Em entrevista ao Portal da Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro (PUC-RJ), Ruben Siqueira, da coordenação executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), fala sobre os conflitos por terra no Pará, assim como na região Amazônica. Em 2015, dos 50 assassinatos registrados no Brasil pela CPT, 47 aconteceram na Amazônia Legal – apenas em Rondônia foram 20, e no Pará 19. Confira:
(Por Cecília Bueno, Portal PUC Rio)
Há vinte anos, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, 1.500 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) fizeram uma marcha na BR-115 em protesto contra a morosidade da desapropriação de terras na região. Dezenove deles foram mortos pela Polícia Militar. Dos 115 policiais que participaram da ação, apenas dois foram condenados, 16 anos depois. O Massacre de Eldorado dos Carajás foi mais um dos episódios no campo em que a violência passou impune. No Pará, de 1985 a 2014, dos 438 crimes relacionados a conflitos de terra, somente 22 foram julgados. Para o procurador José Elaeres Marques Teixeira, que atuou na Comissão Nacional de Combate a Violência no Campo (CNCVC) representando o Ministério Público Federal, a impunidade é decorrente de um sistema de Justiça ineficaz, que é consequência de uma cadeia de fatores, entre os quais destaca a falta de recursos materiais e científicos para realização de perícias e o número insuficiente de agentes, o que retarda o andamento dos inquéritos policiais e o julgamento dos processos.
– Além disso, a deficiência da apuração prejudica a identificação das autorias do crime. A garantia da impunidade é o principal motor da violência no campo – completa o procurador federal.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dos 50 assassinatos registrados no Brasil em 2015, 47 foram na Amazônia, sendo 20 em Rondônia, 19 no Pará, 6 no Maranhão, 1 no Amazonas e 1 em Mato Grosso. O procurador aponta como causa mediata dos conflitos a ausência de políticas públicas de atendimento para as populações tradicionais, e critica a ausência de um sistema de segurança específico direcionado para essas comunidades desprotegidas. Elaeres considera deficiente a seleção de beneficiários de terra feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que a seu ver proporciona o assentamento de pessoas que não têm perfil de reforma agrária, fomentando a violência no campo.
Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio, Mariana Trotta assinala que, para compreender o quadro de violência na Amazônia, é preciso pensar no problema desde sua origem na ditadura militar, com os processos de apropriação privada de terras públicas, até então habitadas por populações tradicionais. Na época, os esquemas de legalizações irregulares de propriedades fomentou a grilagem das terras, cuja estratégia se associou a outras formas de violência presentes na região. A Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas a Grilagem do Tribunal de Justiça do Estado do Pará confirmou que o estado tem hoje, em títulos cartorários, quatro vezes a dimensão territorial do estado. Cerca de 24% das terras do Pará são griladas, segundo o Instituto Ambiental da Amazônia.
Depois do Massacre de Eldorado dos Carajás, foram criadas varas especializadas em cinco regiões do Pará para julgar conflitos de terra e ações de desapropriação. A professora ressalva que tais mecanismos fazem mediação do efeito e não da causa do problema e, por isso, não garantem efetivamente uma mudança estrutural na realidade violenta da região. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2015, o Pará é o quinto estado mais violento do país. Para reverter esse quadro, Mariana reforça que é preciso atacar o problema em sua raiz e completa que enquanto o Estado não atuar em reformar a estrutura fundiária e garantir a demarcação de terras para os povos tradicionais, nenhuma política será efetiva em acabar com a violência da região. De 2010 a 2015, o orçamento anual do Incra – órgão responsável pela política de desapropriação e assentamento de famílias – caiu 85%. Nos três primeiros anos do primeiro mandato de Dilma, o número de famílias assentadas foi o pior desde 1995, apontam dados da instituição. Diante dessa conjuntura, a professora avalia que o cenário só vai se agravar.
Mariana, que é pesquisadora da relação entre movimentos sociais e o Poder Judiciário, frisa que um dos obstáculos da efetivação da reforma agrária é a parcialidade da Justiça Penal. Ela enfatiza que enquanto não for efetivada uma reforma agrária, é necessário pensar nos instrumentos do sistema de justiça para conter o efeito dessa irregularidade, que é a violência contra os povos que defendem as terras. Segundo ela, há uma tendência do Judiciário em proteger os mandantes de crime e grileiros e negligenciar a questão trabalhista e social dos povos da região.
A interferência direta dos conflitos de terra e a ausência do Estado na Amazônia nas pautas climáticas foram temas da imprensa estrangeira durante a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP 21). O compromisso do Brasil em acabar com o desmatamento ilegal até 2030 foi posto em cheque em uma reportagem do jornal britânico Financial Times diante do assassinato de mais um trabalhador de campo no Pará na época. Winslei Gonçalves Barbosa trabalhava no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança em Anapu, o mesmo no qual a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada 11 anos atrás. Elaeres considera a atuação do IBAMA deficiente, e avalia que o modelo de fiscalização descontínuo da extração de madeira fomenta a prática ilegal do desmatamento, distanciando o país do cumprimento das metas do acordo.
Na Amazônia Legal, segundo Boletim do Desmatamento do Imazon de março de 2015, o desmatamento acumulado entre agosto de 2014 e março de 2015 atingiu 1.761 quilômetros quadrados. O Pará é o segundo estado com maior área desmatada, 434 km quadrados, representando 25% das terras, atrás apenas de Mato Grosso, com 36%.
Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, Ruben Siqueira (foto abaixo), da coordenação executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) elucida principais assuntos relacionados ao conflito de terras no Pará.
Portal PUC-Rio Digital: Os mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang continuam em liberdade, 11 anos após seu assassinato. Qual o motivo dessa crônica impunidade no campo?
Ruben Siqueira: Há registro de sete assassinatos em Anapu, entre julho e outubro de 2015. Taradão, mandante do caso de Dorothy, é suspeito de estar envolvido em algumas dessas mortes. Isso já revela uma das principais causas da histórica e contemporânea violência no campo: a impunidade. Essa condição relembra o julgamento do fazendeiro Adriano Chafik e de seu capataz Washington Agostinho da Silva, responsáveis pela “Chacina de Felisburgo”, no Vale do Jequitinhonha, em novembro de 2004. Após serem condenados a 115 anos e 97 anos e meio de prisão, respectivamente, conseguiram um habeas corpus e hoje respondem em liberdade. Esses mecanismos da Justiça favorecem a fuga do condenado ou sua própria volta ao crime. Além disso, a ineficiência dos órgãos de segurança pública, a letargia do Judiciário e a defasagem do Código Penal são alguns dos principais entraves no combate da impunidade.
O Estado acaba sendo refém nesse quadro de violência, atrasando e impedindo que a justiça seja feita. Como o agronegócio e a mineração produzem commodities, a macroeconomia depende desses setores e fica refém desses poderosos lobbies e interesses. Vivemos um contexto de maior concentração e aumento de poder de setores econômicos na política. O contrato social está em crise. O Estado não é mais a expressão da sociedade. Basta ver o atual momento da política. Os três poderes estão em crise, porque estão reféns de interesses que não são da maioria. É a falácia da democracia. A capacidade punitiva não diminuiu, ela recai sobre os pobres. Situações de violência com raízes profundas não combatidas aumentam a capacidade punitiva do Estado sobre esses setores fragilizados da sociedade. É preciso aumentar a consciência ética política do país.
Portal: Além da impunidade, quais são as principais causas da violência no campo?
Ruben Siqueira: A irresolução de um antigo problema agrário é o principal fator da causa da violência no campo. Os problemas estruturais da questão são contidos e canalizados pelo Estado. A dinâmica política se aproveita dos problemas da população, não os resolve completamente e abre espaço para a criação de um poder paralelo. E em uma sociedade onde terra é privilégio de classe, quem tem terra detêm todos os outros poderes. O potencial das terras brasileiras sempre fomentou conflitos e esteve nos eixos dos problemas das populações tradicionais. Antes, sem-terra e latifundiários queriam terra para produzir. Hoje, com a supervalorização da terra, com a expansão da agropecuária, de mineradoras, empresas de energia e especulação, o mundo todo está de olho no Brasil. Grandes bancos e conglomerados econômicos estão adquirindo propriedades no Brasil, fazendo investimentos para valorizar seus papeis no mercado de capitais. Nesse cenário, são criados diversos esquemas para facilitar o acesso à terra, os quais são causa dos conflitos do campo.
Portal: Como são esses esquemas?
Ruben Siqueira: O poder paralelo criou diversos mecanismos para facilitar o acesso às terras. Já que só os sem-terra podem se beneficiar com a reforma agrária, programas do governo também são usados como instrumento para a conquista de propriedade. O Terra Legal, criado em 2009 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) com o discurso que resolveria a questão fundiária e regularizaria toda terra para a exploração sustentável da região, é, na prática, um mecanismo para legalização das grilagens. O Fundo Amazônia, criado pela Coroa Norueguesa e hoje do BNDES, tem projetos do programa de manejo florestal que contrariam os objetivos de desenvolvimento sustentável e acabam sendo prejudiciais às florestas e a seus povos.
Além disso, como forma de desvalorizar a terra, muitos grileiros contratam trabalhadores sem-terra para se instalarem em terrenos já ocupados. Com isso, o preço cai e eles compram a área. Depois, contratam jagunços para expulsar os sem-terra e revalorizar a terra.
Portal: Quem são as principais vítimas dessa violência?
Ruben Siqueira: A violência na Amazônia, no momento atual, atinge mais o público da reforma agrária. Como o processo de regularização fundiária ainda não foi concluído pelo INCRA, eles acabam ficando à mercê de novas violências. A disputa pela posse da terra é motivo de conflitos dentro dos próprios assentamentos. Populações indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores também são atingidos pelos conflitos de terra. Nos últimos dez anos, houve aumento da violência contra os povos tradicionais.
Outro grupo atingido pela violência são os defensores de direitos humanos, líderes comunitários e religiosos, advogados e jornalistas. Três dos nossos companheiros da Pastoral tiveram que sair do lugar onde moravam e trabalham, por recentes ameaças de morte. Na Amazônia, o número de ameaçados de morte aumentou em 57,4%, e a efetivação dessas ameaças aumentou em 95,6%.
Outro dado importante é o crescimento dos crimes por pistolagem. Houve uma época em que o Estado – polícia civil e militar – eram os atores da violência no campo. Hoje, a violência também é privada e realizada por pistoleiros. A atual conjuntura na Amazônia se assemelha aos anos 1970 e 80: junto com o desenvolvimento e expansão de capital no campo, houve o aumento de conflitos.
Portal: Qual a causa do crescimento de crimes por pistolagem?
Ruben Siqueira: Durante a ditadura, o Estado concedia terras públicas a particulares, em nome do desenvolvimento da região. Muitos fazendeiros e pequenos produtores receberam créditos públicos para desenvolverem essas áreas e poucos cumpriram o que prometeram. Com a expansão do agronegócio na Amazônia – soja, algodão, pecuária – e a mineração, essas áreas voltam a ter interesse. Os controladores da terra querem negociar essa terra porque ela foi valorizada. Assim aparecem os mediadores, os grileiros de terra, e, por isso, a pistolagem volta. O mercado de terra inflacionado no Brasil aumenta a violência nas áreas de assentamento. A pistolagem volta com força porque a Polícia Militar não faz mais seu papel. O poder local substitui o Estado, que se ausenta, diminui sua capacidade de intervenção e controle, favorecendo a entrada de um poder paralelo. A situação violenta no campo do Pará não é algo somente rural, estanque da política nacional; é consequência da ausência do Estado. O Pará não é uma terra sem lei, é uma terra onde a lei impera para poucos.
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CPT lança nesta segunda-feira (29), em Manaus, Relatório-Denúncia de Conflitos na Amazônia
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Portal: Como o Código Florestal se dispõe frente a esses conflitos?
Ruben Siqueira: O atual Código Florestal fomenta os conflitos de terra, porque diminui as áreas de preservação e permite a entrada de grileiros e madeireiros em áreas antes protegidas. Além disso, o código criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) que legaliza as terras, facilitando sua posse. Os primeiros a serem atingidos são os povos tradicionais e trabalhadores do campo. O casal de líderes extrativistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro denunciava aos órgãos públicos grilagens de terra e crimes ambientais. Ambos foram assassinados por dois pistoleiros em 2011 dentro do assentamento onde moravam, na cidade de Nova Ipixuna, Sudoeste do Pará. O Código Florestal atual é uma contradição. O que acontece hoje é uma política de reassentamento, e não uma reforma agrária. No último governo Dilma, quase não houve assentamentos. Além disso, as leis não reconhecem a necessidade de proteção da natureza e não respeitam o ciclo hidrológico. Em meio a uma crise hídrica, o código reduziu as áreas de proteção de matas ciliares.
Portal: Segundos dados da Pastoral, houve crescimento dos índices de escravidão entre 2013 e 2014 no Pará. O que esses números indicam?
Ruben Siqueira: A competitividade do mercado exige a redução do custo do trabalho. Assim como acontece nas cidades, o trabalho é terceirizado, e suas condições se tornam próximas da escravidão, que, no campo, não recebe a visibilidade necessária. A Pastoral tem uma antiga Campanha Nacional de Combate de Trabalho Escravo, que sofre com dificuldade de parcerias no campo e na cidade. A escravidão cresce no país – houve um aumento de ocorrências. Há quem diga que esse aumento de casos registrados deve-se à maior capacidade de percepção, de denúncia e de combate.
Portal: Quais são os caminhos para sair desse estado?
Ruben Siqueira: A disputa deve ir ao cerne do conflito, e o primeiro problema a ser resolvido é o agrário. Isto significa sanear a estrutura fundiária, resgatando as terras públicas tomadas ilegalmente e destinando-as com prioridade para os trabalhadores sem-terra ou com pouca terra; reconhecer e regularizar Terras Indígenas e territórios de povos tradicionais; ampliar e proteger áreas das Unidades de Conservação.
No campo político, é preciso combater o campo de negociação que se faz por meio da corrupção dos poderes. O ideal seria uma democracia direta e uma reforma do Estado com uma nova Constituinte, mas isso não pode acontecer na atual crise representativa que o país enfrenta. A nossa maior crise é a política, de poder e representação, que afeta principalmente as comunidades mais vulneráveis e desamparadas. Hoje, o Estado está separado dos processos da vida social. A bancada BBB (bíblia, bala e boi), que foi construída pelos setores conservadores da sociedade, está produzindo retrocessos na Constituição. A classe política é dona de todo o processo politico. O que precisamos fazer é garantir que a presença popular tenha efetivo poder de decidir leis e políticas públicas. Ainda não temos a sociedade mobilizada e organizada para fazer uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, como deveria ter sido a de 1988. A resistência, a luta pela informação e a reinvenção da capacidade organizativa mobilizadora da sociedade devem ser os pilares de sustentação para a luta continuar.
A publicação “Amazônia, um bioma mergulhado em conflitos – Relatório Denúncia” foi lançada na última segunda-feira (29), em Manaus, Amazonas. O relatório já está disponível para download. Confira:
O Relatório-Denúncia apresenta nove casos de conflitos emblemáticos enfrentados por comunidades dos estados que compõem a Amazônia Legal. “Esta publicação quer ser uma amostra dos conflitos e suas causas. Em cada estado da Amazônia foi escolhido um conflito que, de certa forma, representa, ainda hoje, o mundo dos conflitos e da violência em que estão inseridas as comunidades do campo”, destaca a apresentação da publicação.
Download: “Amazônia, um bioma mergulhado em conflitos – Relatório Denúncia”
A publicação foi produzida pela Articulação das CPT’s da Amazônia, projeto da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que reúne os nove regionais da entidade na Amazônia Legal.
A Articulação das CPT’s da Amazônia, projeto da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que reúne os nove regionais da entidade na Amazônia Legal, lançará durante coletiva de imprensa em Manaus, no Amazonas, na próxima segunda-feira, 29 de fevereiro, a publicação “Amazônia, um bioma mergulhado em conflitos – Relatório Denúncia”.
O evento será realizado às 10h30 da manhã no Instituto de Teologia Pastoral de Ensino Superior da Amazônia (ITEPES), localizado na Rua São Luís, nº 20, Chapada, região central de Manaus. Participarão da coletiva Dom Sérgio Eduardo Castriani, Arcebispo de Manaus; Daniel Pinheiro Viegas, procurador do Ministério Público de Manaus; Gerson Priante, viúvo da liderança Dora Priante – assassinada em Iranduba (AM) em 2015; Francisco Loebens, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Irmã Rose, militante pela erradicação do Trabalho Escravo; Josep Iborra, da Articulação das CPT’s da Amazônia; e Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT.
O Relatório-Denúncia apresenta nove casos de conflitos emblemáticos enfrentados por comunidades dos estados que compõem a Amazônia Legal. “Esta publicação quer ser uma amostra dos conflitos e suas causas. Em cada estado da Amazônia foi escolhido um conflito que, de certa forma, representa, ainda hoje, o mundo dos conflitos e da violência em que estão inseridas as comunidades do campo”, destaca a apresentação da publicação.
Membro da coordenação executiva nacional da CPT, Ruben Siqueira afirma que a infinidade de riquezas naturais da região amazônica tem atraído, há décadas, os interesses dos poderosos de dentro e fora do País, culminando nos conflitos no campo, alguns esmiuçados no Relatório-Denúncia. “Além disso, o caos fundiário nunca resolvido se presta de novo à ganância dos poderosos. A CPT está prestando mais um grande serviço aos povos do campo e da floresta, ao País e ao futuro. Precisa urgentemente ser ouvida”, ressalta.
Em 1975, quando surgiu a CPT, era grave a situação de conflito vivida por trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo da Amazônia. Hoje, 40 anos depois, a incessante violência na Amazônia brasileira persiste e insiste em não dar trégua aos povos do campo. Para se ter uma ideia, entre os anos de 1985 e 2009, 63% dos assassinatos no campo registrados pela CPT se concentravam na Amazônia.
E em 2015 a situação conflituosa no campo adquiriu uma dimensão espantosa. Dos 50 assassinatos registrados no Brasil, 47 foram na Amazônia, sendo 20 em Rondônia, 19 no Pará, 6 no Maranhão, 1 no Amazonas e 1 em Mato Grosso. Além disso, das 144 pessoas que receberam ameaças de morte no campo, 93 estão na Amazônia. E é neste território que 30 das 59 tentativas de assassinato aconteceram.
“Este Relatório é de grande importância e oportunidade. Pela extensão e gravidade das denúncias que traz. A Amazônia é hoje a região de maior intensidade nos conflitos agrários no Brasil. Ano passado foram assassinados inúmeros camponeses, indígenas, lideranças populares nestes conflitos na Amazônia. E em 2016 já foram cinco assassinatos na Amazônia”, acrescenta Ruben Siqueira.
Mais informações:
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT Nacional): (62) 9268-6837
Maria Clara Motta (CPT Amazonas): (92) 9 9439-8548
Josep Iborra, Zezinho (Articulação das CPT's da Amazônia): (69) 9253-3280
Nos últimos dias, na zona rural de Boca do Acre, no Amazonas, cerca de 160 famílias do Acampamento Malocão sofreram ofensivas das forças policiais do estado e de funcionário de órgão do governo. Um trabalhador foi agredido durante ação da polícia e outro ameaçado. As famílias também foram pressionadas a deixarem a ocupação. Confira Nota do STTR e CPT de Boca do Acre:
No município de Boca do Acre, no estado do Amazonas, cerca de 160 famílias ocupam uma área no Ramal do Garrafa, situada na fazenda Palotina. Parte da área dessa fazenda abrange o Seringal Novo Natal e a Reserva de Iquiri, sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A ocupação dos posseiros nessa área é antiga. Anos atrás, posseiros iniciaram um processo de ocupação das terras. Posteriormente, nos anos de 2008 e 2015, mais famílias chegaram à área e se somaram as que ali já moravam, totalizando, hoje, aproximadamente 160 famílias que formam o Acampamento Malocão.
Todavia, as terras que as famílias ocuparam em 2008, e depois em 2015, não pertencem à área da fazenda que está dentro da reserva do ICMBio – fato afirmado pelo INCRA de Boca do Acre em reunião no mês de janeiro deste ano.
Nesse ano, no dia 22 de janeiro, as famílias do acampamento trabalhavam na área quando a polícia chegou comandada por um policial identificado como Salomão, que estava acompanhado do gestor do ICMBio, de nome Abílio. Como de costume, a polícia chegou de forma truculenta e tratou os trabalhadores como se fossem bandidos. Chegando ao local e dando ordem de prisão a três trabalhadores. Nesse momento, o acampado Jhonny Teixeira de Abreu falou que todos teriam que ser presos então, já que os/as acampados estavam na área em busca de um pedaço de chão.
Por conta disso, os policiais prenderam Jhonny, o colocaram na viatura, andaram alguns quilômetros com ele e perguntaram se ele tinha família. Jhonny respondeu que tinha esposa e dois filhos. Um policial então disse a ele: “É a sua sorte. Se você não tivesse família iríamos levá-lo para o ‘PA Monte’ e daí para frente só Deus saberia o que iria acontecer”. Após essa ameaça, o acampado foi liberado.
Muito nos estranha o capataz da fazenda Palotina estar constantemente armado. No momento da “visita” ao acampamento, um trabalhador perguntou ao policial o motivo do capataz da fazenda andar armado, o policial respondeu: “Porque o mesmo está fazendo a segurança do gestor do ICMBio, Sr. Abílio”.
O gestor do ICMBio, junto com a polícia e sem conhecimento geográfico da área, começou a emitir opinião sem fundamento sobre o caso. Viu que no local havia castanhas coletadas pelos acampados e ele disse, de forma intimidadora, que toda a castanha coletada pelas famílias nesta área caracterizava-se crime ambiental e que o ICMBio poderia jogar toda castanha no rio.
Acreditamos que o ICMBio “foi criado para proteger o patrimônio natural e promover um desenvolvimento socioambiental, por meio da gestão de unidades de conservação Federais, da promoção do desenvolvimento socioambiental das comunidades tradicionais [...]”, conforme diz sua missão. Ou seja, ajudar as famílias e contribuir para o desenvolvimento socioambiental das comunidades e não criminalizar as mesmas.
Porém, o que acontece em Boca do Acre é o contrário da missão da instituição. Funcionário do órgão alia-se com pessoas que têm interesses pessoais e particulares para prejudicar as famílias. Anda na contramão de tantos agentes e funcionários do ICMBio que estão lá para contribuir na construção de uma vida melhor para as famílias e promover um desenvolvimento socioambiental.
28 de Janeiro de 2016
Nesse dia, equipe da Polícia Militar e Civil do estado do Amazonas, sem intimação, sem mandado de reintegração de posse, enfim, sem nenhum documento legal, foram na área ocupada pelos posseiros, derrubaram três barracos (local onde as famílias se reuniam e trabalhavam em forma de mutirão). Além disso, deram ordem de prisão e afirmaram que todos tinham que ir para a delegacia prestar depoimento.
As famílias atenderam ao pedido e foram à delegacia de Boca de Acre para prestar os esclarecimentos devidos. Foram de boa fé e com seus próprios meios de transporte. Nos depoimentos as famílias foram questionadas sobre como elas tinham chegado ao acampamento e se era a “mando” de alguém. O delegado afirmou também que a área da ocupação é federal, sob a responsabilidade do ICMBio, dizendo que os ocupantes não poderiam ficar mais no local. Em seguida, ele alegou que os ocupantes não poderiam permanecer no local, pois é uma área particular, o que mostra a contradição da polícia.
Como se não bastasse a truculência do policial, o trabalhador Deuvancir de Oliveira Ventura sofreu agressões verbais e foi espancado.
Já não é a primeira vez que a Polícia Militar de Boca do Acre age de forma desumana, truculenta e irresponsável no momento das reintegrações de posse, muitas vezes sem ordem judicial e na maioria das vezes cumprindo um serviço para beneficiar o latifúndio, que a nosso ver não é o papel da polícia e muito menos dever do Estado.
Diante dos fatos citados, vimos por meio desta Nota solicitar que as autoridades competentes tomem as devidas providências para que o campo não se torne um espaço de tortura e de violência, e que os órgãos responsáveis acabem com a impunidade que tanto impera em nosso município.
Atenciosamente,
Maristela Lopes da Silva
Presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Boca do Acre
Cosme Capistano da Silva
Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Boca do Acre
Especialistas denunciam que 450 represas podem acabar com um terço dos peixes de rio do mundo nas bacias do Amazonas, do Congo e do Mekong, nas quais vivem 4.000 espécies de peixes fluviais.
(Fonte: El País)
Quase 500 barragens projetadas nas bacias de três dos principais rios do planeta colocam um terço dos peixes de rio em risco, segundo denúncia feita na última sexta-feira (8) por 40 especialistas na revista científica Science. Apenas no Brasil, a represa da hidrelétrica de Belo Monte coloca em risco 50 espécies que só existem no país.
Enquanto nas nações industrializadas emerge um movimento para destruir as represas mais nocivas, existem projetos para construir 450 novas barragens nas bacias dos rios Amazonas (América do Sul), Congo (África) e Mekong (Ásia). Os signatários do artigo denunciam a “falta de transparência” durante os processos de autorização das represas e a “falta de protocolos” para avaliar seu impacto ambiental.
“Esses projetos abordam importantes necessidades energéticas, mas seus defensores costumam superestimar os benefícios econômicos e subestimar os efeitos de longo prazo sobre a biodiversidade e recursos pesqueiros cruciais”, alertam os autores, liderados pelo ecologista Kirk Winemiller, professor da Universidade Texas A&M (EUA).
Nas bacias dos rios Amazonas, Congo e Mekong vivem 4.000 espécies de peixes de rio, uma terça parte de todas as conhecidas no planeta. A maioria não é encontrada em nenhum outro lugar. Os 40 especialistas salientam que “as grandes represas invariavelmente reduzem a diversidade pesqueira”, além de impedir a conexão entre diferentes populações fluviais e bloquear o ciclo de vida normal de espécies migratórias. “Isso pode ser especialmente devastador para os estoques pesqueiros tropicais, nos quais muitas espécies de grande valor migram centenas de quilômetros”, argumentam.
Entre os signatários há dezenas de professores de universidades dos EUA, Brasil, Reino Unido, Camboja e Alemanha, além de especialistas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da União Internacional para a Conservação da Natureza.
“Mesmo quando as avaliações de impacto ambiental são obrigatórias, milhões de dólares podem ser gastos em estudos que não têm nenhuma influência real para os projetos, às vezes porque eles são finalizados quando a construção já está em andamento”, denunciam os autores.
Winemiller recorda o caso do rio Xingu, um importante afluente do Amazonas. Seu trecho inferior é um complexo de corredeiras que serve de hábitat a quase meia centena de espécies pesqueiras que não são encontradas em nenhum outro ponto da Terra. “Essas espécies, que alimentam os pescadores locais e que abastecem o comércio internacional de peixes ornamentais, estão agora ameaçadas pelo gigantesco projeto hidrelétrico de Belo Monte”, observa Winemiller. Esse complexo de represas no Estado do Pará, com conclusão prevista para este ano, foi projetado para ser a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, atrás apenas das de Três Gargantas (China) e Itaipu (Brasil/Paraguai).
“Esse polêmico projeto está quase terminado e vai alterar radicalmente o rio, sua ecologia e a vida da população local, especialmente das comunidades indígenas que dependiam dos serviços que o ecossistema do rio proporciona”, acrescenta Winemiller. A construção é parte do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo brasileiro, que busca impulsionar o desenvolvimento econômico do país. A organização Survival, que defende os direitos dos povos indígenas em todo o mundo, denunciou que “a represa destruiria os meios de subsistência de milhares de indígenas que dependem da selva e do rio para obter água e alimentos”.
“Somos céticos quanto à afirmação de que as comunidades rurais no Amazonas, no Congo e no Mekong estariam se beneficiando mais pelo fornecimento de energia e a geração de emprego do que sofrendo prejuízos pela perda da pesca, da sua agricultura e das suas propriedades”, dizem os autores na Science. Os cientistas pedem que as autoridades utilizem os métodos analíticos mais modernos para levar em conta todos os impactos acumulativos das represas sobre o meio ambiente e as populações locais, com o objetivo de descartar projetos muito prejudiciais ou realocá-los para trechos fluviais menos frágeis.
Em 75% dos casos, a construção das grandes represas no mundo teve estouros orçamentários de quase 100% em relação ao valor estimado previamente
Os especialistas calculam que em 75% dos casos a construção das grandes represas no mundo teve estouros orçamentários de quase 100% dos valores estimados previamente. A equipe recorda o caso da represa de Três Gargantas, em que o Governo chinês precisou destinar 26 bilhões de dólares (105,3 bilhões de reais, pelo câmbio atual) adicionais para atenuar o impacto ecológico.
“As agências governamentais responsáveis pelas autorizações para a construção de represas devem exigir avaliações de impacto ambiental rigorosas e amparadas na ciência, em escala regional”, pleiteia Winemiller. Além disso, afirma ele, as instituições financeiras, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, “devem exigir garantias de que esse tipo de avaliação ocorra antes da aprovação dos financiamentos”.
Emmanuel Boulet, especialista-chefe em questões ambientais do Banco Interamericano de Desenvolvimento, recorda que há protocolos internacionais de boas práticas para a construção de barragens fluviais. “Quando aplicados, podemos ter resultados benéficos para todos, como na usina hidrelétrica de Reventazón, na Costa Rica, ou na central hidrelétrica de Chaglla, no Peru”, opina. O banco concedeu créditos de 200 milhões e 150 milhões de dólares, respectivamente, para esses dois projetos.
Boulet, no entanto, aceita as críticas. “Reconhecemos que os países podem melhorar seu planejamento da energia hidrelétrica. Em outras palavras, temos de realizar os projetos adequados e fazê-los adequadamente.”
No último dia 9, diversos movimentos sociais e organizações, povos do campo, da floresta e das águas estiveram reunidos em Porto Velho, Rondônia, quando denunciaram vários de conflitos pelos quais as comunidades tem passado. Confira o documento: