Tornou-se comum nas tantas andanças para alguma assessoria, o pessoal solicitar que “leve alguma palavra de esperança”. Nessa encruzilhada tão angustiante, não só do Brasil, mas de toda a humanidade, é de se perguntar o que mesmo as pessoas estão querendo ouvir. Seria bom entendermos melhor o que é a esperança.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó* | Imagem: A Pública)
Para os cristãos é uma das três virtudes teologais: fé, esperança e amor. Paulo vai dizer que a maior delas é o amor, a única que realmente interessa ao final das contas (1 Coríntios 13,13).
Mas, o que é a esperança teologal? É simplesmente crer – portanto, esperar – que para além de todo sofrimento humano, ao fim da história, seja pessoal, coletiva ou até mesmo do Universo, para lá de tudo e de todos, Deus existe e é maior que tudo e todos. Enfim, o sofrimento e a morte não são as últimas palavras sobre a condição humana e do Universo.
É nessa esperança que muita gente deu sua vida, trocou por ela a fama, o sucesso, o poder, a carreira e até a própria vida. É nessa esperança que muita gente viveu uma vida de “noite escura”, sabendo que Deus garante a manhã de claridade. Nenhum fracasso, nem mesmo a morte na cruz, foi capaz de vencer essa esperança. Entretanto, o momento de passar da esperança para a realidade a Deus pertence. A confiança Nele faz esperar, aguardar, até que a manhã se ilumine.
A esperança histórica é um pouco diferente. É a busca de construir aqui e agora um mundo de justiça e paz maiores para todos. Então, temos que analisar a história, o jogo das disputas dentro da sociedade, o impacto que a humanidade faz sobre o ambiente, as vítimas da história, os vencedores, suas estratégias de poder e dominação. O agir na história é para construir um mundo que seja de todos. Na história também muitos se sacrificam e são sacrificados pelo bem de outros.
Pode ser também a esperança na conquista pessoal de alguma graça, até milagre, em vida, e é legítimo. Sem falar naqueles que simplesmente querem um emprego, saúde, casamento e tantas coisas necessárias – ou não – da vida concreta.
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Então, não existe relação entre ambas? Sim, e total. Muita gente dá a vida aqui e agora exatamente porque sabe que essa doação não é perder, mas, sustentada pela esperança teológica, ganhar. Não vai colher os frutos da história. Não verá uma sociedade mais justa, mesmo assim sacrifica sua vida, sua carreira, seu conforto para que outros vivam. Assim são muitos que se dizem cristãos.
É sem adjetivos a atitude daqueles que não esperam nada para a outra vida, mesmo assim, dão suas vidas aqui e agora para que outros vivam. Esse é o amor em estado puro. Tanta gente fez e faz assim nesses longos anos das Pastorais Sociais, tantos outros humanistas, até ateus, e ele(a)s são os maiores. Com certeza, mesmo sem saberem, Deus guardou para eles a plenitude da vida.
Viva a esperança e que a esperança viva! Mas, a maior das virtudes teologais é o amor.
* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.
Era madrugada e dois jornalistas conversavam sobre mídia num aeroporto do Nordeste. Um era estrangeiro e outro brasileiro, ambos de um grande jornal internacional com extensão no Brasil.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó* | Imagem: Reprodução UFJF)
O brasileiro – pela conversa era fotógrafo – pergunta ao estrangeiro como está a imagem do Brasil no país dele depois do golpe. O estrangeiro repete que está pior do que era antes. Mas, ressalta que notícias sobre o Brasil pouco aparecem no seu país de origem. Porém, continua dizendo que o Brasil, surpreendentemente, é o segundo mercado no mundo do jornal que ele representa. Esperavam que esse lugar fosse ocupado pela Argentina ou México, mas, aconteceu aqui, com uma equipe reduzida que ele começa a comentar com o fotógrafo.
A conversa prossegue e o brasileiro pergunta qual seria a razão dessa expansão justamente no Brasil. O estrangeiro, sem titubear, diz que a mídia tradicional brasileira é muito parcial, particularmente depois de apoiar o golpe, e o público procura por um jornalismo decente.
O brasileiro retruca que também há muita parcialidade no que os blogueiros de esquerda publicam. A conclusão de ambos é que não há jornalismo isento no Brasil.
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Na verdade, nenhum jornalismo é totalmente isento. Depende da posição fundamental do jornal. Entretanto, a mídia corporativa no Brasil anda insuportável e o jornalismo chapa branca de esquerda também não contribui. Mesmo tendo posição clara diante da situação brasileira, é possível um jornalismo pelo menos mais ético. Há exceções para jornalistas de todos os meios e algumas mídias alternativas.
Então, em outras palavras, o estrangeiro disse essa frase: “nossa estratégia é continuar crescendo no vazio ético da mídia brasileira, simplesmente fazendo jornalismo”.
* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.
A teologia do Papa Francisco é refinada e não está ao alcance de qualquer teólogo. A acusação que ele sofre de não ser um teólogo, mas um pároco de aldeia, revela muito mais a ignorância de seus detratores do que o conhecimento teológico de Francisco.
(Por Roberto Malvezzi – Gogó | Imagem: Reprodução/Rádio Vaticano)
Na Laudato Sí ele deixa claro, pelas citações que faz, qual é linhagem teológica que ele adotou para seu papado. Ao assumir o nome de Francisco, não assume apenas um nome, um ícone de grande parte da humanidade, um estilo de vida, um estilo de Igreja, mas uma linhagem teológica, isto é, a soterrada teologia franciscana ao longo da história.
A referência de Francisco começa com o teólogo franciscano São Boa Ventura, direciona-se na linha de outro franciscano chamado Duns Scoto, sem deixar de citar levemente seu irmão jesuíta Teilhard de Chardin. Mas, o que esses teólogos têm em comum?
O traço que os une é uma visão integral e integrada do Reino de Deus, sem rupturas ou dualismos, como é a teologia de Santo Agostinho no seu livro “Cidade de Deus”, onde ele vai defender a tese que há uma cidade dos homens e outra de Deus. A teologia dos teólogos acima – Teilhard era também antropólogo, arqueólogo, etc. -, olha o projeto de Deus em sua totalidade, do Deus que tudo cria, que dá um sentido ao Universo, mas que se insere no Universo através da pessoa de Jesus Cristo, aquele que é o único sacerdote, a ponte entre as criaturas e o Criador.
Duns Scoto (Doctor Sutilis) vai defender, seguindo essa teologia Joanina e Paulina, que “no princípio estava o verbo, era a luz dos homens, por ele tudo foi feito, alfa e ômega da criação” (Prólogo de João) e todas as demais metáforas que indicam nessa direção de um projeto único, que caminha para a plenitude (Pleroma em Teilhard de Chardin). Portanto, nessa teologia o centro do projeto de Deus não é o pecado, mas o amor. Jesus viria mesmo que não houvesse pecado humano, porque o projeto do Criador é unir, através de seu filho, todas as criaturas ao Criador.
Francisco sabe que está mexendo num vespeiro, com teologias curtas e reducionistas, que chegou ao ápice de pregar a cada ser humano o “salve tua alma”, não se importando com nada mais referente ao ser humano e ao conjunto da criação.
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De 1 milhão de mortos para 1 milhão de cisternas
Ouvi falar de uma mulher e um rio
Sabendo disso, ele cria fatos aparentemente simples, mas eivados de significados, que só quem percebeu sua teologia, é capaz de compreender suas atitudes ou falas. Por exemplo, quando uma família levou um menino à sua presença que chorava a morte do cachorro de estimação. Então, Francisco o consolou dizendo: “o paraíso está aberto a todas as criaturas de Deus”. Um fato prosaico e corriqueiro que serve para alertar que a ressurreição é de toda a carne, também dos animais.
Essa compreensão paulina que “toda criação geme em dores de parto esperando também ela pela redenção dos filhos de Deus” (Romanos 8,22), não é costume entre nós, embora no credo católico, como fundamento de fé, se diga que a ressurreição é a da “carne”, mas, de toda carne.
Em segundo, ao responder aos cardeais que o criticam que os princípios morais não são preto no branco, mas só compreensíveis no fluxo da vida, ele se coloca diante do grande Deus que se revela na pequenez de Jesus Cristo que, ao cruzar com os párias da sociedade de seu tempo, era capaz de curvar-se diante de cada situação humana.
Por isso, sabia que uns recebem a revelação explicitamente e desses mais será cobrado (Lucas 12,48). Outros o encontram no serviço aos pobres e desvalidos desse mundo (Mateus 25). Outros ainda poderão encontra-lo pelos caminhos da natureza. E tem ainda aqueles nascem e vivem em situação humana tão abjeta, tão alheia à própria vontade, que Deus nada lhes cobra (Mateus 21,31).
Ainda mais, quando fazíamos teologia, nos ensinavam que uma era a teologia, outra era a pastoral, isto é, na teologia os princípios são rígidos, na pastoral temos que nos curvar diante da condição humana.
Ora, para Francisco essa dualidade é perniciosa. Jesus curvava-se diante das situações concretas, portanto, há unidade intrínseca entre pastoral e teologia. Uma teologia que afronta a realidade misericordiosa de Deus tem que ser revista. Não é relativismo teológico ou moral, mas é a justiça divina que cobra mais de quem recebeu mais e, portanto, cobra menos de quem menos recebeu.
Portanto, a teologia de Francisco é sofisticada e cheia de nuances que só pessoas que tem um pé na realidade, assim como Jesus de Nazaré, são capazes de compreender.
Os teólogos por ele citados foram capazes de compreender o fluxo da vida, da história e do Universo, onde tudo ganha sentido no projeto do Reino de Deus.
É essa grandeza maravilhosa que Francisco gostaria que compreendêssemos e vivêssemos.
Na seca de 82 a estimativa foi que pelo menos 1 milhão de Nordestinos morreram de inanição, isto é, fome ou sede. Nessa seca que vem de 2012 até 2016, não há registros de mortes por inanição, nem o fenômeno das grandes migrações, nem frentes de emergência e muito menos saques nas cidades do sertão.
(Por Roberto Malvezzi – Gogó | Imagem: ASA)
O IX ENCONASA – Encontro da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) -, acontecido entre 21 e 25 de novembro, em Mossoró, constatou que passamos de 1 milhão de mortos para 1 milhão de cisternas. Além do mais, houve 200 mil replicações de tecnologias para armazenar água para produção. Enquanto as cidades passam grande necessidade no Semiárido – por falta das adutoras – e o gado da “classe média rural Nordestina” morre por falta de água e ração, o povo que sempre foi vítima das tragédias humanitárias das secas está bem melhor que os demais. Aprendeu com a captação da água de chuva, o manejo da Caatinga, a criação de animais resistentes à seca, assim por diante.
Mas, o governo atual voltou com o discurso do “combate à seca”, eliminou os programas de convivência com o Semiárido e despejou novamente os recursos no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DENOCS), sob comando do PMDB. O raciocínio dispensa comentários e o redirecionamento das verbas o mesmo.
Os tempos brasileiros são de retrocesso generalizado, o Nordeste não iria ficar de fora. Foi-se o tempo dos investimentos por aqui, ainda que tantas vezes equivocados, mas parte foi corretamente direcionada ao novo paradigma da convivência, produziu frutos e garantiu vidas.
Foi pouco dinheiro, prazo de 15 anos, mas suficientes para melhorar a vida do povo do que em 500 anos das oligarquias.
Sabemos que quem está no poder não tem interesse algum no povo do Semiárido. O jogo de compadrio entre o STF e Renan, Moro e Aécio, Temer e coronéis é tipo sexo explícito. Não há o que esconder.
Esse governo tem cara de 200 anos atrás, mas nós vamos manter vivo o paradigma da convivência com o Semiárido. Quem já nasceu velho, não tem futuro. A convivência é o novo, portanto, o presente e o futuro.
Francisco já repetiu várias vezes que estamos numa 3ª Guerra Mundial. Sua opinião não é fantasiosa ou irresponsável. Ele é a única liderança mundial que tem uma leitura do momento atual da humanidade.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó)
Francisco fala a partir da guerra na Síria, no Afeganistão, em outras partes do mundo e, sobretudo, a partir das vítimas das guerras, dos imigrantes e “desplazados” pelas catástrofes socioambientais. Fala a partir dos sem-teto, sem-terra e sem trabalho. Lembra ainda dos idosos, dos doentes, das crianças, dos descartados da sociedade contemporânea.
Fala a partir das indiferenças, dos egoísmos, dos isolacionismos, dos fascismos de toda ordem. De uma sociedade baseada no consumismo, de um “producionismo” que faz da Terra uma lixeira.
Mesmo assim não se desespera. Diz que movimentos sociais do mundo inteiro, nações indígenas, lutadores da paz e da justiça são a esperança. Ele se reúne com eles, os convida a lutarem para superar a ditadura do dinheiro. Propõe a solidariedade, a partilha, a fraternidade, o acolhimento do diferente e o cuidado com a Terra como caminho para a paz.
Se Hillary tem ligação com a indústria das armas, se ajudou montar o golpe no Brasil, agora pouco interessa. Com a eleição de Trump a humanidade revela sua face mais alucinante. Quem detém a fabulosa riqueza já produzida se mostra desesperado em salvaguardar sua “qualidade de vida”. O modo é a guerra, as discriminações, os xenofobismos, os muros, a eliminação do outro, do diferente, daqueles que são os bodes expiatórios, para serem demonizados e responsabilizados pelas insanidades de quem tem o comando. Porém, nenhuma nação sozinha hoje comanda a humanidade.
Trump é o muro, Francisco é a ponte.
Confira artigo de Roberto Malvezzi, o Gogó, sobre a situação dos rios brasileiros, e o quanto as propostas dos políticos brasileiros vão na contramão da situação crítica que vivemos.
Roberto Malvezzi (Gogó)
O fenômeno da Pororoca, mundialmente conhecido, já não existe mais. Você sabia disso? As águas do rio Araguari, no Amapá, já não têm forças para chegar à foz e sofrer a força reversa das águas, o que gerava as ondas. Construíram barragens em seu leito para gerar energia, que vem para o sul do país, além de pisotear suas margens com manadas de búfalos.
As águas do Araguaia estão cada vez mais escassas. Muitos de seus afluentes, antes perenes, agora também são intermitentes.
O São Francisco agora terá uma vazão de apenas 700 m3/s. Um rio que, segundo o discurso oficial do antigo governo federal, tinha uma vazão “firme” de 1800 m3/s a partir de Sobradinho. E olha que a Transposição sequer começou. Onde Domingos Montagner morreu, na verdade, o que existe é um fiapo de água, em comparação com o que era o Cânion do São Francisco.
O mais emblemático, sem dúvida, é o rio Doce. A tragédia da Samarco não tem precedentes em território nacional, mas está sendo tratada como algo secundário e como se fosse apenas um acidente de percurso.
Se falarmos, então, da qualidade de nossas águas, teremos que lembrar do Tietê e do Pinheiros, a cara, a cor e o cheiro do desenvolvimento de São Paulo.
O que acontece não é fruto apenas de como se trata as calhas principais de nossos rios, mas de todo o desmatamento do território dessas bacias. A destruição do Cerrado – reconhecimento rotineiro nos meios científicos e socioambientais – levará consigo os rios que dependem do Cerrado. Já em 2004 tínhamos a informação que, apenas no Norte de Minas, cerca de 1200 rios menores tinham sido eliminados. Sem o Cerrado, nos dizem os cientistas, não haverá São Francisco, Araguaia e tantas rios que dependem dos aquíferos do Planalto Central. A criação do MATOPIBA – território do agronegócio no Cerrado – levará às profundezas esse modelo predador do bioma.
A curva de decadência de nossos rios coincide exatamente com a expansão das monoculturas, seja de grãos, de gado, ou outra qualquer. É só comparar os gráficos a partir da década de 1970.
Assim, nesse dia de São Francisco, como os profetas dos tempos antigos, que amaldiçoavam o dia que tinham nascido, não nos cansamos de trazer más notícias, ainda que sejam em forma de denúncia (Jeremias 20,14-18).
Toda classe política, todo mundo econômico – exceções de sempre - está a alguns anos-luz distante de enxergar o país por esse ângulo. Então, prosseguimos em linha reta rumo ao abismo.