Enquanto a sociedade civil cobra maior participação e transparência, Ministério da Agricultura insiste na promessa de desenvolvimento econômico para a região e mostra que não está aberto ao diálogo. Representante da CPT também participou da Audiência. Confira:
O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) – criado em 1995 com o objetivo de fortalecer a luta pelo direito à terra e à palmeira de babaçu, e reconhecer as quebradeiras de coco como categoria profissional – lançou segunda-feira (10), na Câmara Federal, em Brasília, o novo “Mapa da Região Ecológica do Babaçu”, que abrange os estados do Piauí, Tocantins, Maranhão e Pará, em área de mais de 25 milhões de hectares, com diferentes densidades.
Vazanteiros/as, gerazeiros/as, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, indígenas, comunidades de fundo de pasto. Sobrevivendo entre os biomas do cerrado e da caatinga, esses povos tradicionais lutam pelo reconhecimento de seus direitos e pela defesa de seus territórios, enquanto reinventam um jeito de conviver com o Semiárido, em meio às adversidades, que são muitas.
(ASA Brasil*)
Além dos desafios próprios do clima – em muitos casos, com a escassez de acesso à água, devido à irregularidade de chuvas –, essas mulheres e homens precisam enfrentar dia após dia os grandes projetos de agronegócio e hidronegócio, que põem em disputa não só territórios, mas modos de vida.
O acesso à água e à terra, assim, também fazem parte da peleja diária dessas comunidades. Terra para viver, e não apenas para o plantio, pois diferentes usos da terra também fazem parte da diversidade cultural dessas populações: além do espaço para a produção de alimentos, há outras reivindicações do uso da terra. As comunidades de fundo de pasto, por exemplo, compartilham um espaço voltado para a criação de animais de pequeno porte, especialmente caprinos. E é essa forma de viver, de forma coletiva, na contramão da monocultura, que essas comunidades vêm sobrevivendo ao longo das gerações.
Já as mulheres quebradeiras de coco babaçu, distribuídas nos estados do Pará, Piauí, Maranhão e Tocantins, além da agricultura familiar, complementam seus recursos a partir do extrativismo. A luta dessas mulheres, assim, é no sentido de garantir o direito ao acesso aos babaçuais, preservando o meio ambiente e também suas moradias. (Leia aqui entrevista completa com liderança do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB).
Água para beber como conquista – “A relação com a terra, com a pouca água existente e com os recursos naturais de modo geral é baseada no manejo e no cuidado sustentável, ou seja, as comunidades tradicionais têm com a natureza uma relação harmoniosa e não de degradação que leva ao esgotamento, como os grandes empreendimentos econômicos”, afirma Leninha Alves de Souza, da coordenação executiva da ASA pelo Estado de Minas Gerais. Para ela, o olhar além das estatísticas oficiais, atento às pessoas e à região, revela como as comunidades tradicionais enfrentam os desafios resultantes dos fracassos das políticas de desenvolvimento nos últimos 50 anos, principalmente com a política de combate à seca.
Nas comunidades quilombolas e indígenas do Semiárido acompanhadas pelas organizações que compõem a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), de 2010 até hoje, já foram implementadas 3.668 tecnologias sociais de captação de água para consumo humano, sendo, desse número, 3.606 cisternas de primeira água e 62 cisternas escolares.
Já as comunidades de fundo de pasto do Semiárido baiano acessam a água através das tecnologias sociais de captação e armazenamento de água da chuva, tanto para consumo humano, através do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), como para a produção, por meio do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Outra fonte de água para o consumo humano são os poços e cacimbas. Em alguns municípios, a exemplo de Pilão Arcado e Campo Alegre de Lourdes, ainda existem comunidades que não possuem tecnologias apropriadas, prevalecendo ainda o acesso ao carro-pipa como fonte de água para diversos fins. O desafio para a ASA, nesses casos, é a busca pela universalização da primeira água, a partir da construção das cisternas de 16 mil litros.
Maria Aparecida Machado da Silva, quilombola, liderança comunitária e diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Chapada do Norte, em Minas Gerais, conta que uma das maiores dificuldades na sua região é o acesso à água. “A água não é de qualidade. O esgoto é jogado no rio. Muitas pessoas adoecem com viroses. A água da torneira é escura. Além disso, o rio só tem bastante água nos períodos de chuva: na seca, ficam só as poças. Córregos e nascentes secaram e as comunidades mais afastadas são as que mais sofrem”, descreve a liderança.
Aparecida ainda relata que o problema de acesso à água na localidade é ainda maior nas comunidades quilombolas. “Com as cisternas de 16 mil litros do programa da ASA melhorou um pouco mais, as famílias usam menos a água do poço, que não é de qualidade. Mas precisamos conversar com mais famílias para garantir essa conquista”, revela.
“Uma das características fortes das comunidades do Semiárido é a solidariedade e reciprocidade existente entre as famílias. Por toda a vida estas famílias desenvolveram e vem desenvolvendo estratégias de sobrevivência marcadas fortemente pela pouca água existente nos territórios”, explica Leninha.
A necessidade da cooperação também é trazida na fala de Aparecida: “A gente ainda não conhecia o histórico de muitas dessas comunidades, estamos conhecendo agora, a partir dos programas da ASA, das parcerias. Vamos conhecendo, nos aproximando, e a comunidade necessita disso porque muitas vezes o recurso e a assistência chegam ao município, mas não às comunidades. E os programas, quando chegam, valorizam nossos processos, buscam a integração com a comunidade, não trazem apenas a tecnologia em si”, enfatiza.
Resistência a favor da vida – O reconhecimento enquanto comunidade é outra bandeira de luta desses povos tradicionais. De acordo com o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), organização que compõe a rede Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e que trabalha com comunidades de fundo de pasto nos territórios do Sertão do São Francisco e de Itaparica (BA), a certificação significa que o Estado reconhece o jeito e o modo próprio de viver dos povos tradicionais. Em relação às comunidades de fundo de pasto, a certificação é o primeiro passo para a regularização fundiária das áreas coletivas, anseio destas comunidades tradicionais que lutam pela garantia de permanência na terra e garantia do acesso a políticas públicas específicas para suas necessidades.
Para as comunidades de fundo de pasto, a certificação é o primeiro passo para a regularização fundiária das áreas coletivas. Na Bahia, segundo o IRPAA, são 188 comunidades certificadas. De acordo com a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), no total, existem 447 comunidades tradicionais de fundo de pasto, mas a estimativa da Articulação Estadual de Fundo de Pasto junto com as entidades de apoio é de que existam aproximadamente mil comunidades com características de Fundo e Fecho de Pasto.
Chapada do Norte (MG) conta com 75% de população quilombola, mas por causa da falta do reconhecimento oficial das comunidades, esse dado não é mensurado. “Temos a cultura muito forte, temos a Festa de Nossa Senhora do Rosário, mas as comunidades são agredidas com a desvalorização, com o preconceito comunitário”, relata Aparecida.
Para essas comunidades, as manifestações culturais e a religiosidade popular são formas de proteger uma identidade coletiva e de resistir aos impactos e efeitos de grandes projetos de desenvolvimento. É o que destaca Leninha. “Os conflitos socioambientais, principalmente os que têm a água como elemento de disputa, ameaçam a sobrevivência destas comunidades. Batuques de tambores, danças e rodas coletivas de manifestações culturais ecoam pelo Semiárido como forma de emanar uma resistência a favor da vida”, reconhece.
*Com a colaboração de Cristiana Cavalcanti, assessora técnica do Programa Cisternas nas Escolas
Mercedes Bustamante: "Se se quiser conservar o rio São Francisco, tem que se conservar os 48% de vegetação do Cerrado que ainda estão lá". Confira a entrevista com a estudiosa de Cerrado:
Em Nota, a coordenação da CPT e Articulação CPT’s do Cerrado alertam a sociedade brasileira sobre o Plano Matopiba – mais uma ofensiva contra o bioma Cerrado e os povos que nele vivem. Confira o documento na íntegra:
Cenário de diversos conflitos fundiários nos últimos 10 anos, a gleba Tauá, extensa área da União localizada no município de Barra do Ouro (TO), é alvo nesta semana de um novo desmatamento realizado pelo empresário catarinense Emilio Binotto, que grilou a área para plantar soja, milho e criar gado.
(CPT Tocantins / fotos: Douglas Mansur)
Ao menos cinco tratores com correntões são responsáveis por derrubar todo o Cerrado que encontram pela frente. As fotos da matéria, tiradas em 13 de maio – mesmo dia em que era lançado em Palmas o decreto do Matopiba, que pretende aumentar a produção de grãos no Cerrado –, mostram o tamanho das correntes e o maquinário pesado utilizado na destruição do bioma local.
Segundo informações de um dos tratoristas, o sojeiro pretende desmatar uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol. A área total desmatada desde a chegada de Binotto pode chegar a 11 mil hectares. Acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Araguaína (TO), as cerca de 20 famílias tradicionais, que vivem há mais de 50 anos na gleba, e outras 66 famílias que passaram a ocupar as terras na última década, estão ficando ilhadas e encurraladas diante da força do desmatamento e da violência exercida pelos funcionários do grileiro. Binotto é dono de um dos maiores grupos empresariais ligados ao ramo de transportes do estado de Santa Catarina.
Rios, córregos e nascentes estão desaparecendo devido ao assoreamento ocasionado pela devastação da natureza. “Antes eu andava por essas terras e sabia exatamente onde ficava cada grota d’água, cada caminho para as casas das famílias amigas. Hoje em dia, com esse desmatamento, eu não reconheço mais nada, não sei mais caminhar por aí”, afirma Raimunda Pereira dos Santos, moradora tradicional que vive na área há mais de cinco décadas.
Em muitos casos, o corte desenfreado das árvores chega a beirar as casas das famílias, deixando o local impróprio para desenvolver qualquer tipo de produção característica da agricultura familiar. “Essa prática serve também como forma de pressionar as famílias para que elas saiam dali, pois nota-se que o fazendeiro desmatou, mas não plantou nada. Mas o pior vem depois, quando a soja ou o milho são plantados nos arredores e são despejados os diversos tipos de agrotóxicos”, aponta o agente da CPT, Pedro Ribeiro.
Histórico
Assim, como tantos outros casos, as causas do atual conflito na gleba Tauá remetem à arrecadação da área de 17.735,0000 hectares pelo extinto Grupo Executiva de Terras do Araguaia Tocantins (GETAT), em maio de 1984, à revelia das populações que ali viviam e trabalhavam.
Com isso, centenas de camponeses tiveram seu modo de vida tradicional alterado de forma drástica. Essa grande área da União, a partir de 1992, passou a atrair interesse econômico de pessoas do sul do país, que consideraram essas terras “sem dono”, o que levou a um processo de expulsão dos moradores tradicionais, cercamento dos campos e desmatamento ilegal, como registrado junto ao Ministério Público Federal em 2007.
A partir de 2009, novas tentativas de expulsar os camponeses foram intensificadas com o advento do Programa Terra Legal. Parte da gleba foi dividida entre 14 “laranjas” que entraram com procedimento no órgão para regularizar as terras. Os processos estão em última instância administrativa dentro do MDA, e nove já tiverem pareceres desfavoráveis aos grileiros. Foi nesse contexto que ocorreram vários episódios de queima de barracos, envenenamento dos rios, uso da força policial local em apoio aos fazendeiros, desmatamento, pistolagem para expulsar as famílias e intensa titulação das terras da União por parte do Instituto de Terras do Tocantins (Itertins).
Inúmeras audiências públicas foram realizadas com Ministério Público Federal, Incra, MDA, Naturatins, Ibama, Itertins, Ouvidorias Agrárias Regional e Nacional entre outros, sem qualquer avanço concreto na resolução do impasse. “Os agentes do Estado simplesmente permitem que inúmeras áreas tituladas e de ocupações dos sertanejos sejam assenhoreadas por forasteiros, numa verdadeira reconcentração fundiária”, avalia Silvano Rezende, advogado da CPT. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra 2014/2015, o Tocantins produziu 2,335 milhões de toneladas de soja. A gleba Tauá situa-se na região que é a maior produtora do grão no estado.