Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Júlia Barbosa e Heloísa Sousa
"Jubileu da terra é repartir o chão / É pôr os pés na terra, é pôr as mãos no chão
É resgatar a terra, que é de cada irmão / Porque a terra é do Senhor"
Presença, Resistência e Profecia: com este tema da celebração do jubileu dos 50 anos que se aproximam, a Comissão Pastoral da Terra realizou a sua XXXVII Assembleia Geral Ordinária, entre os dias 19 a 21 de abril no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO).
O momento reuniu agentes de pastoral de todo o país, bem como representantes de comunidades camponesas e agentes históricos da CPT. Desde a acolhida, o momento foi marcado por alegria, celebração e mística sobre o caráter social e a pastoralidade. Em seguida, uma análise de conjuntura contou com a assessoria de Leila Santana (Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA) e Gerson Teixeira (assessor do Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores), seguida de debate sobre os desafios de uma realidade de mudança de governo no país, mas também de avanço do agronegócio e seus projetos de extermínio dos povos do campo, das águas e florestas, em nível global.
"A realidade é que a maior parte das verbas destinadas para a agricultura no país é para o agronegócio. No ano passado, em Goiás, o recurso não chegou a 14% para a agricultura familiar. A questão do envelhecimento no campo e o abandono da juventude, ao nosso ver, tem a ver com essa dificuldade de acesso ao crédito." (Saulo Reis - CPT Goiás)
Outros desafios apontados foram a necessidade de aproximação com as dioceses, outras pastorais de juventude, como a PJ, PJR e PJMP, e o diálogo com as igrejas pentecostais, diante do distanciamento dos jovens do campo e o envelhecimento da população rural. Outras regiões também apontaram vários desafios, como o avanço do tráfico de drogas e das milícias nos territórios, o afastamento da pauta da luta pela reforma agrária por parte dos movimentos sociais, e a pouca resistência das comunidades diante do avanço do agronegócio e dos programas de reforma agrária governamentais que estão ainda muito limitados.
"Na nossa comunidade, incentivamos muito o cultivo do arroz, do feijão, da mandioca, mas a agricultura familiar está perdendo espaço para a soja. Moramos na margem da rodovia Santarém/Curuá-Una (PA-370), e na quinta-feira passada tivemos que fechar as casas porque estavam borrifando o veneno na soja e no milho. Eles já desmataram tudo, e sofremos com a saúde, porque ressecou a garganta, os lábios, deu tontura. Esse avanço é um perigo para a vida, a agricultura familiar está sendo pisoteada, massacrada. Já tivemos visita de empresas de crédito de carbono, e na nossa comunidade nós resistimos e negamos, mas em comunidades vizinhas os agricultores já pararam de plantar por causa desses créditos. Eu peço para que o presidente e os parlamentares que atuam e dizem nos defender, que olhassem mais para a Amazônia." (agricultora do Pará)
O segundo dia contou com uma Romaria que passou por todas as grandes regiões de atuação da CPT pelo país, além das campanhas, articulações e a Secretaria Nacional. Cada grupo apresentou um painel com os desafios, demandas e experiências de resistência vivenciadas nos três últimos anos.
"Estou caminhando com a CPT há cerca de 3 anos, e foi muito emocionante ver a caminhada e as lutas nas comunidades. Queria muito que a minha comunidade estivesse aqui presente e representada também. A Romaria representou a nossa casa comum: a juventude, as mulheres." (agricultora do Mato Grosso)
O último dia da Assembleia foi marcado pela definição das linhas de ação para os próximos três anos: a luta por terra e território, o fortalecimento da pastoralidade e da sustentabilidade, a atuação junto com grupos de mulheres e jovens na perspectiva do protagonismo, geração de renda e fortalecimento da identidade camponesa, além dos processos de formação.
"Esta Assembleia serviu para aquecer o nosso coração e nos animar para o início do ano jubilar de 50 anos de atuação, vivenciando a memória subversiva do Evangelho de Cristo junto ao povo da terra, das águas e das florestas." (Chiquinho, da CPT Ceará)
Em seguida, a Comissão Eleitoral conduziu o processo de eleição da Diretoria, Coordenação Executiva e Conselho Fiscal, ficando assim eleitos, eleitas e empossadas:
✅ Diretoria:
- Presidente - Dom José Ionilton Lisboa (AM)
- Vice-presidente - Dom Sílvio Guterres (RS)
- Secretária - Jeane Bellini (GO)
✅ Coordenação Nacional:
- Cícera (Cecília) Gomes (NE2 / PB)
- José Carlos de Lima (NE2 / AL)
- Ronilson Costa (MA)
- Valéria Santos (TO)
- Maria Petronila (RO) - suplente;
- Valdevino Santiago (MS) - suplente
✅ Conselho Fiscal (titulares):
- Xavier Plassat (TO)
- Albetânia de Souza Santos (BA)
- Luiz Antônio Pasinato (RS)
✅ Conselho Fiscal (suplentes):
- Waldeci Campos (MG)
- Célio Lima (AC)
- Geuza (PA)
O momento também contou com apresentação do balanço financeiro e elaboração de uma Carta conjunta a ser apresentada em breve.
“É missão de todos nós, Deus nos chama e quer ouvir a nossa voz!”
Imagens: Rodolfo Santana / Cáritas Brasileira
“Chega Mãe Bernadete, chega Edvaldo, chega Fernando, chega por aqui, Eu mandei tocar chamada, foi para resistir…” O som deste mantra, entoado por agentes da Comissão Pastoral da Terra nas diversas regiões do país como Amazônia, Cerrado e Caatinga, abriu com muita espiritualidade o lançamento da 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, na sede do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, nesta segunda-feira (22).
As boas-vindas foram dadas pelo bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers: “O trabalho de vocês é muito importante, para que a gente conheça quando um irmão está sofrendo violência e injustiça. Que esses dados cheguem ao Brasil como um alerta. Que bom que vocês são sentinelas, que fazem este alerta e também apontam um caminho de esperança. A casa é de vocês, e muito obrigado por tudo o que vocês fazem.”
Em seguida, o bispo da prelazia de Itacoatiara (AM) e presidente da CPT, Dom Ionilton Lisboa, também destacou a importância do caderno para a população do país: “O caderno permite conhecer o tamanho da violência sofrida pelos povos do campo e também suas resistências. Nós cremos no Deus dos pobres, que ouve o clamor do seu povo e está presente na luta dos trabalhadores e trabalhadoras, no âmbito da luta social justa. A denúncia dos dados revela que precisa existir uma sociedade organizada, que combata a violência e salve vidas.”
A apresentação dos dados foi feita pela documentalista do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), Lira Furtado, destacando o maior número de conflitos da história da publicação desde 1985 (2.203), sendo a maior parte relacionada aos conflitos por terra (78,2%), representando 1.724 ocorrências. “Quando falamos destes números, não são apenas números, são vidas, famílias, pessoas que são lideranças das comunidades, impactadas pela violência, mas que continuam resistindo”, destacou Lira.
“Estamos em um governo dito aliado dos povos do campo, numa expectativa de redução do número de conflitos, mas os dados de violência também são recordes. E quando falamos de democracia, estamos falando de condições de vida plena para as comunidades e populações mais vulneráveis”, afirmou Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
O agricultor Antônio Francisco (sr. Salarial), da comunidade quilombola Jacarezinho em São João do Sóter (MA), compartilhou as ameaças sofridas em seu território: “Posso dizer que eu enfrento a violência no campo desde que me entendo de gente. A nossa comunidade quilombola é muito atacada por fazendeiros que vem logo com documento de licença ambiental, sem consultar a comunidade, e muito disso é a responsabilidade do governo estadual e municipal.”
Também do Maranhão, o trabalhador rural Francisco Batista trouxe um testemunho sobre sua experiência como resgatado do trabalho escravo de uma carvoaria próxima à divisa com o Piauí: “A gente ia trabalhar longe de casa, tendo que voltar tarde da noite e sair novamente no outro dia de madrugada, com promessas de pagamento que atrasavam vários meses. Infelizmente a situação que eu passei, acontece em muitas outras fazendas e nas cidades.”
Uma segunda mesa mediada por Andréia Silvério, da coordenação nacional da CPT, contou com as análises de Paulo Alentejano, professor da GeoAgrária da UERJ, e Ayala Ferreira, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
De acordo com a análise do prof. Paulo, o país passa por um processo de contrarreforma agrária, com explosão na expansão do agronegócio e redução na distribuição de terras e na demarcação de terras indígenas: “Infelizmente, uma parte da esquerda brasileira infelizmente não acredita mais na reforma agrária, e agora aposta no agronegócio como carro chefe da economia brasileira.”
Já Ayala Ferreira destacou o processo de avanço das violências contra os povos do campo em todo o mundo, o que se reflete também no país: “Vivemos um sistema capitalista em crise, com a precarização dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, avanço do agronegócio e das estratégias do capital para se manter e se colocar como o único modelo e forma de vida possível.”
Andreia Silvério destacou que, mesmo com o sentimento de renovação da esperança e do diálogo a partir da mudança de gestão no governo federal, são marcantes a redução de investimentos e a omissão do Estado brasileiro diante da concentração de terras públicas estaduais ou federais que estão nas mãos do latifúndio, que não estão sendo destinadas para as comunidades camponesas e tradicionais, além da demarcação das terras indígenas, desrespeitando o que está previsto na Constituição. A falta de investigação e a impunidade diante dos assassinatos e demais violências no campo também são motivos de julgamento do Estado em instâncias internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O momento também contou com apresentação da Campanha Nacional contra a Violência no Campo e o lançamento da campanha “Chega de Escravidão”, direcionada à sustentabilidade da CPT. E, seguida, falas durante o lançamento do relatório Conflitos no Campo 2023 denunciam as violências e injustiças no campo brasileiro.
Carlos Lima (Coordenação da CPT Nacional): “Infelizmente estamos com um governo que não tinha e não tem um programa para a reforma agrária. Entendo que este caderno é um instrumento de denúncia para o governo e esperança para as famílias do campo.”
Marco Jaques (Agente da CPT/BA): “Que Estado é este? São tantas promessas de reforma agrária e uma esperança para as maiores vítimas da violência no campo, mas a situação não avança. Há altos investimentos do estado para as eólicas, mineração e empreendimentos do agronegócio danosos às comunidades. O que vamos fazer pra superar esse clamor das vítimas assassinadas e assassinados na luta por justiça neste país?”
Em 2023, o Brasil testemunhou um recorde de resgates de pessoas em situações de escravidão nos últimos dez anos. É nesse contexto que a CPT lança a campanha “Chega de Escravidão!” e chama a população para unir forças contra essa gravíssima violação aos direitos humanos.
Momento do lançamento da campanha "Chega de Escravidão!". Foto: Marília Rodrigues - CPT GO
Nesta segunda-feira, 22, a Comissão Pastoral da Terra lançou a Campanha "Chega de Escravidão", criada para sensibilizar e engajar a população a contribuir com o seu trabalho pela erradicação do trabalho escravo no País. O anúncio da iniciativa ocorreu durante o lançamento da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, elaborado pela Pastoral.
Desde sua fundação, em 1975, a CPT tem sido uma voz ativa na luta contra o trabalho escravo no Brasil, com ações de conscientização, prevenção, denúncia e apoio às vítimas. Com a campanha “Chega de Escravidão!”, a expectativa é que a CPT possa ampliar o alcance de suas ações contra esta chaga que afeta anualmente milhares de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a escravidão nunca saiu de cena, mas adquiriu novas roupagens desde a assinatura da Lei Áurea, em 1888. A prova é que o ano de 2023 apresentou o maior número de pessoas resgatadas do trabalho escravo nos últimos dez anos. Foram 3.191 pessoas resgatadas, segundo a ação permanente da CPT “De Olho Aberto Para Não Virar Escravo”. Desse total, 2.663 pessoas foram resgatadas em atividades laborais rurais, de acordo com os dados recém lançados pela Pastoral.
Umas das peças elaboradas para a campanha.
Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, ressalta que os casos de trabalho escravo no Brasil são subnotificados e que a realidade é ainda mais grave. “É preciso que o Estado garanta mais fiscalizações e é preciso que a sociedade brasileira se some à luta, porque é impossível conviver com o trabalho escravo. Precisamos acabar de uma vez por todas com essa chaga, que se liga ao nosso passado mas que está muito viva na realidade de muitos trabalhadores e trabalhadoras”.
Frente a essa realidade desumana, é preciso mobilização e luta. “Nós enfrentamos a dificuldade para erradicar a cultura escravocrata. São quatro séculos de legalização e naturalização da prática do trabalho escravo”, destaca Frei Xavier Plassat, agente da CPT e membro da ação permanente “De olho aberto para não virar escravo”. Por isso, a CPT convida toda a sociedade brasileira a se aliar à luta contra essa chaga. Informações sobre a campanha, bem como dados sobre trabalho escravo, as ações realizadas e formas de contribuição do trabalho da CPT poderão ser encontradas na página eletrônica chegadeescravidao.org.br.
CPT e a luta contra o Trabalho Escravo
A luta pela erradicação do trabalho escravo no Brasil está nas raízes da CPT. A primeira denúncia dessa violação foi feita em outubro de 1971, por meio da carta pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, escrita pelo bispo da prelazia de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da Pastoral. É nesse contexto, de grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas à de escravo e expulsos das terras que ocupavam, que nasce a Comissão Pastoral da Terra, em junho de 1975.
Passados mais de quarenta anos da carta de Pedro Casaldáliga, a exploração de mão de obra escravizada ainda é uma realidade no País. Por isso, a CPT segue junto aos povos da terra, das águas e das florestas no combate a grave situação de violência e abusos vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Francisco Batista, trabalhador submetido ao trabalho escravo em 2008, durante fala no lançamento do relatório Conflitos no Campo 2023. Foto: Marília Rodrigues - CPT GO
O propósito e missão fundamental da Comissão Pastoral da Terra parte da defesa dos trabalhadores e trabalhadoras e da justiça social. A Pastoral luta contra o trabalho escravo por meio de ações de conscientização, prevenção e incidência sobre o tema, além de dar apoio às pessoas resgatadas. Ademais, atua registrando os dados de fiscalização dos estabelecimentos denunciados, atividades que mais utilizam mão de obra escravizada e quantidade de trabalhadores resgatados a cada ano.
Atualmente, as denúncias podem ser realizadas online, com total sigilo, acessando diretamente a Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, por meio do Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br). Ou ainda por meio do Ministério Público do Trabalho mais próximo da sua localidade. Como sempre fez, em cada região do país, a CPT também está à disposição de quem se dispor a cumprir este ato cidadão: denunciar o crime para resgatar a dignidade de muitos e muitas.
Se você se identificou com o trabalho da CPT e também se indigna com o trabalho escravo, ao qual tantas pessoas ainda são submetidas, conheça mais da atuação da Pastoral pelo site www.cptnacional.org.br e seja uma doadora ou doador por meio do site chegadeescravidao.org.br.
>>> Adquira aqui o Conflitos no Campo Brasil 2023
>>> Acesse aqui o PDF do Conflitos no Campo Brasil 2023
>>> Acesse aqui o PDF do Relatório de Incidência Conflitos no Campo Brasil 2023 (português)
>>> Acesse aqui o PDF do Relatório de Incidência Conflitos no Campo Brasil 2023 (inglês)
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Comissão Pastoral da Terra realiza lançamento nacional do relatório Conflitos no Campo 2023, com os maiores índices de ocorrências em toda a história da publicação
Neste dia 22 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lança a 38a edição da publicação Conflitos no Campo Brasil, apontando o balanço dos dados da violência ligada a questões agrárias no país ao longo de 2023. No primeiro ano de governo do terceiro mandato do presidente Lula, foram registrados os maiores números desde o início dos levantamentos, em 1985: ao total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 do ano anterior e 2.130 do ano de 2020, até então o ano com o primeiro lugar em conflitos.
A maioria dos conflitos registrados é pela terra (1.724, sendo também o maior número registrado pela CPT), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Dentre os estados, o maior número foi registrado na Bahia, com 249, seguido do Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167). Dentre as regiões, a região Norte foi a que mais registrou conflitos (810), seguida da região Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207), e por fim, a região Sul, com 168 ocorrências.
Os conflitos envolveram 950.847 pessoas, disputando 59.442.784 hectares em todo o Brasil. O número de pessoas envolvidas é 2,8% maior em relação às 923.556 pessoas envolvidas em conflitos no campo em 2022, mas a área em disputa é 26,8% menor, tendo sido 81.243.217 hectares disputados no mesmo período de comparação.
Conflitos pela Terra – Das 1.724 ocorrências registradas neste tipo de conflito, 1.588 são referentes às violências contra a ocupação e a posse e/ou contra a pessoa. No primeiro tipo de violência, se destacam as ocorrências crescentes de invasão, em que foram registradas 359 ocorrências em 2023, afetando 74.858 famílias, contra 349 casos em 2022. Também cresceram os registros de expulsão (37 ocorrências e 2.163 famílias em 2023, contra as 23 ocorrências e 596 famílias, em 2022), transformando este no segundo ano em que mais se registrou famílias expulsas dos territórios, ficando atrás apenas do ano de 2016. Também aumentaram consideravelmente as ameaças de despejo judicial (de 138 para 183) e o despejo judicial concretizado (de 17 para 50).
A pistolagem foi o segundo tipo de violência contra a ocupação e a posse que mais teve registros de ocorrência em 2023 (264), um crescimento de 45% em relação ao ano de 2022, sendo o maior número registrado pela CPT nas ocorrências deste tipo de violência contra a coletividade das famílias — um total de 36.200 famílias atingidas. Os sem-terra foram os principais alvos destas ações, com o registro de 130 ocorrências, seguidos por posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19). Destruição de pertences (101), casas (73) e roçados (66) também foram ações violentas contra a permanência dos povos em seus territórios.
Trabalho Escravo Rural – Em 2023, foram registradas 251 casos de trabalhadores e trabalhadoras em situação de escravidão no meio rural, com 2.663 pessoas resgatadas desta condição, sendo estes os maiores números dos últimos 10 anos. Os destaques de resgates foram para os estados de Goiás (699), Minas Gerais (472), Rio Grande do Sul (323), além de São Paulo, com 243 pessoas resgatadas. Os tipos de atividades que mais tiveram trabalhadores libertos em 2023 foram a cana de açúcar, com 618 trabalhadores; as lavouras permanentes, com 598; as lavouras temporárias, com 477; e, outros tipos de atividades rurais, com 273. Os números poderiam ser ainda maiores, se houvesse uma política mais estruturada de fiscalização e combate ao trabalho escravo especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Conflitos pela Água – Houve estabilidade nos registros (225, contra 228 no ano anterior), mas os dados ainda são altos em relação ao início dos 10 últimos anos, tendo a frente o não cumprimento de procedimentos legais por parte do poder público e empresas privadas (78), seguido da destruição e/ou poluição (56), diminuição e impedimento no acesso à água (48) e contaminação por agrotóxico (26). Fazendeiros, governos estaduais, empresários, hidrelétricas e mineradoras continuam sendo os agentes causadores destes conflitos, que vitimam principalmente indígenas (24,4%), pescadores (21,8%), ribeirinhos (13,3%), quilombolas (12,4%) e assentados (8,4%).
Violência contra a Pessoa – Foram 554 ocorrências que atingiram 1.467 pessoas, incluindo 31 assassinatos, uma diminuição de quase 34% em relação ao ano anterior, quando foram mortas 47 pessoas no campo. A maior proporção de vítimas foi do estado de Rondônia (com 5 mortes), seguido do Amazonas, Bahia, Maranhão e Roraima, com 4 vítimas cada. Foram tiradas as vidas de 14 indígenas e 9 sem-terra, sendo estas as populações que mais sofrem deste tipo de violência extrema, seguidos de posseiros (4) e quilombolas (3). Ao longo dos últimos dez anos, trabalhadores sem-terra continuam sendo as maiores vítimas (151), seguidos de indígenas (90), de um total de 420 pessoas assassinadas na luta pela terra. Das vítimas fatais da violência, 7 eram mulheres. O tipo de violência com mais vítimas foi a contaminação por agrotóxico, com 336 pessoas vitimadas, seguida das ameaças de morte (218), intimidação (194), criminalização (160), detenção (135), agressão (115), prisão (90) e cárcere privado (72), todos crescentes em relação a 2022.
Principais Causadores da Violência – Os principais agentes causadores das violências no Eixo Terra foram os fazendeiros, responsáveis por 31,2% do total de violências causadas neste eixo, seguidos de empresários (19,7%), Governo Federal (11,2%), grileiros (9%) e os governos estaduais, com 8,3%. No caso do Governo Federal, mesmo com a pequena diminuição no total das violências causadas e com a maior abertura de diálogo do governo com os movimentos sociais, por meio da reestruturação de ministérios como o do Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos e Justiça, além da criação do Ministério dos Povos Indígenas, isto não se refletiu em avanços na conquista de direitos pelas populações camponesas e tradicionais, como a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas.
Já os governos estaduais têm agido com repressão policial intensa contra acampamentos e assentamentos, comunidades quilombolas e terras indígenas, com destaque para Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão e Rondônia. O mesmo se pode dizer em relação ao poder legislativo federal e estaduais, com o avanço da bancada ruralista, promovendo mudanças em legislações como o Marco Temporal, o Pacote do Veneno, e as leis de terras e liberações para pulverização aérea de agrotóxicos nos estados.
Amazônia Legal – Na região que compreende quase 60% do território brasileiro, houve diminuição no desmatamento, com destaque para as ações de fiscalização da Polícia Federal no combate aos garimpos ilegais. Mas a violência tem crescido em regiões como a da tríplice divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro ou Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira). Dos 31 assassinatos no país, 8 foram nesta região, sendo 5 causados por grileiros. A região prometida como “modelo” de desenvolvimento com foco na sociobiodiversidade, tornou-se epicentro de grilagem para exploração madeireira e criação de gado, com altas taxas de desmatamento, queimadas e conflitos.
Ações de Resistência – Registradas também no relatório Conflitos no Campo, as ações de resistência também tiveram aumento expressivo em 2023, pois incluem 119 ocupações e retomadas, sendo 22 ações conduzidas por indígenas, 3 retomadas quilombolas e outras 94 pelas demais identidades sociais. Também foram registrados 17 acampamentos protagonizados por sem-terra e/ou posseiros, superando 2022, apenas com 5. Estes números passaram a ter novamente um crescimento a partir de 2021, mas ainda inferior aos números da série de dez anos.
Relatório – Elaborado anualmente há quase quatro décadas pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais. A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes pastorais da CPT, nas equipes regionais que atuam em comunidades rurais por todo o país, além da apuração de denúncias, documentos e notícias, feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc) ao longo do ano.
CARTA DA 18ª ASSEMBLEIA REGIONAL DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA REGIONAL RONDÔNIA – CPT/RO
Irmanados pela força da terra conquistada em luta, neste chão de reforma agrária, nos reunimos para celebrar nossos 40 anos de presença missionária e profética neste chão de Rondônia no Assentamento Padre Ezequiel Ramin, no município de Mirante da Serra, entre os dias 12 e 14 de abril de 2024.
Animados pelas trajetórias de lutas, conquistas, dores e alegrias, rememorando nossos companheiros e companheiras que fizeram sua Páscoa, deixando o exemplo de luta, reafirmamos o nosso comprometimento com a causa dos camponeses, camponesas, comunidades tradicionais e Povos Indígenas em defesa da terra e do território neste chão amazônico.
Denunciamos a perversidade da ganância do capital, sob a embalagem do agronegócio, que por meio da violência física, psicológica, inclusive amparado pelas forças da repressão militar e segurança pública, de forma sistemática, expropria territórios e privatiza a terra, a água e nossas florestas, expulsando famílias de extrativistas, indígenas, quilombolas e posseiros que aqui estão há muitos anos.
Denunciamos com veemência a atuação do Estado, sobretudo em âmbito federal e estadual, omisso no papel de executor de políticas públicas, violento e repressor na sua função de justiça, irresponsável em concretizar direitos assegurados, cúmplice na função de remover ou alterar direitos dos povos, das águas e das florestas e, por isso legitimador da violência, da grilarem, do desmatamento, do envenenamento das águas, das florestas e dos seus povos. Neste sentido, denunciamos também a impunidade com as mortes no campo, as ameaças e ataques aos povos como formas de perpetuação da violência contra os corpos tombados na luta.
Denunciamos a AMACRO, a forma de avanço do agronegócio, em pleno curso, como uma economia de morte e destruição da terra, das águas e do ar, e que, envenena nossa terra, nossas águas e nosso ar com o uso de agrotóxicos, com a grilagem de terras públicas, invasão de Terras Indígenas e de Áreas protegidas, tudo isso com a tutela perversa do Estado brasileiro, através de suas instituições.
Repudiamos toda e qualquer tentativa de mercantilização e privatização das nossas florestas e nossos rios.
Repudiamos as ações de grupos milicianos intitulados “Invasão Zero”, com amplo apoio de parlamentares, que visam levar o terror e a morte nas ocupações rurais.
Repudiamos a aprovação de leis que visam criminalizar a luta pela terra e retiram direitos das populações do campo, da floresta e das águas.
Da mesma forma, reivindicamos a urgente necessidade de garantir a demarcação, justa e correta, dos territórios tradicionais quilombolas, indígenas e camponeses que lutam por um pedaço de chão.
Renovamos nossa fé e esperança ao Deus dos pobres, a terra de Deus e aos pobres da terra, e por isso, desde o chão da Amazônia, atendemos à convocação feita a partir da memória subversiva do evangelho, da luta dos povos e do grito da floresta e das águas.
Mirante da Serra/RO. 14 de abril de 2024.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA RONDÔNIA
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