No próximo dia 9 de agosto completará 20 anos do Massacre de Corumbiara, ocorrido em Rondônia. Dirinho, presidente do sindicato rural da região, participou do IV Congresso Nacional da CPT e falou sobre as duas décadas do ocorrido. Confira a matéria:
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT )
O estado de Rondônia e a região da Amazônia, palcos do Congresso que celebra os 40 anos da Comissão Pastoral da Terra, foram também o cenário de um dos piores conflitos no campo de que se tem registro na história do Brasil pós-redemocratização: o massacre de Corumbiara. Conhecido internacionalmente, o episódio que encharcou com sangue dos trabalhadores as terras do município localizado ao sul de Rondônia, completará 20 anos no próximo dia 9 de agosto. Relembrado pelos participantes do IV Congresso Nacional da CPT, o massacre deixou marcas na história dos povos do campo e teimam em não cicatrizar.
“O massacre de Corumbiara pra nós foi um dos episódios mais tristes", conta Genadir Ribeiro, mais conhecido como Dirinho, presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Corumbiara. Seu Dirinho, que veio participar do IV Congresso da CPT, não esconde a emoção e revolta diante da história. Ele teve dois irmãos que sobreviveram ao massacre e outro, vereador na época, que foi assassinado quatro meses após o episódio, por "dar apoio aos trabalhadores rurais sem terra", como disse o sindicalista.
Foram cerca de 600 famílias que ocuparam, em julho de 1995, uma pequena parte das terras da fazenda Santa Elina, em Corumbiara. Os trabalhadores reivindicavam, para fins de Reforma Agrária, a desapropriação da fazenda que possuía cerca de 18 mil hectares e cujo proprietário era acusado de grilagem das terras. Nos dias que antecederam o massacre, uma tentativa de reintegração de posse ocorreu sem sucesso. A decisão das famílias foi pela resistência.
A chacina ocorreu no dia 9 de agosto de 1995. Josep Iborra, conhecido como Zezinho, missionário e agente pastoral da CPT em Rondônia, conta que a ação foi conjunta: Policiais militares e jagunços. Os que sobreviveram ao massacre lembram dos detalhes que o fizeram chegar a conclusão: "os sobreviventes contam que alguns policiais militares estavam de botas, outros de tênis", ressaltou o agente. Seu Dirinho também relembra o relato de um de seus irmãos: "invadiram o acampamento de madrugada. Meu irmão conta que teve um momento que a polícia pediu pra eles se deitarem no chão e saíram andando por cima dos trabalhadores. Ele sente as dores até hoje. Aconteceram coisas inimagináveis com os trabalhadores rurais que foram torturados e assassinados", contou.
No massacre, dois policiais militares e nove trabalhadores rurais sem terra foram assassinados. A estatística, contudo, é contestada até os dias de hoje. "O número de trabalhadores rurais mortos é bem maior", alerta Dirinho. "Muitos sem terras morreram depois, por conta dos ferimentos graves", completou. Zezinho ressalta que à época nada foi feito pelos órgãos governamentais para evitar o conflito anunciado. Dirinho concorda. "Naquele tempo, não houve nenhum interesse por parte do estado em intervir, tanto prefeito quanto o governador, Valdir Raupp - atual senador pelo PMDB -, poderiam ter feito alguma coisa. Acredito que dava pra evitar o massacre", ressaltou.
As terras alvo do conflito eram da União, no entanto, haviam sido griladas, como era de conhecimento de todos da região. Após o massacre, ocorrido no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), houve o processo de legalização das terras para o fazendeiro e, mais recentemente, "foi desapropriada para fins de Reforma Agrária e o proprietário foi indenizado em cerca de 54 milhões de reais", comenta Zezinho.
As famílias das vítimas do massacre permanecem esquecidas pelo Estado até os dias de hoje. O presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Corumbiara denuncia que nenhuma delas foram indenizadas pelo governo. O clima de tensão e medo na área também é um desafio a ser enfrentando. A memória do Massacre se faz presente no cotidiano de Corumbiara e impede que muitas famílias sigam na luta contra o latifúndio e a grilagem de terras na região. "Hoje, o sentimento na região é ainda de muito medo e tristeza", reconheceu Dirinho. "Tem muitos que não gostam de se aproximar do Sindicato porque têm medo de ser confundido. A gente tem uma dificuldade enorme, enquanto liderança sindical, de conversar com as pessoas pra luta. Elas ficam com o pé atrás devido à pressão dos fazendeiros, mas mesmo assim ainda conseguimos algumas lutas", afirmou Genadir.
A situação relatada pelo sindicalista é vista como um reflexo de um Estado que não se faz presente para as populações do campo. A região onde está inserido o município de Corumbiara é considerada a mais violenta para os povos do campo no estado de Rondônia. Ali, o que era antes ocupado por populações indígenas, como o povo Corumbiara, passou a ser dominado por grandes latifundiários e pela grilagem de terras. "Na década de 80, ocorreram muitas ocupações e tiveram muitos assassinatos. Há indícios que ocorreram várias mortes na região que não estão nas estatísticas. Não são contabilizados pelo Estado", ressalta o sindicalista.
O massacre de Corumbiara ocorreu em 1995 e, logo em seguida, houve o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Houve uma mobilização por parte do Estado com a criação de alguns organismos voltados para o campo, como o Ministério Extraordinário de Políticas Fundiárias, criado pelo decreto 1889/96. Mas, para Antônio Canuto, membro fundador da Comissão Pastoral da Terra, o que ocorreu foi que "houve mobilizações, criam-se factóides para que tudo permaneça da mesma forma. A realidade de violência não mudou praticamente nada", ressalta Canuto.
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