16ª Jejum da Solidariedade levantará reflexão sobre direitos dos oprimidos do campo. A CPT realiza o Jejum da Solidariedade desde 1999, sempre no período da quaresma.
"Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra". Confira a Carta na íntegra:
“Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco).
Faz escuro, companheirada!
· a bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam reduzir direitos já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!
Faz escuro, companheirada!
· os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo.
Faz escuro, companheirada!
· conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.
Faz escuro, companheirada!
· em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza... querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.
Faz escuro companheirada!
· Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver.
...faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!
· estendemos a mão mesmo no escuro e vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes.Haja luz!(Gênesis 1, 3)
· cantamos a luta e a esperança no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia, iluminamos nosso cotidiano... ninguém acende uma luz pra ficar escondida!(Lucas 8, 16)
· somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas!(João 1, 5)
· confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade... O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2)
· sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós!(Pedro Casaldáliga).
· convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança.
Já é quase tempo de amor. Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana, minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa. Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu canto porque amanhã vai chegar.
Thiago de Mello
XXVII Assembleia Nacional da CPT
Luziânia, 19 de março de 2015.
Defensor dos sem-terra no Pará por mais de uma década, frei Henri Burin des Roziers fala do País de hoje e dos anos setenta e oitenta. Confira a entrevista concedida à Revista Carta Capital:
(Por Leneide Duarte-Plon, de Paris – Revista Carta Capital*)
Em seu quarto no convento Saint-Jacques, em Paris, a 12 mil quilômetros de Rio Maria, pequena cidade do Pará onde defendeu na Justiça inúmeros camponeses sem-terra, o frade dominicano e advogado Henri Burin des Roziers, 85 anos, recebe Carta Capital para falar da sua experiência no Brasil, onde foi morar em 1978. Rio Maria, campeã de assassinatos por encomenda de líderes sindicais, é conhecida como “a terra da morte anunciada” e, por isso, virou símbolo da luta camponesa no Pará.
O “advogado dos sem-terra” pertence a uma tradicional família francesa. Estudou em Cambridge e fez doutorado na Sorbonne, antes de se tornar alvo de matadores profissionais. Em 2005, recebeu o Prêmio Internacional dos Direitos Humanos, na França, onde, em 1994, fora condecorado com a Légion d’Honneur.
CartaCapital: Segundo a Comissão Pastoral da Terra, entre 1985 e 2011, 1.610 pessoas foram assassinadas no Brasil em conflitos de terras. Camponeses, padres, freiras e advogados que defendiam os camponeses. Entre os estados brasileiros, o Pará é o mais violento, com 645 mortos entre 1985 e 2013. Por que essa violência?
Henri Burin des Roziers: Certamente, por causa da impunidade. Foi por isso que, quando fui enviado a Rio Maria, trabalhei contra a impunidade dos pistoleiros e seus mandantes, que tinham matado sindicalistas. Em Rio Maria, tinham assassinado João Canuto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, tinham ameaçado o outro presidente, que teve de fugir, e depois assassinaram quem o sucedeu, Expedito Ribeiro de Souza. E nada acontecia. Por isso, passei grande parte do meu tempo no Brasil tentando agir para que a Justiça julgasse e condenasse os assassinos. Essa impunidade diminuiu um pouco, alguns foram julgados.
“Não há reforma agrária porque a propriedade da terra é imposta pela violência”
CC: O senhor obteve vitórias. Como se explica a violência em torno da terra no Brasil?
HBR: Eles continuaram a assassinar, claro, até hoje o fazem. Mas não da mesma forma sistemática. Creio que por causa do nosso trabalho. A Justiça, hoje no Brasil, ainda está ligada às classes dominantes. Na época, eles compravam juízes. Obtivemos condenações formidáveis em Rio Maria, mas na hora da execução da pena tivemos problemas por causa do conluio da Justiça com os ricos. Apesar de tudo, acho que houve pequenos avanços. No País, há uma cultura da violência, sobretudo no Norte. Ela se explica pela impunidade, mas também porque está na estrutura da sociedade. Os que têm poder na região são violentos e a propriedade da terra é uma realidade que se impõe pela violência.
CC: A reforma agrária no Brasil é impossível? Por que nunca foi realizada?
HBR: Creio que há uma razão histórica. Na história do Brasil, o problema da propriedade e da terra é visceral. Talvez por causa das Capitanias Hereditárias e das Sesmarias, no início da colonização. Os primeiros colonos recebiam o poder a partir da terra. Desde a origem, o problema era fundamental. A terra como símbolo de riqueza e poder.
“É incompreensível a nomeação de Kátia Abreu. Dilma está envolvida em um jogo difícil. Agora é o poder pelo poder”
CC: Por que tanto Lula quanto Dilma Rousseff não ousaram fazer a reforma agrária?
HBR: Antes deles houve quem tentasse. O golpe de Estado de 1964 aconteceu em parte por causa das Ligas Camponesas de Francisco Julião. O problema da propriedade da terra no Brasil é explosivo.
CC: Como o senhor viu a nomeação da representante do agronegócio, grande latifundiária, Kátia Abreu, para o Ministério da Agricultura ?
HBR: É incompreensível. Dilma Rousseff foi eleita com muita mobilização dos Sem-Terra, do MST. Nomeou essa mulher para sobreviver, para ter um apoio político. Dilma está fragilizada. Totalmente envolvida em um jogo difícil. Agora é o poder pelo poder. É o que se dá com o PT. No Partido dos Trabalhadores, salvo algumas exceções, o conjunto dos parlamentares luta para manter o poder. Não têm mais preocupações ideológicas, não se empenham por reformas. Dilma Rousseff não tem mais nada a ver com a Dilma Rousseff de Lula, quando chegou ao poder. Mas vale dizer que era uma tecnocrata, não está na origem do PT.
CC: Depois do assassinato da freira Dorothy Stang, em 2005, o senhor passou a ser protegido por policiais. Por que o senhor era um alvo?
HBR: Porque trabalhei no Brasil por muito tempo como advogado, principalmente como advogado de acusação, se posso dizer assim, tentando levar à Justiça os matadores de camponeses e seus mandantes. Levamos à Justiça assassinos de camponeses e líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria. Nos anos 80, os fazendeiros da região tinham decidido que o sindicato teria de fechar. Para tanto, mandaram matar, em dezembro de 1985, seu primeiro presidente, João Canuto. Depois mataram seus dois filhos, José e Paulo. Não mataram a viúva porque não a encontraram. O sucessor de Canuto teve de fugir para não ser morto. Outro camponês, Expedito Ribeiro de Souza, assumiu a presidência do sindicato e foi assassinado em 1991. Depois, assassinaram um diretor do sindicato, Brás de Oliveira. Um companheiro dele conseguiu escapar, foi sequestrado e mandado para longe de Rio Maria.
CC: Como defensor dos sem-terra, o senhor passou a ser um alvo?
HBR: Lembro que, já ameaçado de morte, Expedito foi convidado, em dezembro de 1990, a falar num grande congresso da CUT, em São Paulo. Fez um discurso emocionante, diante de mil trabalhadores. Disse que era pai de nove filhos e, como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, estava ameaçado de morte. Todos os amigos lhe diziam para ir embora, mas ele fora eleito presidente e não podia abandonar os companheiros. O Le Monde Diplomatique fez uma matéria sobre esse encontro na CUT, cujo título era: “Esse homem vai ser assassinado”. E foi, em fevereiro de 1991.
CC: O senhor estava lá?
HBR: Não, eu estava deixando o Brasil e indo para a Guatemala. Com o assassinato de Expedito, a Comissão Pastoral da Terra começou a procurar um advogado. Havia advogados como Luiz Eduardo Greenhalgh, que naquele tempo era formidável. Depois, deixou-se seduzir pelo poder, infelizmente. Tinha sido advogado de presos políticos na ditadura. Havia também Márcio Thomaz Bastos, depois ministro da Justiça do presidente Lula. Esses advogados estavam a serviço da causa, mas diziam que do Rio e de São Paulo não podiam acompanhar os acontecimentos em Rio Maria. No entanto, se não se fizesse algo imediatamente, o processo estaria comprometido. Aceitei então ser o advogado. E assim fui para Rio Maria. E fui aos poucos retomando os casos já enterrados, inclusive o de João Canuto.
“Francisco é o papa que queremos, depois ‘de vivermos no deserto’ sob os ‘tristes’ João Paulo II e Ratzinger”
CC: O senhor foi para o Brasil em 1978. Por que o Brasil?
HBR: Em 1969, eu fui para o convento Saint-Jacques, onde estavam alguns dos dominicanos brasileiros exilados pela ditadura. Tomamos posição clara na defesa daqueles que estavam presos, e que foram, inclusive, torturados. A luta armada sequestrou o embaixador Giovanni Bucher, exigiu a libertação dos presos e foi assim que frei Tito de Alencar e outros foram soltos. Frei Tito veio para o Saint-Jacques e também foi aqui que conheci o dominicano Magno Vilela. Muito inteligente, ele foi determinante para que eu decidisse trabalhar no Brasil. Decidi ir em 1976, mas as autoridades brasileiras recusaram meu visto. Os dominicanos me diziam que eu nunca conseguiria. Cogitei então ir para o Peru, mas, quando estava para embarcar, já em 1978, soube que o visto fora dado. O papa Paulo VI morrera e, para ser bem-vista, a ditadura, que defendia a candidatura do Núncio Apostólico no Brasil, Sebastiano Baggio, resolveu dar os vistos aos quatro dominicanos franceses que estavam na lista de espera. Foi eleito João Paulo I, morreu logo depois. Em seguida, esse triste João Paulo II foi eleito papa. Fui para o Brasil e não para o Peru.
CC: O senhor foi para a Amazônia?
HBR: Primeiramente, para o Rio, depois visitei Fortaleza, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. Aprendi o português. Quando conheci Magno Vilela, no convento Saint-Jacques, já tinha experiência de jurista na região de Haute Savoie. Ele me disse que essa experiência seria útil nas lutas populares no Brasil. Depois dessa conversa é que fiz meu pedido para o Brasil.
“No Brasil há uma cultura da violência que se explica pela impunidade e porque impregna a estrutura social”
CC: Em 2013, depois da eleição do papa Francisco, o senhor disse, em São Paulo: “O papa deve mudar de vida, parar de se comportar como um príncipe. Deve ser um homem de diálogo no interior da Igreja e deve acabar com esse aspecto de autoridade absoluta”. O que acha agora?
HBR: Até agora, estou feliz. Nos sentíamos no deserto, perseguidos durante 40 anos sob o poder de João Paulo II e do triste Ratzinger- Bento XVI. Com Francisco, a gente se sente reabilitado. O que vi até agora me dá esperança. Sobretudo o discurso que ele fez em Roma para os movimentos populares. Disse que era preciso fazer uma revolução. Esperamos resultados. Fico, porém, um pouco apreensivo, sua sucessão me preocupa muito.
“Nunca encontrei Dom Helder, mas minha admiração vem de longe, desde o tempo em que eu fui capelão dos estudantes”
CC: Numa entrevista a um jornalista francês o senhor mencionou dom Helder Câmara como uma figura importante no seu percurso e falou dele com admiração. O senhor o conheceu? Como inspirou seu trabalho?
HBR: Nunca o encontrei pessoalmente. Mas a admiração vem de longe. Quando eu era capelão dos estudantes aqui em Paris, nos anos 1960, dom Helder, o bispo vermelho dos pobres, vinha frequentemente à Europa e passava sempre por Paris, onde fazia conferências que atraíam multidões. Ele denunciava a pobreza terrível do Brasil, das crianças do Nordeste. Era o bispo dos pobres, ele lembrava que naquele país de opulência havia uma grande pobreza. A gente mandava os estudantes irem ouvi-lo e depois fazíamos debates. Ele ficou como uma referência. Seu impacto no público francês era muito forte. Eu lia o que ele dizia e fazia. Ele criou um excelente centro de direitos humanos no Recife, mas outro bispo destruiu o que ele fez.
*Entrevista publicada na edição de 18 de março de 2015
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) mais que manifestar seu pesar pelo falecimento do Padre Antônio Iasi quer dar glória a Deus por sua vida totalmente dedicada à causa dos que não contam para o sistema dominante, sobretudo os povos indígenas.
Reunidos no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, entre os dias 17 e 19 de março, cerca de 75 pessoas entre agentes da CPT, trabalhadores e trabalhadoras, escolheram a nova diretoria nacional e coordenação executiva nacional da CPT, para os próximos três anos.
Dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas, no Maranhão foi reeleito como presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dom André de Witte, bispo de Ruy Barbosa, na Bahia, foi eleito como vice-presidente. Os dois bispos irão compor a direção nacional da CPT. Jeane Bellini, agente histórica da CPT nos regionais Araguaia/Tocantins e Mato Grosso, atualmente contribuindo no Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Secretaria Nacional da CPT; Ruben Siqueira, agente da CPT Bahia e um dos coordenadores, nos últimos dez anos, do Projeto São Francisco Vivo; Paulo César Moreira, agente da CPT no Mato Grosso e Thiago Valentim, agente da CPT no Ceará, ambos jovens e atuantes na luta da CPT, foram os eleitos e eleita para a coordenação executiva nacional da CPT. Para a suplência foram eleitas duas agentes da CPT, Isabel Cristina Diniz, da CPT Paraná e Darlene Braga, da CPT Acre.
Carta Final e Moções aprovadas pela Assembleia
A Assembleia aprovou, também, sua Carta Final (segue abaixo) e duas moções (em anexo), uma de apoio ao povo Palestino, que será levada por Dom Enemésio em um Encontro em Jerusalém, organizado pela Pax Christi Internacional, e uma endereçada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em vista do julgamento pela Corte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. O decreto foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar a identificação e titulação dos territórios tradicionalmente ocupados por remanescentes de quilombos. A ADI foi protocolado pelo DEM e questiona a constitucionalidade desse Decreto. A CPT espera que o STF decida em favor dos povos quilombolas e de seus direitos sobre os territórios que ocupam.
CARTA FINAL DA XXVII ASSEMBLEIA NACIONAL DA CPT
Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança
Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.
“Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco).
Faz escuro, companheirada!
a bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam reduzir direitos já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!
Faz escuro, companheirada!
os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo.
Faz escuro, companheirada!
conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.
Faz escuro, companheirada!
em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza... querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.
Faz escuro companheirada!
Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver.
...faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!
estendemos a mão mesmo no escuro e vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes.Haja luz!(Gênesis 1, 3)
cantamos a luta e a esperança no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia, iluminamos nosso cotidiano... ninguém acende uma luz pra ficar escondida!(Lucas 8, 16)
somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas!(João 1, 5)
confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade... O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2)
sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós!(Pedro Casaldáliga).
convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança.
Já é quase tempo de amor.Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu cantoporque amanhã vai chegar.
Thiago de Mello
XXVII Assembleia Nacional da CPT
Luziânia, 19 de março de 2015.
Com a assessoria do geógrafo Ariovaldo Umbelino, e com a contribuição de representantes de movimentos e organizações sociais, como CIMI, MST e Articulação dos Quilombos, teve início ontem, 17 de março, a XXVII Assembleia Nacional da CPT.
Ariovaldo fez a análise de conjuntura do momento que estamos vivendo no Brasil. Para ele, do ano passado para cá começamos a viver nitidamente uma luta de classes. A radicalização de parte da sociedade e da mídia em relação à Dilma Rousseff e ao PT, se dá, segundo ele, pelo fato de que eles estão percebendo que não podem mais derrubar o PT. Entretanto, mesmo com a consolidação do partido no cenário político, Ariovaldo destacou as dificuldades atuais desse governo, com o Congresso Nacional e o Judiciário extremamente reacionários. Com isso não é possível vislumbrarmos mudanças significativas nesse mandato. Umbelino destacou, ainda, que o capitalismo mundial está vivendo uma crise desde 2008, uma crise do neoliberalismo.
O fato novo que podemos destacar no atual contexto político é a direita indo para a rua. E podemos perceber que a maioria destes, de acordo com análise do geógrafo, é de eleitores do Aécio Neves (PSDB-MG), que disputou as eleições presidenciais em 2014. E o maior número de manifestações nesse 15 de março de 2015 se deu nos estados e regiões em que Aécio ganhou no segundo turno das últimas eleições. A mídia golpista, de acordo com Ariovaldo, alinhou-se mais uma vez à direita, com uma grande cobertura dos atos pelo impeachment da presidenta Dilma. “A mídia mais uma vez se mostrou como o mais importante aparelho ideológico do poder”, completou ele.
Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), destacou o ataque sistemático e bastante violento aos direitos dos povos indígenas e, principalmente, às lideranças desses povos nos estados em que a luta deles pela retomada de seus territórios é mais constante. Esse ataque se dá, segundo ele, no âmbito dos três poderes e tem como principal sujeitos os grupos ligados ao agronegócio, mas também as mineradoras e empresas internacionais. No âmbito do Judiciário tem havido uma “queda livre” na questão das homologações e reconhecimentos de terras indígenas (TI). Uma TI foi homologada em 2013, e nenhuma em 2014 e em 2015, até o momento. A bancada ruralista, associada a outras bancadas, tem feito uma aliança muito grande entre eles. Cada semana eles dão um passo em direção aos objetivos deles, que é, principalmente, desconstruir os direitos conquistados pelos povos na Constituição Federal. “A principal é a PEC 215, que transfere para o poder executivo a última palavra em relação à titulação de territórios tradicionalmente ocupados. Temos tido uma luta constante nesse sentido. No final de 2014, os indígenas conseguiram suspender a sessão de votação. Mas agora, no início de 2015, já conseguiram um ato para criar a comissão especial, cuja eleição do presidente, vice, secretário será daqui a pouco [17 de março]”, ressaltou Buzatto.
Os povos indígenas têm acompanhado as investidas contra seus direitos, estão dispostos e estão se mobilizando para garantir seus territórios. Para Cléber, “está tendo, também, uma maior articulação das forças do campo, povos tradicionais e outros, nesse momento. E, também, vejo a necessidade de nos articularmos com os grupos urbanos, pois na nossa avaliação, teremos anos de muito enfrentamento pela frente”.
Maria de Fátima Barros, da Articulação dos Quilombos, trouxe a questão do racismo que os remanescentes de quilombo historicamente sofrem e trouxe, também, a questão do racismo ambiental, em que vivem atualmente. A partir de sua própria experiência, de quilombola da comunidade da Ilha de São Vicente, na região do Bico do Papagaio, em Tocantins, Fátima relembrou o esquecimento a eles relegado em relação às políticas públicas. “Na época dos meus avós, bisavós, a gente não tinha essa preocupação pela posse da terra em si. A gente morava e trabalhava na terra. Quando entramos na década de 1980, nós percebemos que não éramos mais considerados donos da terra, pessoas que chegaram depois que assim o eram, e se viam inclusive no direito de mover ações contra as nossas famílias para nos despejar”, disse Fátima. Sua comunidade foi despejada em 2010. Foram despejados em um dia, no dia seguinte as casas foram queimadas e os animais levados, e eles viram literalmente suas coisas boiarem no rio Araguaia. Foi aí que ela veio para Brasília, e está na cidade desde 2010 atuando na articulação das causas quilombolas, junto ao governo federal e aos vários grupos representativos dessas comunidades.
Fátima destacou, também, as dificuldades desse processo de articulação e de organização das comunidades na luta por seus direitos. “Estamos fragmentados, não existe um movimento quilombola, existem movimentos quilombolas. Alguns voltados somente para as políticas públicas. Precisamos nos aglutinar em torno de uma luta coesa por nossos direitos e pautas comuns”, disse ela. A comunidade quilombola de Fátima, quando do despejo, era composta por sete famílias. Elas conseguiram a reintegração de posse e retornaram para o seu território. Hoje são 43 famílias vivendo na área tradicionalmente ocupada. Entretanto, Fátima destacou que a luta ainda não acabou. Fazendeiros que pleiteavam a área a estão ameaçando de morte por liderar a luta por seu território.
A Frente Nacional Quilombola foi criada na cúpula dos povos, em 2012, pois perceberam que tinham que ir para o enfrentamento enquanto protagonistas. “Acho que como a luta é nossa, a gente tem que estar à frente dela”. Depois de mais de um ano, a Frente não avançou e eles viram que precisavam criar mais um modelo de organização, e em maio de 2014 criaram a Articulação de Quilombos, com lideranças de nove estados.
“Deus criou a terra para os povos”
Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), retomou o documento da CNBB sobre a questão da terra. “Deus não criou a terra para a mercadoria e para o capitalismo, Deus criou a terra para os povos, com tudo o que ela tem”. Para ele, a crise econômica vivida pelo capital desde 2008, da qual Ariovaldo falou, teve consequências diretas nas comunidades do campo, pois puderam ver o capital buscando capital ativo para aplicar. Avançando, assim, no modelo do agronegócio no campo brasileiro, comprando nossos minérios, nossas águas, avançando sobre nossos territórios. Essa crise ajudou, também, a consolidar no nosso país, segundo ele, mais uma fase da revolução verde, que se concretiza hoje como agronegócio. Há uma hegemonia desse modelo, uma hegemonia no mercado, nas sementes e na produção por parte das grandes empresas que compõem esse setor no campo. Das dez empresas do agronegócio que dominam no Brasil, seis são estrangeiras, então há uma hegemonia do capital internacional também. Outro ponto que Alexandre destacou foi o impeditivo por parte do poder judiciário, que “senta em cima” dos processos e trava a luta, e, consequentemente, a reforma agrária. Além disso, o poder da mídia, um aparelho ideológico da burguesia e do modelo do agronegócio, que caminha lado a lado desse setor, pois as famílias detentoras dos grandes meios de comunicação têm, também, capital investido no agronegócio, nas pesquisas dos transgênicos, investindo e expulsando os povos da terra. “E ainda temos o governo de Dilma, com um modelo de coalizão, enfrentando uma crise econômica brutal e, agora, com uma crise de rumo”, disse ele.
Na sua avaliação, Dilma rasgou seu discurso de posse, em que destacou “nem um passo atrás, nem um direito a menos”, nomeando, logo em seguida, como ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que “veio para cima dos pescoços dos trabalhadores”. Tivemos uma grande derrota no primeiro turno, que foi a eleição do atual Congresso, o pior dos últimos tempos, segundo ele. “Nós temos então uma correlação de forças muito desfavorável no momento. O agronegócio segue numa ofensiva brutal pelo controle das sementes, da água, e dos recursos naturais. Segue no controle do pensamento, com cartilhas e livros com ensinamentos do modelo venenoso do agronegócio, principalmente nas escolas rurais. Eles vão ensinando nossas crianças que nosso tomate agroecológico é feio, murcho e doente, e que o veneno que eles produzem é remédio para deixá-lo bonito e gostoso. Os órgãos de controle não deixam ninguém dos movimentos quietos e em paz. Muita burocracia criada para impedir que os pobres tenham acesso a recursos públicos”, disse ele. Em contrapartida, Alexandre destacou que os movimentos sociais do campo, o MST em especial, estão retomando a luta, os acampamentos, ocupações. Pode ser que essas ações venham em menor número, mas com mais famílias nas frentes. Há uma retomada da luta pela terra, também, por parte do povo massacrado nas periferias das cidades. “A nossa jornada de abril vai mostrar para Kátia Abreu que ainda existe latifúndio no Brasil, ocupando grandes latifúndios, como fizemos em Corumbá de Goiás”, disse ele.
Mais ou menos cinco milhões de postos de trabalho no campo, temporários ou não, deixaram de existir porque o capital avançou com veneno, máquinas e com produções que não são para alimentar a população. Esses trabalhadores desempregados estão engrossando as periferias das cidades. “Nós temos nossas fragilidades para seguir na luta pela terra. Nas próprias eleições percebemos isso com a derrota de Dilma nas regiões onde a agricultura familiar é mais desenvolvida. Eles votaram no Aécio”, avaliou Alexandra. Para ele, houve uma mudança concreta com o avanço do consumo nas classes mais pobres, mas houve, também, uma desorganização, pois o povo passou a ir para o lado ao qual não pertence, nunca pertenceu.
Para Alexandre, “tivemos nos últimos quatro anos um dos piores governos em relação a reforma agrária desde a redemocratização. Do ponto de vista de números, o governo Dilma em 2014 assentou apenas 17 mil famílias. Temos um processo de travamento da reforma agrária”. Para ele, nesse momento de retomada de lutas torna-se imprescindível a união das organizações e movimentos de luta, tanto do campo quanto da cidade. Ele destacou, inclusive, a necessidade da presença da CPT nesse processo, “vamos precisar e muito do apoio da CPT nesse momento, para retomarmos com mais força a Articulação da Via Campesina, com os novos movimentos que estão próximos. A CPT que serve para solidarizar, precisa voltar a nos ajudar nessa teia de lutas políticas no próximo período”.
A Assembleia Nacional da CPT segue até o dia 19 de março, quando será eleita a nova coordenação executiva nacional e nova direção nacional da CPT, para os próximos três anos.
Mais Informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT) – (62) 8111-2890
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT) – (62) 8444-0096