No segundo dia da Conferência Internacional da Reforma Agrária foram apresentadas formas de resistência do campesinato em todo o mundo, e a importância de juntar as bandeiras de luta da classe trabalhadora.
Cristiane Passos*
Ngoni Chikowe, da Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (Zimsoff), do Zimbábue, retomou a história da luta pela terra em seu país. No final do século XIX, colonos brancos ocuparam as terras produtivas no país, tomando-as dos povos originários. Esse foi o primeiro golpe ao campesinato local. Já na década de 1980, o país conquistou sua independência, e começou a negociação para liberar terras para os camponeses sem terra. Entretanto, essa negociação não avançou na época e a reforma agrária pensada para o país ficou só na teoria. “Cinco mil camponeses brancos controlam a maior parte das terras agricultáveis do país, enquanto a menor parte está nas mãos de outros 13 milhões de camponeses que existem no país. Os veteranos da guerra pela independência costumam dizer que a luta até hoje continua sendo por terras. A terra foi tomada revolucionariamente e deveria ser tratada da mesma forma revolucionária quando conquistada. Essas terras são por direito nossas. A reforma agrária não é só um assunto do Zimbábue, não é somente nosso esse tema, mas de quase todo o mundo”, refletiu Ngoni.
Toda a terra no Zimbábue é propriedade do governo. Um programa de reforma agrária foi implantado no país, em que foram distribuídas poucas terras, mas de ótima qualidade, entre os camponeses de diversas tribos e religiões distintas. Além disso, segundo Ngoni, um avanço desse programa foi que as mulheres também passaram a ter o direito de serem proprietárias de terras. Ngoni destacou que entre os maiores desafios dos camponeses estão as mudanças climáticas e seus impactos na agricultura.
Já Zainal, da Serikat Petani Indonésia (SPI), destacou a produção agrícola em seu país, e enfatizou a importância de ter uma organização integral dos camponeses pelo mundo, para dividir experiências e unir a luta.
Delwek Mateus, da direção do MST em São Paulo, destacou, também, a importância da união das lutas das classes trabalhadoras. “A reforma agrária não é uma luta só dos camponeses, mas do conjunto da classe trabalhadora, tanto do campo quanto da cidade”. Segundo ele, a natureza da reforma agrária é uma natureza de luta de classes. A reforma agrária é parte de um projeto de interesse dos trabalhadores. Portanto, ela tem que estar organizada na perspectiva de fazer um enfrentamento ao modelo do capital, de questionamento do modelo que o capital tenta impor a toda a sociedade.
Para Marta, da European Coordination Via Campesina (ECVC), “temos que ter garantias de que os jovens tenham acesso à terra agora e no futuro também”. Ela destacou que na Europa, as organizações têm conseguido pautar junto ao governo a discussão em torno da terra, pois ela tem sido vista como uma alternativa à crise.
Lider Gongora, da Corporação Coordenadora Nacional para a Defesa Ecossistêmica dos Manguezais do Equador (C-condem), começou sua fala retomando sua identidade de povo originário e de latino-americano. “Não estamos longe de vocês, estamos próximos, somos, vizinhos, irmãos... precisamos nos aproximar mais para sermos mais fortes”.
Lider destacou a investida do capital sobre o mar e, também, sobre os manguezais. Para ele, “esse território está em disputa, como também está o campo. Os olhos do capital estão em cima do mar, do mangue”. O mangue é um dos ecossistemas mais produtivos do planeta e há povos que vivem do mangue há muitos anos. Contudo, eles estão perdendo soberania e território dentro dessas áreas.
“Temos o problema da mega indústria da pesca, a aquicultura, que aparece como solução à fome no mundo, mas é a maior destruição dos nossos ecossistemas. Temos mais um problema que são os nossos governos, que não tem capacidade de decisão, são marionetes do poder econômico. As leis não estão pensadas pelo povo e para o povo, mas para as indústrias”, analisou Lider.
Da mesma forma que os demais debatedores, o pescador acredita na união das lutas em todo o mundo. “Precisamos ocupar nossos espaços, ter nossas lideranças próprias. Precisa dessas alianças globais para lembrarmos dos nossos mortos, mas também das nossas lutas. Precisamos recuperar nossos territórios e a gestão compartilhada deles. Esperamos do nosso movimento, dos pescadores artesanais desse planeta, coletores, juntar nossas lutas porque é o único caminho para deter a destruição desse planeta”.
Massa Kone, do Conselho Nacional para o Diálogo e Cooperação Rural do Senegal, destacou que depois da independência dos países do oeste da África, as terras foram nacionalizadas. Para os camponeses parecia um sinal de esperança de que elas seriam dividas. Mas o governo acabou entregando muitas delas para multinacionais e para o Banco Mundial. “O nosso governo é o maior especulador de terras que temos, pois ele detém os títulos das terras. Ele está passando as terras agricultáveis para o mercado internacional”.
O africano destacou, contudo, que eles mantêm o processo de resistência. “Os camponeses organizaram grupos de resistência em várias partes da África. A união das lutas é um movimento organizado em todos os lados do país, porque o inimigo é comum e somos todos vítimas”, disse Massa.
Ele relatou ainda, uma caravana que realizaram de Burkina Faso a Dakar, passando por 15 países, e a partir da qual fizeram uma declaração única, organizada em um livro, com uma plataforma que contempla os camponeses, as tribos, e todos os povos que produzem na terra e que alimentam o país.
*Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – coletivo de comunicação da Conferência Internacional da Reforma Agrária.
*Fotos: Cristiane Passos