Em meio ao Cerrado da histórica Cidade de Goiás, distante 140 quilômetros de Goiânia (GO), foi lançada oficialmente a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que tem como tema "Cerrado, berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida". O lançamento ocorreu durante o Fórum de Ambiental, espaço de debate que integra o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), que acontece entre os dias 16 e 21 de agosto.
(Por Coletivo de Comunicação do Cerrado)
A Igreja do Rosário, no Centro de Goiás, foi onde aconteceu o evento. O evento contou com a participação de um público composto por alunos dos ensinos fundamentais e médios, universitários, pesquisadores, membros de organizações e movimentos socais, além, claro, de representantes de comunidades tradicionais e assentados - a Cidade de Goiás é um dos municípios brasileiros com maior número de assentamentos.
A abertura do lançamento ficou por conta dos/as Artistas do Cerrado, que apresentaram ao público a peça "Com Cerrado, Com Água, Com Vida". A encenação, segundo o grupo de teatro composto por agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), "convida o povo a integrar, fazer parte e compor a criação do Cerrado com responsabilidade, ou seja, respeitando a biodiversidade e participando de entidades, grupos, associações e comunidades que defendem nossa Casa Comum, o Cerrado. É a Casa Comum porque nos garante Água".
Confira um trecho da apresentação abaixo:
Participaram do lançamento o pesquisador Altair Sales Barbosa; Elziene de Abreu, do Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia; a liderança indígena Antônio Apinajé, do Tocantins; Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT); e o mediador Robson de Sousa Moraes, da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Professor universitário há mais de 46 anos e pesquisador, Altair Sales tem publicado vários livros, feito e participado de vários documentários sobre o Cerrado. É considerado um dos maiores estudiosos brasileiros desse bioma. "Depois que começamos a estudar o Cerrado, em 1971, descobrimos que se trata de um ambiente muito peculiar. Na realidade, é a maior biodiversidade do planeta atualmente. E o Cerrado desempenha um papel fundamental para o equilíbrio, não só do Continente Sul-americano, mas também para o equilíbrio de todos os ambientes da terra. Nesse sentido, a gente luta, desde a década de 70, na tentativa de incutir na cabeça das pessoas uma série de iniciativas que possam ser capazes de colocar fim nesse processo de degradação do bioma", explica.
Elziene de Abreu, durante sua fala no evento, destacou ações que as comunidades de fundo e fecho de pasto do oeste baiano têm realizado em defesa do Cerrado e das Águas, como o Grito em Defesa das Águas e a Romaria do Cerrado. Destacou ainda que a luta pelo Cerrado é dever de todos/as. "As comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto são guardiões do Cerrado. A prova disso é que só existe Cerrado na Bahia onde as comunidades tradicionais estão presentes. Nossos rios estão secando. E dependemos dos rios e dos frutos do Cerrado para nossa existência. É a nossa vida que está em jogo. Quando falamos em destruição do Cerrado, nós estamos falando da nossa existência. A permanência do Cerrado é a permanência da gente", ressaltou. Em meio a aplausos, o público entoou: "O Cerrado, eu defendo!".
"Nós queremos convidar todos e todas para entrar nessa Campanha", convidou o público, Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - uma das organizações que compõe a Campanha. "Se o Cerrado deixar de existir, como disse o professor Altair [Sales], deixará de existir Água", destacou. Ela apresentou os principais objetivos dessa Campanha e porque ela necessária. Também enfatizou que essa ação está sendo promovida por dezenas de organizações e povos e comunidades do Cerrado. (Confira abaixo os objetivos da Campanha em Defesa do Cerrado)
Confira alguns depoimentos de pessoas que participam do lançamento da Campanha:
"Sou um ator e um cidadão brasileiro. Vivo desse chão e bebo dessa água, e é por isso que estou aqui [em Goiás] em defesa do Cerrado, da água que bebo e do futuro das minhas filhas. Vamos tomar cuidado com a esperteza e alimentar a inteligência. Pensar mais em ter um ambiente legal do que ter dinheiro no bolso, pois isso me parece que não esteja dando certo" - Eduardo Tornaghi, ator.
"Estou hoje aqui participando da Campanha em Defesa do Cerrado porque entendo que o Cerrado é o berço das águas do Brasil e que todo nosso país depende do Cerrado para o abastecimento das águas, seja para humano, animais ou ampliação da biodiversidade. O Cerrado é um espaço rico e importante para a biodiversidade e para a produção de alimentos saudáveis, além da riqueza de medicamentos caseiros, que dão origem, através dos estudos, há vários remédios. Não podemos deixar matar o Cerrado, porque salvando o Cerrado estamos salvando as nossas vidas" - Willian Clementino, vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), organização que também faz parte da Campanha.
"Estou aqui [no lançamento da Campanha] porque como povo do Cerrado somos pertencentes a este mundo e a esta realidade, e sabemos da importância do Cerrado e das águas daqui para alimentar a vida não só de todo o país, mas de todo o planeta terra. Temos a terra como nossa grande mãe, e o Cerrado é fundamental para o alimento da vida" - Dinorá, professora de Educação Ambiental.
A Campanha – A campanha é promovida por 36 organizações, movimentos sociais, e entidades. Esse grupo, em sintonia com povos e comunidades do Cerrado, tem olhado com preocupação para o bioma, que tem sofrido ações devastadoras nos últimos tempos, assim como as pessoas que vivem nesse espaço.
São objetivos dessa Campanha – Pautar e conscientizar a sociedade, em nível nacional e internacional, sobre a importância do Cerrado e os impactos dos grandes projetos do agronegócio, da mineração e de infraestrutura; dar visibilidade à realidade das Comunidades e Povos do Cerrado, como representantes da sociobiodiversidade, conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural dessa região; fortalecer a identidade dos Povos do Cerrado, envolvendo a população na defesa do bioma e na luta pelos seus direitos; e manter intercâmbio entre as comunidades dos Cerrados brasileiros com as comunidades de Moçambique, na África, impactadas pelos projetos do Programa Pró-Savana.
Participe da Campanha em Defesa do Cerrado. Saiba mais informações:
Facebook: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida
E-mail: semcerrado@gmail.com
Em breve o site: www.semcerrado.org.br
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que tem como tema “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, será lançada no dia 17, no Convento do Rosário, durante o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), que acontece todos os anos na histórica Cidade de Goiás, a 140 quilômetros de Goiânia (GO). A mesa de lançamento, que integra o Fórum Ambiental do evento, será realizada entre 10 horas da manhã e meio-dia.
Participarão do lançamento o pesquisador Altair Sales Barbosa; Elziene de Abreu, do Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia; a liderança indígena Antônio Apinajé, do Tocantins; Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – uma das entidades promotoras da Campanha; e o mediador Robson de Sousa Moraes, da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
“Será um momento de suma importância, pois o Cerrado clama pela permanência. O Cerrado é o berço das águas e o mesmo não só esta ameaçado como vem sendo devastado cada vez mais. A campanha ajudará a conscientizar as pessoas que ainda não perceberam o quanto devemos defender o Cerrado”, destaca Elziene, que vive no Cerrado baiano. A devastação citada por Elziene realmente tem aumentado. Dados revelam que 52% do bioma já foi destruído.
A água é o tema principal da Campanha. Mas por que essa ligação tão forte entre água e Cerrado? O Cerrado é conhecido como a “caixa d´água do Brasil”, pois é neste espaço territorial onde nascem as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata. “Nós dependemos de água para viver. 70% do nosso corpo é agua”, ressalta Isolete. “Defender o Cerrado é preservar as águas, é preservar a vida e todos e todas são responsáveis por isso”, completa.
Para Isolete, a discussão e as ações em defesa do Cerrado, neste momento, “pretendem trazer e evidenciar a luta dos povos na convivência, na preservação e conservação deste bioma. Acima de tudo pela sua função estratégica de fornecer água. Outro fator é a rica biodiversidade e os diversos povos e comunidades tradicionais. Precisamos defender o Cerrado como nosso Patrimônio histórico, cultural e biológico”, afirma.
A Campanha – A campanha é promovida por 36 organizações, movimentos sociais, e entidades. Esse grupo, em sintonia com povos e comunidades do Cerrado, tem olhado com preocupação para o bioma, que tem sofrido ações devastadoras nos últimos tempos, assim como as pessoas que vivem nesse espaço.
“A campanha tem várias dimensões. Uma primeira é dar visibilidade à presença da diversidade humana, cultural e natural do Cerrado. Outra é visibilizar a importância do bioma para o conjunto da vida em outras regiões, isso quanto à questão da água, por exemplo. E ainda, por outro lado, mostrar como tudo isso está em risco. Por isso não é só uma campanha dos povos e organizações do Cerrado, mas de todos brasileiros”, destaca Gilberto Vieira, membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização que também compõe a Campanha.
São objetivos dessa Campanha – Pautar e conscientizar a sociedade, em nível nacional e internacional, sobre a importância do Cerrado e os impactos dos grandes projetos do agronegócio, da mineração e de infraestrutura; dar visibilidade à realidade das Comunidades e Povos do Cerrado, como representantes da sociobiodiversidade, conhecedores e guardiões do patrimônio ecológico e cultural dessa região; fortalecer a identidade dos Povos do Cerrado, envolvendo a população na defesa do bioma e na luta pelos seus direitos; e manter intercâmbio entre as comunidades dos Cerrados brasileiros com as comunidades de Moçambique, na África, impactadas pelos projetos do Programa Pró-Savana.
O FICA – A décima oitava edição do Fica acontece entre os dias 16 e 21 de agosto na Cidade de Goiás (GO). Neste ano, o festival traz para o centro das discussões a questão da preservação ambiental e a produção de alimentos no bioma Cerrado. O Fórum Ambiental tem como tema “O caminho para um futuro sustentável: governança territorial, proteção ambiental e segurança alimentar”.
Mais informações:
Elvis Marques (assessoria de comunicação): (62) 9 9309-6781
Onde estamos?
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Qual é um dos pontos em comum entre a alarmante destruição do Cerrado brasileiro e alta e incidência de câncer em certas regiões do Brasil?
(Por Andrés Pasquis / Gias)
A utilização de agrotóxicos* pelo agronegócio nas monoculturas é provavelmente um dos principais catalizadores. Esse tema transversal foi abordado durante a ‘Oficina da saúde da mulher: dialogando sobre o Cerrado e o câncer de mama’, organizada no sábado (25) pela Comissão Pastoral da Terra – CPT de Mato Grosso na comunidade de São Manoel do Parí, município de Nossa Senhora do Livramento, a 32 km de Cuiabá.
Cleudes de Souza Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR de Livramento, explicou que o Cerrado, berço das águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano, está em perigo devido à sua exploração pelo agronegócio, com uma utilização desenfreada de agrotóxicos, que empobrecem a terra, poluem os rios, contaminam o ar e envenenam as pessoas.
No entanto, Cleudes explica que esse problema vem de uma mentalidade antiga, cujo único foco é o lucro, representada hoje pelo agronegócio, a matriz energética e um sistema patriarcal e discriminatório. “A mulher criou a agricultura cerca de 10.000 anos atrás, e aí o homem criou a propriedade privada. A propriedade privada permitiu a dominação do homem sobre o homem e do homem sobre a mulher”, disse Cleudes, demonstrando que, no final das contas, muitos dos problemas enfrentados hoje pela sociedade estão relacionados. O presidente lamenta que temas como esses não sejam ensinados nas escolas, pois através de uma verdadeira conscientização, haveria uma possibilidade de lutar contra a utilização exagerada de agrotóxicos, a degradação do Cerrado e a propagação de vários tipos de câncer. Em outras palavras, seria uma garantia para nossa saúde e nosso futuro.
Na sequência, Adriana Catelli Correa, representante da MTmamma amigos do peito, introduziu o trabalho da Associação, criada em março de 2009, cujo objetivo é auxiliar pessoas portadoras desse câncer, através de programas educativos, atendimento psicossocial, atividades voltadas para a autoestima, orientações jurídicas, terapias complementares e capacitação de voluntários, entre outros.
O trabalho da MTmamma começou com voluntários que levavam café e conforto para pacientes e famílias vítimas dessa doença, já que além dos impactos físicos que o câncer tem, existem graves impactos psicológicos e emocionais. A representante denunciou que, além disso, a mulher tem que enfrentar o preconceito espalhado pela imagem de feminilidade ligada ao peito, imagem imposta por essa mesma sociedade machista e patriarcal.
“Hoje, a mulher é extremamente objetificada, reduzida a um par de seios, a um pedaço de carne. No caso do câncer de mama, não só cria insegurança e vergonha terríveis, como põe vidas em risco, já que muitas mulheres preferem ignorar certos sinais da doença, por medo de perder o peito”, lamentou Adriana. Nesse sentido, as voluntárias da Associação realizam um forte trabalho de conscientização e troca de vivências, já que muitas delas passaram ou passam por essa dolorosa experiência. O trabalho é ainda mais importante quando se trata de comunidades do campo, cujo acesso às informações e infraestrutura é mais difícil. No entanto, até nos centros urbanos existem muitas carências de infraestrutura e atendimento, lembrou a representante. Ela defende que muitos esforços em políticas públicas precisam ser feitos pelos governos estadual e federal.
Para lutar contra o câncer e a degradação do Cerrado, existem alternativas, como um sistema pautado na agroecologia. A agroecologia luta por um estilo de vida saudável e pelos direitos e empoderamento da mulher. Irmã Vera, coordenadora regional da CPT, explicou que a organização trabalha essas problemáticas e muitas mais, desde sua criação com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, 40 anos atrás, durante a ditadura militar.
“A Comissão foi criada com lavradores, sindicatos, povos e comunidades do campo submetidos às violências e conflitos. Não é uma igreja, não representa uma só religião, é uma organização ecumênica que luta por uma sociedade social e ambientalmente justa”, afirmou.
No Mato Grosso, a CPT é um dos membros fundadores do Grupo de Intercâmbio em Agroecologia – Gias, uma rede de cerca de 40 organizações cujo objetivo é alertar a sociedade mato-grossense sobre as ameaças representadas pelo agronegócio, demostrando que outro sistema social, ambiental e economicamente justo é possível: a agroecologia. Nessa ótica, a agroecologia garante a segurança e soberania alimentar, protege o meio-ambiente, promove populações e povos tradicionais, empodera mulheres, jovens e a agricultura familiar, e valoriza o intercâmbio de conhecimentos tanto recentes quanto ancestrais.
No entanto, Gloria María Grández Muñoz avisou que essas lutas, que já eram difíceis até então, vão provavelmente ficar piores ainda, dada a atual conjuntura política do país. “Estamos vivendo uma situação muito triste, com um governo golpista que não para de cometer retrocessos contra a agricultura familiar, a saúde, a educação e as mulheres. Em apenas um mês conseguiu acabar com várias conquistas alcançadas pela sociedade civil e os movimentos sociais. Por isso precisamos ficar unidos, atentos e nos organizar", concluiu a assistente social ligada à CPT e assessora do deputado federal Ságuas Morães.
Links:
- Saiba mais sobre a CPT: http://www.cptnacional.org.br/index.php
- Saiba mais sobre a Associação MTmamma, amigos do peito: http://www.mtmamma.com.br/principal
- Saiba mais sobre o Gias: http://bit.ly/GiasFB
* Os dados sobre agrotóxicos estão disponíveis no dossiê Abrasco: http://abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/
Um forte vento se uniu às vozes, aos gritos e clamores contra o projeto de morte denominado Plano de Desenvolvimento Agrícola (PDA) Matopiba no segundo dia da III Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. O evento ocorreu entre os dias 20 e 23 de junho.
(Por: Egon Heck – Secretariado Nacional do Cimi)
A capital tocantinense Palmas foi o palco desse histórico evento onde os povos originários se unem aos quilombolas, camponeses, outras comunidades tradicionais e acadêmicos para, juntos, traçarem estratégias para o enfrentamento desse modelo de desenvolvimento extremamente predador, destruidor, criminoso e genocida que está sendo implantado com euforia e aval do governo e apoiado com recursos públicos.
“Nós não vamos deixar o Matopiba passar”, exclamou a liderança Krahô, Gercília (na foto acim, ao lado do procurador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Felício Pontes). “O Rio Vermelho está morrendo. Eu protejo o rio sagrado. Não vamos deixar roubarem nossas terras e matarem os rios e as matas. Falo do que está dentro do meu coração, não sei falar bonito em português, mas quero dizer a vocês que o Matopiba não vai vingar”, garantiu ela.
Em sua fala, Antônio Apinajé destacou a gravidade do momento de sérias ameaças à vida e ao futuro das comunidades e aldeias “A gente fica atordoado, perturbado com esses projetos como o Matopiba. Estamos construindo união com os quilombolas e camponeses na defesa da Mãe Terra. Precisamos lutar juntos, fortalecer a cultura, nossas raízes, para ter mais força no enfrentamento com esses poderosos”.
O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, chamou atenção para a agressividade com que os setores anti-indígenas estão desconstruindo direitos e conquistas dos povos indígenas nas últimas décadas. “É preciso dar continuidade à mobilização permanente dos povos indígenas, ampliando suas alianças com as populações do campo”.
Rituais de vida e resistência
Ivo Poletto, assessor do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS), que há décadas vem acompanhando e denunciando a destruição do Cerrado, lembrou que, na verdade, o Matopiba é a reedição de projetos como o Prodecer, implantado pelo ditador Geisel, em 1978, com a entrega de grande parte do Cerrado a multinacionais japonesas. Agora, a mesma lógica se repete. “É uma loucura o que está sendo feito”, enfatizou, conclamando os indígenas a serem: “profetas da Vida... Tenham amor e respeito sagrado pela Terra. O Cerrado também diz um ‘não’ desesperado a esse desastre total. Dêem a vossa mensagem do Bem Viver”.
Para o procurador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) Felício Pontes “o Matopiba é o projeto final de destruição do Cerrado”. Ele destacou que a voracidade com que o atual modelo capitalista suga os recursos naturais está baseada em quatro pilares: madeira, pecuária, monocultura e mineração”. Esse modelo caminha celeremente para o esgotamento, deixando em seu caminho rastros de morte e destruição. Alertou para as gravíssimas consequências de semelhantes projetos, não apenas para o Cerrado, com fortes impactos sobre praticamente todos os biomas, em especial a Amazônia, que tem os berços de seus mananciais de água no Cerrado.
Felício destacou o fato de ser uma obrigação constitucional do Ministério Público a defesa das populações atingidas por esses projetos e sugeriu ações e debates que dêem visibilidade a essa grave situação. Nesse sentido, ele propôs a realização de uma audiência pública sobre o Matopiba, a ser realizada em Brasília no segundo semestre deste ano. Apresentando dados e números, Felício explicitou como os governos vêm destinando recursos públicos para promover a destruição. “É contra esses monstros que temos que lutar”, concluiu.
Já o procurador Álvaro Manzano, de Palmas, afirmou que a continuidade do modelo desenvolvimentista gera grave desagregação social nas populações do Cerrado.
Alfredo Wagner Berno de Almeida, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAm), mostrou o descalabro do momento atual, onde sequer existe uma definição clara sobre o “lugar institucional” dentro do Estado brasileiro para resolver a questão da demarcação das terras indígenas e titulação dos territórios quilombolas. E neste quadro caótico de desconstrução de direitos, o agronegócio avança incontrolavelmente.
A partir de dados, ele evidenciou a importância dos espaços das terras coletivas, demarcadas ou reivindicadas, e que poderiam configurar uma esperançosa garantia de vida das populações e da natureza. No entanto, infelizmente, apesar das garantias legais e constitucionais, elas não estão seguras diante da voracidade do atual modelo de desenvolvimento, que pretende explorar os bens comuns presentes nos territórios tradicionais. Todos os direitos estão ameaçados.
“Estamos numa encruzilhada. Temos que admitir nossas fraquezas, contradições e esfacelamentos. É preciso unir as forças e escolher um novo caminho. Estivemos imobilizados por muito tempo. É hora de fazer os enfrentamentos locais, somar as resistências locais e ir somando forças”, considerou Wagner.
Luta comum
Os debates realizados nestes dois dias de Assembleia explicitaram que é urgente avançar na unificação das lutas. É preciso enfrentar as estratégias do agronegócio e de suas corporações genocidas sem medo.
Na tarde do dia 22 os mais de seiscentos indígenas dos dez povos presentes no evento, juntamente com diversos representantes dos quilombolas, sem terra e de comunidades tradicionais, como as quebradeiras de coco, além de pesquisadores e integrantes de organizações da sociedade civil, realizaram uma caminhada pelo centro de Palmas.
Durante o trajeto, explicaram os graves impactos que o Matopiba irá causar a todos e conclamaram a população para se unir aos lutadores pela Vida para “defender nossos rios, nossa água, o Cerrado e a nossa Casa Comum”.
Cerca de 500 cruzes de madeira, simbolizando o longo processo de extermínio e destruição do capitalismo já realizado e denunciando os severos impactos futuros deste de aprofundamento deste sistema, foram fincadas em uma das praças centrais da cidade. Um folheto distribuído à população trazia relevantes informações sobre as graves consequências da destruição da vida pelo atual modelo de desenvolvimento:
“Vocês estão percebendo que o Rio Tocantins está morrendo? Ele está cada dia mais estreito, e está pedindo socorro. É pelo desmatamento que, em média, desaparecem dez pequenos rios no Cerrado, por ano... Territórios livres, florestas sagradas, fontes de águas puras! Vamos somar, unir forças na defesa da nossa Mãe Terra. Se a Casa é Comum, a luta também é Comum”.
O final da manifestação foi na Assembleia Legislativa do estado, onde foi entregue um documento com vários questionamentos sobre projetos aprovados pelos deputados:
“Queremos também dizer o nosso ‘NÃO’ ao projeto Matopiba que, com os correntões da morte, ameaça destruir o Cerrado, no qual apenas restam menos de30% da vegetação nativa. Caso esse projeto seja implementado, em poucos anos, não restará mais nada do Cerrado. Estaremos sujeitos a uma catastrófica falta de água. E a água que restar estará cada vez mais contaminada e escassa, pois as nascentes secarão e nossos rios serão mortos.”
Texto e fotos: Egon Heck
Cimi GOTO
Palmas, 23 de junho de 2016
Hoje, às 19 horas, na Câmara Municipal de Silvânia, a 85 quilômetros de Goiânia, Goiás, será realizada Audiência Pública sobre os impactos da exploração de areia nos rios do município. A audiência foi solicitada pelas comunidades camponesas de Silvânia e a equipe da Arquidiocese de Goiânia da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
(Fonte: Articulação das CPT’s do Cerrado | Imagem: CPT Goiás)
No Dia Mundial da Água, 22 de março, já havia sido realizada uma reunião com integrantes da Câmara Municipal com objetivo de debater a problemática. Foi na ocasião que as comunidades solicitaram a audiência que ocorrerá nesta sexta-feira.
A extração de areia dos rios acarreta uma série de problemas. Não é só o mineral que é levado daquele ambiente. As comunidades têm notado os peixes dos rios, usados na alimentação, desaparecerem. Cada vez mais reduzidas, as águas dos rios também têm ido embora com a areia. O que tem ficado para a população é a poeira provocada pelo transporte da areia e, consequentemente, os problemas de saúde.
Para a Audiência, foram convidados representante do Ministério Publico Estadual de Goiás (MPE-GO), Secretarias do Meio Ambiente e Educação, o prefeito municipal, Zé Faleiro, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Além da exploração de areia, os camponeses e camponesas da região tratarão de outras questões. Uma delas é que a prefeitura da cidade desenvolva um sistema de coleta de lixo nas comunidades rurais. E da Secretaria do Meio Ambiente será cobrado um programa de preservação e recuperação de nascentes no município.
Por fim, diante de toda essa problemática socioambiental na região, as comunidades solicitarão ainda que a Secretaria de Educação promova uma Campanha em Defesa do Cerrado nas escolas do município, uma forma de conscientizar os/as estudantes para a importância da preservação e convivência com o bioma.
SERVIÇO
Audiência Pública – Câmara Municipal de Silvânia, Goiás
Hoje, 20 de maio, às 19 horas
Mais informações: Isolete Wichinieski – CPT (62) 8186-6964
Quatro estados brasileiros; 337 municípios; 73 milhões de hectares; 250.238 estabelecimentos da agricultura familiar. Estes números são parte do cálculo da abrangência do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, instituído por meio do decreto n° 8447, publicado no dia 06 de maio de 2015.
(Por Elka Macedo, ASA/Imagem: Articulação das CPT's do Cerrado)
A ação abrangerá territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e, segundo o Governo Federal, tem o objetivo de “promover e coordenar políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico sustentável fundado nas atividades agrícolas e pecuárias que resultem na melhoria da qualidade de vida da população”.
De acordo com o decreto, o Matopiba se baseia em três grandes diretrizes: desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística relativa às atividades agrícolas e pecuárias; apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico voltados às atividades agrícolas e pecuárias; e ampliação e fortalecimento da classe média no setor rural. No entanto, a perspectiva da expansão do agronegócio, que ocupará 38% do território do estado do Tocantins, 33% do Maranhão, 11% do Piauí e 18% da Bahia para cultivo de soja, milho e eucalipto, vai ocasionar problemas ambientais, sociais e culturais. Neste sentido, movimentos sociais ligados ao campo, organizações e famílias agricultoras das regiões afetadas estão se articulando para denunciar os impactos negativos do Matopiba.
O coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Piauí, Altamiran Ribeiro, que tem acompanhado a luta das famílias no estado, revela alguns dos abalos sofridos. “O impacto da obra já está acontecendo. O pequeno se quiser produzir tem que se igualar aos grandes projetos, porque se o grande usa veneno, o pequeno tem seus cultivos e a água contaminados. O Matopiba atinge não só o Cerrado, mas também o Semiárido e afeta economicamente a vida das famílias. Com a expansão dos latifúndios o custo de vida dos municípios tem subido cerca de 300%. Isso também mexe com a cultura, pois mesmo sem perceberem eles estão perdendo as suas tradições para se adequar a um novo modelo de cultura. Tudo isso ocasiona o esvaziamento do campo”, salienta.
Em Carta aberta à Sociedade Brasileira, à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre a destruição do Cerrado pelo MATOPIBA, elaborada no Primeiro Encontro Regional dos Povos e Comunidades do Cerrado (foto acima), construída e publicada em novembro do ano passado, os cerca de 170 participantes do evento que representavam diversos povos que habitam a região ressaltaram que “O PDA Matopiba não representa desenvolvimento, pois atinge os modos de vida das comunidades do Cerrado e não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois “mata” a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades”.
A delimitação territorial do MATOPIBA impactará, agressivamente, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Araguaia-Tocantins, São Francisco e Prata), e a mais rica biodiversidade brasileira. A obra comprometerá a vazão dessas fontes de água, como afirma Altamiran.
“A área do projeto Matopiba é onde ficam nascentes de rios como o Parnaíba e Tocantins. Com o desmatamento vai baixar a água, além disso, será construída uma ferrovia que vai passar em áreas de Cerrado que são habitadas por comunidades. Além disso, está havendo investimento internacional na obra, compra de terras griladas. Para se ter ideia um hectare de terra está sendo vendido a 60 mil reais”, assegura.
Embora o primeiro grande critério de delimitação territorial do Projeto tenha tido como base as áreas de Cerrados existentes nos quatro estados, a ação também implicará na ocupação de áreas de Caatinga e Amazônia. No Semiárido piauiense, o Matopiba prevê inicialmente a extração de calcário e de minério de ferro.
Violência e expulsão de camponesas/es
Segundo dados do Caderno de Conflitos no Campo – Brasil (CPT, 2015), nos últimos cinco anos, nos estados do Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí ocorreram um total de 3.076 conflitos por terra e por água com ações de violência contra os camponeses e os povos tradicionais. Deste total de conflitos por terra e água, 1.643 ocorreram dentro da área delimitada pelo MATOPIBA, ou seja, 53,4% dos conflitos, envolvendo diversos sujeitos.
“O projeto com seu montante de ações de cunho exploratório vai excluir ribeirinhos, quilombolas e comunidades tradicionais de seus territórios. Já tem estudo sobre os impactos, mas há muito para ser feito para coibir a violência e negação de direitos dessas populações”, salienta o coordenador da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado do Maranhão, Juvenal de Sousa.
Em entrevista concedida à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Paulo Rogério Gonçalves, membro da Alternativa para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO) enfatiza que o Matopiba fortalece processos históricos de violência no campo. “No fundo o MATOPIBA fortalece o processo de violência agrária, querem aportar mais capital para que isso continue. Por outro lado, essa grande região é a mais preservada de áreas remanescentes de Cerrado que temos no Brasil. Será a destruição do Cerrado para a expansão das monoculturas, afirma um processo de desmatamento na região”.
Outro aspecto que Paulo Rogério elucida está ligado ao trabalho escravo. “Esses quatro Estados são os que têm um índice altíssimo de trabalho escravo. Todo esse processo de violência agrária e ambiental vem junto com um processo de escravização dos trabalhadores para o preparo de solo, limpeza de terreno e plantação do agronegócio”, destacou.