COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por equipe CPT Regional Pará, com edição de Xavier Plassat

Legenda: Oficina foi realizada no auditório da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos do estado do Pará

 

A Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escavo – COETRAE/PA, realizou entre os dias 13, 14 e 15 de março, em Belém, a 2ª Oficina de construção do fluxo estadual de atendimento às vítimas de trabalho escravo. As ações de construção desse instrumento seguiram o mesmo caminho do Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo, que foi construído pela CONATRAE e foi regulamentado pela Portaria nº 3.484, de 6 de outubro de 2021.

 

O Fluxo é estruturado em três estágios de atuação, passando sucessivamente pelo recebimento da denúncia ao planejamento da operação, o eventual resgaste, o atendimento, acolhimento e assistência às vítimas, e seu regresso para sua localidade de origem, assim como as medidas preventivas para que elas não retornem à escravidão.

 

Contudo, a centralidade dessa segunda oficina é trabalhar o eixo “pós-resgate”, sobretudo da importância da intersetorialidade entre as diversas instituições que combatem e enfrentam o crime de trabalho escravo no Estado do Pará, para um atendimento fortalecido, qualificado e eficaz que venha atender às vítimas.

 

De acordo com Francisco Alan, membro da coordenação regional da CPT-PA, a construção desse fluxo para o Pará será de grande avanço, pois convida as instituições para assumirem suas atribuições próprias no atendimento às vítimas que são inseridas no ciclo da escravidão. Pela sua expertise ao longo dos anos no acolhimento de trabalhadores resgatados dessas condições, a CPT tem muito a contribuir nessa construção, a fim de colaborar no fortalecimento de uma atuação e proteção integrada e integral, visando atender da melhor maneira possível os/as trabalhadores/as vulneráveis ou/e vítimas do crime da escravidão moderna.

 

2023: número recorde 

 

O total de fiscalizações e de resgates realizados em 2023 supera qualquer número observado desde 2010. O ano de 2023, por si só, representa o dobro da média registrada entre 2010 e 2022. Mesmo assim fica essa dúvida: quantas pessoas nesta condição não foram resgatadas? Quantas situações semelhantes deixaram de ser denunciadas ou investigadas? E mais essa pergunta: por que mistério a região Norte e a Amazônia teriam escapado da “nova onda” de trabalho escravo no país? A média anual de resgates na Amazônia — 2.000 pessoas por ano no período 2003-2012 — caiu abaixo de 500 resgatados anualmente a partir de 2013, ficando na média de 300 por ano entre 2013 e 2018, e 235 de lá para cá (em 2023: 285). 

 

Paralelamente, verificamos que a média de fiscalizações de trabalho escravo na Amazônia, que era de 150 por ano entre 2003 e 2015, de lá para cá, caiu abaixo de 100, com exceção em 2017 (114) e 2021 (140). As dificuldades de acesso, mas, sobretudo, a desarticulação e os retrocessos nas políticas de controle ambiental, reforma agrária e fiscalização dos territórios, devem ser relacionados a esse recuo. 

 

Difícil é acreditar que a situação hoje visível na Amazônia seja reflexo fiel da realidade: ela mais traduz um déficit crucial de fiscalização e de coordenação das ações, e remete a problemas criados por anos de sub investimento em contratação e infraestrutura. Neste contexto, o anúncio, feito em junho de 2023, de um concurso visando repor 900 vagas na carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho, soa como um alívio, porém não garante que serão providos os cargos tão necessários nas regiões hoje entre as mais deficitárias, se for considerada não apenas a população ativa existente, mas também a extensão do território a ser fiscalizado e suas dificuldades próprias. Hoje, na Amazônia, estão lotados em torno de 200 AFTs, menos que em São Paulo (292), Minas Gerais (223) ou Rio de Janeiro (216); o Norte tem 137 Auditores: menos que o Rio Grande do Sul (145).

 

Política de Estado, empenho de todos 

 

A política de erradicação do trabalho escravo é uma política de Estado, construída a duras custas a partir de 1995. Ela sobreviveu aos inúmeros ataques contra ela empreendidos, seja para acabar com o conceito moderno (Art. 149 CPB) que rege a identificação do crime, seja para abalar a firme articulação interinstitucional que caracteriza sua execução ou inibir a autonomia de sua implementação, seja para tirar a eficácia da temida “Lista suja” ou ainda para facilitar práticas que inviabilizem a responsabilização dos autores diretos do crime ou seus cúmplices de facto (é o caso da terceirização desenfreada, hoje legitimada com a anuência de altos magistrados). Ou mesmo, por último, para propor fiscalizações com aviso prévio!

 

Diante de tantos desafios, o combate e enfrentamento do trabalho escravo continua sendo urgente. A COETRAE-PA tem um papel fundamental de vigilância e monitoramento dessa política de Estado. A denúncia é uma iniciativa sigilosa que se faz absolutamente necessária para que os órgãos de repressão possam agir. O chamado se dirige a toda a sociedade, para redobrar a vigilância e nos mobilizarmos em torno desta bandeira: “Basta de escravidão!”

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