Do Comitê Paraense de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CPDDH)
Diagnóstico apresenta as principais problemáticas do programa estadual e recomenda caminhos para reestruturação
A atuação dos Defensores de Direitos Humanos é de suma importância para a garantia de muitos direitos para a sociedade, que por vezes são negligenciados por quem deveria garantir sua própria execução: o Estado. Com o objetivo de contribuir com as reflexões a respeito da proteção de pessoas que defendem os direitos humanos no Pará, um grupo de organizações sociais realizou estudo sobre a atuação do estado por meio da política pública de proteção. Apresentado no final de 2023 na Assembleia Legislativa do estado, o diagnóstico está agora disponibilizado online no site das organizações (baixe gratuitamente aqui).
O estado do Pará é um dos estados mais conflituosos quando o assunto é a vida dos Defensores (as) de Direitos Humanos e Ambientais. Um estudo realizado pela Justiça Global e a Terra de Direitos aponta o estado como o maior detentor dos casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos, entre os anos de 2019 a 2022, tendo uma somatória de 143 casos.
Diante de tantos casos e ameaças, em 2016 foi criado o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará (PPDDH-PA), através do Decreto nº 6.044, que instituiu a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH). Todavia, o programa só foi implementado em 2019, com a criação da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH).
Durante seus anos de existência, o programa passou por diversas mudanças, aperfeiçoamentos e coordenações, a fim de garantir a proteção e a segurança de pessoas que estão em situações de risco por causa da sua atuação na defesa dos direitos humanos. No entanto, para muitas organizações e pessoas Defensoras de Direitos Humanos, o programa ainda é falho e não consegue cumprir com o que tem se proposto.
Com o intuito de dialogar junto ao conselho do programa por melhorias, as organizações da sociedade Civil: Instituto Zé Claudio e Maria (IZM), Maparajuba, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH), Terra de Direitos (TDD) e Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI) em parceria com o Fundo Casa Socioambiental, se reuniram para fazer uma escuta individual e coletiva dos defensores e movimentos sociais e da sociedade civil localizado nas regiões atendidas pelas organizações parceiras sobre a execução do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Pará, a partir das suas experiências e necessidades, com o intuito de fazer um diagnóstico com essas informações.
O projeto para a construção do diagnostico teve início no fim de 2022 e finalizado no início de 2024. Foram realizados 03 encontros presenciais e apresentação do mesmo, na Assembleia Legislativa do Estado do Pará, em 04 de dezembro de 2023.
Durante o processo, foram ouvidas algumas entidades como: SEIRDH (SEJUDH – Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos), MPPA – Ministério Público do Estado do Pará, CDH/ALEPA – Comissão de Direitos Humanos, SEGUP – Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social, SOMECDH – Sociedade, Meio Ambiente, Cidadania e Direitos Humanos, CDH/OAB – Comissão de Direitos Humanos, além de lideranças e pessoas Defensoras de Direitos Humanos, dentre elas: Liderança Munduruku, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR, Grupo de Mulheres Brasileiras – GMB, Terra de Direitos – TDD, Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos, entre outros. A estes últimos, coube o direito de terem suas identidades preservadas.
De acordo com os apontamentos feitos pelas pessoas Defensoras de Direitos Humanos, uma das questões que merece atenção é o nítido envolvimento de agentes de segurança pública com os possíveis violadores e algozes dos Direitos Humanos, como também a influência desses violadores nas regiões que atuam, influencia essa que reverbera nas delegacias de Polícia Civil e Polícia Militar
O diagnóstico realizado pelas organizações da sociedade civil destaca a necessidade urgente de melhorias no PPDDH-PA. Para proteger eficazmente os Defensores de Direitos Humanos, é fundamental que o Estado do Pará reforce seu compromisso com a segurança e os direitos fundamentais dessas pessoas.
Segundo as entidades, movimentos e pessoas Defensoras entrevistadas, apenas com ações concretas e a colaboração de todas as partes envolvidas será possível garantir um ambiente mais seguro e justo para aqueles que dedicam suas vidas à defesa dos direitos humanos e ambientais.
Por Everton Antunes/ Comunicação CPT Nacional
Acampados reivindicam área da Fazenda dos Ingleses, de posse da União, para a reforma agrária
Trabalhadores e trabalhadoras rurais do acampamento Vale do Amanhecer protestam contra reintegração de posse da área pelo município de Álvares Florence (SP). Foto: CPT São Paulo
“Começaram com ameaças: ou assinava [o acordo], ou as máquinas iriam passar por cima dos barracos”, recorda Alessandra Moreno, coordenadora do acampamento Vale do Amanhecer, situado às margens da estrada vicinal José Pinto Sobral, próxima ao Município de Álvares Florence (SP). O relato de Moreno diz respeito à tentativa de intimidação e desmonte da ocupação às margens da via pela Prefeitura da cidade vizinha, na terça-feira retrasada (09).
Por meio do processo n°: 1000603-67.2024.8.26.0664, a cidade “requer que seja concedido o pedido liminar, para o fim de reintegrar o município de Álvares Florence na posse plena do bem público, inclusive com o auxílio de força policial”. Em declaração à CPT, a assessoria jurídica do município justifica a liminar sob o argumento de que “o acampamento está às margens de uma via marginal e tem aumentado muito, colocando em risco a segurança tanto do movimento quanto dos usuários da via”.
Em protesto à medida, as mais de 250 famílias abrigadas pelo acampamento caminharam, a partir da via, em direção ao Paço Municipal, na última quarta-feira (18). No dia, após reunião entre a assessoria jurídica do município, coordenadores do acampamento, além de organizações e movimentos sociais que se somaram à ação, a Prefeitura se comprometeu com a suspensão da liminar pelo prazo de 120 dias, período durante o qual “se buscará a realocação do acampamento para área que se torne mais apropriada”, conforme atesta a ata da reunião.
Histórico
Segundo Eduardo Cunha, advogado da CPT que acompanha a situação dos acampados do Vale do Amanhecer, o movimento de trabalhadores e trabalhadoras rurais ocupa a área às margens da estrada vicinal desde 2013, de modo a reivindicar a Fazenda dos Ingleses – como é conhecido o território situado em Álvares Florence e cuja posse é da União.
“[A fazenda] é uma área muito grande, a Companhia Inglesa tinha uma concessão de uso por 100 anos dessa área e, segundo informações que nós temos, essa concessão foi vencida em 1996. Desde então, essa área se encontra na mão de grileiros”, acrescenta a coordenadora do Vale do Amanhecer. Moreno também relata que, na terça-feira anterior aos protestos, foram contratados seguranças particulares, máquinas e caminhões, para ameaçar as famílias acampadas e pôr abaixo os barracos erguidos ao lado da estrada.
Desdobramentos
Com a celebração do acordo entre a Prefeitura e os trabalhadores e trabalhadoras rurais do acampamento Vale do Amanhecer, Cunha ressalta que a reintegração de posse foi frustrada e as famílias podem “respirar”. “Nesses 120 dias, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, juntamente com o Incra, tem que se desenrolar para dar uma resposta concreta, para que esse processo tenha desdobramento em favor das famílias que estão reivindicando [a fazenda] desde 2013”, completa.
O município de Álvares Florence ainda se prontificou em solicitar uma autorização para que as famílias do acampamento ocupem uma porção de terra na Fazenda dos Ingleses. Os moradores do acampamento informaram que seriam necessários quatro alqueires para abrigar as famílias.
Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023, do Cimi. Foto: Renaud Philippe | Arte: Verônica Holanda | Cimi
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lança na próxima segunda-feira (22), às 14h30, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023. O evento de lançamento da publicação anual do Cimi ocorrerá na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no St. de Embaixadas Sul Quadra 801 Conjunto B – Asa Sul, em Brasília (DF), e será transmitido ao vivo pelo canal de youtube do Cimi.
O Relatório, organizado em três capítulos e 19 categorias de análise, apresenta um retrato das diversas violências e violações praticadas contra os povos indígenas em todo o país. Para a produção do documento foram sistematizados dados obtidos através de informações dos regionais do Cimi, de comunidades indígenas e de veículos de comunicação, além de fontes públicas oriundas da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde.
O levantamento reúne dados sobre violações contra os direitos territoriais indígenas, como conflitos, invasões, danos e morosidade na regularização dos territórios; violências contra a pessoa, como assassinatos e ameaças; e violações por omissão do poder público, como desassistência nas áreas da saúde e da educação, mortalidade na infância e suicídios.
O ano de 2023 deu início ao terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de quatro anos de uma gestão abertamente anti-indígena e que anunciava que não demarcaria “um centímetro de terras indígenas”, havia grande expectativa em relação à política indigenista do novo governo, anunciada desde a campanha eleitoral como um tema central e simbolizada pela criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Apesar da promessa de mudanças profundas no novo ciclo e da importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou inconstitucional a tese do marco temporal, houve poucos avanços nas demarcações e o ano foi marcado por um contexto de ataque aos direitos indígenas, especialmente por parte do Congresso Nacional, com a promulgação da Lei 14.701/2023.
Este cenário se refletiu na continuidade de altos índices de violência contra indígenas e na ocorrência de muitos conflitos e de invasões aos territórios tradicionais. O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023 apresenta um retrato deste período, com a sistematização de dados atualizados sobre assassinatos, suicídios, mortalidade na infância e a atualização da lista de terras e demandas territoriais dos povos indígenas com pendências administrativas para sua regularização.
“Os povos indígenas do sul ao norte vivenciaram, no decorrer de 2023, dois momentos: o primeiro, o da esperança e euforia pelo novo governo que anunciava compromisso e respeito aos seus direitos; e o segundo, o da frustração diante de uma realidade praticamente inalterada, quando se percebeu que as maquinações políticas prevaleceram”, apontam Lucia Helena Rangel e Roberto Antonio Liebgott, coordenadores da publicação, na introdução do relatório.
No lançamento, estarão presentes lideranças indígenas e representantes do Cimi e organizações parceiras da causa. Dentre eles, Cardeal Leonardo Ulrich Steiner, presidente do Cimi e arcebispo de Manaus (AM); Luis Ventura, secretário executivo do Cimi; Lucia Helena Rangel e Roberto Antonio Liebgott, organizadores do relatório; Ana Carolina Mira Porto, cineasta e antropóloga; Nailton Muniz, Pataxó Hã-Hã-Hãe, cacique na Terra Indígena (TI) Caramuru – Catarina Paraguassu, no sudoeste da Bahia; e Vilma Vera, liderança Avá-Guarani do tekoha Y’Hovy, na TI Tekoha Guasu Guavirá, no oeste do Paraná.
Serviços:
O que: lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Quando: 22 de julho, às 14h30 (horário de Brasília)
Formato: presencial com transmissão ao vivo pelo canal do Cimi no YouTube
Onde: Auditório Dom Helder Câmara, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), situada no Setor de Embaixadas Sul, quadra 801, conjunto B, em Brasília (DF).
Ao vivo: link do youtube do Cimi
Contatos:
Assessoria de Comunicação do Cimi
comunica@cimi.org.br
+55 61 99641-6256
Dom Sílvio Guterres Dutra nasceu em Encruzilhada do Sul/RS. Cursou Filosofia e Teologia no Seminário Maior Arquidiocesano Nossa Senhora da Conceição de Viamão/RS, e também fez mestrado em Teologia Pastoral junto à Universidade Lateranense, em Roma.
Foi ordenado em 18 de dezembro de 1993, atuando como vigário em várias paróquias no Rio Grande do Sul, além de trabalhar em diversas funções no seminário no qual foi formado, como vice-reitor, reitor e assistente dos seminaristas do curso de Teologia. Também contribuiu como professor de Teologia Pastoral na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), além de atuar em instâncias de articulação com outros bispos da Igreja.
Em 09 de maio de 2018, foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo diocesano de Vacaria/RS, onde atua desde então.
Com a efetivação de Dom José Ionilton como presidente da CPT, Dom Silvio aceitou o convite e assumiu a vice-presidência da Pastoral, sendo reconduzido ao cargo na XXXVII Assembleia Geral, para o mandato 2024-2027.
Reportagem especial relembra caso de trabalho escravo da década de 1990 que gerou condenação internacional do Estado brasileiro e as repercussões do processo nos dias de hoje
Por Andrea Magalhães/Natália Pianegonda | TST
Barracões para alojamento de trabalhadores encontrados em fiscalização em 1997. Foto: Divulgação/CPT
Homens e adolescentes que trabalhavam mais de 12 horas por dia, alojados em barracões cobertos de plástico e palha, aglomerados em redes para dormir. Banheiro não existia. A água para higiene pessoal e consumo era a mesma dos animais. Eram cidadãos brasileiros recrutados para o trabalho rural com a promessa de salários atraentes e a ilusão de uma vida digna.
Ao chegarem à fazenda, eram informados de que já estavam devendo as despesas de transporte, alimentação e alojamento - a chamada servidão por dívida. Vigilância armada, violência física e ameaças eram parte da rotina de trabalho.
Essa história de violação de direitos humanos que, com o conhecimento de autoridades brasileiras, perdurou por mais de dez anos, é o tema da segunda reportagem da série especial “Violação de direitos humanos e o Brasil no banco dos réus”, em que o TST aborda processos em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) reconheceu a responsabilidade do Brasil em relação a direitos de trabalhadores.
Ela será dividida em duas partes. Na primeira, o foco é a série de omissões que levou o caso à corte internacional e à condenação do Brasil. A segunda parte trará o relato de vítimas e a reação das instituições brasileiras a partir da responsabilização do Estado.
Primeiro caso de trabalho forçado
O local em que se passa a história é a Fazenda Brasil Verde, em Sapucaia, no sul do Pará. Entre 1989 e 2002, mais de 300 pessoas vítimas de trabalho análogo ao escravo foram identificadas lá. Somente entre 1997 e 2000, o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 128.
A propriedade, voltada para a criação de gado, pertencia, na época, a João Luiz Quagliato Neto, que, com três irmãos, comanda o Grupo Quagliato.
O caso foi o primeiro julgado pela Corte IDH relacionado ao artigo 6º, inciso 1º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: “Ninguém deverá ser obrigado a prestar trabalho forçado ou obrigatório, sendo proibido o tráfico de mulheres e escravos”. O Brasil foi responsabilizado internacionalmente por uma série de violações.
Primeiras denúncias e morosidade do Estado
As denúncias começaram a vir à tona em 1988, exatos 100 anos após a Lei Áurea, que aboliu formalmente a escravidão no Brasil. Naquele ano, familiares de dois adolescentes que haviam desaparecido após serem recrutados para trabalhar na fazenda procuraram a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em busca de ajuda. O relatório da visita dos agentes da Polícia Federal (PF) à fazenda apontou violações trabalhistas e revelou que alguns trabalhadores fugiam em razão das dívidas, mas concluiu que eles não eram proibidos de sair da propriedade.
No ano seguinte, a CPT denunciou o caso ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em Brasília, e, em 1992, ao Ministério Público Federal. De 1992 a 1996, as respostas dos órgãos indicavam insuficiência de provas e prescrição dos crimes.
A partir de 1995, o Estado brasileiro reconheceu a existência do trabalho escravo e passou a tomar medidas para combatê-lo. Entre elas estava a criação do Grupo Interministerial para Erradicar o Trabalho Forçado (Gertraf) e do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que atuava em zonas rurais para investigar denúncias.
Fiscalizações identificam trabalho escravo
Em 1996, uma fiscalização do Grupo Móvel localizou 78 trabalhadores sem registro e uma série de irregularidades na Fazenda Brasil Verde. Mas as violações continuaram.
Em 1997, dois trabalhadores - José da Costa Oliveira e José Ferreira dos Santos - conseguiram fugir e denunciaram o caso à Polícia Federal. Nova ação do Grupo Móvel resgatou 81 pessoas. Os fiscais identificaram barracões cobertos de plástico e palha, trabalhadores doentes e sem assistência médica, falta de condições de higiene e água imprópria para o consumo. Eles também eram ameaçados e proibidos de deixar o local.
A despeito de todas as ações na fazenda (em 1989, 1993, 1996 e 1997), a Brasil Verde continuou a funcionar durante toda a década de 1990, reforçando a omissão e a inércia do Estado brasileiro diante da violação à dignidade humana.
Empurra-empurra na Justiça
Um dos aspectos dessa omissão foi o empurra-empurra sobre a competência para o julgamento das ações penais contra o proprietário da fazenda, João Luiz Quagliato Neto, o gerente, Antônio Alves Vieira, e o “gato” - recrutador dos trabalhadores - Raimundo Alves da Rocha.
Em 1998, o Ministério Público Federal apresentou a primeira denúncia. Em 1999, a Justiça Federal autorizou a suspensão condicional do processo penal contra o proprietário, que passou a ter apenas de entregar seis cestas básicas a uma entidade beneficente de Ourinhos (SP), cidade de origem da família.
Em 2001, o juiz federal vinculado à causa declarou-se incompetente para julgá-la, e o caso foi para Justiça Estadual, que, em 2004, fez o mesmo. Em 2007, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a competência era da Justiça Federal, mas, no ano seguinte, a ação penal foi extinta em razão da prescrição dos crimes. Além disso, ao declarar a prescrição, a decisão registra que as provas eram “inúteis” para a instrução penal.
Nova fiscalização, novo flagrante, novo processo, novo empurra-empurra
Em março de 2000, dois jovens trabalhadores também conseguiram fugir da fazenda. Ao tentarem denunciar o caso, porém, o atendimento foi negado pela Polícia Civil em Marabá - pois era Carnaval, e o delegado não estava de plantão, conforme relata a sentença da Corte IDH. Eles vagaram por dois dias pelas ruas da cidade e foram à Polícia Federal, onde foram orientados a procurar a Comissão Pastoral da Terra.
A denúncia motivou nova fiscalização do Ministério do Trabalho. Mais de 80 pessoas, incluindo adolescentes, foram encontradas em condições degradantes, submetidas a jornada superior a 12h, com apenas meia hora para almoço. Os fiscais também constataram casos de agressão física, ameaças de morte, vigilância armada, retenção da carteira de trabalho e assinatura de contratos em branco pelos trabalhadores.
Uma nova ação penal foi ajuizada e, mais uma vez, a Justiça Federal se declarou incompetente. Na Justiça Estadual, não se sabe o que ocorreu. “O Estado informou à Corte que não existia informação sobre o que teria ocorrido com este processo e que não havia podido localizar cópias dos autos da investigação”, destaca a Corte IDH na sentença.
Na Justiça do Trabalho, o caso chegou apenas em 2000, com uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra o proprietário da fazenda. Em audiência de conciliação, ele se comprometeu a não permitir mais a prática e a melhorar as condições no local. Nos dois anos seguintes, os fiscais indicaram que as medidas estavam sendo cumpridas.
Vítima fica em situação vexatória
“A pessoa escravizada vive uma situação vexatória em que claramente não consegue exercer seu direito de cidadania básico, que é o de exigir que o Poder Judiciário lhe assegure condições de trabalho decentes e a remuneração justa pelo trabalho prestado. Isso faz com que a Justiça do Trabalho não seja acionada de imediato”, analisa o ministro Augusto César, do TST, coordenador do Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante.
Ele observa que, quando as fiscalizações que resultam no resgate de pessoas, a prioridade é tentar regularizar os pagamentos dos salários e das indenizações devidas, além de benefícios sociais e do seguro-desemprego. “Isso, em princípio, retira a urgência da ação trabalhista”.
Caso é denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Antes mesmo das decisões da Justiça brasileira sobre o caso, em novembro de 1998, o caso da Fazenda Brasil Verde foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela CPT e pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil).
O coordenador da Campanha Nacional da Pastoral da Terra contra o Trabalho Escravo, frei Xavier Plassat, relata que, apesar da prática recorrente no Brasil, o caso da Brasil Verde era emblemático.
“As denúncias só aumentavam junto ao governo brasileiro, mas mesmo assim não surtiram o efeito esperado de responsabilização dos envolvidos e de reparação das vítimas. Foi por essa recorrência e pela ausência de atitude eficaz do Estado e do Judiciário que recorremos à Comissão”, explica.
Responsabilização internacional e recomendações não cumpridas
Em 2011, a CIDH emitiu o Relatório de Admissibilidade e Mérito 169/11, em que responsabilizou o Brasil pela violação de direitos humanos, do direito à integridade física, psíquica e moral e por não coibir a prática da escravidão e da servidão. O relatório contemplou uma série de recomendações a serem implementadas pelo governo no prazo de dois meses - adiado por dez vezes -, que não foram cumpridas.
Primeira condenação internacional
Em 2015, a CIDH submeteu o caso ao julgamento da Corte. Em 2016, os juízes condenaram o Brasil e declararam, pela primeira vez, a responsabilidade internacional de um Estado pela violação do direito de não submissão à escravidão e ao tráfico de escravos, por violação às garantias judiciais de devida diligência e de prazo razoável e por violação à proteção judicial.
A sentença da Corte IDH destaca que o governo tinha conhecimento dessa prática, em específico na Fazenda Brasil Verde, desde 1989. Mesmo assim, não adotou medidas razoáveis para interrompê-la e preveni-la.
Entre as cinco determinações, a Corte estabeleceu que o Brasil deveria reabrir as investigações e os processos penais relacionados aos fatos constatados em março de 2000 para identificar, processar e, se fosse o caso, punir os responsáveis. Também deveria adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não fosse aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas formas análogas.
A sentença também determinou o pagamento, no prazo de um ano, de indenização por dano imaterial de US$ 40 mil (cerca de R$ 217 mil, atualmente) para cada trabalhador encontrado na Brasil Verde nas fiscalizações de abril de 1997 e de março de 2000.
Cumprimento da sentença
Segundo informações atualizadas da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa reparação foi parcialmente cumprida. Nem todas as vítimas puderam receber o que era de seu direito. Nesse caso, soma-se à morosidade do Estado a dificuldade de localização dos trabalhadores ou de seus herdeiros.
Muitos dos pagamentos somente foram possíveis graças à mobilização da Pastoral da Terra. Segundo Frei Xavier, 54 vítimas ainda não foram localizadas para receber as indenizações. “Algumas vivem em residências precárias ou estão em situações de muita vulnerabilidade social”, relata.
Fazendeiro é condenado pela Justiça brasileira após nova ação
Após a sentença da Corte, o Ministério Público Federal apresentou nova denúncia criminal contra o proprietário da fazenda, com base na fiscalização realizada nos anos 2000. Em 2023, ele foi condenado pela Justiça Federal, em primeira instância, a sete anos e seis meses de detenção.
Repercussões da condenação pela Corte IDH
A sentença da corte serviu como um catalisador para a implementação de mudanças. Na esfera penal, a prática passou a ser considerada crime, previsto no artigo 149 do Código Penal, com pena de reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência.
Hoje, o que se espera é que este crime se torne imprescritível, para evitar o arquivamento de muitos processos em andamento.
Por CPT Rondônia
“As palavras que a gente sente é saudade e memórias” (Tapuya Mura)
(Foto: Coletivo de Jovens - Conhecendo o plantio de café conilon e fazendo troca de saberes sobre boas práticas)
Juventudes do coletivo de jovens dos Povos e Comunidades Tradicionais em 2024 realizam, com aliados e aliadas dos povos das florestas, diversas iniciativas em formação na comunicação popular e comunitária, como estratégia de força conjunta diante às ameaças em seus territórios, com a assessoria do grupo de pesquisa e extensão REC - Rádio, Educação e Cidadania da Universidade Federal de Rondônia, em parceria com o Fundo Casa. A força das encantarias, da espiritualidade na ancestralidade marcam cada encontro.
Ao todo, foram duas oficinas, a primeira realizada entre os dias 10 a 12 de maio nas RESEX Piquiá e Castanheira, localizadas em Machadinho D’Oeste, e a segunda entre os dias 28 a 30 de junho na RESEX Rio Ouro Preto, em forte aliança com o Coletivo de juventude Rio Ouro Preto Sustentável - CROPS, Comissão Pastoral da Terra, Coletivo Mura, Comitê de Defesa da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira - COMVIDA, Associação dos Seringueiros Agroextrativista do Baixo Rio Ouro Preto - ASAEX com apoio do Instituto Chico Mendes - ICMBIO Uc Guajará-Mirim.
O primeiro encontro e re-encontro de vivência com a juventude foi na RESEX Piquiá. A juventude esteve conhecendo a história de seu Manoel Rodrigues, de 76 anos, que vive ao lado da RESEX e é seringueiro desde o Vale do Anari e de dona Agenora, sua irmã, que acolheu todo o grupo, e preparou pães caseiros com sua receita tradicional. Sua prima, Amélia, nos recebeu na tarde do sábado na sua colocação na RESEX Castanheira, apresentando a prensa da borracha, seringueiras cortadas e contou sua realidade como mulher do seringal.
Com destaque à história, cuidado e memória de tantas mulheres e meninas que cresceram em contexto dos seringais na Amazônia e que assumem até hoje papéis centrais em suas comunidades, partimos com esperança para outra parte da história dessa família, agora na RESEX Piquiá conhecer a colocação do seu João Macedo, seringueiro e membro da OSR, que apresentou a prensa e os sapatos da borracha, o corte das seringueiras e conhecimentos sobre a extração e sua história de vida com a seringueira.
(Foto: Coletivo de Jovens - Sapato de Borracha da colocação Piquiá)
(Foto: Coletivo de jovens - Seu Manoel e seringueira plantada por ele)
Navegando do Rio Machadinho para o rio tradicional Rio Ouro Preto, e ancestral Tau’Pana dos povos indígenas, a canoa leva a juventude para a segundo encontro de Educomunicação, na RESEX Rio Ouro Preto. Com momentos de muita espiritualidade e mística, fizemos a memória das experiências dos outros territórios e da história da reserva que acolhe a nova etapa, e no outro dia iniciamos a vivência pelo território. No sábado, conhecemos a comunidade Nossa Senhora do Seringueiro, e à tarde construímos o debate sobre o tema da defesa dos rios, povos e florestas na prainha do rio Ouro Preto.
Dentro da programação pudemos fazer um momento de vivência também com a comunidade Nossa Senhora do Seringueiro, de acesso pelo rio. Ao som dos tambores, dos maracás e dos cantos e clamores de ancestrais, a emoção imensa ao sentir a história da família de dona Francisca caminhando pelas águas e mata na mesma rota que fazia para chegar em sua comunidade com suas filhas. Na comunidade, conhecemos as usinas de babaçu e castanha, a primeira escola municipal Manoel Manuzak guiados pela comunidade e grupo COMVIDA, e o plantio de café conilon.
Temos que destacar a figura de uma mulher, filha de dona Francisca, que liderou processos de luta e hoje permanece na memória da comunidade, que em espírito ventilou as árvores, aqueceu nossos corações e esteve presente. Missilene Augusto, presente, presente, presente!
(Foto: Coletivo de jovens - Travessia rio Ouro Preto/ Tau’Pana)
(Foto: Asaex - Usina do Babaçu)
No último dia pela manhã, trabalhamos a metodologia, os desenhos, poemas e afetos sobre o território e nossas experiências para a produção dos memoriais de vida, fruto do trabalho pela comunicação popular e das florestas, com a assessoria do grupo REC que coordenou o espaço. Ao final, finalizamos a mística com o ato de devolver ao rio suas pedras encantadas, mentalizando o sonho de cada um e uma, lançados por mãos de jovens, comunidade, lideranças, crianças, mulheres e idosos ao rio.
(Foto: ASAEX - Ritual espiritual final)
Em registro do seu desenho, seu Matogrosso, ancião da Rio Ouro Preto, insere a mensagem “Eu fico triste quando vejo a floresta em chama e mais triste ainda quando vejo os drones jogando os inseticida e destruindo nossa fauna…tudo isso está se acabando porque a ganância do latifúndio está aumentando cada vez mais, e nós queremos nosso rio sem poluição e nossa floresta em pé”.
(Foto: REC - Seu Matogrosso)
Há em todo contexto de lutas e resistências históricas das comunidades tradicionais e originárias amazônicas frente à expansão de grandes projetos colonialistas, ancoradas hoje na expansão das fronteiras agrícolas, que só fortalecem o agro-hidro-negócio e a hostil realidade da violência no campo, orquestradas especialmente pelo latifúndio, fazendeiros, madeireiras, com a grilagem de terras e das milícias armadas, a permanência viva das memórias e saudades de tempos que permanecem em suas identidades, no corpo, alma e coração daqueles que permanecem em vida ou em espírito, manifestando seus ancestrais com esperança.
São jovens, crianças, mulheres, homens, em territórios de múltiplos sentimentos, cosmovisões, espiritualidade, e vida. Gritamos mais uma vez contra a morte, e apontamos para o registro daqueles que tecem o Bem Viver, em seus modos, em suas malocas, tapiris, com seus maracás, tambores, flautas, porongas, e redes. Gritamos principalmente pela auto-afirmação da memória ancestral dos mais jovens, mas sobretudo pela defesa de nossas mães, tios, avós, sabedores, caciques, anciãos, lideranças, matriarcas e de toda mãe terra que nos apresenta todos os dias o anseio de continuar, de mãos atadas e sonho vivo.
Rede dos Povos de Rondônia
Entre os dias 21 a 24 de agosto de 2024 convidamos cada um e cada uma a ser presença no quinto encontro da Rede dos Povos de Rondônia, que será realizado na base do Pompeu, da RESEX Rio Ouro Preto, com os temas: espiritualidade, protocolos de consulta, implicações do crédito de carbono, comunicação e juventude, direitos da natureza, terra e território e resistência das mulheres.
Confira abaixo mais imagens:
(Foto: ASAEX)
(Foto: Coletivo de Jovens)
(Foto: REC)
(Foto: REC)
(Foto: Coletivo de Jovens)
(Foto: Coletivo de Jovens)
(Foto: Coletivo de Jovens)
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