
Pararemos a aprovação e proliferação de novas tecnologias perigosas, como as sementes “terminator” e a biologia sintética.
Fortaleceremos a participação das mulheres e jovens em todos os movimentos sociais. Implementaremos mecanismos para aumentar a permanência da juventude no campo. Lutaremos contra o modelo patriarcal que impera dentro do sistema capitalista, e exigiremos o pleno direito das mulheres camponesas e indígenas à terra, água e território.
Realizaremos cada vez mais lutas unificadas a nível internacional para enfrentar nossos inimigos comuns.
Defender a terra e honrar a vida
Animados neste 17 de Abril, Dia Internacional das Lutas Camponesas, a 20 anos do Massacre de Eldorado de Carajás, no estado de Pará, reencontramos com milhares de homens e mulheres que defendem o direito a vida, que lutam para conquistar uma sociedade mais justa, em luta permanente pelos direitos dos povos à terra e ao território, a promoção da soberania alimentar e a produção agroecológica, para erradicar a fome e a pobreza.
Globalizemos a esperança!
Campanha Global pela Reforma Agrária da Via Campesina
Delegados/as de 4 continentes do mundo unidos para
Defender a Terra e Honrar a Vida.
Durante debate, militantes levantaram os principais desafios enfrentados na luta dos trabalhadores e trabalhadoras pelo mundo.
Cristiane Passos*
Rosana Fernandes, da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, levantou a importância de recuperar a construção teórica feita pela Via Campesina Internacional, principalmente sobre soberania alimentar. “Temos que ter uma produção em equilíbrio com a natureza. Temos experiências na América Latina de produção agroecológica, precisamos manter e ampliar essas experiências”.
Além disso, a educação no campo, da mesma forma, tem grande importância dentro de um projeto camponês popular. “Essa educação no campo precisa atingir vários níveis de educação. E esses espaços devem, também, ser territórios ideológicos da classe trabalhadora e dos camponeses. Há uma carência mundial na formação de nível ideológico em vários níveis, desde a base até outros quadros e mesmo entre os e as dirigentes... para isso cada organização em cada região do mundo tem o desafio de colocar à serviço, pessoas, dirigentes e quadros que possam ajudar nisso”, analisou Rosana.
Da mesma forma, é necessário avançar na participação das mulheres, da juventude e da diversidade sexual dentro das organizações. Potencializar, também, os instrumentos dos meios de comunicação popular. “Precisamos mostrar na sociedade os nossos projetos. Para duas dimensões principalmente, uma no diálogo com a nossa própria base, e outra dimensão que é o diálogo com a sociedade. Precisamos ganhar corações e mentes”, enfatizou ela.
Da mesma forma, para Rosana, é preciso construir alianças da classe trabalhadora. “Precisamos unificar essa força camponesa, essa força social em torno dos objetivos comuns. Precisamos identificar nossos aliados mais diretos, pensar pautas e lutas unificadas com as classes trabalhadoras urbanas. Precisamos construir uma unidade nisso. Outro desafio é a articulação das lutas em nível mundial, já que nossos inimigos são os mesmos”, concluiu ela.
Abdullah Aysu, da Confederação de Sindicatos Camponeses da Turquia - Çiftçi Sendikaları Konfederasyonu - destacou que à medida que o capitalismo se globalizou, aumentaram os problemas, e a situação ficou cada vez mais complicada. “Aumento dos preços dos alimentos, mudanças climáticas, crise energética, tudo está interligado”.
O líder turco retomou os conflitos no Oriente. A primeira coisa que os EUA fizeram quando invadiram o Iraque foi proibir o uso de sementes nativas. Começaram a impedir o direito dos camponeses de produzirem. “Primeiro foi no Iraque, depois Egito, e agora Síria. Síria é um dos países que tem a maior quantidade de seitas religiosas, e os conflitos são muitos. Os países capitalistas se envolveram nessa crise e nesse processo bélico. Vimos bombardeios em várias regiões. E trabalhar na terra tornou-se impossível, pois destruíram a terra e a envenenaram”, disse Aysu. Outro desafio levantado por ele é o constante processo migratório na região, já que milhões de pessoas saem de suas cidades por causa da guerra, e uma das entradas para a União Européia é pela Turquia. Porém, o país fez um acordo com a União Européia para impedir a entrada desses refugiados na região.
Abdullah concluiu que mesmo diante dos desafios e dificuldades, as organizações continuam lutando contra o capitalismo e contra a exploração dos povos por ele.
Sofia Monsalve, da Fian Internacional, retomou a importância da união das lutas em nível internacional, e destacou que é preciso lutar contra a privatização dos direitos e pela soberania dos povos em todo o mundo.
*Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – coletivo de comunicação da Conferência Internacional da Reforma Agrária.
*Foto Cristiane Passos
No segundo dia da Conferência Internacional da Reforma Agrária foram apresentadas formas de resistência do campesinato em todo o mundo, e a importância de juntar as bandeiras de luta da classe trabalhadora.
Cristiane Passos*
Ngoni Chikowe, da Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (Zimsoff), do Zimbábue, retomou a história da luta pela terra em seu país. No final do século XIX, colonos brancos ocuparam as terras produtivas no país, tomando-as dos povos originários. Esse foi o primeiro golpe ao campesinato local. Já na década de 1980, o país conquistou sua independência, e começou a negociação para liberar terras para os camponeses sem terra. Entretanto, essa negociação não avançou na época e a reforma agrária pensada para o país ficou só na teoria. “Cinco mil camponeses brancos controlam a maior parte das terras agricultáveis do país, enquanto a menor parte está nas mãos de outros 13 milhões de camponeses que existem no país. Os veteranos da guerra pela independência costumam dizer que a luta até hoje continua sendo por terras. A terra foi tomada revolucionariamente e deveria ser tratada da mesma forma revolucionária quando conquistada. Essas terras são por direito nossas. A reforma agrária não é só um assunto do Zimbábue, não é somente nosso esse tema, mas de quase todo o mundo”, refletiu Ngoni.
Toda a terra no Zimbábue é propriedade do governo. Um programa de reforma agrária foi implantado no país, em que foram distribuídas poucas terras, mas de ótima qualidade, entre os camponeses de diversas tribos e religiões distintas. Além disso, segundo Ngoni, um avanço desse programa foi que as mulheres também passaram a ter o direito de serem proprietárias de terras. Ngoni destacou que entre os maiores desafios dos camponeses estão as mudanças climáticas e seus impactos na agricultura.
Já Zainal, da Serikat Petani Indonésia (SPI), destacou a produção agrícola em seu país, e enfatizou a importância de ter uma organização integral dos camponeses pelo mundo, para dividir experiências e unir a luta.
Delwek Mateus, da direção do MST em São Paulo, destacou, também, a importância da união das lutas das classes trabalhadoras. “A reforma agrária não é uma luta só dos camponeses, mas do conjunto da classe trabalhadora, tanto do campo quanto da cidade”. Segundo ele, a natureza da reforma agrária é uma natureza de luta de classes. A reforma agrária é parte de um projeto de interesse dos trabalhadores. Portanto, ela tem que estar organizada na perspectiva de fazer um enfrentamento ao modelo do capital, de questionamento do modelo que o capital tenta impor a toda a sociedade.
Para Marta, da European Coordination Via Campesina (ECVC), “temos que ter garantias de que os jovens tenham acesso à terra agora e no futuro também”. Ela destacou que na Europa, as organizações têm conseguido pautar junto ao governo a discussão em torno da terra, pois ela tem sido vista como uma alternativa à crise.
Lider Gongora, da Corporação Coordenadora Nacional para a Defesa Ecossistêmica dos Manguezais do Equador (C-condem), começou sua fala retomando sua identidade de povo originário e de latino-americano. “Não estamos longe de vocês, estamos próximos, somos, vizinhos, irmãos... precisamos nos aproximar mais para sermos mais fortes”.
Lider destacou a investida do capital sobre o mar e, também, sobre os manguezais. Para ele, “esse território está em disputa, como também está o campo. Os olhos do capital estão em cima do mar, do mangue”. O mangue é um dos ecossistemas mais produtivos do planeta e há povos que vivem do mangue há muitos anos. Contudo, eles estão perdendo soberania e território dentro dessas áreas.
“Temos o problema da mega indústria da pesca, a aquicultura, que aparece como solução à fome no mundo, mas é a maior destruição dos nossos ecossistemas. Temos mais um problema que são os nossos governos, que não tem capacidade de decisão, são marionetes do poder econômico. As leis não estão pensadas pelo povo e para o povo, mas para as indústrias”, analisou Lider.
Da mesma forma que os demais debatedores, o pescador acredita na união das lutas em todo o mundo. “Precisamos ocupar nossos espaços, ter nossas lideranças próprias. Precisa dessas alianças globais para lembrarmos dos nossos mortos, mas também das nossas lutas. Precisamos recuperar nossos territórios e a gestão compartilhada deles. Esperamos do nosso movimento, dos pescadores artesanais desse planeta, coletores, juntar nossas lutas porque é o único caminho para deter a destruição desse planeta”.
Massa Kone, do Conselho Nacional para o Diálogo e Cooperação Rural do Senegal, destacou que depois da independência dos países do oeste da África, as terras foram nacionalizadas. Para os camponeses parecia um sinal de esperança de que elas seriam dividas. Mas o governo acabou entregando muitas delas para multinacionais e para o Banco Mundial. “O nosso governo é o maior especulador de terras que temos, pois ele detém os títulos das terras. Ele está passando as terras agricultáveis para o mercado internacional”.
O africano destacou, contudo, que eles mantêm o processo de resistência. “Os camponeses organizaram grupos de resistência em várias partes da África. A união das lutas é um movimento organizado em todos os lados do país, porque o inimigo é comum e somos todos vítimas”, disse Massa.
Ele relatou ainda, uma caravana que realizaram de Burkina Faso a Dakar, passando por 15 países, e a partir da qual fizeram uma declaração única, organizada em um livro, com uma plataforma que contempla os camponeses, as tribos, e todos os povos que produzem na terra e que alimentam o país.
*Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – coletivo de comunicação da Conferência Internacional da Reforma Agrária.
*Fotos: Cristiane Passos