Após publicar uma edição especial de seu jornal Porantim, em que denuncia a decepção do povo Suruí com as falsas promessas relacionadas à implantação do REDD em seu território, o CIMI passou a ser atacado por ONG’s e pela Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico. Entenda o caso e confira Nota do Conselho em resposta a tais ataques:
Em 2013 foi muito divulgado na imprensa nacional e internacional, um contrato assinado entre o povo Paiter-Suruí e grande empresa de cosméticos, Natura, em que esta iria comprar 120 mil toneladas de créditos de carbono “sequestrados” da terra indígena Sete de Setembro, em Rondônia. A empresa foi a primeira no mundo a comprar créditos de carbono de um território indígena. Entretanto, as diversas promessas firmadas com o povo Suruí de melhorias de vida para a comunidade, dinheiro para cada indígena, desenvolvimento das aldeias, não se concretizaram. Hoje, segundo o cacique da Sete de Setembro, Henrique Suruí, 100% da aldeia é contra esse projeto. Os indígenas estão adoecendo, deprimidos e ficaram reféns das exigências e imposições de tal contrato.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em uma edição especial de seu jornal Porantim, publicada em setembro de 2014, denunciou as falsas promessas que envolvem o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). No dia 6 de março último, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), divulgou uma Nota acusando o CIMI de divulgar matérias caluniosas, referentes à publicação especial do Porantim, e outro jornal, o “Nortão”, que não tem qualquer ligação com o Conselho, de fazer o mesmo. Confira agora a Nota Pública divulgada pelo CIMI hoje, 10 de março, em resposta às acusações do GTA.
Nota de Esclarecimento do Cimi sobre acusações do GTA
Perante as mentiras, calúnias e preconceitos expressos em nota publicada e assinada pelo presidente da Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), informamos que:
1- O jornal Porantim é um instrumento de comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que está a serviço dos povos indígenas do Brasil desde o ano de 1978, sendo usado permanentemente para dar voz aos povos, às comunidades e lideranças indígenas de todas as regiões do país.
2- O Jornal “Nortão” não pertence ao Cimi e a entidade não tem qualquer responsabilidade relativamente ao que é publicado no mesmo.
3- Os povos indígenas têm sido recorrentemente assediados e atacados por distintos grupos econômicos interessados na exploração de seus territórios. Temos dado apoio incondicional aos povos na luta que realizam contra o ataque sistemático e violento de grupos ligados ao ruralismo, às mineradoras, às empreiteiras e aos madeireiros, dentre outros, que pretendem mudar a Constituição a fim de impedir novas demarcações e legalizar a invasão e a exploração das terras indígenas no Brasil. O empenho do presidente da Rede GTA em atacar o Cimi não é percebido quando se trata de apoiar os povos na defesa de seus direitos territoriais.
4- Recentemente, apoiamos uma delegação de aproximadamente 40 lideranças, representantes de 10 povos indígenas dos estados de Rondônia e Mato Grosso, que estiveram em Brasília entre os dias 23 e 27 de fevereiro de 2015, onde realizaram uma série de ações de incidência política junto a órgãos públicos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em defesa do direito à demarcação de suas terras; por melhoria no atendimento à saúde das comunidades na região; contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00; contra decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou portarias declaratórias de terras tradicionais dos povos indígenas Guarani-Kaiowá e Terena, no estado do Mato Grosso do Sul, e Canela, no Maranhão. A denúncia em veículos de imprensa, inclusive na Rádio Nacional da Amazônia, da ocorrência de invasão e exploração de seus territórios por fazendeiros e madeireiros, bem como a cobrança, junto a órgãos públicos, de ações efetivas de proteção aos territórios e para a suspensão do Projeto Carbono Suruí também fizeram parte das demandas apresentadas pelas lideranças dos 10 povos indígenas.
5- Uma das denúncias apresentadas pelas lideranças indígenas no período foi que o Projeto Carbono Suruí tem potencializado sobremaneira a divisão e o conflito interno entre os Suruí. Isso porque, segundo as lideranças em questão, o “Projeto” estaria enriquecendo um pequeno grupo de indígenas que, na sua maioria, vivem no meio urbano, fora da terra indígena, além de muitos consultores não indígenas de organizações não governamentais e deixando o povo abandonado. Portanto, diferentemente do que o presidente da Rede GTA sugere, as informações divulgadas pelo Cimi não geraram, mas explicitaram um conflito já instalado e fortalecido pelo Projeto Carbono Suruí.
6- Defendemos o direito dos povos ao usufruto exclusivo de seus territórios e os apoiamos nas ações que realizam para combater a invasão, a mercantilização e exploração dos mesmos por grupos não indígenas, sejam eles quais forem.
7- Repudiamos a tentativa, por parte do presidente da Rede GTA, de associar o Cimi a práticas ilegais, como a exploração madeireira em terras indígenas. Trata-se de uma iniciativa repugnante. Os povos indígenas e a sociedade brasileira sabem do empenho do Cimi e de seus agentes nas denúncias realizadas contra a prática da invasão possessória, inclusive a exploração madeireira, como uma das faces mais visíveis da estratégia anti-indígena em curso no país. O jornal Porantim é um dos instrumentos recorrentemente usados neste sentido.
8- Embora as terras indígenas sejam as áreas melhor protegidas ambientalmente, como apontam pesquisas recentes, a avareza dos madeireiros associada à omissão do governo brasileiro fez com que a exploração madeireira em terras indígenas se expandisse em 2014. Sempre defendemos que essa prática deva ser combatida pelos órgãos responsáveis e que os envolvidos sejam devida e legalmente responsabilizados.
9- Entendemos que o mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal, mais conhecido pela sua sigla Redd, é também um mecanismo de invasão e exploração dos territórios indígenas. Isso porque, como consta no próprio site da Rede GTA “já existem casos documentados de que a busca pelo lucro com os créditos de carbono, que são gerados pelos projetos de Redd+, acabam resultando em conflitos e na expulsão de pessoas de suas terras”. Entendemos e respeitamos a opção política dos povos que estabelecem, por meio de seus mecanismos e relações próprias de poder, contratos dessa natureza. No entanto, como entidade indigenista, consideramos legítima a possibilidade de manifestarmos posição política institucional sobre o tema, bem como, abrirmos espaços em nossos veículos de comunicação a fim de que a questão seja abordada e problematizada e que perspectivas críticas sejam conhecidas e socializadas pelos povos.
10- Consideramos legítimos os diferentes posicionamentos existentes relativamente ao tema entre organizações da sociedade brasileira e é um direito de todos manifestar e defender essas posições sejam elas contrárias ou favoráveis à Economia “Verde” e mecanismos como o Redd. Porém, esconder posições político-ideológicas atrás de acusações fajutas a quem tem entendimento divergente é irresponsabilidade e covardia.
11- É lastimável e vergonhosa a manifestação do presidente da Rede GTA que se refere a “um grupo de indígenas que possivelmente não tem total consciência de suas ações”. Trata-se de uma afirmação preconceituosa que desconhece o fato dos povos e lideranças indígenas serem plenamente capazes. A plena capacidade dos povos indígenas foi devidamente reconhecida pela Constituição Brasileira de 1988.
12- Por último, denunciamos e desautorizamos o uso indevido que a Rede GTA tem feito do nome do Conselho Indigenista Missionário na lista de parceiros em seu site institucional.
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
10 de março de 2015
Faleceu no dia 22 de fevereiro último, às 18h30, no hospital de Barra do Garças (MT), aos 87 anos, Aniceto Tsudzawere, liderança do povo Xavante, com grande atuação na luta pelo território nos anos 1970 e 1980.
(Com informações da Funai de Nova Xavantina (MT) e do Portal Araguaia Notícias - Foto: Funai)
Aniceto era cacique da Aldeia Nossa Senhora de Guadalupe, na Terra Indígena São Marcos (MT). O velho cacique criticou órgãos como IBAMA e INCRA que permitiram a especulação dentro de reservas indígenas com a construção de barragens e ocupação por parte do branco.
Aniceto lutou também contra a abertura de hidrelétricas perto de aldeias que, segundo ele, acabou com o que sobrou de caça e pesca de subsistência. Devido aos seus problemas de saúde, passou o comando para o sobrinho Raimundo Uhoret’e. Ele recebeu o comando da etnia xavante em Barra do Garças do cunhado o grande cacique Apoena, no início da década de 80. Com a morte de Apoena, o legado ficou com Aniceto.
Naquele tempo, Aniceto era destaque no país ao lado de lideranças indígenas como Raoni, Mário Juruna, que se mudou para o Rio de Janeiro e se elegeu como deputado federal pela cidade, e Aritana, que virou tema de novela na extinta TV Tupi, e reside na região do Xingu, junto com mais 19 etnias xinguanas. Em 2010 Aniceto concedeu entrevista ao site Olhar Direto – repórter Ronaldo Couto – onde se emocionou ao dizer que a sua morte estava perto, mas que ele acreditava que o povo xavante continuaria sendo um povo de luta em prol de uma política melhor para o índio brasileiro.
O cacique nunca gostou da terceirização no atendimento a saúde indígena através de organização não-governamentais (ONGs). Ele denunciou em 2010 que esse sistema mais consumia dinheiro do que realmente atendia a demanda dos índios.
Os parentes divulgaram mensagens de pesar pela morte do guerreiro Aniceto:
De Jeremias Tsibodowapre:
“É com imenso pesar que neste momento dirijo-me aos amigos que me acompanham neste momento de dor e de muita tristeza. Acabo de perder o meu tio CACIQUE ANICETO TSUDZAWERE. Uma das grandes lideranças do povo Xavante que o mundo civilizado conheceu. Foi um dos mentores e idealizadores do levante do povo Xavante na década de 70, 80 e início dos anos 90, quando o mesmo liderou totalmente as demarcações e homologações de todas as terras Xavante, exceto Marãiwatsédé. É duro de aceitar o falecimento precoce dele, vítima de uma cirurgia mal sucedida de câncer de próstata. Contudo, é o ciclo da vida, pois, nascemos crescemos e morremos. Agora ele terá um descanso muito merecido. Ele é um ente muito querido da nossa família. DESCANSE EM PAZ TIO QUERIDO. Que o bom DANHIMITE (DEUS) te receba de braços abertos”.
De Aptsiré Xavante:
“Iamõ Aniceto foi um dos grandes guerreiros a defender o modo de vida do povo Xavantes e também na luta pela demarcação de nossos territórios, e na época da ditadura militar batendo de frente com General Médici, juntamente com Mario Juruna. Que esse grande guerreiro tenha uma boa passagem para outro plano e se junte a outros mais que já nos deixaram, solidarizo com a dor da família e parentes e que essa é mais uma grande liderança indígena crescida antes do contato com o mundo dos waradzu e que foi ferrenha na luta por nossos diretos. Vá em paz e tenha um descanso merecido iamõ Aniceto Tsudzawere.”
Do povo Mebengokre (conhecidos genericamente como Kayapós):
“É com imensa dor que nós caciques mebengokre expressamos nossas mais profundas e sinceras condolências pelo falecimento do cacique Aniceto Xavante, que seu exemplo guerreiro permanece vivo em toda a população indígena que saberá continuar o caminho da soberania, justiça e igualdade pela luta junto a esses povos. Seu exemplo de luta é um patrimônio de toda a população indígena. Nesse momento de dor, nós caciques e lideranças Mebengokre externamos nossos sentimentos de dor e nos solidarizamos com a família do cacique Aniceto Xavante e por isso faremos a nossa dança de homenagem ao grande cacique e guerreiro Aniceto Xavante. Que Deus em sua infinita glória o receba em seus braços e que no calor de seu imenso coração conforte a todos por essa grande perda.
Afetuosamente
Nação Mebengokrê”.
Organizações como a “Raiz das Imagens”, que possui projetos de oficinas de vídeo e cinema com povos indígenas, também prestaram homenagens a Aniceto:
“Em julho de 1973, o cacique Aniceto Tsudzawere abordado na rua de Cuiabá por uma menina maltrapilha que lhe pedia esmola, respondeu-lhe: ‘Não posso ajudá-la pois sou tão pobre como você: sou índio e abandonado’... Dia 22 de fevereiro de 2015, partiu o espirito deste guerreiro Xavante que fez parte do primeiro contato e desde então nunca deixou de lutar pelos direitos do seu povo. A pobreza de Aniceto foi o descaso e o desrespeito desta sociedade para com seu povo, suas terras e sua cultura. O cacique que se preocupava tanto com a saúde do índio e de sua comunidade, em 2010, quando havia estado internado, já pedia mais atenção das autoridades de Brasília em relação a saúde indígena. Aniceto foi um exemplo para o povo Xavante… aprendeu o idioma do branco, ensinou para o seu povo, liderou durante anos, se envolveu em reivindicações políticas ao lado do Dep. Juruna, conquistou muitos direitos e adquiriu respeito. O Raiz das Imagens apareceu, pediu licença e foi conquistando pouco a pouco a confiança deste querido e bravo Xavante. Fomos aceitos, mesmo que, em alguns momentos com muito custo, depois de longos discursos e alertas sobre o cuidado com seu povo. Agradecemos a oportunidade de trabalhar contigo e por cada sábia palavra absorvida de tão pura personalidade nas horas e horas de papo diante de sua casa na aldeia N. S. de Guadalupe. A luta dos povos tradicionais continua… e para nós fica mais um exemplo de consciência, força e esperança. Vai tranquilo nobre guerreiro, tua missão foi cumprida e somaremos cada vez mais parentes à tua família para que se faça valer o respeito merecido por tua luta.”
Em 1º de janeiro de 2015 as Ligas Camponesas completaram 60 anos. Elas nem existem mais, porém seu legado histórico ainda está aí, vivo e pulsando. Surgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em 1º de janeiro de 1955, e foram extintas logo após o golpe militar de março de 1964. (Foto: site Documentos Revelados)
(Vandeck Santiago - Diário de Pernambuco)
Em 9 anos de existência, conseguiram levar o camponês para a sala de estar da política nacional - a reivindicação de reforma agrária conseguiu assento na agenda de prioridades do Brasil e tornou-se o principal item das Reformas de Base idealizadas pelo governo João Goulart.
Tamanha foi a repercussão das Ligas que elas chegaram às páginas da imprensa mundial (incluindo o New York Times) e despertaram a atenção do recém-iniciado governo John Kennedy, dos EUA.
A ação das Ligas Camponesas teve papel de destaque no rol de tensões sociais na América Latina que preocupavam os EUA, a ponto de o governo Kennedy ter criado um programa destinado a evitar que elas descambassem para revoluções esquerdistas (o Aliança para o Progresso). Alguns dos principais integrantes da administração Kennedy (como o historiador Arthur Schlesinger) estiveram no Nordeste para avaliar a situação social e política da região.
Nos anos 40 já tinha havido em Pernambuco uma organização com o nome "Ligas Camponesas", mas de atuação efêmera e sem nenhum destaque. A que fez a diferença mesmo foi a de 1955, no Engenho Galileia, onde moravam pouco mais de mil pessoas (104 famílias).
Curioso que esta entidade foi criada com outro nome, o de Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP). O grupo que a criou teve a liderança de dois militantes ligados ao PCB, os irmãos José Ayres dos Prazeres e Amaro dos Prazeres (conhecido como "Amaro do Capim").
Num primeiro momento a SAPPP não teve resistência do proprietário, mas logo depois surgiram os problemas. Foi quando uma comissão decidiu ir ao Recife tentar a ajuda de um deputado estadual recém-eleito, ligado aos camponeses, o advogado pernambucano Francisco Julião (1915-1999). Deu-se aí o encontro da chispa com a palha seca.
Sob um ponto de vista estritamente burocrático, Julião não criou as Ligas (quando ele chegou, a entidade geradora do movimento já estava fundada). Mas foi ele quem deu notoriedade, dimensão e relevância política ao movimento. O próprio nome - Ligas Camponesas - é responsabilidade dele: na época, na tentativa de dizer que a entidade tinha ligações com comunistas, os seus opositores a chamavam de "Liga".
Julião resolveu apropriar-se do nome - já que os adversários vão chamá-la assim, então vamos nós mesmos batizá-la como tal. A palavra de ordem mais lembrada da entidade - "Reforma agrária na lei ou na marra" - é também obra deJulião, um defensor assumido na época da agitação social.
Todas as medidas tomadas em favor dos camponeses no período de 1955 a 1964 (como o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963) e até depois do golpe (como o Estatuto da Terra, de novembro de 1964) foram motivadas pela agitação do campo provocada pelas Ligas.
As terras do Engenho Galileia foram desapropriadas em 1959 - o primeiro ato de reforma agrária no Brasil do pós-guerra. Dos que moram lá hoje, pelo menos um tem ligação com as lutas daquela época: Zito da Galileia, neto de um famoso líder do movimento, Zezé da Galileia, já falecido. Zito mantém viva a memória das Ligas e no próximo dia 11 vai inaugurar lá a biblioteca José Ayres dos Prazeres. Sessenta anos depois, a história do Galileia ainda rende inspiração.
A mística trouxe erguida a mesma bandeira de toda a sua vida: a reforma agrária e a melhoria de vida do povo do campo.
(Talles Reis - da Página do MST)
Na pequena sala se espremiam quarenta pessoas, a maioria parentes e amigos da aniversariante; mesmo com as portas e janelas abertas, o calor era grande, passava dos 30ºC lá fora com o sol do meio dia.
O formato retangular da sala, estreita e cumprida, não favorecia a visão, dando ainda mais trabalho para uns poucos fotógrafos ali presentes, todos em busca do melhor ângulo. O bolo era alto, três andares em formato de pirâmide, bem branquinho e com rosas amarelas delicadamente colocadas.
O bolo estava sobre uma mesa redonda forrada com um cetim azul, na parede ao fundo também cortinas azuis, ambas combinando com o vestido da aniversariante. Tantos azuis ressaltavam ainda mais o clima de serenidade e tranquilidade que pairavam no ar.
Atrás do bolo, quase invisível, sentada, estava a aniversariante, cabisbaixa e pensativa num profundo silêncio. Lá estava Elizabeth Teixeira. Sempre ao seu lado, ali já se colocavam seus filhos Carlos, Marta, Nevinha e Maria José. Apenas quatro dos 11 que teve, dois ausentes e outros cinco falecidos de morte morrida ou de morte matada, como se diz no sertão.
O primeiro parabéns soou tímido e descompassado, como um ensaio, mas não tinha problema, pois durante aquela tarde seria cantado outras três vezes.
A temperatura na salinha aumentava, lenços, toalhas, folhas de papel, tudo valia a pena para tentar se refrescar. Apesar do calor ninguém conseguia arredar o pé dali, algo os atraía e os fascinava. E era aquela pequena mulher.
Nesta mesma casa, há mais de 50 anos, ela soube do assassinato de seu companheiro, João Pedro Teixeira, importante líder das Ligas Camponesas de Sapé, na Paraíba. Também ali foi procurada várias vezes pelo exército, ameaçada de morte por jagunços e intimidada por coronéis. Sua vida nunca mais seria a mesma.
Viúva, com onze filhos pequenos, não titubeou em escolher o caminho mais difícil, porém o mais coerente com aquilo que acreditava, decidiu seguir lutando. Assim sua família se espalhou pelo mundo. Caçada pelos militares, trocou de nome e se escondeu no interior do Rio Grande do Norte. Encontrou-se com Fidel e Che Guevara, recusou o convite de se mudar com toda a família para Cuba; a luta no Brasil naquele momento era mais importante.
O segundo parabéns ecoou mais forte e viçoso, não parava de chegar gente e nem a temperatura de subir. Entre múrmuros e conversas, e após olhar por longos segundos para os 'Parabéns 90 anos' escritos no bolo, ela começou seu discurso de aniversariante, a casa toda foi aos poucos entrando em silêncio, até reinar somente a sua voz. As palavras saíram baixas e econômicas, agradeceu a presença de todos, lembrou a luta de João Pedro Teixeira, a luta pela reforma agrária e se disse muito feliz. Bastava.
Na hora de comer o bolo as pessoas se dispersaram, em busca de ar, sombra ou um copo d'água. Ela se sentou numa cadeira no lado de fora, tentava comer seu bolo entre pedidos para tirar fotografias, cumprimentos, abraços e rápidas conversas. Atendia a todos e todas atenciosamente.
Cabra marcado para morrer
No início de 1964, ela aceitou o convite para participar de um filme, ia interpretar ela mesma numa ficção que contaria a história das Ligas Camponesas e do assassinato de João Pedro Teixeira. Os massacres de lideranças camponesas na Paraíba obrigaram a mudança de local das filmagens. Foram parar no Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco.
O golpe militar de 1º de abril interrompeu as filmagens. A equipe e camponeses, que eram os atores e atrizes do filme, foram perseguidos e muitos presos. A proposta do filme foi abandonada... E, 20 anos depois, retomada na forma de documentário. O que teria sido daquela mulher e sua família? Onde estavam? E os camponeses do filme, o que faziam depois de tudo? Nascia assim o documentário “Cabra marcado para morrer” de Eduardo Coutinho, simplesmente um clássico do documentário nacional.
Antes de ser brutalmente assassinado, o cineasta Eduardo Coutinho ainda conseguiu finalizar dois outros filmes sobre ela e sua família, como um posfácio da saga familiar. Os novos filmes, juntamente com “Cabra”, foram lançados ano passado numa edição comemorativa pelo Instituto Moreira Salles (IMS). Assim, a aniversariante e seus filhos são retratados em 1962/64, 1982 e 2013. Cinquenta anos de dramas, tragédias, lutas, sonhos e esperanças.
A mesma bandeira
Ônibus, vans escolares e muitos carros não paravam de chegar. Já estava para começar o segundo momento da festa: um ato público, cultural e político de comemoração do seu aniversário. Mais de quinhentas pessoas disputavam cadeiras e sombra sob quatro tendas, estranhamente armadas bem distante do palco principal. Tantas pessoas que nem parecia uma sexta-feira véspera de carnaval. A aniversariante caminhou lentamente amparada pelos filhos e acompanhada por uma multidão de pessoas atrás dela. A reverência de alguns se misturava à emoção e alegria de outros, por poderem estar tão perto de sua pessoa.
Entre bandeiras vermelhas e símbolos da luta, a mística trouxe erguida a mesma bandeira de toda a sua vida: a reforma agrária e a melhoria de vida do povo do campo. A mesa com a sua família ficou o tempo toda cercada por uma multidão, como a lhe proteger para que mais nada lhe acontecesse, um cordão de amor, carinho e admiração.
No palco as intervenções foram intercaladas por músicas e apresentações culturais. Entre as falas, Anacleto Julião, filho de Francisco Julião, relembrou momentos difíceis da luta; João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, disse que a presidenta Dilma Rousseff deveria se sentir envergonhada por ter recebido o voto da aniversariante e de tantos apoiadores da reforma agrária e, mesmo assim, colocar Kátia Abreu, inimiga histórica dos movimentos sociais, no Ministério da Agricultura.
Um dos coordenadores do 'Memorial das Ligas Camponesas' aproveitou o momento para cobrar do governo da Paraíba o cumprimento de acordos e compromissos já assumidos que visam melhorias de acesso e da estrutura do local.
O discurso de um dos seus netos, incapaz de segurar as lágrimas ao relatar as dificuldades familiares, emocionou a todos os presentes. Finalmente, o parabéns maior tocado por uma banda, sob a batuta do maestro Geraldo Menucci, e acompanhado por todos os presentes. Menucci ainda tocou o Hino das Ligas Camponesas, que ele próprio musicou a letra composta por Julião.
Como festa boa é aquela que dura dois dias, no dia seguinte as comemorações seguiram em Lagoa Seca, com a inauguração do Centro de Formação João Pedro Teixeira, do MST.
Por mais que tudo tenha sido lindo e grandioso nesta tarde ensolarada paraibana, ficamos com o sentimento de que ainda foi pouco, de que poderíamos ter feito algo mais para homenagear aquela mulher marcada para viver, parabéns Elizabeth Teixeira.
Nova Portaria pede a composição de um Grupo de Trabalho para analisar a área em questão.
COLABORE: Esse Projeto de financiamento coletivo propõe a realização de um documentário de curta-metragem sobre a luta do povo indígena Tupinambá, que habita o sul da Bahia (Brasil), para a recuperação do território que tradicionalmente ocupa. Os indígenas aguardam há dez anos a conclusão do processo de demarcação de sua terra e vêm tendo seus direitos sistematicamente violados, tanto pelo Estado brasileiro, como por indivíduos e grupos contrários à regularização de seu território.