CPT, sindicatos e movimentos sociais do Pará denunciam a inoperância do governo como responsável pela chacina da fazenda Estiva, em Conceição do Araguaia, com a morte de seis pessoas da mesma família. Leia o documento na íntegra:
Na madrugada do último dia 17, seis pessoas de uma mesma família - o casal Washington Silva e Lidiane Souza, e mais 4 crianças - foram barbaramente assassinadas, no interior da fazenda Estiva, localizada no município de Conceição do Araguaia, Pará. Os autores da violência, que alegavam serem donos do lote ocupado pela família, assassinaram todos que se encontravam na casa, usando de extrema crueldade e sem dar qualquer chance de defesa para as vítimas. Até o momento, a polícia não conseguiu prender todos os envolvidos nas mortes.
Frente a uma violência tão brutal que ceifou a vida de pessoas inocentes, que chocou e revoltou a opinião pública, a pergunta que precisa ser respondida é: de quem é a responsabilidade pelas mortes na fazenda Estiva?
Analisando as causas que resultaram no conflito, não há dúvidas, que a responsabilidade pelas mortes vai além daqueles que praticaram o ato criminoso. Recai também sobre a péssima atuação do INCRA e da Justiça Federal no sul e sudeste do Pará. Em relação à atuação do INCRA é preciso esclarecer que a inoperância do órgão e o despreparo de muitos de seus gestores para atuarem em situações de conflito, tem sido uma das principais causas da ocorrência de situações de violência contra os trabalhadores em muitas ocupações.
A ocupação da fazenda Estiva se arrasta por mais de oito anos sem que o órgão tenha conseguido resolver o conflito e promover o assentamento das famílias. Na área de abrangência da Superintendência do INCRA de Marabá, existe hoje, mais de 100 fazendas ocupadas por cerca de 12 mil famílias que aguardam para serem assentadas. A grande maioria dessas ocupações já se arrasta por mais de 10 anos sem que o conflito tenha sido solucionado. Essa inoperância do órgão possibilita que situações de violência como a que ocorreu na fazenda Estiva ocorra em outras áreas colocando em risco centenas de famílias sem terra.
Outro problema grave, é o despreparo de muitos gestores do órgão - escolhidos por interesses políticos e não por qualificação técnica - para lidarem com conflitos agrários. O caso da fazenda Estiva é exemplo disso. De acordo com as investigações o INCRA teria feito o cadastro da família vítima da violência e a orientado, através da Associação, que ocupasse um lote que já era ocupado pelo autor das mortes. Como o INCRA não foi imitido na posse da área, o órgão não poderia fazer cadastro de famílias e nem dizer quem deveria ficar com o lote A ou B. O INCRA só poderia fazer isso quando a Justiça Federal lhe autorizasse a criar o assentamento, logo após a imissão de posse.
Por outro lado, a morosidade da Justiça Federal das subseções de Marabá e Redenção e a falta de sensibilidade de muitos de seus juízes com a questão agrária, é patente. Na área de atuação dessas duas subseções, tramitam, dezenas de processos que envolvem desapropriação e arrecadação de terras públicas para fins de Reforma Agrária. São mais de 200 mil hectares de terra onde cerca de seis mil famílias sem terra aguardam por uma decisão da Justiça Federal para serem assentadas. Muitos dessem processos se arrastam por anos sem que tenha tido sequer uma decisão de primeira instância. A demora da justiça em decidir sobre o conflito expõe as famílias a toda sorte de violência. Ano passado, dois trabalhadores foram assassinados e outros dois saíram gravemente feridos a tiros por pistoleiros da Fazenda Gaúcha, localizada no município de Bom Jesus do Tocantins. Trata-se de uma área pública federal e o processo tramita há mais de três anos sem que a Justiça federal decida o caso.
Na verdade, vários problemas comprometem a atuação da Justiça Federal no sul e sudeste do Pará. Um deles é que as subseções dessas duas regiões funcionam como espaço de transição para juízes recém concursados. Esses juízes, além de quase nada conhecerem da região, permanecem pouco tempo nessas subseções até que consigam uma remoção, e assim, se omitem em decidir nos processos que envolvem conflitos coletivos pela posse da terra. Outro problema é que, frente à gravidade da questão agrária na região, após muita pressão, o Tribunal Regional Federal decidiu implantar uma Vara Agrária Federal em Marabá. Ocorre que essa Vara Agrária que deveria priorizar os julgamentos dos processos que envolvem a questão agrária, só existe no papel. Nunca funcionou. Não há juiz específico para atuar nessa Vara desde que foi criada, há mais de três anos. Na verdade, de vara agrária, só existe o nome.
Para os Movimentos Sociais que assinam essa nota está claro que, a responsabilidade pela chacina ocorrida na fazenda Estiva, vai além daqueles que apertaram o gatilho e desferiram os golpes que ceifaram a vida de seis pessoas. Na verdade, elas e outras famílias são vítimas da omissão do poder público frente aos conflitos agrários existentes no sul e sudeste do Pará.
Marabá/Conceição, 23 de fevereiro de 2015.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI.
Comissão Pastoral da Terra - CPT.
Movimento Sem Terra - MST.
A diretoria e coordenação executiva nacional da CPT manifesta, através de Nota Pública, sua indignação diante do massacre, de seis pessoas da mesma família, no dia 17 de fevereiro, em Conceição do Araguaia (PA). Enquanto a Pastoral fazia memória dos 10 anos do assassinato de irmã Dorothy Stang, em seguida, mais um crime bárbaro manchou o solo paraense com o sangue dos pobres do campo. Confira a Nota na íntegra:
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT, profundamente chocadas com a notícia do massacre de seis pessoas de uma mesma família, na área rural de Conceição do Araguaia, Pará, vêm a público para externar sua indignação diante de tão brutal crime e para exigir medidas que ponham um fim a situações que propiciem a ocorrência de tão execráveis atos.
Eram passados somente cinco dias da recordação dos 10 anos da morte de Irmã Dorothy Stang, quando o massacre ocorreu. Neste intervalo, vozes do governo haviam afirmado que, devido às medidas adotadas após o triste episódio do assassinato da missionária, os conflitos e a violência no campo no estado do Pará haviam diminuído drasticamente.
O massacre de Conceição do Araguaia, porém, veio desmontar a fala das autoridades. Se de um lado é certo que houve diminuição nos números das violências e dos conflitos, continuam sempre muito presentes as condições que levam, a qualquer momento, a situações como a do massacre que hoje deploramos.
Permanecem inalterados:
- a morosidade dos processos burocráticos que se estendem por anos, enquanto as famílias aguardam o assentamento em acampamentos ou ocupações mais que precários;
- os julgamentos que erigem a direito maior o “direito à propriedade”, em detrimento das exigências do cumprimento da função social da propriedade.
A isso se soma o esfacelamento dos órgãos responsáveis pela reforma agrária, acompanhados de cortes no seu orçamento.
Tudo isso é um triste sinal, uma trágica parábola de como está sendo deixada à barbaridade selvagem, a questão agrária.
Neste caso de Conceição do Araguaia, como sempre em casos de repercussão nacional, ouvimos que dentro de 90 dias, a situação da área onde houve o massacre será resolvida.
A Coordenação da CPT, porém, não acredita em soluções que simplesmente resolvem uma situação concreta, mas nada muda do que as sustenta. São necessárias ações que facilitem o acesso à terra, para os que dela necessitam. O Congresso Nacional, ao invés de propor emendas constitucionais e projetos de lei que limitam os direitos dos povos e comunidades aos territórios dos quais foram esbulhados, deveria aprovar projetos de lei que abram caminhos para o rápido assentamento das famílias sem terra, como propõe a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, na sua 52ª Assembleia, em 2014: “aprovação do projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, que determina a imissão imediata do INCRA na posse dos imóveis desapropriados para fins de Reforma Agrária, uma vez comprovado o cumprimento dos requisitos legais para expedição do mandado, resolvendo-se em ações separadas as impugnações relativas à improdutividade da terra e ao valor do imóvel.” (A Igreja e a Questão Agrária Brasileira no Início do Século XXI, nº 197).
E o poder Judiciário deveria tomar medidas para que os juízes não emitam “sentenças liminares nos conflitos possessórios sem que sejam ouvidas todas as partes, seja verificada a função social da propriedade e seja analisada a consistência das matrículas e dos registros cartoriais dos imóveis em disputa.” (Nª 205)
Só com ações profundamente saneadoras poderão se evitar massacres como o do último dia 17.
Goiânia, 23 de fevereiro de 2015.
A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT
Mais Informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação CPT Nacional) – (62) 4008-6406 / 8111-2890
Antônio Canuto (setor de comunicação CPT Nacional) – (62) 4008-6412
Tal contexto reforça a existência de milícias armadas com intuito de atacar comunidades indígenas e suas lideranças. Não é a primeira vez que tais indícios reforçam algo que já não é mais uma tese, mas possui elementos concretos.
(Matias Rempel - do CIMI)
Segundo denúncia realizada junto ao Ministério Público Federal (MPF), na manhã do último dia 7, um jovem Kaiowá de 17 anos foi sequestrado por um grupo armado, nas imediações de Naviraí (MS), e submetido a sessões de tortura – espancamentos e pressão psicológica. O indígena vive em acampamentos que compõem a Terra Indígena Santiago Kue, localizados às margens da BR-163, trecho que liga as cidades de Juti e Naviraí.
Tal contexto reforça a existência de milícias armadas com intuito de atacar comunidades indígenas e suas lideranças. Não é a primeira vez que tais indícios reforçam algo que já não é mais uma tese, mas possui elementos concretos. A finalidade desses bandos criminosos é a de impedir os indígenas de terem acesso a seus territórios tradicionais, sobretudo aqueles já demarcados ou identificados pela Funai.
Segundo o relato que acompanha a denúncia, o relógio marcava 11 horas da manhã quando o jovem Kaiowá voltava da cidade de Naviraí, caminhando ao longo da BR-163, após a jornada cotidiana de trabalho. Quando passava pelo trecho que fica em frente à fazenda conhecida na região como “Central”, próxima ao posto da Polícia Rodoviária Federal, foi abordado violentamente por um grupo armado constituído de aproximadamente 20 homens, que estavam em um comboio composto por duas caminhonetes Hilux, uma preta e uma branca, quatro carros populares e mais duas motos.
Com os veículos, rapidamente os jagunços cercaram o jovem, que ficou sem nenhum poder de reação ou possibilidade de fuga. Os jagunços lhe mostraram as armas, que portavam na cintura. O jovem então foi levado por cerca de 01 Km para dentro das terras pertencentes à fazenda Central. Atrás de uma pequena picada de mato, com acesso a uma barragem, o grupo estacionou. Os jagunços fotografaram o rosto do indígena e passaram a lhe indagar a respeito do nome e aparência das lideranças da aldeia Kurupi.
Sob terror e tensão, o jovem Kaiowá apenas afirmava que não pertencia a referida comunidade. Era o que conseguia dizer. Os jagunços então passaram a espancá-lo e apontaram contra ele o cano das armas, mandando por mais de uma vez que se ajoelhasse para ser executado. De tempo em tempo, apontavam para a barragem dizendo ao indígena que o atariam às pedras e assistiriam a seu afogamento. A violência era para o Kaiowá “cooperasse”. O martírio durou mais de seis horas. Após muitas outras juras de morte, incluindo as lideranças Kaiowá da região, o jovem foi deixado no local. O bando criminoso evadiu-se.
Jagunços monitoram e atacam
O histórico de violência contra as aldeias do entorno de Naviraí evidencia que o atentado não foi por acaso, e nem se tratou de uma ação isolada. Pelo contrário, é infelizmente uma ação padrão de jagunços contratados pelos fazendeiros da região. Tudo indica que existe de fato um grupo que há tempos está constituído como uma milícia armada e que tem rondado a região para impedir o avanço dos indígenas na retomada de seu território tradicional.
Segundo narram indígenas que pedem para não serem identificados, os jagunços têm realizado um forte cerco intencional sobre as comunidades. Observam em piquetes na estrada, sobretudo próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal, a movimentação em toda a região. Do monitoramento resultam tais ações criminosas. Os indígenas afirmam que os jagunços sondam cotidianamente todos os integrantes da aldeia e dos acampamentos que ficam no entorno da fazenda Central. Monitoram e investem contra os indígenas.
A comunidade de Kurupi há tempos vem denunciando, sem efeito, os atentados sofridos. Em outubro do ano passado, houve a tentativa de sequestro de um indígena cadeirante por parte dos jagunços.
A região apresenta diversos casos de ataques e inclusive torturas realizadas contra indivíduos e comunidades indígenas. Os Kaiowá denunciaram estes fatos e ao mesmo tempo solicitaram que as autoridades solicitassem a força policial para fazer ronda no local. O intuito é garantir um pouco de segurança para as comunidades. Nada foi feito até o momento.
Em outubro do ano passado, o Cimi denunciou uma onda de ameaças advindas de fazendeiros da região com o intuito claro de desmobilizar a luta dos indígenas pela reconquista de seu território tradicional – áreas de onde os indígenas foram sistematicamente expulsos por estes mesmos fazendeiros e familiares no passado.
Sem leilões, mas com milícias
Em meados de 2013, começou a circular de forma aberta e pública a informação sobre a realização dos “Leilões da Resistência”, organizado por fazendeiros e sindicatos rurais do Estado do Mato Grosso do Sul. Os organizadores anunciavam orgulhosos que os fundos arrecadados com a venda de gado seriam utilizados para a contratação de segurança privada e compra de armamentos. A Justiça entendeu o leilão como uma forma de injetar recursos em formação de milícia.
A revoltante iniciativa gerou uma onda de denúncias e de grande mobilização por parte do movimento indígena e de seus apoiadores. Por decisão judicial, a realização do leilão foi impedida. A despeito da decisão, os fazendeiros o realizaram. Todavia, a decisão foi a de que o montante arrecadado, cerca de 1 milhão de reais, fosse depositado em juízo e com a utilização vinculada a aprovação das comunidades indígenas.
Pode-se dizer que esta fundamental medida conseguiu brecar a face pública da formação das milícias anti-indígenas, porém trata-se de um ledo engano acreditar que a Justiça conseguiu impedir que na prática, no submundo das ações criminosas, os fazendeiros e ruralistas, dotados de grandes poder econômico, oriundos, sobretudo, da exploração ilegal das terras indígenas, continuem com a arregimentação de jagunços para consolidar a expulsão dos povos originários dos seus territórios tradicionais por meio da força. Chamam a isso de segurança privada.
O caso ocorrido em Santiago Kue é uma boa demonstração de que as milícias continuam sendo formadas e patrocinadas pelos senhores do agronegócio. Conforme apuração da Procuradoria Geral da República (PGR) de Ponta Porã, o assassinato de Nísio Gomes Guarani Kaiowá se deu sob tais circunstâncias. Sob a roupagem de seguranças privados, os fazendeiros continuam organizados. Soma-se a isso a política do governo federal de paralisação das terras indígenas e a intenção da mudança do procedimento de demarcação. Dessa forma, sentem-se os inimigos dos povos indígenas livres para praticar verdadeiros absurdos contra a vida, o bom senso, a Justiça, a democracia e o Estado Democrático de Direito.
Como tudo indica, nas bordas de Naviraí, uma destas milícias armadas domina geograficamente a região habitada secularmente pelo povo Kaiowá, e de onde estes jamais sairão. Praticam abertamente o terror impedindo os indígenas até mesmo de exercerem o direito de ir e vir. Fazem isso a todo momento, inclusive em plena luz do dia. Estão impunes. Espera-se que com mais este episódio de violência, que por sorte não acabou com mais um assassinato entre tantos contabilizados junto aos povos indígenas, medidas sejam efetivamente tomadas com intuito de livrar da morte aqueles que só buscam a vida e a sobrevivência física e cultural de seus filhos e filhas.
Seis colonos da mesma família foram assassinados a golpes de facão. Corpos devem chegar nesta quarta, 18, ao IML de Marabá para perícia.
(Portal G1)
Seis pessoas foram assassinadas, entre crianças e adolescentes, da mesma família, ontem (17) na região da zona rural de Conceição do Araguaia, no sudeste do Pará. Amigos das vítimas da chacina, que pode ter sido motivada pela disputa de terras, lamentaram o crime.
Um casal, seus três filhos mais um sobrinho, com idades de 11, 12, e 14 anos, teriam sido mortos com golpes de facadas no assentamento da Fazenda Estiva. As vítimas despareceram na madrugada de terça (17) e os corpos foram encontrados dentro de um rio que passa na área. A polícia faz buscas na região para encontrar os responsáveis pelo crime.
Na funerária de Redenção, os amigos já aguardam para prestar a última homenagem às vítimas. Fernando era amigo da família há 10 anos. "A vida dele era trabalhar. E a Leidiana era batalhadora do lado dele. Segundo a irmã dela, tem três semanas que eles ganharam essa terra lá”, afirma Fernando.
Morador da cidade de Redenção, Haroldo também conhecia as vítimas. Segundo ele, a família realmente teria ocupado o lote no assentamento há três semanas. "Eles ganharam esse pedacinho de terra na localidade Estiva e estavam lá dentro porque o suposto meeiro não estava cuidando do lote. Parece que o presidente da associação achou por bem coloca-los lá nesse pedaço de terra”, conta Haroldo Araújo, que lamentou a perda dos amigos.
Os corpos devem chegar ainda na manhã desta quarta-feira (18) no Instituto Médico Legal (IML) de Marabá, na mesma região, para necropsia e posterior liberação para o sepultamento.
O delegado Antônio Miranda Neto, que investiga o caso em Redenção, explica que esta mesma terra já foi alvo de negociação e está destinada a reforma agrária, o que pode ter provocado a resistência dos posseiros. Um decreto publicado no dia 22 de setembro de 2010 "declara de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado 'Fazenda Estiva', situado no município de Conceição do Araguaia, Estado do Pará".
Juiz garante permanência de índios na entrada do canteiro de obras de usina enquanto Justiça Federal não julgar mérito da ação movida pela Norte Energia. Confira também o Manifesto assinado por 11 aldeias atingidas pela usina:
(Fonte: ISA)
O juiz Luiz Trindade Júnior, da 3a Vara Cível de Altamira, não garantiu a reintegração de posse pedida pela Norte Energia, empresa responsável pela hidrelétrica de Belo Monte, em construção no Rio Xingu, na região de Altamira (PA). Aproximadamente 100 índios de sete etnias ocupam, desde a madrugada de segunda-feira, a entrada de acesso do canteiro de obras da usina (saiba mais).
Após conceder, ontem, o pedido de reintegração, o juiz voltou atrás hoje, suspendendo-o. A ordem de reintegração permitiria o uso de força policial na retirada de indígenas do local e estabelecia multa de até R$ 20 mil por dia caso houvesse descumprimento.
Trindade Júnior acatou o pedido de reconsideração do Ministério Público Federal (MPF), que argumentava que a competência para esse tipo de decisão seria da Justiça Federal, e não da Estadual, pois o conflito envolve direitos de populações indígenas. A decisão sobre a permanência da ocupação deve ficar suspensa até que a Justiça Federal julgue o pedido da Norte Energia.
“Reduzir a reivindicação desse indígenas a mero dano a patrimônio particular seria uma abstração inaceitável de um conflito que se opera no contexto de um licenciamento federal com riscos reais à sobrevivência étnica desses povos”, afirma a procuradora do MPF, Thaís Santi. Ela explica que, embora a reivindicação dos indígenas ocorra em uma via pública, não há dúvida de que o conflito envolve direitos indígenas.
A investida da empresa Norte Energia retomava uma ordem judicial antiga, de maio de 2014, que pretendia impedir e punir a presença de qualquer indígena nas proximidades do canteiro de obras da usina. “A Norte Energia tenta criminalizar os índios, ela tem feito uma manobra na Justiça Estadual de criminalizar todos ao mesmo tempo, generalizando-os como índios”, afirma Santi.
Em nota, a Norte Energia afirma que "mantém o rigor no cumprimento dos compromissos que beneficiam as comunidades indígenas da área de influência da hidrelétrica".
Licença de Operação
Em meio a uma das maiores ocupações indígenas nas proximidades do canteiro de obras e pendências socioambientais, a Norte Energia decidiu solicitar, nesta quarta-feira, ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) a Licença de Operação para Belo Monte. Se conseguir a autorização, a empresa poderá começar a encher o lago da usina.
Os indígenas enviaram um manifesto ao MPF em que explicam suas reivindicações e repudiam o pedido de Licença de Operação da usina. “Diante de tantas arbitrariedades, a justiça do estado do Pará determinou que nós pagássemos multa para a Norte Energia. Os devedores não somos nós, a Norte Energia é que nos deve!”, diz um trecho do manifesto.
Na carta, os indígenas relatam que estão sem água potável e esgoto: “até hoje nenhum dos sistemas de abastecimento de água e esgoto foram entregues”. Cobram também a construção das bases de vigilância e postos de fiscalização, que garantiriam a segurança das Terras Indígenas impactadas pelo empreendimento, obrigações que a empresa deveria ter cumprido antes mesmo de iniciar a obra em 2011, segundo exigências do licenciamento ambiental.
A pauta de nove reivindicações aponta ainda que os indígenas não conseguem mais sobreviver da pesca no Rio Xingu. Os programas voltados a atividades produtivas, como implantação de roças mecanizadas, aberturas de estradas de castanhais estão atrasados e “não trouxeram nenhum resultado positivo para nenhuma das aldeias”.
O documento traz ainda graves denúncias sobre o descumprimento de condicionantes de responsabilidade do Governo Federal, como a regularização fundiária e retirada de não índios de terras já demarcadas, ações que deveriam ter sido concluídas antes de 2011 e sequer começaram.
“Não vamos aceitar que Belo Monte entre em operação sem a definição da área da Terra Indígena Paquiçamba e a regularização de todas as terras indígenas impactadas por Belo Monte”, afirma o documento assinado por 11 aldeias atingidas pela usina (leia a carta na íntegra).
A vida de Dorothy Stang foi marcada por uma intensa luta pelo direito à terra dos numerosos camponeses que migraram para o Norte do país em busca de sustento. Para desestimular as ações a favor da reforma agrária protagonizadas por Dorothy Stang, a Câmara dos Vereadores de Anapu aprovou uma moção de persona non grata à missionária em 2002. Ela confrontou os poderosos da região. (Na foto no altar da paróquia de Anapu, Dorothy aparece ao lado de um agricultor crucificado)
(texto e foto Agência Brasil)
O primeiro destino da missionária nascida nos Estados Unidos, mas naturalizada brasileira, foi o município de Coroatá, no Maranhão, onde chegou em 1966, aos 35 anos.
Freira da Congregação Notre Dame de Namur, irmã Dorothy percebeu cedo o movimento de exploração que começava a tomar conta da Floresta Amazônica. Incentivados pelo governo, muitos fazendeiros derrubavam a mata e faziam testes para saber o que poderia ser produzido ali. Como consequência, pequenos agricultores vindos do Nordeste, em especial do Maranhão, começaram a ser expulsos e a migrar para regiões do interior do Pará.
De acordo com a missionária Rebeca Spires, os camponeses nordestinos souberam da existência de lotes à disposição de colonos às margens da Rodovia Transamazônica, que estava sendo construída. “Aí ela [Dorothy] disse: ‘Olha, o nosso povo está migrando para o Pará. Vamos também. A gente não pode deixar o povo ir embora e ficar aqui’. Foi por esse motivo que viemos”, relembra a freira, amiga de Dorothy.
Ainda na década de 1970, sob o lema “Integrar para não Entregar”, o governo brasileiro começou a vender lotes de terras no Pará, denominados Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATP). “Nós que estamos aqui fomos colocados há 35 anos e educados para quê? Nós tínhamos que desmatar para que outro país não viesse tomar a nossa Amazônia Legal. Era para plantar arroz e capim. Era para desmatar mesmo, ou seja, desbravar”, lembra Francisco de Jesus Portela, cacaueiro em Anapu.
Esses documentos eram concedidos a pessoas que, na maioria dos casos, não chegaram a visitar ou conhecer os lotes. Os contratos previam ainda que, caso os donos não fizessem benfeitoria no prazo de cinco anos após a compra, as terras seriam devolvidas à União. Mas esses lotes foram revendidos a outras pessoas que, anos depois, alegaram desconhecer essa cláusula e reivindicavam a posse dos lotes. Nessa época, começaram a surgir também os contratos forjados, praticados por grileiros.
Nesse complicado cenário fundiário – em que a União, os fazendeiros e pequenos proprietários disputavam espaço –, a missionária Dorothy Stang surge como uma voz a favor dos camponeses pobres.
Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu, conta que, com a chegada dos grandes fazendeiros que se diziam donos dos terrenos, o conflito se tornou ainda mais visível. Para ele, os órgãos do governo foram “negligentes e omissos”. “Na área do atual município de Anapu a migração era desordenada e, em consequência, a situação das famílias, desde o começo, muito precária. Esse foi o ambiente em que irmã Dorothy entrou em cena e a fez tomar a decisão de apoiar os pobres na sua luta pela realização do sonho de ganhar o tão sonhado pedaço de chão”.
Com sua chegada a Anapu, em 1982, a missionária começou a reivindicar os direitos de pequenos agricultores e estimulou a organização, como lembra a missionária Rebeca Spires. “A primeira coisa que a Dorothy me disse foi: ‘Você tem que aprender a Bíblia em português, mas tem que aprender o Estatuto da Terra, porque nós trabalhamos com lavradores e eles têm que saber como defender seus direitos. Os direitos que a lei reconhece, a gente tem que conhecer e ensinar o povo para eles saberem como batalhar por si. A gente não vai ficar a vida inteira batalhando por eles, eles que têm que fazer’”, recorda.
A missionária conta que o protagonismo de Dorothy era visível em sua forma de liderar e ensinar. Ela estabeleceu dezenas de escolas por onde passava na base do “Você sabe ler? Então você pega essas crianças e ensina”. “Sempre que a Dorothy vinha aqui na cidade [Belém], ela trazia alguns lavradores juntos para mostrar, aqui tem o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], aqui tem o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], você busca aqui. Para que amanhã ou depois eles fizessem, não ela”, destaca Rebeca. Foi dessa maneira que Dorothy Stang passou a auxiliar os pequenos produtores rurais que chegavam à região, sem orientação, à procura de um terreno para produzir.
Dom Erwin, que à época era o responsável por designar os locais onde os missionários deveriam atuar, lembra da chegada de Dorothy ao município. “Lembro-me perfeitamente da visita daquela senhora de vozinha mansa e sotaque estadunidense bastante acentuado. Vinha falar com o bispo para ver se ela e sua congregação podiam trabalhar na Prelazia do Xingu. Com a migração contínua à Transamazônica e a outras regiões da Prelazia, qualquer congregação de religiosas era bem-vinda e, logicamente, aceitei a proposta sem logo pensar numa determinada área de atuação”, recorda o bispo.
Ele lembra também que a freira alimentava o sonho de trabalhar entre os camponeses mais carentes da região. “Ela logo me avisou que queria trabalhar entre os pobres mais pobres. Brinquei e disse que como cidadã norte-americana, oriunda do aprazível estado de Ohio, certamente ela não conhecia a pobreza extrema. Falei logo da Transamazônica-Leste, região infestada de doenças tropicais onde vive gente que não tem onde cair morta. Ela nem me deixou terminar de falar e respondeu: ‘Então eu quero ir’. Tentei ponderar: ‘Mas a senhora não vai aguentar’. E ela: ‘Deixe-me pelo menos fazer uma experiência’. Pensei que depois de poucas semanas viria pedir-me outra área ou então estaria já curtindo a primeira malária. Enganei-me redondamente”, relata dom Erwin.
Para muitos moradores da cidade, entretanto, a presença de Dorothy era um empecilho ao desenvolvimento econômico da cidade. “Alguém ia perder a terra porque não tinha documento. Foi o que culminou com a morte da irmã Dorothy”, explica Paulo Anacleto, taxista e vereador na época em que a tensão por terra começou a aumentar. No início dos anos 2000, várias manifestações contrárias à criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) – incentivado por Dorothy Stang – foram promovidas na cidade.
José Carlos Pereira, que foi presidente da associação dos comerciantes de Anapu, diz que o entendimento à época era o de que possíveis prejuízos para os madeireiros e fazendeiros também se refletiriam nos resultados do comércio. “O objetivo das manifestações era resgatar o nosso município, que estava prestes a ser tomado por alguém que você não sabia nem quem era”, revela.
“Foram feitos vários movimentos porque naquela época ficava todo mundo desesperado com o que podia acontecer. Madeireiro não vai serrar árvore, fazendeiro não pode ter terra. Tinha gente que tinha fazenda com dois mil bois, que foi desapropriado”, lembra.
Para desestimular as ações a favor da reforma agrária protagonizadas por Dorothy Stang, a Câmara dos Vereadores de Anapu aprovou uma moção de persona non grata à missionária em 2002. “Ninguém tinha nada contra ela. A gente via o risco que ela corria e tinha uma preocupação de acontecer algo, então a gente fez aquela moção para que ela fosse embora daqui com vida. Era a nossa intenção, que ela deixasse os madeireiros, na época, e os fazendeiros, que eram ameaçados, viver em paz. A gente achava que com a saída dela, tanto o setor madeireiro quanto o setor pecuarista, ia ter sossego”, justifica o antigo presidente da associação de comerciantes.
Dez anos depois, José Carlos Pereira admite que a sua opinião é diferente. “Se hoje eu tivesse de fazer o que eu fiz [manifestações], eu parava duas vezes para pensar. Até porque muita coisa mudou com a implantação do PDS”, reconhece. “A gente está vendo grandes exemplos lá em São Paulo, lá em Minas, faltando água até para beber. E se isso [a implantação do PDS] não tivesse acontecido para dar um freio aqui, daqui 20, 30 anos, nós estaríamos passando pela mesma situação. Então, hoje, eu dou a mão à palmatória. Pelo menos em parte, ela tinha razão”, diz.