Sem atacar as causas de destruição do São Francisco, que abrange toda sua bacia, mas principalmente a devastação do Cerrado, não haverá São Francisco em breve tempo. O paradigma da convivência com o Semiárido mostrou-se eficaz, enquanto o paradigma do combate à seca só encheu as burras dos coronéis.
O sagrado e o profano não têm distinção no meio do povo. Conforme a famosa frase de Moraes Moreira “sagrado e profano o baiano é carnaval”. O que interessa é a festa. Os demais elementos vêm como auxiliares, inclusive se o enredo for sobre Nossa Senhora Aparecida ou Nossa Senhora das Grotas abrindo o desfile de Grande Rio em homenagem à Ivete Sangalo.
A Quaresma continua a mesma e, com as Campanhas da Fraternidade, cada vez melhor. É um tempo que rememora os 40 anos do povo de Israel no deserto, ou 40 dias de Jesus no deserto, ou 40 dias que a Igreja delimitou como anteriores à celebração da Páscoa. Os sinais de “conversão”, no sentido de “rasgar os corações e não as vestes”, são o jejum, a oração e a esmola. Mas, o que importa é a conversão permanente.
Mesmo em crise, a sexta ou sétima economia do mundo não precisaria produzir miséria para se reajustar, se houvesse algum critério humanitário no reajuste.
(Roberto Malvezzi, Gogó* | Imagem: Internet).
Quando debatíamos as fragilidades das conquistas sociais dos governos Lula-Dilma, um dos assombros era a possível volta da miséria. As reformas mais estruturais não tinham vindo e sempre achávamos que, com um governo regressista, o volta poderia acontecer.
O medo virou realidade antes de qualquer previsão. A estimativa do Banco Mundial é que 3,6 milhões de brasileiros regressem à miséria até o final desse ano.
Quem já viu tanta fome, sede, migração, saques, mortalidade infantil, se tiver um pingo restante de humanidade, não gostaria mais de ver essas cenas. Talvez menos aqui no Nordeste – já que a sociedade civil construiu uma infraestrutura mais sólida que os programas sociais -, mas, sobretudo nas periferias das grandes cidades.
Mesmo em crise, a sexta ou sétima economia do mundo não precisaria produzir miséria para se reajustar, se houvesse algum critério humanitário no reajuste.
O atual governo vai dizer que o retrocesso é uma herança da desorganização econômica oriunda dos governos anteriores. Jamais vai admitir que aprofundou a problemática econômica e que está tentando ajustar a economia às custas dos trabalhadores, aposentados e da miséria dos mais pobres.
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Mas, a volta das crianças aos faróis, dos pedintes em mesas de bar e nas esquinas, no faz pensar que esse país realmente não tem jeito, que as forças reacionárias sempre vencem. É o pais dos “sangrados e ressangrados, capados e recapados”, como dizia Capistrano de Abreu.
Outro sinal é a anarquia social, o “mundo cão” das facções, quadrilhas, assassinatos, assaltos, assim por diante.
Não temos para onde ir, a não ser continuar combatendo, com o pouco que temos, as forças que produzem miséria para manter a acumulação do capital. Mas, esse capital tem rosto e tem nome. Basta ver o noticiário de cada dia.
* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.
A opção que se coloca no mundo não é apenas a permanência da democracia ou o controle fascista da humanidade, mas as conquistas básicas da civilização humana que permitem a convivência entre as pessoas.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó* | Imagem: )
A superação da “lei do talião”, dente por dente e olho por olho, é uma conquista da civilização humana. Embora com tantas críticas e resistências, a ideia de Justiça passou da vingança privada para a esfera do Estado. É ele que detém o monopólio da violência e da Justiça.
Embora o Estado seja na maioria dos países o espelho da estruturação real da sociedade, o exercício legal do poder pela classe dominante, que faz e executa as leis conforme as suas conveniências – a tal da superestrutura jurídica, como dizia Marx -, há que ser reconhecer que sem regras e sem uma instância de ordem a convivência humana de 7 bilhões na face da Terra seria impossível de existir.
Gandhi, quando criticava a lei do talião, dizia que “no olho por olho todos terminaremos cegos”. É simples acrescentar que no “dente por dente todos terminaremos banguelas”.
A civilização humana experimenta um quadro de rupturas drásticas, consigo mesma e com o ambiente necessário para a existência da vida, particularmente dos seres humanos. Entretanto, nesse momento que deveria ser o da razão, é quando os instintos piores do animal humano afloram, numa real “struggle for life”, construindo muros, enxotando pessoas, “desplazando” os mais fracos, os que menos têm espaços para sobreviver. Para muitos é a predominância do cérebro reptiliano que herdamos de nossos ancestrais.
O capital mudou. Antes desejava que toda humanidade consumisse seus produtos. Hoje, com a consciência dos limites ecológicos – água, solos, minerais, etc. – quer reservar o melhor para uma parte restrita da humanidade. Fala-se que, para sustentar o padrão mundial da classe dominante, a Terra comporta cerca de 2 a 3 bilhões de pessoas (Lovelock), sendo que o restante será fatalmente eliminado por tragédias sociais ou climáticas.
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Existem novos humanismos, de respeito ao imigrante, ao meio ambiente, a todos os seres vivos (Laudato Si’), a todas as pluralidades, a consciência da interligação de todos com o tudo. Porém, esse novo é subalterno diante dos instintos primitivos de sobrevivência que se tornam lei, governos e cultura do ódio.
Esse é o embate desse início de milênio. Ou avançamos para formas mais civilizadas de convivência, ou chafurdaremos no pior do animal humano.
* Atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e no Conselho Pastoral dos Pescadores na região do São Francisco. Articulista do Portal EcoDebate, e possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais.
Nesses quase 40 anos de sertão é a primeira vez que ficou um ano sem cair chuva no telhado de casa. A última chuva foi em janeiro de 2016. No entorno da cidade, Juazeiro da Bahia, já choveu.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó | Imagem: Manuela Cavadas/ASA)
O problema básico não é que fica sem chover, mas chover muito menos. Os cientistas estão perplexos, porque a cada ano se fala que teremos chuvas normais, até acima da média, mas elas não vêm. Atribui-se sempre a razão ao fenômeno El Niño, que aquece as águas do Pacífico, elas caem abundantes no sul e sudeste do Brasil, mas não chegam ao coração do Semiárido.
Nós, que acompanhamos as mudanças climáticas, suspeitamos que elas já chegaram, para ficar, e a prevista diminuição das chuvas de 20 a 40% no Semiárido já está acontecendo.
Numa situação climática como essa, 20 anos atrás, o Nordeste já seria uma tragédia social e humanitária de proporções gigantescas, com centenas de milhares de mortos, sem falar nos migrantes e tantas outras mazelas sociais e humanitárias.
Entretanto, numa reportagem feita pela Globo no Jornal Hoje, a única tragédia social que acharam foi a mortandade de 20% do rebanho bovino do Pernambuco. A matéria teve que mostrar, de forma constrangida, o gado gordo de um criador, só que sustentado à base de ração comprada. Mas ele pode comprar a ração. Além do mais, criar gado de raça nesse sertão é considerada uma atividade de risco devido ao clima.
O que mudou essa realidade foi o intenso trabalho da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), com seu paradigma de convivência com o Semiárido (Imagem acima), captando a água de chuva de forma distribuída, com uma agroecologia adaptada ao ambiente, com a criação de pequenos animais mais resistentes ao clima, com a agroindústria de produtos naturais e com as políticas sociais dos últimos governos. O governo atual voltou à lógica do combate à seca.
É uma vergonha para Pernambuco sofrer com a seca. O estado é banhado em quase 400 km pelo Rio São Francisco. Onde foram feitas as adutoras transversais que abastecem Pernambuco, não há problema para humanos e animais. Falo da adutora que sai de Cabrobó e vai cortado o Estado até acima de Ouricuri. A outra que sai de Floresta e vai à direção de Serra Talhada e Flores. Essa deveria ter chegado a Paraíba faz tempos. Porém, a insistência na grande obra da Transposição bloqueou as adutoras simples. Por isso, a que deveria abastecer o agreste pernambucano está até hoje esperando pelo Eixo Leste da transposição. Uma perda para o povo e para os animais.
Quanto à Transposição, agora já se fala na sua gestão privada. Sabíamos dessa intenção desde o começo. Resgatei um texto que fiz nem sei mais que ano, mas que estava arquivado digitalmente no site de João Suassuna. Cito um trecho só para lembrar o que tanto denunciamos:
“É preciso observar que a Transposição, alicerçada na filosofia que a sustenta, insere-se na lógica mercantil da água, hoje globalizada. É o que chamamos de hidronegócio. Por isso, repetimos que a Transposição é “a última obra da indústria da seca e a primeira do hidronegócio”. Agora a própria CHESF já fala em criar “leilões de água”, isto é, já não se visa sequer a água para irrigar e criar camarão, mas para vendê-la como uma mercadoria qualquer, como se no Brasil alguém fosse proprietário de nossas águas” (http://www.suassuna.net.br/2016/10/transposicao-x-direitohumano-agua-por.html).
A única novidade é que esse mercado de águas terá gestão privada, portanto, não caberá mais à CHESF essa tarefa.