Desde 2021, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração publica anualmente o Mapa dos Conflitos da Mineração no Brasil e o Relatório dos Conflitos da Mineração, para monitorar as violações cometidas anualmente pelo setor da mineração.
O Mapa dos Conflitos da Mineração tem como objetivo denunciar o modelo mineral brasileiro, sobretudo no contexto atual de desregulamentação das políticas ambientais, de proposta de abertura de novas áreas para mineração e de incentivo ao garimpo de forma institucionalizada. O monitoramento permanente também tem o intuito de promover visibilidade às violações de direitos humanos e os crimes ambientais cometidas pelo setor mineral brasileiro, assim como as reações dos grupos sociais atingidos.
O Relatório dos Conflitos da Mineração 2022 apontou conflitos em 792 localidades e 932 ocorrências envolvendo ao menos 688.573 pessoas.
Em comparação com 2021 (acesse aqui o Relatório dos Conflitos da Mineração 2021), em 2022, houve um aumento de 22,9% das localidades envolvidas em conflitos em comparação a 2021 (644 localidades), e 5,6% em comparação com 2020 (750 localidades). O número de ocorrências também aumentou em comparação com 2021, de 840 ocorrências de conflito para 932 ocorrências em 2022.
Desde 2020, o Observatório já identificou 1.723 localidades em conflito, com 39,2% dos casos concentrados em Minas Gerais e 12,1% no Pará. 38,2% dos casos correspondem a conflitos com “mineradora internacional”, seguido de outras “mineradora” (27,4%) e garimpeiro” (20,1%). A extração ilegal, correspondente à soma de “garimpeiro” e “mineradora ilegal”, representa 27,9% das ocorrências em localidades em conflito nos últimos três anos. Enquanto, as categorias sociais de “atingidos” e mais afetados, desde 2020, são “trabalhadores” (11,7%), “indígenas” (10,9%) e “pequenos proprietários rurais” (10,9%).
O Bioma com o maior número de registros foi a Mata Atlântica, com 45,9%, seguido da Amazônia (30,8%), Caatinga (11,8%) e Cerrado (10,0%).
Em 2022, ao menos 155.983 indígenas estavam envolvidos em 141 ocorrências de conflitos, sendo 55,0% delas com garimpeiros. Os quilombolas sofreram em 35 conflitos e 40 ocorrências, englobando ao menos 49.268 pessoas.
Os grupos sociais mais afetados pela mineração foram: “Indígenas” (15,1%), “Trabalhadores” (12,1%); “População urbana” (9,7%) e “Pequenos proprietários rurais” (8,3%).
De 2020 a 2022, houve um crescimento de 29,6% das ocorrências nessa categoria, com destaque para o ano de 2021, quando os indígenas ocuparam a primeira posição, frente aos intensos ataques sofridos, especialmente, pelos indígenas Yanomamis ao longo do ano, conflitos que levaram à morte de ao menos 8 indígenas, entre elas duas crianças, além de conflitos que deram relatos de violência sexual e física.
As ocorrências envolvendo populações tradicionais somam 268, abrangendo ao menos 236.447 pessoas, sendo 155.983 Indígenas e 49.268 Quilombolas.
Ao menos 155.983 indígenas estavam envolvidos em 141 ocorrências de conflitos, sendo 55,0% deles com garimpeiros, 25,7% com “Mineradora Internacional”, com destaque para a Belo Sun Mining Ltda e a Potássio do Brasil.
Os quilombolas sofreram em 35 conflitos e 40 ocorrências, englobando ao menos 49.268 pessoas. As principais empresas envolvidas nos conflitos são Brazil Iron (25,0%), Hydro (15,0%) e Samarco/Vale/BHP (12,5%).
Em 2022 todos os 26 estados, mais o Distrito Federal tiveram ocorrências de conflitos. Os estados que mais concentraram localidades em conflito foram Minas Gerais (37,5%), Pará (12,0%) e Amazonas (7,4%). Novidade, em 2022, foi a presença do estado do Amazonas entre as três primeiras posições, principalmente devido ao aumento de ocorrências envolvendo comunidades indígenas, ribeirinhas e extrativistas, e operações de repressão ao garimpo ilegal por parte do Estado.
Em número de pessoas atingidas por estado, Minas Gerais aparece concentrando 51,8% do número total de pessoas atingidas, seguido do Pará (13,9%) e Alagoas (10,1%).
Dos 853 municípios de Minas Gerais, foram mapeados conflitos em 95 (11,1%), sendo Brumadinho o que mais concentrou conflitos, com 21 situações, totalizando 30 ocorrências, centrados, majoritariamente, na empresa Vale S.A., e no processo de reparação após o rompimento da barragem B1 da empresa em 25 de janeiro de 2019.
O número de manifestações públicas mapeadas em Brumadinho, seja através de protestos ou carta pública, foi de 12 durante o ano de 2022. Esse valor indica que ao menos um protesto por mês ocorreu no município, foram 9 envolvendo a empresa Vale S. A., um caso envolvendo a TÜV Süd (empresa de consultoria alemã, responsável por atestar a estabilidade da Barragem do Córrego do Feijão) e 2 casos relacionados à empresa Vallourec (francesa).
A categoria “violadores – quem causou a ação”, no total das 932 ocorrências de conflito, “Mineradora Internacional” ocupa a primeira posição da categoria, com 38,1%, seguida por “Mineradora” (24,6%) e “Garimpeiro” (22,7%)
Foram mapeadas 124 empresas envolvidas em conflitos em 481 localidades. Entre as empresas, a Vale S.A. é a empresa que mais concentra ocorrências de conflitos (23,9%) (115 ocorrências), assim como em 2021, e acrescentando sua subsidiária Samarco/Vale/BHP (60 ocorrências), a Vale S.A. chega a 36,4% das ocorrências em 2022. Taquaril Mineração S. A. (32 ocorrências), Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (22 ocorrências) são, na sequência, as empresas que mais produzem danos.
Das mineradoras estrangeiras, as australianas são as primeiras em violações seguidas por canadenses e inglesas. Dentre as maiores violadoras estão a BHP Billiton (australiana dona da Samarco com a Vale), com 72 ocorrências, a inglesa Brazil Iron (17 ocorrências), a sul-africana AngloGold Ashanti (16), a canadense Belo Sun Mining Ltda (14), Bahia Mineração (BAMIN) de Luxemburgo (10), a canadense Equinox Gold (10) e a francesa Vallourec (10).
As extrações ilegais de minérios, em particular os garimpos, provocaram 270 ocorrências em 235 localidades em 22 estados, representando 29,1% das ocorrências de 2022. Os estados que se destacaram foram, Pará (20,2%), Amazonas (19,9%), Minas Gerais (12,9%), Mato Grosso (12,5%) e Roraima (7,4%). Além disso, “Indígenas” foram o primeiro grupo social mais violado por essa atividade, representando 31,9% das ocorrências ligadas a extração ilegal.
Os conflitos envolvendo disputas por “Terra” e “Água” foram os que mais se destacaram, com 590 e 284 ocorrências, respectivamente.
Os grupos mais atingidos pelos conflitos foram os Ribeirinhos com 15.879 pessoas atingidas e Pescadores com 6.498, compondo um grupo que aglutina 52 ocorrências, abrangendo ao menos 22.377 pessoas.
Foram ainda mapeados os “Assentados”, “Camponeses de fundo de pasto”,” Extrativistas”, “Geraizeiros”, “Pecuaristas”, “Pequenos proprietários rurais”, “Posseiros” e “Sem-terra”, somando, em 2022, 146 ocorrências de conflito, incluindo 50.161 pessoas.
A divisão por grupo corresponde a “Pequenos proprietários rurais” (18.705 pessoas), “Sem-terra” (2.787 pessoas), “Posseiros” (3.091 pessoas), “Camponeses de fundo de pasto” (904 pessoas), “Assentados” (40.432 pessoas) e “Extrativistas” (4.241 pessoas).
Os conflitos urbanos, em 2022, ocorreram em 41 municípios e 10 estados. Dos 27 estados com registros, os que mais concentraram localidades em conflito foram Minas Gerais (37,5%), Pará (12,0%) e Amazonas (7,4%). Em número de pessoas atingidas por estado, Minas Gerais aparece concentrando 51,8% do número total de pessoas atingidas, seguido do Pará (13,9%) e Alagoas (10,1%). Enquanto as cidades que mais tiveram violações foram Itabira, com 12,3%, Belo Horizonte, com 11,3%, Maceió e Mário Campos empatados com 8,5% e Congonhas, com 6,6%.
Foram ainda mapeados que a “População urbana”, “Pequenos proprietários urbanos” e “População urbana e rural”, foram identificados em 94 casos, totalizando 106 ocorrências e 11,3% de todos os conflitos registrados.
Ao menos 154.295 pessoas estavam envolvidas em conflitos urbanos com a mineração no país e sofreram violações do setor.
Eles se relacionavam a 31 empresas, sendo as cinco primeiras Vale S.A., concentrando 24,5% das ocorrências de conflitos urbanos, Taquaril Mineração S.A, com 9,4%, seguido da Braskem, com 8,5%, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (7,5%) e AngloGold Ashanti (3,8%).
Em Maceió, onde a Braskem foi responsável pelo maior crime socioambiental da mineração em área urbana já visto no mundo e que afetou, ao todo, 55 mil pessoas, as reivindicações por justa indenização de moradores das áreas diretamente atingidas e as manifestações por realocação da população em situação de “ilhamento socioeconômico” permaneceram presentes em 2022.
Dada a limitada projeção nacional que esse conflito recebeu e a necessidade de ampla reflexão crítica sobre o setor mineral brasileiro, cabe destacar que o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, no âmbito do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, lançou o relatório “Colapso mineral em Maceió: o desastre da Braskem e o apagamento das violações” também em 2023.
Das ocorrências em 2022, 221 abrangem esta categoria, tendo sido a categoria com mais ocorrências, sendo 107 conflitos estaduais, 81 federais e 33 municipais. Desses, 37,6% das ocorrências compreendem conflitos com garimpeiros e 26,7% com mineradoras ilegais. Isto é, 64,3% dos casos com o “Estado” como ator em disputa refere-se a ações de repressão à extração ilegal de minério e seus impactos.
Os principais tipos de conflito envolvendo a categoria “Estado” são “Minério”, com 66,5% e “Terra”, com 39,4%. As principais violências são “Extração ilegal”, com 67,4%, “Danos”, com 59,3%, “Não cumprimento de procedimentos legais” (15,8%) e “Omissão” (9,0%).
As ocorrências de violências extremas foram as seguintes: “Morte” (45 ocorrências); “Trabalho escravo” (19 ocorrências); “Assédio” (10 ocorrências); “Ameaça” (7 ocorrências); “Ameaça de morte” (5 ocorrências); “Violência física” (5 ocorrências); e “Trabalho infantil” (2 ocorrências).
Em 2022, foram mapeadas 132 reações diretas às violações, que envolveram manifestações, cartas públicas, bloqueio de via, ocupação, ações judiciais etc. Os estados que reuniram o maior número de conflitos foram Minas Gerais (46,2%), Pará (14,4), Espírito Santo (6,8), Rio de Janeiro (6,8) e Amazonas (5,3).
Belo Horizonte congregou 15 ocorrências relacionadas à reação, seguida por Brumadinho, com 11. Belo Horizonte ocupa a primeira posição pela resistência ao projeto da empresa Taquaril Mineração de realizar extração mineral na Serra do Curral. As reações não envolveram somente moradores da cidade e de movimentos da sociedade civil organizada, mas também de universidades, artistas, intelectuais e até blocos de carnaval.
Já as categorias que mais sofreram com a ação das empresas e dos garimpos, e realizaram ações de reação, foram: “População urbana” (18 ocorrências), “Trabalhadores” (18 ocorrências), “Sociedade civil” (17 ocorrências) e “Indígenas” (16 ocorrências).
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração é uma articulação da sociedade civil formada por mais de 100 organizações não governamentais, movimentos sociais, igrejas e pesquisadores, em atividade desde 2013. É uma das principais iniciativas nacionais que se organizam politicamente em defesa dos atingidos pela mineração e seus territórios.
O Mapa dos Conflitos tem o objetivo de visibilizar, sistematizar e monitorar as violações cometidas, sistematicamente, pelo setor mineral brasileiro nos meios urbano e rural. O mapeamento incluiu empresas mineradoras e de transformação mineral (nacionais e internacionais), assim como garimpos.
O Observatório organiza um banco de dados, atualizado anualmente, a partir do levantamento sistemático de dados secundários em fontes como registros de jornais de circulação nacional e regional, portais de notícias, redes sociais, mídia independente e material dos movimentos sociais, somadas às ocorrências tabuladas anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) para os conflitos da mineração no campo e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Acesse Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.
Acesse aqui o Relatório Conflitos da Mineração no Brasil 2022 em português.
Agentes discutiram a atual conjuntura e os desafios da regional em 2023, além do planejamento e metas para o próximo ano
Por Heloisa Sousa | CPT Nacional
Com informações da CPT de Sobral
Entre os dias 7 e 9 de dezembro foi realizado, em Maranguape (CE), o Encontro do Conselho Regional da CPT Ceará. Participaram representantes das Dioceses de Sobral, Itapipoca, Iguatu, Quixadá, Crateús, Limoeiro do Norte e Fortaleza.
Na ocasião, o grupo realizou análise de conjuntura social, política, econômica e eclesial, identificando as fragilidades da atuação da regional em meio às dificuldades encontradas. O momento foi também de apontar as perspectivas e o compromisso cada vez mais forte com a missão e a caminhada da CPT. Francisco “Chiquinho” Silva, agente da CPT de Sobral, explica que o encontro é importante para que a regional possa fazer uma pausa e corrigir os rumos, acolhendo quais os desafios em cada equipe e buscando alternativas para superá-los.
“Na ocasião, fizemos uma análise, a partir da pastoralidade, para que a gente possa continuar defendendo os direitos humanos, os direitos sociais, ouvindo as camponesas e camponeses. É um encontro importante, sobretudo, para que a gente possa continuar sendo sede na construção de um outro mundo possível, na defesa da terra, das águas e das florestas”, completa Francisco.
Em 2024, a regional Ceará terá seu foco de trabalho e de planejamento voltados para atividades como: juventude e comunicação popular; fortalecimento de ações voltadas para o combate ao trabalho escravo e também do trabalho com grupos de mulheres; incentivo às equipes para práticas de autocuidado e cuidado coletivo; e continuidade no exercício da profecia, como anúncio e denúncia por meio II Romaria da Terra e das Águas do Ceará, que ocorrerá no próximo ano e do lançamento do Caderno de Conflitos 2023. Foram deliberados e encaminhados, ainda, agendas para promover o melhor acompanhamento dos projetos financiados, por meio de reuniões técnicas de Planejamento, Monitoramento e Avaliação (PMA) com o apoio e assessoria da Coordenação Nacional.
Para o agente Claudiano Sobral do Nascimento, as reuniões do Conselho Regional são parte fundamental do acompanhamento e fortalecimento das nossas ações pastorais. “Neste ano de 2023, os desafios enfrentados para o desenvolvimento de nossas atividades estiveram presentes para muitos, mas quando paramos e olhamos tudo o que foi feito, as conquistas que tivemos, as dificuldades desaparecem”, conta.
Por Fábio Pontes (portal O Varadouro),
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagem: CPT Regional Acre
O Seringal São Bernardo, localizado às margens do Riozinho do Rola, é hoje uma das mais bem preservadas e ricas áreas de Floresta Amazônica na zona rural de Rio Branco (AC). Tem como vizinha a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes. É nele onde também vivem e resistem 42 famílias de seringueiros, famílias que ainda sobrevivem do corte da seringa e da quebra da castanha, além dos roçados e da criação de pequenos animais.
Um modo de vida tradicional dos tempos dos antigos seringais, que resiste às pressões das grandes fazendas de gado e da extração madeireira do entorno. E é exatamente a resistência dessas pressões que transforma o Seringal São Bernardo numa região de intenso conflito fundiário.
Até semanas atrás, a área era reivindicada pelo fazendeiro Mozart Marcondes Filho. Porém, a Justiça reconheceu a posse para Luiz Manzoni. Ele afirma ter vendido a Fazenda Nova União para Marcondes Filho, mas que o pagamento nunca foi concluído. Assim, a Justiça rompeu o contrato de compra e venda, devolvendo a posse para o antigo “patrão”.
Em meio ao litígio, estão as 42 famílias, cujos antepassados ocupam a região ao menos desde 1940, quando uma nova leva de migrantes nordestinos veio para a Amazônia como “soldados da borracha”, durante a Segunda Guerra Mundial. Essa mudança de propriedade de um fazendeiro para outros não apaga o passado de conflitos e pressões, e tampouco é garantia de paz e tranquilidade para as famílias que lá sobrevivem.
Ao todo, o seringal possui 17 mil hectares divididos pelas colocações. Mesmo ocupando a região há mais de cinco décadas, as famílias podem se ver expulsas (indo parar nas periferias) pelos “novos patrões” – ou os mesmos latifundiários da Amazônia de 1970.
É o caso das irmãs seringueiras Cosma da Conceição Bezerra, 48 anos, e Maria Lucineide da Conceição Bezerra, 45 anos. Elas são a face da resistência das famílias de seringueiros que sofrem todo tipo de pressão e ameaças feitas pelo fazendeiro que afirma ser dono do Seringal. Juntas com outras três mulheres, elas lideram o movimento de resistência – os novos “empates” – dentro das colocações.
“Nós nascemos e nos criamos no seringal e vamos morrer lá. Ninguém vai tirar a gente de lá”, afirma Cosma da Conceição. O portal Varadouro conheceu as irmãs e a história de resistência no Seringal São Bernardo em setembro durante evento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Rio Branco. A CPT presta assistência jurídica e social às famílias de seringueiros, levando ao conhecimento do Ministério Público e da Secretaria de Justiça e Segurança Pública todas as denúncias de abusos de autoridade cometidas por policiais na região, que atuam como braço armado do fazendeiro.
“Ele quer vencer a gente no cansaço. Ele acha que se não chegar a benfeitoria lá uma hora a gente vai querer sair. Não sabe ele que a nossa vida crescemos no meio da mata, enfrentando todo tipo de dificuldade”, relata Cosma Conceição.
E dessa forma, na zona rural da capital política e econômica do Acre, bem perto do centro do poder, um seringal ainda simboliza as mazelas ocasionadas pela ditadura militar para a Amazônia brasileira, quando a floresta era vendida com suas populações tradicionais lá dentro. Populações que, 50 anos depois, continuam a sofrer com os mesmos problemas, incluindo a invisibilidade. Mesmo com todas as dificuldades, as famílias do Seringal São Bernardo resistem às pressões dos “novos donos do Acre”. São os “empates” do século 21.
Confira aqui a matéria completa.
Por Comunicação Raízes do Cajueiro
O senhor João Germano da Silva (seu Joca) resiste e reside no território há mais de 45 anos. Foto: Raízes do Cajueiro.
A Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Maranhão derrubou, por unanimidade, decisão do juiz respondente das ações do Cajueiro na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Capital, Marcelo Oka. A decisão, de 05/12/2023, anula o Decreto de Desapropriação nº 002/2019, emitido indevidamente pelo então Secretário de Indústria, Comércio e Energia, Simplício Araújo, no governo Flávio Dino (proc. n. 0804674-97.2021.8.10.0001).
Com a nulidade, todos os processos judiciais de desapropriação perderão seu objeto e deverão ser extintos pelo Judiciário. É o caso do senhor João Germano da Silva (seu Joca), 90 anos, que resiste e reside no território há mais de 45 anos.
A comunidade do Cajueiro vem sofrendo, nos últimos dez anos, constantes ações que causaram o despejo forçado de dezenas de famílias. Além dessas famílias despejadas, outras sete viraram rés em ações de desapropriaçåo ingressadas em 2019 pela empresa portuária, com base no decreto agora anulado pelo TJMA. Nas sete ações de desapropriação, o juiz Marcelo Oka determinou a perda da posse das famílias, fazendo com que seis delas já tenham saído do Cajueiro.
A decisão unânime dos desembargadores Josemar Lopes Santos (Relator), Gervásio Protásio dos Santos Júnior e Antônio José Vieira Filho acompanhou o parecer do Ministério Público, que reconheceu os argumentos da ação movida pelo senhor Joca, em processo de anulação do decreto.
Na decisão, consta que “não existe nenhum ato que delegue a Secretário de Estado a competência para declarar a utilidade pública da área do distrito industrial e determinar a desapropriação de bens imóveis particulares, razão pela qual a competência para editar o decreto é do Governador do Estado do Maranhão, conforme regra estabelecida no art. 6º, do Decreto-Lei 3.365/1941.
A decisão do TJMA de anulação do Decreto ressalta que compete ao Secretário de Estado de Indústria, Comércio e Energia apenas a realização de atos adminiatrativos sobre "bens imóveis de propriedade do Estado do Maranhão localizados nos distritos industriais. Contudo, o Decreto estadual nº 002/2019, feito pelo Secretário de Estado, extrapolou tal atribuição e declarou a utilidade pública para desapropriação de imóveis particulares”.
No dia seguinte à decisão do TJMA, o juiz Marcelo Oka determinou, em 06/12 deste ano, na ação de desapropriação, um novo mandado judicial contra o idoso João Germano (Joca) autorizando "uso de força policial e arrombamento" para despejá-lo, o que contraria a anulação do decreto decidida pelo Tribunal de Justiça. A nova ordem de despejo já está sendo judicialmente contestada.
Despejo violento de várias famílias da Comunidade do Cajueiro. Foto: Divulgação.
Grilagem de terra pública no Cajueiro
Há suspeita de um forte esquema de grilagem de terra pública na região que inclui a comunidade do Cajueiro. A denúncia foi feita pelo Ministério Público Estadual, através da Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, que coloca em cheque a validade do documento imobiliário apresentado pela empresa portuária TUP Porto São Luís S.A para fins de licenciamento da obra. O projeto de empreendimento portuário, hoje, pertence à COSAN, gigante do petróleo, que tem a intenção de construir mais um porto de exportação de minério de ferro em São Luís, com significativo agravamento dos índices de poluição na Ilha e sério comprometimento da qualidade de vida das comunidades do entorno.
Em 2019, o caso Cajueiro ganhou grande repercussão na mídia nacional e internacional por várias denúncias de irregularidades, que culminaram com uma reintegração de posse que violentou 22 famílias no território. O Conselho Nacional de Direitos Humanos acompanha as denúncias, assim como as Defensorias Públicas e os Ministérios Públicos Estadual e Federal.
“O capitalismo, por definição, é lucro acumulado, é privilégio do capital, é a exclusão da maioria”
Pedro Casaldáliga
Nós, Povos e Comunidades Camponesas, Quilombolas e Tradicionais do Tocantins, denunciamos o contexto histórico das violações dos nossos direitos e a ameaça aos nossos territórios, à terra que pertencemos e aos nossos modos de vida, que estão em constante perigo.
As 21 (vinte e uma) comunidades da Articulação Camponesa: Santa Maria, Gabriel Filho, Serrinha, Levinha, Barriguda, Santo Antônio – Bom Sossego, Vitória, Posseiros da Serra do Centro, Posseiros da Sussuarana, Rancharia, Remansão, Quilombolas do Grotão, Sitio Taquari, Gleba Tauá, Boa Esperança, PA Formosa, Alto Bonito, Luar do Sertão, Deus É Grande, Manoel Alves, Antônio Moreira, além das comunidades, assentadas e acampadas, acompanhadas pelo MST, MAB, COEQTO, CIMI e APA-TO, que somam mais de 10 mil famílias de trabalhadores e trabalhadoras, que formam a base da agricultura familiar em todas as partes do estado do Tocantins, compreendem e denunciam o Projeto de Lei nº 1199/2023, apresentado pelos senadores Eduardo Gomes e Dorinha Rezende, que pretende transferir ao domínio do Estado do Tocantins todas as terras públicas e devolutas que pertencem à União Federal.
A aprovação desse PL fragilizaria nossas lutas e nossa existência, visto que não há, por parte do Governo do Estado, compromisso com a manutenção do meio ambiente, com a coexistência em equilíbrio com a fauna e a flora e a preservação do Cerrado e da Amazônia e, muito menos, com a política de reforma agrária. O que há é a exploração desmedida em nome do capital e do lucro irrestrito, banhado no suor da exploração do trabalho e no sangue daqueles que morreram clamando pelo direito à moradia constitucionalmente garantido.
Apesar de nossa vida de cuidados com a Mãe Terra, historicamente sofremos processos de violências e invisibilidade, promovidos pela grilagem de terras amplamente praticada em todo Tocantins, sem que o poder público tome alguma medida. Somos afetados com a inoperância e opressão do Estado através das polícias e dos órgãos de controle ambiental, e denunciamos o PL 1199/2023, pois, uma vez aprovado, legitimará processos de grilagem de terras com aval do Governo do Estado, tirando o direito de posseiros que, há centenas de anos, vivem, produzem, alimentam e preservam as matas e os modos de vida do campo. Será um massacre legalizado e assistido contra os guardiões e guardiãs da terra.
São inúmeras as lutas travadas por direito à terra e o território, no ano de 2022, a Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins registrou 504 casos de pistolagem, 101 ameaças de expulsão, 113 casas destruídas, 15 ameaças de morte contra posseiros e 1 homicídio decorrente de conflitos por terra, segundo dados do Caderno de Conflitos no Campo. Os dados parciais do ano de 2023 também trazem números assustadores, com 228 casos de violência contra a ocupação e a posse e 562 casos de violência contra a pessoa na Região Norte, além de 88 casos de violência contra a ocupação e posse e 54 casos de violência contra a pessoa na região do MATOPIBA.
Nos milhares de boletins de ocorrência registrados, relatamos ações violentas e truculentas praticadas contra as famílias que foram impedidas de chegar às suas casas, fazer suas roças, cultivar e a plantar alimentos que são essenciais na luta por sua sobrevivência.
Sofremos e repudiamos a grilagem de terras no Estado do Tocantins, o avanço dos projetos do agronegócio sobre nossas terras que são públicas, e nossos territórios tradicionais. Embora o latifúndio não queira admitir, terras públicas que são para fins de reforma agrária, são do povo e ao povo devem servir, não devem ficar concentradas nas mãos de alguns ricos e poderosos.
Não aceitamos a lógica exploratória e predatória do capital e denunciamos a reestruturação da fronteira agrícola MATOPIBA, que serve de apoio ao agronegócio e à sua lógica de destruição de nossos modos de vida, gerando exploração, desmatamento, violência, expropriação e morte das comunidades e povos nos estados do Tocantins, Bahia, Maranhão e Piauí.
Exigimos que nossas demandas sejam ouvidas, respeitadas e atendidas pelo Governo do Estado, pela Assembleia Legislativa do Estado, pelo Governo Federal, pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Fazemos ecoar nossas vozes, nossos gritos de resistência contra todas as violações dos nossos direitos e reafirmamos: “Não ao PL 1199/2023! Nossas terras e territórios não são mercadoria”.
Articulação Camponesa de Luta pela Terra e Defesa dos Territórios – ACLT
APOIO
Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins – CPT/TO
Comissão Pastoral da Terra Regional Minas Gerais – CPT/MG
Comissão Pastoral da Terra Regional Mato Grosso – CPT/MT
Comissão Pastoral da Terra Regional Piauí – CPT/PI
Comissão Pastoral da Terra Regional Maranhão – CPT/MA
Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Conselho Indigenista Missionário Regional Goiás-Tocantins – CIMI/GO-TO
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Estadual de Direitos Humanos – MEDH
Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA/TO
Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação - COMSAUDE
* Baixe na íntegra a Carta dos Povos e Comunidades Camponesas e Tradicionais do Tocantins contra o PL 1199/2023
Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
e pe. Luis Antonio Fernández (Lábrea), com apoio da comunidade local
*Utilizamos nomes fictícios para proteger a identidade das pessoas e comunidades
Moradora de uma comunidade extrativista às margens do Rio Ituxi, um dos afluentes do Rio Purus em Lábrea (AM), dona Maria* costuma banhar sua bebê de 1 ano nas águas do rio como sempre fez durante a vida, junto com a comunidade local. Mas na quinta-feira da semana passada, algo aconteceu diferente: “Dei banho na minha filha de tarde, e na mesma noite, ela já começou a ter febre, frio, um monte de carocinhos na pele, e fica na rede sem conseguir aguentar nem usar uma roupa no corpo.”
A preocupação deu lugar ao desespero de centenas de pessoas: há alguns dias, elas estão percebendo as águas do rio cheias de manchas, os peixes morrendo e diversas outras pessoas da comunidade também ficando doentes.
Legenda: morte dos peixes e água esverdeada são alguns dos sinais de contaminação identificados pelas comunidades. Foto: Comunidades locais
A morte dos peixes não é por causa da seca, porque as chuvas estão voltando e o nível do rio está aumentando. Moradoras e moradores denunciam que a raiz do problema é a contaminação pelo uso de agrotóxicos por parte de fazendeiros fora e em torno da unidade de conservação, começando principalmente na cabeceira do rio, através de desmatamento e uso de pulverização com aviões. Em outras propriedades com criação de gado, o esterco é jogado nos rios.
Todos estes danos prejudicam totalmente as comunidades que consomem a água para produzir alimentos, pescar, tomar banho e outras atividades essenciais para a vida, inclusive porque a maioria das famílias não tem poço. Já foram enviados ofícios para os órgãos públicos que tratam da água da cidade, além do Ministério Público Estadual e Federal (MPF) e ICMBio, já que se trata de uma reserva extrativista.
Apesar da movimentação, os ribeirinhos e ribeirinhas ainda esperam por resposta, socorro e soluções que promovam o Bem Viver e penalizem os criminosos. A região, que tem 123 famílias distribuídas em 14 comunidades e 07 localidades, já sofre com a expansão do desmatamento ilegal, por efeito da grilagem e de disputas por terra que afetam suas atividades de coleta de castanha, óleo de copaíba, açaí, manejo do pirarucu e outros produtos extrativistas. Os danos do veneno são agravantes que precisam ser combatidos, junto com os crimes ambientais e as violências já sofridas.
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