Nesta terça-feira, 8 de dezembro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota sobre o momento nacional. Confira o documento na íntegra:
“Araguaia” será lançado amanhã, 9 de dezembro, em Goiânia, a partir das 09h00, durante o Seminário de Mídia e Cidadania e Mídia e Cultura – SEMIC, na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG).
No mesmo dia, a partir das 17h30, ele será lançado em Palmas, na I Conferência Estadual Conjunta de Direitos Humanos do Tocantins, no Centro Universitário de Integração entre Ciência, Cultura e Arte – CUICA da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Após a exibição do filme em Goiânia, haverá, ainda, a mesa redonda “Ditadura, memória e desigualdade”, com os debatedores:
MEDIADOR – Juarez Ferraz de Maia: Doutor em Comunicação pela Universidade Paris 8 - França. Graduado em Jornalismo pela universidade de Bruxelas- Bélgica. Ex-Líder estudantil nos anos 68, preso em várias ocasiões. Condenado pela justiça militar como membro da Var-Palmares. Exilado, viveu e trabalhou no Chile de Salvador Allende, de onde foi expulso, após o golpe do general Pinochet. Viveu e trabalhou em Moçambique, entre os anos de 1976 a 1987, onde exerceu a função de Diretor do Gabinete de Comunicação Social. Atualmente é professor Associado do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás.
Romualdo Pessoa Campos Filho: Possui graduação em História pela Universidade Federal de Goiás (1988), mestrado em História pela Universidade Federal de Goiás (1995) e doutorado em Geografia pela mesma Universidade. Desde 1995 é professor da Universidade Federal de Goiás. Foi Secretário Regional da SBPC-GO por duas vezes, Superintendente de Ciência e Tecnologia (SECTEC-GO), em 2003/20004, e presidente da Associação dos Docentes da UFG de 2005 a 2007. Compõe atualmente a Comissão de Altos Estudos do Centro de Referências das Lutas Políticas no Brasil, 1964-1985, Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.
Frei José Fernandes Alves: Frade dominicano, especialista em Direitos humanos, Vice Coordenador da Comissão dominicana de Justiça e Paz do Brasil e membro da CBJP da CNBB.
Terezinha Souza Amorim: irmã do guerrilheiro Goiano Nunes (Divino Ferreira de Souza), torturado e morto em 13 de outubro de 1973 pela equipe do coronel Lício Maciel durante a Guerrilha do Araguaia.
João de Deus Nazaro de Abreu: Camponês da região de Xambioá – TO, torturado junto de sua esposa pelos militares durante a Guerrilha do Araguaia e a Guerra dos Perdidos no Pará na Década de 70.
Goiamérico Santos: Pós-Doutor em Comunicação (UNISINOS; UNROS – Argentina); Doutor em Letras (PUC-Rio); Mestre em Letras e Linguística (UFG); Graduado em Letras (PUC-GO).
Josias Gonçalves: Camponês e Guerrilheiro, lutando no Destacamento B ao lado do grande líder da Guerrilha Osvaldão morto na Guerrilha do Araguaia na década de 1970.
Sinopse do Filme: A Guerrilha do Araguaia foi uma parcela na longa cadeia das lutas populares do Brasil, como por exemplo, a Cabanagem, Guararapes, Canudos, Contestado, Revolta da Chibata e Quilombo dos Palmares. Foi um movimento rural armado cujo combate mobilizou o maior número de tropas brasileiras desde a II Guerra Mundial, que ocorreu entre 1966 a 1975 no Sul do Pará, numa batalha desigual entre combatentes revolucionários do PC do B e camponeses, contra as forças de repressão do regime civil militar imposto ao país com o golpe de 1964. Foi uma luta pela liberdade e pela democracia em nosso país, que desde então sua luta permanece contra o esquecimento e a falta de justiça por aqueles que as sequelas acompanham até os dias atuais. 40 minutos.
Ficha técnica:
Direção, roteiro, montagem – Dagmar Talga
Edição, arte gráfica – Deivid Eduardo Borges
Imagens: Dagmar Talga, Murilo Mendonça Oliveira de Souza, Janiel Divino de Souza
Trilha: Eduardo Paiva, Dagmar Talga
Produção: Murilo Mendonça Oliveira de Souza, Janiel divino de Souza, Dagmar Talga, Frei José Fernandes Alves, OP., Flávio Alves Barbosa, Vilma Ribeiro de Almeida.
Produção Executiva: Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, Conferência Interprovincial Dominicana da América Latina e Caribe – CIDALC, CPT-TO, Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo – GWATÁ , Universidade Estadual de Goiás – UEG, Frades Dominicanos Aragominas – PA.
Realização: Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil e Essá Filmes
Duração: 40 min
Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, divulga Nota sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais. Confira o documento:
“Toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8,22)
O Conselho Episcopal Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília dias 24 e 25 de novembro de 2015, manifesta sua profunda solidariedade aos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineradora, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana-MG. Com o mesmo sentimento expresso pela nota da Presidência da CNBB em solidariedade à Arquidiocese de Mariana, emitida no dia 11 de novembro, assistimos, atônitos e indignados, ao rastro de destruição e morte, consequência dessa tragédia, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, cujas causas devem ser rigorosamente apuradas e os responsáveis obrigados a reparar os danos causados.
As vidas dos trabalhadores e moradores tragadas pela lama, bem como a fauna e flora destruídas exigem profunda reflexão acerca do desenvolvimento em curso no país. É preciso colocar um limite ao lucro a todo custo que, muitas vezes, faz negligenciar medidas de segurança e proteção à vida das pessoas e do planeta. Com efeito, lembra-nos o Papa Francisco que “o princípio da maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é uma distorção conceitual da economia” (Laudato Si, 195).
A atividade mineradora no Brasil carece de um marco regulatório que tire do centro o lucro exorbitante das mineradoras ao preço do sacrifício humano e da depredação do meio ambiente com a consequente destruição da biodiversidade. Urge recordar que “o meio ambiente é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade e responsabilidade de todos” (Laudato Si, 95). Lamentavelmente, esta grave ocorrência nos faz perceber que este princípio não é levado em conta pelo atual desenvolvimento que tem o mercado e o consumo como principal finalidade.
As consequências do desastre ecológico são incalculáveis e os danos só serão reparáveis a longo prazo em toda a Bacia do Rio Doce. É dever moral do Estado fiscalizar a atividade mineradora e aplicar, com rigor, a lei, aperfeiçoando-a nos pontos em que se mostrar insuficiente ou falha. Aos parlamentares cabe a responsabilidade ética de rever o projeto do novo Código de Mineração, em tramitação na Câmara dos Deputados, a fim de responder às exigências para uma mineração que leve em conta a preservação da vida em todas as suas dimensões. Os legisladores não podem se submeter ao poderio econômico das mineradoras. A vida, o trabalho, a história e os sonhos que foram destruídos sejam motivos para que fatos como este não se repitam.
O Deus de amor, que nos enche de esperança e força, ajude os atingidos nos caminhos de reconstrução da vida por meio da justiça que lhes restaure o que perderam. Nossa Senhora Aparecida, mãe atenta à aflição de seus filhos, interceda por todos junto a Jesus Cristo.
Brasília, 25 de novembro de 2015.
Dom Sergio da Rocha - Arcebispo de Brasília-DF - Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger - Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA - Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner - Bispo Auxiliar de Brasília-DF - Secretário-Geral da CNBB
“A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas”, avalia Roberto Malvezzi, da Pastoral da Terra.
(Rede Brasil Atual)
São Paulo – A crise de abastecimento de água vivida hoje pelo país, que também afeta a produção de energia hidrelétrica, tem um horizonte que vai além da seca histórica pela qual o país passa. “A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas”, avalia Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Juazeiro, na Bahia.
Nascido no interior de São Paulo e formado em Filosofia, Estudos Sociais e Teologia, Malvezzi luta em defesa do direito à água desde os anos 1980, quando se mudou para a região das comunidades rurais de Campo Alegre de Lourdes, na divisa da Bahia com o Piauí, área em que a única água disponível era o líquido barrento dos açudes, em que o uso humano e para animais era partilhado.
Desde então, Malvezzi lutou contra a ditadura e defendeu as populações realocadas pela barragem de Sobradinho. Tudo isso convivendo com amebas da água barrenta durante 20 anos. Ele foi também coordenador nacional da CPT por mais de seis anos. Atualmente, Malvezzi vê entre os principais resultados de luta pela água no semiárido nordestino a consolidação de cerca de 1 milhão de cisternas, que mudou a realidade das populações rurais difusas do sertão, extinguindo processos como os de migrações, de saques e também de mortalidade infantil. Mas isso é um dado positivo resultado da mobilização, frente ao modelo econômico de exploração que está afetando a produtividade dos rios do país.
“A impressão que eu tenho é que o governo e o poder econômico abandonaram totalmente a ideia da revitalização”, afirma, ao referir-se ao rio São Francisco, que de uma vazão histórica de 3 mil metros cúbicos por segundo, hoje conta com apenas 900 metros cúbicos por segundo. “Em Juazeiro e Petrolina, a mídia local está defendendo a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Esse é a pauta da mídia aqui no momento”, afirma o ativista, atualmente morador de Juazeiro, na Bahia, e para quem o sucesso das obras de transposição do rio São Francisco depende também de sua revitalização.
Nesta entrevista à RBA, Malvezzi traça um panorama da crise das águas no país, e arrisca o prognóstico de que somente uma mudança de modelo, e portanto de mentalidade, poderá resgatar a preservação de recursos hídricos. Ele também critica a insistência dos neoliberais em defender o mercado de outorgas, que transformaria definitivamente a água em um produto fundamentalmente voltado ao lucro, e lamenta a morte do Rio Doce, com a ruptura das barragens de rejeitos em Mariana. "O modelo econômico parece que tem ódio, eu diria, um ódio entre aspas, de florestas e rios. Não se sabe conviver", afirma.
Como o sr. avalia de forma geral a situação das águas no país hoje?
A crise não é produto de um só fator, mas resulta de um processo histórico de destruição dos elementos fundamentais que garantiam o ciclo das águas. Com o desmatamento da Floresta Amazônica, segundo cientistas como o Antonio Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Amazônia está perdendo o poder de injetar água na atmosfera, o tal rio aéreo, que leva a umidade para a região dos Andes, de São Paulo, Buenos Aires, e até a Patagônia. Então, essa é uma consideração interessante.
O segundo fator é a destruição do cerrado, porque grande parte das origens das nossas águas está na Amazônia, mas o grande depósito que reserva as águas provenientes da Amazônia é o cerrado, pelas próprias características do bioma de solo poroso, e muitos rios que nascem ali na bacia dos rios Araguaia e Tocantins, rios que vão na direção da Bacia do Pantanal, do Paraná, inclusive rios e aquíferos que abastecem o Rio São Francisco. Então, é interessante perceber que a água que a gente bebe do Rio São Francisco de alguma forma tem origem na própria Amazônia.
E no ciclo geral das águas, no processo de evapotranspiração, pluviosidade e armazenamento essas águas alcançam o resto do Brasil. Não vêm apenas daí, tem algumas águas que vêm diretamente dos oceanos, mas grande parte vem desse processo na Amazônia. Com a destruição da Amazônia e do cerrado nós temos a fragilização, pelo menos até agora, com o risco da ruptura do ciclo das águas brasileiras. O desmatamento basicamente atende às madeireiras, a agricultura e o ciclo do gado.
E a seca histórica que se abateu no país nos últimos tempos? Isso não seria um fator a ponderar nessa análise?
Há mais fatores além desse processo de fragilização do ciclo das águas. Nós temos essa seca, que se espalha por todo o território nacional, mas a dúvida que vai ficando é se as mudanças climáticas estão fazendo com que essa seca seja uma parte do ciclo histórico das águas, ou se as mudanças climáticas vão tornar isso cada vez mais constante e mais frequente. Esta última hipótese é a opinião de muitos especialistas. Aí você tem três fatores: o desmatamento, com tudo o que acarreta no cerrado e na Amazônia para o ciclo das águas; o segundo é uma coincidência de uma seca histórica, mas que pode estar sendo agravada pela própria mudança climática, que é o terceiro fator, que pesa sobre todo o globo terrestre e que vai ter efeitos diferenciados em cada região do planeta...
E não dá para saber quanto essa seca é agravada pela mudança climática...
Não temos noção exata, mas uma coisa é certa. O El Niño, esse fenômeno que aquece as águas do Pacífico e faz com que chova muito no Sul e Sudeste está mais severo. A temperatura é mais alta e também as águas do Pacífico estão mais quentes. É um fenômeno grave que pode ser acelerado e intensificado pelo aquecimento global.
Por que o sr. defende que estamos em uma crise civilizatória, se considerarmos o ponto de vista da questão das águas?
A crise hídrica é uma das expressões de uma crise de civilização. É uma civilização que demanda mais da natureza do que ela é capaz de repor. O consumo é muito mais rápido do que o tempo que a natureza precisa para se recompor. Esse processo é global, de consumo intenso dos combustíveis fósseis, que provocam o aquecimento global. A derrubada das florestas e das matas no munto inteiro também contribui para a liberação de CO² na atmosfera, todo esse processo também resulta na mudança e nas alterações do ciclo das águas.
É o que está acontecendo na Amazônia. Você tem um processo de destruição da floresta para a entrada do gado, das madeireiras, então, você tem também o uso intenso da água de uma forma que nós não tínhamos, sobretudo na irrigação, o uso múltiplo da água, como no Rio São Francisco. É um modelo que está sendo estendido agora aos territórios do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, em que o agronegócio pretende intensificar o cultivo de grãos, e para isso precisa devastar mais ainda o cerrado – fala-se em mais 160 milhões de hectares. Quando você devasta o cerrado, você compacta o solo e as águas da chuva já não penetram no solo, não abastecendo os aquíferos. A crise hídrica não é isolada da crise climática, do empobrecimento dos solos, nem da erosão da biodiversidade. Ela faz parte desse processo destrutivo que o modelo civilizatório causa sobre a natureza.
Quanto o modelo de gestão das águas criado pelo Fernando Henrique Cardoso tem a ver com a crise que estamos vivendo?
Quando o Fernando Henrique era presidente, ele criou as chamadas agências reguladoras, entre elas, a das águas. Mas nós já tínhamos uma legislação, feita inclusive no governo dele. É a Lei 9.433, de 1997, que criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e também criou a política de águas brasileiras. Depois, por influência dos organismos internacionais, como do Banco Mundial e do FMI, eles criaram a agência (Agência Nacional de Águas). Essa agência não estava no sistema, ela foi introduzida posteriormente. A ideia básica que vinha do governo FHC se reproduz hoje em dia, porque são as figuras que estão na Sabesp: Kelman (Jerson, presidente da empresa) e outras figuras que trouxeram para o país essa ideia da criação do mercado de águas, de as águas serem gerenciadas pelo mercado, o preço da água, o valor da água, enfim, aquela ideia neoliberal na chamada gestão das águas.
Só que na minha opinião, esse modelo não foi aceito totalmente, houve resistências, a água no país continua como um bem da União na Constituição, um bem público na lei de recursos hídricos; houve resistência porque no Brasil, na Constituição de 1988, a água continuou como um bem público ou da União. Não pode ser privatizada, mas houve a tentativa logo no começo de se criar o mercado de outorgas, concedendo determinado volume para uma empresa, ou para determinado usuário, e depois se essa água não é utilizada ela volta para o Estado.
Eles tentaram criar a possibilidade de quem receber uma outorga pudesse transferir essa outorga para outro usuário, inclusive vendendo. Mas não conseguiram isso até hoje. A gente vive essa ambiguidade, essa tensão entre a água como um bem público e a água como um bem privado, com valor econômico, preço. A gente vive no Brasil essa tensão, e não perdemos totalmente essa batalha – e eu me coloco do lado da água como bem público –, mas também corremos o risco constante de que esse viés de interpretação seja viabilizado por meio de algum mecanismo meio que escuso.
Como se dá a resistência à criação ao mercado de outorgas?
A resistência tem a sociedade organizada, sobretudo, igrejas, ONGs, sindicatos; e favorável a isso você tem o setor empresarial, que tem os seus intelectuais orgânicos a serviço dessa ideia. Só que essa experiência deu errado no mundo inteiro: na Bolívia, Argentina e França.
Em Paris, o serviço de água foi privatizado e depois voltou para o controle público. Hoje em dia, essa legislação não dá mais conta da realidade, porque atualmente na questão da crise hídrica você tem a exigência de ter outros especialistas, você teria de ter gente da climatologia e o modelo que nós temos, com a Agência Nacional de Águas e o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, eles não trabalham por exemplo com a questão das florestas, dos mananciais, no sentido do ciclo das águas, onde a água se origina; eles simplesmente pegam aquele manancial que está diante dos olhos, criam um comitê de bacia, os poderes econômicos disputam aquela água, e depois se as águas forem federais é a ANA que vai carimbar essa outorga.
Sem ela, as águas federais não podem ser outorgadas. E as águas estaduais dependem das secretarias de Recursos Hídricos dos estados ou do órgão correspondente. O que está acontecendo no Brasil hoje é que nós não temos uma chamada governança hídrica. Os elementos necessários, os especialistas necessários, inclusive, o poder de decisão necessário para preservar o ciclo das águas, os mananciais e as áreas que deveriam ter florestas e matas, tudo isso foi profundamente alterado com o Código Florestal, que destruiu a proteção aos mananciais. O código necessariamente alterou o regime de proteção do ciclo das águas brasileiras. Nós estamos pagando o preço por isso e cada vez mais nessa lógica não há salvação para os rios brasileiros.
A experiência da Sabesp, com gestão voltada à rentabilidade, não nos dá uma dimensão de como funcionaria o mercado de outorgas, ou sr não vê relação?
O que foi criado na Sabesp é uma certa privatização. Embora a empresa ainda tenha o poder público como acionista, e o restante de capital privado, o fato é que a empresa começou a distribuir dividendos aos seus acionistas.
Mas essa distribuição de dividendos estaria presente também no mercado de outorgas?
No caso do mercado de outorgas, vamos supor que na Sabesp em determinado momento tenha água sobrando em alguns reservatórios. Então, alguma empresa, algum irrigante ou alguma fábrica diz 'venda para mim parte de sua outorga, que vocês estão com água sobrando'. A Sabesp poderia vender essa parcela – ou seja, trata-se de um outro sistema de mercado em que se faz a tentativa da privatização do serviço de água. Você passa os serviços de água, que às vezes são municipais e outras estaduais, para empresas privadas que vão gerenciar isso como um produto qualquer, segundo as leis do mercado.
O sr. é crítico do projetos de transposição do Rio São Francisco. Qual o maior problema do projeto em sua opinião?
A gente sempre foi crítico desse projeto de transposição, mas ao mesmo tempo também é favorável que a água seja distribuída para as populações necessitadas como prioridade, como está na lei brasileira, e nas convenções internacionais, que é questão de bom senso, que a pessoa e os animais têm prioridade sobre os demais usos. Então, desde o começo a gente defendia que em vez de fazer uma grande obra fossem feitas adutoras de médio e pequeno portes captando água também do São Francisco, mas não precisava ser só dele, por tubulação e não por imensos canais. Isso já estava no chamado Atlas do Nordeste, da Agência Nacional de Águas.
Então, em vez de uma megaobra seriam cerca de 500 obras fazendo essa distribuição. Mas prevaleceu o projeto grande com finalidade duvidosa, porque ninguém vai fazer uma obra desse porte para o abastecimento humano, e no próprio projeto dizia que a maior parte era para uso dos setores de irrigação, com 70% para irrigação, 26% para o meio urbano (e aí leia-se empresas, comércio e serviços, além do abastecimento humano) e só 4% para a população rural difusa, que era a mais necessitada no semiárido nordestino – hoje a realidade dessa população está bastante mudada, com a questão da captação de água de chuva.
A nossa oposição à obra se dá por conta de seu gigantismo e porque sua finalidade com certeza não é o abastecimento humano. Se você perguntar para o governo ele vai dizer que não, mas estava escrito no projeto que a maior parte é para irrigação. Nossa preferência seria por obras mais simples, com menos impacto ambiental, com menos perda de água, e com o abastecimento humano como prioridade. Mas prevaleceu a grande obra e dizem atualmente que está mais ou menos 70% da transposição concluída.
Esses são os dados oficiais. A gente acha que esse número não é verdadeiro, mas eles estão falando que vão colocar essa água em 2017 pelo menos na Paraíba, que é o chamado eixo Leste, e nós achamos que há uma coincidência eleitoral nisso, só que agora, do jeito que estamos com a situação do Rio São Francisco, está faltando água em Juazeiro e Petrolina, na Bahia, para irrigação local. A Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) deixou de gerar energia elétrica na barragem de Sobradinho, porque não tem água e nós estamos propondo um plano de emergência do rio por um ano, junto com o Ministério Público e estamos propondo que se cancele a geração de energia e grande parte da irrigação para poder ter água para o abastecimento humano.
A viabilidade da transposição depende muito da situação real do São Francisco, além do que a obra depende também da tecnologia de elevação dessa água a 360 metros de altura, do consumo de energia, do preço que essa água vai chegar do lado de lá e de como será feita a distribuição dessa água. Então, a obra é questionável, mas é o que está sendo feito, embora o governo tenha feito depois várias adutoras porque a obra não contempla: teve emergência em Irecê, na Bahia, onde fizeram uma adutora, e em Guanambi (BA), Ouricuri, no Pernambuco, e na região de Serra Talhada.
Na prática, foram dando razão ao que a gente defendia e que a Agência Nacional de Águas tinha proposto. Mas evidentemente a transposição é algo emblemático, simbólico, e depois que surgiram todas essas questões com empreiteiras (na Operação Lava Jato) evidentemente ficou muito mais claro o porquê da opção pela megaobra e não por obras práticas de pequeno e médio portes, o que resolveria a demanda das populações e o abastecimento humano.
Bem, de qualquer modo, a obra já está em sua maior parte concretizada e é agora um dado da realidade. Essa obra para ser eficiente precisa também da revitalização do São Francisco, pois existe um projeto para isso?
A informação que eu tive do Ministério Público da Bahia é que este ano foram reservados R$ 500 mil para a revitalização do rio. Ou seja, você está expandindo o uso do rio, mas a revitalização na prática não existe, a não ser obras de saneamento, isso pode melhorar a qualidade da água, mas não a quantidade que seria necessária na bacia. A impressão que eu tenho é que o governo e o poder econômico abandonaram totalmente a ideia da revitalização. Em Juazeiro e Petrolina, a mídia local está defendendo a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Esse é a pauta da mídia aqui no momento. E aí a gente diz: 'De quê adianta?' Você era um rio que tinha 3 mil metros de água por segundo e hoje só tem 900. De quê adianta buscar cem ou duzentos metros de água no Tocantins, se é que isso é viável, quando você perdeu 2 mil metros cúbicos no São Francisco. Então, você vai de loucura em loucura nesse modelo que não se sustenta, e agrava cada vez mais a situação da crise hídrica brasileira.
Mas haverá um momento em que a revitalização do rio São Francisco vai se impor...
O problema é que para alguns especialistas, inclusive da Universidade do Vale do São Francisco, como o professor José Alves, e também da Universidade de Goiás, como o professor Aldair Sales, o rio está esgotado. Eles foram coordenadores de uma obra monumental chamada Flora das Caatingas do Rio São Francisco, feita por encomenda do Ministério da Integração Nacional sobre o impacto dos canais de transposição na biodiversidade das caatingas. E a conclusão deles, que fizeram percursos de pesquisa diferentes, um sem saber do outro, é que o São Francisco não tem mais retorno.
A frase que eles usam é que 'o São Francisco está inexoravelmente condenado à morte'. E por quê? Porque se trata de um rio que depende do cerrado e uma vez devastado o cerrado não tem mais volta. Os outros biomas brasileiros têm capacidade de regeneração, a Amazônia, a própria caatinga tem capacidade de regeneração, mas o cerrado não, porque ele é um dos biomas mais antigos da Terra, com cerca de 65 milhões de anos. Então, uma vez eliminado, o cerrado não volta mais. Diante dessa situação, esses professores, por caminhos diferentes chegaram à mesma conclusão. E se o cerrado não tem volta, os rios que dependem do cerrado estão morrendo, não é só o São Francisco.
Em 2004, ainda, a gente tinha informação de 1.200 pequenos afluentes do São Francisco mortos e sabemos que 90% dos afluentes do rio estão secos em algum lugar. Corremos o risco de o São Francisco se tornar um rio como outros do semiárido, que correm no tempo que chove, mas quando passa a chuva ficam secos, são rios sazonais, ou intermitentes, como a gente chama aqui no Nordeste. Parece que o destino do São Francisco, segundo esses especialistas, é que ele se torne também um rio intermitente.
Como o sr. vê a situação do Rio Doce depois do rompimento das barragens de rejeitos da mineradora Samarco?
Isso segue a mesma lógica dos outros rios. O modelo econômico parece que tem ódio, eu diria, um ódio entre aspas, de florestas e rios. Não se sabe conviver. Quando eu passava pelo Rio Doce, eu sempre achava ele muito mais devastado do que o São Francisco. Ele era muito mais assoreado, com a lâmina de água mais rasa e suas águas muito mais contaminadas. Eu já tinha passado nessas barragens de contenção de rejeitos de mineração, mas achava que eram algumas barragens e agora se fala em mais de 500 barragens e o cuidado como foi mostrado ali é totalmente inexistente. Até que a barragem estourou e cumpriu todo o percurso do Rio Doce, indo até a foz em um processo de devastação sem precedentes.
No São Francisco você tem também muitas lagoas de rejeitos de mineração. A pergunta que a gente faz é 'vai saber em que situação essas barragens estão'? Qual risco real elas oferecem para os rios brasileiros, sobretudo essas barragens de contenção de mineração? Isso já aconteceu em outros momentos, aconteceu na Bacia do Paraíba anos atrás e agora no Rio Doce e provavelmente, pela situação que está sendo levantada, pode acontecer em qualquer rio, a qualquer momento, desde que você tenha mineração na bacia do rio em questão. Vamos dizer assim, do ponto de vista civilizacional brasileiro, eu vejo isso como perfeitamente lógico, natural, consequente com a mentalidade que impera no trato com os nossos rios e florestas.
O sr. defende com bastante veemência que o primeiro passo seria restaurar o ciclo das águas, por meio de suas nascentes, reverter o desmatamento e tudo o mais. É isso mesmo, seria preciso deixar a natureza respirar um pouco?
Isso vem inclusive dos nossos climatologistas do Inpe, da USP, as pessoas que têm uma noção de como o ciclo das águas acontece e como a natureza cobra respeito. Uma vez ferida, machucada, ela vai tomar outros caminhos que a gente nunca sabe exatamente quais. Quando foi feito o Código Florestal, não era para deputado definir qual é a área de preservação de cada manancial. Isso é a natureza que diz. Você tem no São Francisco lagoas que ficam a sete, oito quilômetros da margem do rio, quer dizer, quando você define que o São Francisco vai ter 100 metros de matas ciliares...
Quem é você para definir algo que é a natureza que define? Você tem de fazer um estudo caso a caso, rio a rio, aquífero a aquífero, para saber qual é a área de recarga de cada um desses recursos. Qual é a área de proteção ambiental de cada nascente, em cada cabeceira de rio, trata-se de respeitar esses processos naturais, que evidentemente não obedecem à ordem da propriedade privada e nem à ordem decretada pelos deputados.
Os processos naturais são autônomos em relação ao que o ser humano define. O professor Antonio Nobre diz que a gente precisaria ter uma verdadeira economia de guerra para você poder dar um descanso para a natureza, para ela poder se refazer. Temos de aprender a lidar com esses processos naturais de uma forma mais respeitosa. Eu costumo lembrar que quando Pero Vaz de Caminha chegou no Brasil e escreveu aquela carta ele disse aquela frase: 'neste país em se plantando tudo dá', mas a frase não termina aí, tem um complemento: 'neste país em se plantando tudo dá por conta das muitas águas que ele tem'.
Esse detalhe do complemento da frase foi esquecido. Nós que já fomos o país com mais água em termos de abundância, com a maior malha de rios do mundo, hoje é preciso colocar em dúvida tudo isso. A Nasa disse há poucos dias, e isso me chamou a atenção, que o Sudeste perdeu cerca de 53 bilhões de metros cúbicos de água e nós aqui no Nordeste perdemos nos últimos anos cerca de 49 bilhões de metros cúbicos. Em um processo devastador como esse nós vamos ter crise hídrica permanente em muitas regiões do país.
Bispos do estado do Tocantins divulgam declaração em favor dos povos, das culturas e das comunidades tradicionais, e contra a PEC 215. Confira o documento:
“Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras falarão” (Lc 19,40b).
Nós, Bispos do Regional Norte 3, da CNBB, do Estado do Tocantins, em meio a raros momentos de alegria, encontro, celebração e confraternização, decorrentes dos Primeiros Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Palmas - TO, recebemos com surpresa, tristeza e indignação a notícia da aprovação, na Comissão Especial da PEC 215 da Demarcação de Terras Indígenas, que retira do poder Executivo e transfere ao poder Legislativo a exclusividade de demarcar terras indígenas. Lamentamos dizer que esta decisão não faz outro que lançar mais lenha na fogueira, acirrar os ânimos, criar melindres e insegurança jurídica e agravar ainda mais os conflitos entre as comunidades indígenas e os produtores rurais.
Somos conscientes que Jogos Indígenas talvez não sejam a única e nem a mais urgente pauta para os povos indígenas. Mas também somos sabedores que festa, cultura, diversão, divertimento e confraternização fazem bem a qualquer povo, especialmente aos povos indígenas. Estes Jogos são para os povos indígenas o que a copa do mundo de futebol e as olimpíadas são para os outros povos.
Em meio a uma crise generalizada - política, econômica, social, moral e de credibilidade – pela qual passa o Brasil, os nossos Deputados, ao invés de aprovarem leis que ajudem o país a reencontrar o caminho do desenvolvimento, ocupam precioso tempo para tirar direitos adquiridos, com muita luta, de quem pouco tem seus direitos respeitados.
A aprovação desta PEC 215 se constitui uma grave ameaça contra os povos indígenas, seus direitos, suas terras, suas culturas e suas vidas. Trata-se de “um decreto de morte”, como já denunciavam bispos e missionários no documento “Y Juca Pirama, em 1973”.
Lamentamos que ainda hoje, em pleno século vinte e um, sejam defendidas ações de genocídio e de extermínio de comunidades indígenas por serem considerados empecilhos à implantação de projetos faraônicos, tais como hidrelétricas, agronegócios e tantos outros que como o MATOPIBA que, com certeza trarão graves consequências para o meio-ambiente e para a vida de centenas de comunidades, diretamente atingidas.
Temos aqui em nossa Região a situação de grave ameaça à sobrevivência do povo Avá-Canoeiro, reduzido a 24 pessoas, que sobrevive sem seu território demarcado, como estrangeiro na sua própria terra. E em nível Nacional, a situação do povo Guarani Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul. São apenas dois exemplos de situações de extrema violência e de sistemática violação dos direitos humanos fundamentais contra os povos nativos, tradicionais, originários do Brasil.
Como pastores de nossas Igrejas Particulares, nos sentimos comprometidos com o meio-ambiente e a vida dos povos indígenas ameaçados. E como o papa Francisco, diante dos trabalhadores precários e da economia informal, dos migrantes, dos indígenas, dos sem-terra e das pessoas que perderam a sua habitação, “digamos juntos e de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”.
E, por fim, nos propondo a ser amplificadores das vozes silenciadas, do sofrimento reprimido e da vida digna destes povos negada. Como profetas da esperança, proclamamos com Jesus: “eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10b).
Em nome da nossa fé e da nossa missão, não podemos ficar calados diante de um dos piores sinais de ofensiva do Estado brasileiro, do poder econômico e político contra os povos indígenas. Não à PEC 215.
Em nome dos 5 bispos do regional da CNBB – Norte 3; Dom Pedro Brito Guimarães- Arcebispo de Palmas; Dom Romualdo Matias Kujawski- Bispo de Porto Nacional; Dom Giovane Pereira de Melo- Bispo de Tocantinópolis; Dom Rodolfo Luís Weber- Bispo da Prelazia de Cristalândia.
Dom Philip Dickmans,
Bispo de Miracema do Tocantins e Presidente do Regional Norte 3 da CNBB.
Palmas, 31 de outubro, mês missionário, de 2015.
O evento também tem o objetivo de debater com a população as diferenças entre a produção saudável de alimentos e a produção industrial padronizada pelo agronegócio.