Durante a 13ª Congregação Geral foram apresentados, na Sala do Sínodo, no Vaticano, os relatórios dos Círculos Menores [que são grupos menores com os/as participantes do Sínodo, e nesses grupos foram feitas as discussões a partir do instrumento de trabalho sinodal e depois foram socializadas em plenário, para todos e todas as pessoas]. Estavam presentes junto com o Papa 177 Padres Sinodais. As contribuições, entregues à Secretaria Geral, não constituem um documento oficial do Sínodo, nem mesmo um texto de magistério, mas a síntese de uma discussão franca e livre entre os participantes da assembleia.
Fonte / Imagens: Vatican News
O Sínodo é um dom precioso do Espírito para a Amazônia e para toda a Igreja tanto no aspecto teológico pastoral, quanto pela inevitável tarefa do cuidado da Casa Comum. É um kairós, tempo de graça, ocasião propícia para a Igreja se reconciliar com a Amazônia. Este é o ponto comum que aproxima os doze relatórios dos círculos menores apresentadas na Sala sinodal na quinta-feira à tarde (17).
Um Sínodo universal
Todos os textos lidos publicamente exprimem a esperança de que seja desenvolvido um novo caminho sinodal na Amazônia e que da assembleia dos bispos no Vaticano seja criada uma fervorosa paixão missionária de uma verdadeira Igreja em saída. O desejo é de que o “viver bem” amazônico se encontre com a experiência das bem-aventuranças: de fato, à luz da Palavra de Deus, alcança a sua plena realização. As propostas concretas que nasceram são muitas e variadas e provém de vários círculos que fazem questão de esclarecer: este não é um Sínodo regional, mas universal, o que acontece na Amazônia refere-se a todo o mundo.
Igreja ao lado dos pobres e contra toda a forma de violência
Um imperativo para a Igreja é escutar o grito dos povos e da terra; não calar, estar ao lado dos pobres para não errar e afirmar “chega de violência”. Na Amazônia a violência assume várias faces: violência nos cárceres lotados, abusos e exploração sexual; violação dos direitos das populações indígenas; assassinatos dos defensores dos territórios; tráfico de drogas e narco-business; extermínio da população jovem; tráfico de seres humanos, feminicídios e cultura machista; genocídio, biopirataria, etnocídio: todos males a serem combatidos porque matam a cultura e o espírito. Também é muito clara a condenação da violação extrativista e o desmatamento. De fato, também foi destacada a ligação entre abuso dos mais frágeis e abuso da natureza. Entre as várias emergências colocadas em evidência, foi dado também muito espaço ao tema da crise climática.
Proposta do Observatório Eclesial Internacional dos Direitos Humanos
Quem paga o maior preço são os nativos. Pagam com suas vidas, porque não são apoiados, não são protegidos em seus territórios. Por isso, mais de um Círculo Menor solicitou a instituição de um Observatório Internacional dos Direitos Humanos, na convicção de que a defesa dos povos e da natureza deva ser prerrogativa de uma ação pastoral e eclesial. Além disso, é sugerido que as paróquias criem espaços seguros para as crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis. Reitera-se o direito à vida de todos desde a concepção até a morte natural.
A Igreja não deve ser uma ONG. Mais diálogo ecumênico
A Igreja – adverte um dos relatórios – tem a tarefa de acompanhar a obra dos defensores dos direitos humanos muitas vezes criminalizados pelos poderes públicos. Porém, ao mesmo tempo, não deve agir como uma ONG. Este risco, acompanhado com o de se apresentar de forma exclusivamente ritualista, provoca muitas vezes o abandono de muitos fiéis que buscam respostas à sua sede de espiritualidade junto das seitas religiosas ou outras confissões. Portanto, dos Círculos Menores chega um pedido para que seja dada maior energia ao diálogo ecumênico e inter-religioso com a proposta de dois centros de confronto, um na Amazônia e um em Roma, entre os teólogos do RELEP (Rede de estudos pentecostais latino-americanos)e os teólogos católicos.
Ministerialidade, leigos e recusa do clericalismo
Invocando um ministério de presença, que rejeite todo o tipo de clericalismo. A este propósito encoraja-se um maior protagonismo dos leigos. De quase todos os Círculos Menores chega o pedido de aprofundar o significado de “Igreja ministerial”, ou seja, uma Igreja onde possa coexistir co-responsabilidade e compromisso dos leigos. O Círculo “Espanhol A” pede, por exemplo, que seja concedido de modo equilibrado ministérios a homens e mulheres, abstendo-se, porém, do risco de clericalizar os leigos. Em nível geral propõe uma cuidadosa reflexão sobre os ministérios do leitorado e acolitado também a mulheres, religiosas ou leigas, adequadamente formadas e preparadas.
Mulher e diaconato
O tema da mulher está presente em mais de um relatório com o pedido de reconhecer, também em papéis de maior responsabilidade e liderança, o grande valor oferecido pela presença feminina no seu serviço específico à Igreja na Amazônia. Pede-se para garantir, por exemplo, no âmbito de trabalho, o respeito dos direitos das mulheres e a superação de todo o estereótipo. A maior parte dos Círculos Menores manifestou o pedido de que seja dada atenção à questão do diaconato para as mulheres na perspectiva do Vaticano II, considerando que muitas funções deste ministério já são desempenhadas pelas mulheres na região. Em mais de um pronunciamento foi sugerido dedicar ao tema um aprofundamento em uma outra assembleia dos bispos, na qual talvez, possa ser dada às mulheres o direito ao voto.
Sacerdócio e viri probati
Foi sugerido um sínodo Universal específico sobre o tema dos viri probati. Sobre esta temática as perspectivas se diversificam entre um grupo de trabalho e outro. Ao evidenciar que o valor do celibato, dom a ser oferecido às comunidades indígenas, não está em discussão, o “Círculo Italiano A” alerta quanto ao risco de que este valor seja enfraquecido ou que a introdução dos viri probati possa desestimular o impulso missionário da Igreja Universal a serviço das comunidades mais distantes. A maior parte dos relatórios, principalmente as de língua espanhola e portuguesa, objetivando uma Igreja “de presença” mais do que “de visita”, exprime favor sobre o conferimento do presbiterado a homens casados, de boa reputação, preferivelmente indígenas escolhidos pelas comunidades de proveniência, mas em condições específicas. Especifica que estes presbíteros não devem ser considerados de segunda ou terceira categoria, mas verdadeiras vocações sacerdotais. Não deve ser esquecido o drama das muitas populações da Amazônia que atualmente recebem os sacramentos apenas uma ou duas vezes por ano, também foi pedido às comunidades locais para reforçarem a consciência de que não só a Eucaristia, mas também a Palavra representa um alimento espiritual para os fiéis.
Em coletiva de imprensa, dom Mário Antônio da Silva, bispo de Roraima (Brasil), dom Rino Fisichella, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Mauricio Lopez, secretário executivo Repam e irmã Daniela Adriana Cannavina, secretária geral da Clar (Colômbia), apresentaram uma síntese das discussões a partir dos grupos de trabalho realizados nesses dias.
Crise vocacional e formação sacerdotal
Considerando a dimensão do território pan-amazônico e a escassez de ministros foi cogitada a criação de um fundo regional para a sustentabilidade da evangelização. Além disso o Círculo Italiano A exprime “perplexidade” com relação à “falta de reflexão sobre as causas que levaram à proposta de superar de algum modo o celibato sacerdotal como foi expresso pelo Concílio Vaticano II e pelo magistério sucessivo”. Ao mesmo tempo espera-se uma formação permanente ao ministério com o objetivo de configurar o sacerdote a Cristo e se exorta o envio à Amazônia de missionários que atualmente exercem o ministério sacerdotal no norte do mundo. Diante da crise vocacional, os Círculos Menores relevam uma diminuição substancial da presença de religiosos na Amazônia e esperam uma renovação da vida religiosa que, sob impulso da Confederação latino-americana dos religiosos , CLAR, seja promovida com renovado fervor, de modo especial no que se refere à vida contemplativa. Também foi focalizada a formação dos leigos: deve ser integral e não apenas doutrinal, mas também querigmática, fundada na doutrina social da Igreja e que leve à experiência e ao encontro com o Ressuscitado. Ao mesmo tempo propõe-se o fortalecimento da formação dos sacerdotes: esta formação não deve ser apenas acadêmica, mas também realizada nos territórios amazônicos com experiências concretas de Igreja em saída, aos lado dos que sofrem, nos cárceres ou nos hospitais. Foi solicitada também a constituição de seminários indígenas onde possa ser estudada e aprofundada a teologia local.
Diálogo intercultural e inculturação
Os Círculos Menores pedem que seja consolidada uma teologia e uma pastoral de rosto indígena. Diálogo intercultural e inculturação não são entendidos como opostos. A tarefa da Igreja não é a de decidir pelo povo amazônico ou assumir uma posição de conquista, mas acompanhar, caminhar junto numa perspectiva sinodal de diálogo e escuta. Foi proposto introduzir um “Rito amazônico” que ajude a desenvolver, sob o aspecto espiritual, teológico, litúrgico e disciplinar, a riqueza singular da Igreja católica na região. Conforme explicado numa das relações, “devem ser valorizados os símbolos e gestos das culturas locais na liturgia da Igreja na Amazônia, conservando a unidade substancial do rito romano, visto que a Igreja não quer impor uma uniformidade rígida no que não afeta a fé”. Foi sugerida também a promoção do conhecimento da Bíblia, favorecendo a tradução nas línguas locais. Nessa ótica, foi proposta a criação de um Conselho Eclesial da Igreja Pan-amazônica, uma estrutura eclesiástica ligada ao Celam, Repam e Conferências Episcopais dos países amazônicos. “A cosmovisão amazônica”, afirma-se numa das relações, “tem muito para ensinar ao mundo Ocidental dominado pela tecnologia, muitas vezes a serviço da ‘idolatria do dinheiro’. Os povos amazônicos consideram o seu território sagrado. Portanto, deve ser incentivada uma reflexão sobre o valor espiritual do bioma, da biodiversidade e do direito à terra. Por outro lado, o anúncio do Evangelho e a originalidade da vitória de Cristo sobre a morte, respeitando a cultura dos povos, devem ser considerados um elemento essencial para abraçar e entender a cosmovisão amazônica.
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Missionariedade e martírio
O missionário é chamado a despojar-se da mentalidade colonialista, a superar os preconceitos étnicos, respeitar os costumes, os ritos e as crenças. As manifestações com as quais os povos expressam a fé, pedem os Círculos Menores, são apreciadas, acompanhadas e promovidas. Foi sugerida também a criação de um Observatório sócio-pastoral pan-amazônico em coordenação com o Celam, as comissões de Justiça e Paz das dioceses, a Clar e a Repam. Luzes e sombras devem ser reconhecidas na história da Igreja na Amazônia. Deve-se distinguir entre Igreja “indigenista”, que considera os indígenas destinatários passivos da pastoral, e Igreja “indígena”, que os vê como protagonistas da própria experiência de fé, segundo o princípio “Salvar a Amazônia com a Amazônia”. É importante também valorizar o exemplo brilhante dado por muitos missionários e mártires que deram a vida na Amazônia por amor ao Evangelho. O “Círculo Espanhol” propôs incentivar os processos de beatificação dos mártires da Amazônia.
Migração, juventude e cidade
Nos textos lidos na sala não faltaram os povos isolados voluntariamente e foi pedido para que eles sejam acompanhados pelo trabalho de equipes missionárias itinerantes. Foi dado espaço também ao tema da migração, sobretudo juvenil. Hoje, 80% da população da Amazônia se encontra nas cidades. Um fenômeno que muitas vezes causa consequências negativas como a perda da identidade cultural, a marginalização social, a desintegração ou instabilidade familiar. Torna-se cada vez mais urgente a evangelização dos centros urbanos e a pastoral deve se adequar às circunstâncias sem se esquecer das favelas, das periferias e das realidades rurais. É urgente também uma pastoral juvenil renovada. No âmbito pedagógico, pede-se à Igreja para promover, de forma decisiva, a educação intercultural bilíngue e incentivar uma aliança de redes de universidades especializadas na ciência da Amazônia e na instrução superior intercultural para as populações indígenas.
Tutela da criação e dimensão ecológica
A dimensão ecológica é central nas relações dos Círculos Menores em que se reitera que a Criação é uma obra-prima de Deus, que toda a Criação está interligada. Pede-se para não se esquecer de que “uma conversão ecológica verdadeira começa na família e passa por uma conversão pessoal, de encontro com Jesus”. A partir dessa premissa, é importante abordar questões práticas como as temperaturas elevadas ou combate às emissões de CO2 (dióxido de carbono). Incentiva-se um estilo de vida mais sóbrio e a proteção de bens preciosos incomparáveis, como a água, direito humano fundamental que, se privatizado ou contaminado, corre o risco de prejudicar a vida de comunidades inteiras. Deve ser destacado o valor das plantas medicinais e incentivado o desenvolvimento de projetos sustentáveis, através de cursos que levem ao conhecimento de segredos e da sacralidade da natureza, segundo a visão amazônica. Alguns Círculos Menores propõem o desenvolvimento de projetos de reflorestação nas escolas de formação em técnicas agrícolas.
Pecado ecológico e promoção de uma economia solidária
Nessa ótica, insere-se a proposta dupla de inserir o tema da ecologia integral nas diretrizes das Conferências Episcopais e incluir na Teologia Moral o respeito pela Casa Comum e os pecados ecológicos, através de uma revisão dos manuais e rituais do Sacramento da Penitência. A humanidade, reconhecem alguns Padres sinodais, está caminhando em direção ao reconhecimento da natureza como sujeito de direito. “A visão antropocêntrica utilitarista é obsoleta e o homem não pode mais submeter os recursos naturais a uma exploração ilimitada que coloca em perigo a humanidade”. É necessário contemplar o imenso conjunto de formas de vida no planeta em relação umas com as outras, promovendo também um modelo de economia solidária e instituindo um ministério para o cuidado da Casa comum, conforme proposto pelo “Círculo Português B”.
Sínodo para a Amazônia e comunicação
Por fim, algumas relações deram espaço ao tema dos meios de comunicação. As redes católicas de comunicação devem ser incentivadas a colocar a Amazônia no centro de sua atenção a fim de difundir boas notícias e denunciar todo tipo de agressão contra a terra mãe e anunciar a verdade. Foi proposto também o uso das redes sociais na Web Rádio, na Web TV e na comunicação rádio a fim de difundir as conclusões do Sínodo. Deseja-se que o “rio” do Sínodo, com a força do “rio amazônico”, transborde dos muitos dons e sugestões oferecidos nas reflexões dos padres sinodais, na Sala do Sínodo, e que dessa experiência de caminhar juntos, possa jorrar novos caminhos para a evangelização e a ecologia integral.