Na manhã desta sexta-feira, dia 17 de julho, foi realizada a plenária final do IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na ocasião, os participantes aprovaram a Carta final do Congresso que celebra os 40 anos da Pastoral. Confira, na íntegra, o documento:
Nós, 820 camponesas e camponeses, indígenas e agentes da CPT, bispos católicos e da Igreja Ortodoxa Grega, pastores e pastoras, rezadores e rezadeiras, vindos de todos os recantos do Brasil, convocados pela memória subversiva do Evangelho e pelo testemunho dos nossos mártires, pela presença dos Orixás, dos Encantados e Encantadas, nos reunimos para o IV Congresso da Comissão Pastoral da Terra, em Porto Velho-RO, de 12 a 17 de julho de 2015. Foram dias de um intenso processo de escuta, debate e busca de consensos e desafios em sete tendas, que receberam nomes de sete rios de Rondônia. Ao final destes dias, queremos fazer chegar esta mensagem a vocês, povos do campo e da cidade, como um apelo e um chamado.
"Obedecer ao chamado. Cumprir o dever".
(Cacique Babau - povo Tupinambá)
Faz escuro, mas eu canto! Ha 40 anos, a CPT, num tempo de escuridão, em plena ditadura militar, foi criada atendendo ao apelo de povos e comunidades do campo, de modo particular da Amazônia, envolvidas em conflitos e submetidas a diversas formas de violência. Hoje, voltando de onde nascemos e fazendo memória destes 40 anos, vemos que foram anos de rebeldia e fidelidade ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, condição da nossa esperança. Vemos também que as comunidades vivem uma realidade mais complexa do que a do tempo da fundação da CPT, pois camuflada por discursos os mais variados de desenvolvimento e progresso, que, porém, trazem consigo uma carga de violência igual ou pior à de 40 anos atrás. Hoje, tem-se consciência de que pelo avanço voraz do capitalismo é o destino da própria humanidade e da própria vida que está em jogo. O mercado nacional e transnacional encontra suporte nas estruturas do Estado que se rendeu e vendeu aos interesses das elites e do capital.
Com a autoridade e humildade de quem vive as dores e alegrias da vida do povo, neste Congresso compartilhamos experiências que trouxeram a Memória de fatos e pessoas muito significativas na história das comunidades do campo e da própria CPT; experiências de Rebeldia que nos mostram a indignação diante das injustiças e da violência e experiências de Esperança, que apontam para caminhos que levem a uma realidade mais justa.
Quanta história temos para contar! De gente e de lugares, de derrotas e vitórias. ... E nossos mortos - homens e mulheres. Fazemos memória para unir passado e presente. Não para repetir! Mas para radicalizar, voltar às raízes do amor pela terra e pelos povos da terra.
Na nossa luta a CPT interagia de corpo e alma com a gente desde o começo, na ocupação e no despejo. Despejo não é derrota. A gente dá dois passos pra trás e três pra frente.
Valdete Siqueira dos Santos, Assentamento Transval, Jequitinhonha, MG.
Rememorar lutas e resistências alimenta nossa indignação e rebeldia. É justo rebelar-se, é legítimo e urgente. Porque a violência e a destruição não são parte do passado, mas são vividas em todos os cantos do país, com muitas caras e a mesma cumplicidade das autoridades que deveriam zelar pelo bem do povo. Estas enrolam, cansam e esgotam as comunidades. A rebeldia vai brotando aos poucos, nasce da realidade de opressão que interpela a consciência. É igual às sementes das plantas do Cerrado, que precisam passar pelo fogo ou pelo estômago dos animais para quebrar sua dormência e assim germinar. Nem sempre é um processo racional. Muitas vezes é um processo festivo de construção de símbolos. Continua a convicção que nosso projeto de vida vai ser “na lei ou na marra”.
Se com a memória alimentamos nossa rebeldia... com o que damos vida à nossa esperança?
A esperança é a persistência da rebeldia!
Trabalhador numa das tendas
Essa esperança vai nas nossas mãos. Em uma, a luta e a organização - diária e rebelde - na outra, a fé e a paixão - diária e rebelde. De um lado resistimos ao sistema de morte com luta. Do outro descobrimos que conquistar terra e território e permanecer neles não é suficiente. O desafio é construir novas pessoas e novas relações interpessoais, familiares, de gênero, geração, sociais, econômicas, políticas entre espiritualidades e religiões diferentes e com a própria natureza.
Com as mãos cheias de esperança convocamos os povos originários e o campesinato em suas mais diversas expressões: quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos, retireiros, geraizeiros, vazanteiros, camponeses de fecho e fundo de pasto, extrativistas, seringueiros, castanheiros, barranqueiros, faxinalenses, pantaneiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, assentados, acampados, peões e assalariados, sem-terra, junto com favelados e sem teto, para fortalecer estratégias de aliança e de mobilizações unitárias.
Convocamos também igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo urgente de MOBILIZAÇÃO REBELDE E UNITÁRIA pela vida, que inclua a defesa do planeta TERRA, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade.
Com o Papa Francisco reafirmamos que queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, na nossa realidade mais próxima, uma mudança estrutural que toque também o mundo inteiro.
Se no passado a escuridão não nos calou, mas acendeu em nós a esperançosa rebeldia profética, hoje também ela nos impulsiona a continuar a luta ao lado dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, em busca de uma terra sem males e do bem viver.
Por isso assumimos como perspectivas de ação para os próximos anos:
· Uma reforma agrária que reconheça os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e uma justa repartição da terra concentrada;
· A formação dos camponeses, camponesas e dos agentes da CPT, com destaque para as comunidades tradicionais, a juventude, as relações de gênero, a agroecologia;
· O envolvimento em todos os processos de luta pela educação no e do campo;
· O serviço à organização, articulação e mobilização dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, pescadores artesanais e mulheres camponesas;
· A intensificação do trabalho de base;
· A sustentabilidade pastoral, política e econômica da CPT.
O profundo desejo do próprio Jesus e do seu movimento é também o nosso: “Eu vim trazer fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse em chamas” (Lc 12,49).
Porto Velho, RO, 17 de julho de 2015.
Os e as participantes do IV Congresso Nacional da CPT
Mais informações:
Cristiane Passos (Assessoria de Comunicação) – (69) 9368-1171 /
Acesse todas as informações do IV Congresso da CPT aqui
Fotografias no Facebook da CPT: Comissão Pastoral da Terra (CPT) – favor citar o crédito das fotos
@cptnacional
Antônio Ramin havia chegado da Itália há dois dias, quando participou da abertura do IV Congresso Nacional da CPT, na Universidade Federal de Rondônia (Unir). Ele é irmão de Padre Ezequiel Ramin, assassinado por defender os sem terra e indígenas de Rondônia. Foi no dia 24 de julho de 1985. Na próxima semana seu martírio completa 30 anos.
O IV Congresso Nacional da CPT levantou a necessidade de denunciar mais intensamente e combater o fechamento das escolas no campo, prática que tem se intensificado nos últimos tempos no Brasil, bem como cobrar de forma mais veemente políticas públicas que garantam educação de qualidade para o povo no e do campo.
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT / Imagens: Joka Madruga)
O campo nunca foi pensado como espaço de vida pelo Estado. Ao longo da história do campo brasileiro as políticas educacionais sempre foram pensadas de forma desigual, inferiorizada e residual. Nesta concepção, para viver no e do campo bastava apenas saber ler, pois cabia ao camponês somente reproduzir sua força de trabalho e tirar da terra os alimentos para atender à cidade. O reflexo desta lógica foi a ausência e formulação de políticas que levassem em consideração o modo de viver e de se organizar das populações do campo.
“A escola do campo ensina para além do letramento, promove e garante o convívio das pessoas em suas diferenças e suas identidades camponesas para a liberdade”, disse a educanda do campo Elen Lisboa, de Terra Nova (MT), da tenda Rio São Miguel.
Os camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras do campo sempre produziram grande parte da cultura brasileira e múltiplos saberes populares e conhecimentos, em suas várias formas de organização em seus territórios.
A Comissão Pastoral da Terra, ao longo dos seus 40 anos de existência, vem apoiando e reafirmando as lutas camponesas, por terra, água, educação, direitos e vida plena aos povos campo. As experiências dos quilombolas, dos indígenas, das comunidades tradicionais, assentados, acampados, assalariados refletem seus projetos de vida alicerçados num projeto de educação emancipadora, libertadora. A educação do campo se diferencia da educação rural principalmente por contrapor ao modelo de educação bancária, alienante e reprodutora do capital. Ela tem em seus princípios fundamentais o diálogo de saberes tradicionais, de gerações, de igualdade de gênero, de cultura popular na autorganização dos territórios e dos assentamentos.
A educação do e no campo de fato e de direito, reconhece a realidade e necessidade dos povos campesinos, tendo como ponto de partida seu lugar, vivência e cultura para afirmar e reafirmar a identidade camponesa.
O cenário nos últimos dez anos revela que mais de 37 mil escolas foram fechadas no campo de acordo com (INEP). Esses dados apontam como as políticas educacionais tem sido tratadas pelos governos em suas diferentes escalas. Programas específicos e pontuais de educação do campo não garantem continuidade nas ações. O fator quantitativo é sempre levado em consideração para o fechamento das escolas, sem sequer consultar as comunidades. Muitas escolas rurais e não do campo, encontram-se em situações precárias, gestores da cidade, educadores sem formação específica, mesmo tendo atualmente mais de 40 cursos de Licenciatura em Educação do Campo em curso em todo o país.
De fato, muitas ações de luta pela educação do campo tem sido travadas pelos camponeses e camponesas, quilombolas e indígenas, seja pela ocupação do Ministério da Educação, realização de fóruns municipais e estaduais, participação em conferências, mobilizações, construção de audiências públicas, elaboração de propostas curriculares diferenciadas junto aos conselhos municipais e estaduais, pressão junto aos governos para a realização de concursos públicos específicos entre outras ações.
A partir dos diversos relatos das experiências apresentadas no IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra, tendo o Rio Madeira a nossa volta, em plena floresta amazônica, foi reafirmado coletivamente o nosso compromisso com a educação do campo e a vida, através da denúncia e combate do fechamento das escolas no campo, uma violação dos direitos das populações do campo, das águas e das florestas. Nesse sentido, a lei 12.960/14, que dificulta o fechamento das escolas rurais, quilombolas e indígenas é fruto dessa luta.
"É necessário um amplo debate político em escala nacional sobre os rumos da educação no campo no País, executadas nos municípios e estados, tão submissos à estrutura conservadora da propriedade privada da terra e sua função", analisa a educadora popular Creuza Teles.
“Nós queremos garantir o direito de existir. Queremos o reconhecimento e a titulação dos nossos territórios para garantir a existência das comunidades”. O depoimento de Naldo Braga Correia, integrante do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), ecoou alto na Tenda Rio Guaporé, onde se discutiu o eixo “Esperança”, na quarta-feira (15), durante o IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado em Porto Velho, Rondônia.
Empurrados pelos exemplos de Memória e Rebeldia, vistos nos primeiros dias do IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), camponeses e camponesas, indígenas, quilombolas e agentes pastorais demonstraram na manhã desta quinta-feira (16) os diversos sinais de Esperança presentes na luta dos povos da terra e das águas.
Durante a quarta-feira, 15, os participantes do IV Congresso Nacional da CPT expressaram, na Fila do Povo, o que entendem como Rebeldia e como ela se expressa em seus cotidianos. Na ocasião, foram realizadas críticas profundas ao Estado e suas variadas instâncias - poderes Executivo, Judiciário, polícia e exército -, que mostraram o esgotamento na crença das vias institucionais. Os depoimentos também reafirmaram a necessidade do espírito de Rebeldia para a luta pela conquista e permanência na terra e no território. Confira alguns trechos da fila do povo: