COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Sete barcos com garimpeiros invadiram a Terra Indígena (TI) Yanomami e atiraram contra os indígenas. O conflito aconteceu na segunda-feira (10) na comunidade Palimiú, em Roraima. A Hutukara Associação Yanomami enviou ofício de urgência aos órgãos federais. A Polícia Federal esteve no local na terça-feira (11) e foi recebida a tiros. No dia 12, quarta-feira, o Exército foi até o território e, segundo os indígenas, ficou somente cerca de duas horas. Conforme relato de Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, lhe foi informado que às 23h00 horas ainda do dia 12, 40 barcos de garimpeiros chegaram no local em que aconteceram os tiroteios, e novamente atacaram com tiros os Yanomami. De acordo com os indígenas, todos os dias os garimpeiros percorrem o trecho do rio Uraricoera, que passa por Palimiú, e mostram estarem com muitas armas. A tensão permanece na região.

Registros do Centro de Documentação da CPT - Dom Tomás Balduino, mostram que os Yanomamis resistem à invasão de seu território por garimpeiros, entre outros, desde 1.700. Os mesmo registros mostram que de 1987 a 2013, houve 4 massacres contra indígenas Yanomamis em Roraima, vitimando 30 indígenas nos casos. Além desses episódios bárbaros de violência, a linha histórica mostra todo o processo de invasão do território tradicional yanomami, a resistência desse povo, a vulnerabilidade a doenças e males levados pelos brancos, a fragilidade do Estado brasileiro em proteger os yanomamis e, também, o grupo indígena isolado que vive no território, os Moxihatëtëma, e as artimanhas do Legislativo brasileiro ao longo dos anos para garantir a exploração dessa área ancestral. Confira:

(Cristiane Passos - Setor de Comunicação CPT Nacional)

Um conflito armado entre garimpeiros e indígenas deixou ao menos seis pessoas feridas na comunidade de Palimiú, em Roraima, onde fica o território Yanomami. A informação é da Hutukara Associação Yanomami. Segundo a entidade, o confronto se deu quando, por volta das 11h30 desta segunda-feira, 10 de maio, sete embarcações de garimpeiros atracaram na comunidade e deram início ao ataque contra os indígenas. Cinco garimpeiros e um indígena, de raspão, foram baleados.  

De acordo com o vice-presidente da Hutukara, Dário Kopenawa Yanomami, houve tiroteio em conflito aberto "por cerca de meia hora". Em ofício enviado ao Exército, à Polícia Federal, à Funai e ao Ministério Público de Roraima, a entidade pediu aos órgãos que atuem “com urgência para impedir a continuidade da espiral de violência no local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiú”. Os profissionais do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) foram retirados da região devido à violência na área e a possibilidade de conflito iminente.

A Hutukara já havia enviado um ofício em abril último para os órgãos federais sobre a ocorrência de tiroteios entre indígenas e garimpeiros no Palimiú, na subida do rio em direção à base de Korekorema, no rio Uraricoera. Segundo o documento, em 27 de abril um grupo de indígenas interceptou um barco com cinco garimpeiros e apreendeu uma carga de 900 litros de combustível. Em retaliação, outros sete garimpeiros “reagiram disparando três tiros contra os indígenas”. Os Yanomamis responderam, mas ninguém saiu ferido.

No dia 11, terça-feira, a Polícia Federal foi até o local e garimpeiros trocaram tiros com eles. Segundo os indígenas, o exército, que também esteve no território na quarta-feira (12),  ficou cerca de duas horas somente no local. Horas depois, por volta das 23h00, mais uma vez, o território foi invadido por 40 barcos com garimpeiros. O grupo voltou a atirar contra os indígenas. 

Reportagens divulgadas pela imprensa em março último, mostraram que garimpeiros ignoraram a pandemia e avançaram sobre o território Yanomami em 2020, deixando 500 hectares devastados entre janeiro e dezembro. No total, o garimpo ilegal já destruiu o equivalente a 2,4 mil campos de futebol em todo o território. Pouco ou quase nada se fez para conter os invasores, que já beiram os 20 mil na região.

- Confira Nota Pública divulgada pela APIB sobre o caso



Entenda o conflito na área indígena Yanomami

Segundo histórico da Terra Indígena (TI) Yanomami registrado pelo Centro de Documentação da CPT – Dom Tomás Balduino, a invasão do território tradicional por garimpeiros e criadores de gado se deu ainda em 1.700. 

Segundo os registros, em fevereiro de 1976, 450 garimpeiros da firma “Além do Equador” e outros invasores, foram expulsos do território pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Na época, cerca de três mil garimpeiros entraram na área, colocando em risco os indígenas Yanomani e outro grupo indígena ainda não contactado, os Moxihatëtëma. A área indígena ainda não era demarcada.

No final dos anos 1970 e início dos 1980 começam os debates e discussões sobre a criação de um parque indígena em Roraima, proposta sempre vista com maus olhos por alguns parlamentares. À medida que o debate avançava, a tentativa era sempre de reduzir a área proposta, e em paralelo, deputados iam passando votações de liberação de garimpo e exploração minerária no território tradicional. De corrida ao ouro nos rios Ururicaa e Uraricuera, na Serra da Parima, à exploração de cassiterita em Surucucus.

Em 8 de janeiro de 1985, a área dos Yanomami, com 9 milhões de hectares, foi delimitada administrativamente pela portaria da Funai, n.1817. Em 15 de fevereiro de 1985, a Polícia Federal (PF) retira os garimpeiros e prende os aviões utilizados por eles. O governo distribui alimentos aos garimpeiros, que fazem passeata contra a decisão do Estado. A ação da PF se prolongou até o dia 20 de fevereiro de 1985.

Em 15 de agosto de 1987, indígenas Yanomani e 150 garimpeiros acampados na serra de Couto Magalhães entram em confronto, e 7 indígenas foram mortos. Os garimpeiros mataram os 7 indígenas e feriram 47. O grupo estava armado com espingardas. Os indígenas responderam ao tiroteio dos garimpeiros. Polícia Militar, Exército e Polícia Federal foram até a área, mas os garimpeiros não aceitaram o aviso para deixar o local, por conta de terem encontrado muito ouro. Os conflitos e a tensão permaneceram. 

Em 25 de abril de 1988, um confronto entre garimpeiros e indígenas em uma Gruta na região do Paapiú, resultou na morte de 8 indígenas, conforme registro da CPT à época. Há desencontro com outras fontes no número de mortos, porém a Pastoral registrou o número de 8 vítimas. 

Em 19 de agosto de 1988, Romero Jucá, então presidente da Funai, anuncia a demarcação do território Yanomami, decisão essa a partir do parecer do Grupo Interministerial criado. A área determinada abrange mais de 8 milhões de hectares, porém a Funai pretendia demarcar 2 milhões e meio de hectares somente, em 19 áreas descontínuas. Mais de 70% da área seria destinadas a duas "Florestas Nacionais" e um "Parque Nacional", o que viabilizaria a exploração de recursos naturais, e ainda seria institucionalizado o garimpo na área. Várias portarias se sucederam na tentativa de diminuir a área demarcada, ou na tentativa de aprovar a exploração minerária mesmo em área demarcada

Em 26 de junho de 1989, o então subprocurador Geral Carlos Victor Muzzi, instaurou inquérito civil público para determinar em que circunstâncias se deu a demarcação do território Yanomami, reduzindo de 9 milhões de hectares para apenas 2,3 milhões e fracionando em 19 áreas descontínuas, denominadas "colônias indígenas". Este inquérito foi fruto da visita do grupo "Ação pela Cidadania" às áreas indígenas de Roraima. 

No final do ano de 1989, aproximadamente 40 adultos e 10 crianças yanomamis morreram em consequência de um surto de malária que assolou 60 áreas indígenas. A doença foi levada por garimpeiros, pois onde eles se instalam passa a haver águas paradas, em que proliferam os mosquitos. A Funai montou uma operação para combater a malária entre os garimpeiros, mas a operação fracassou por falta de estrutura e preparo da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), ligada à então Fundação Nacional de Saúde para acompanhar endemias, em especial a malária, que, mesmo sabendo da ameaça de contaminação e consequente morte de indígenas, não renovou o plano de combate à doença que acabou virando epidemia. 

Em 03 de novembro de 1989, 180 indígenas Yanomami chegam a Boa Vista (RR) gravemente doentes, acometidos pela malária, desnutrição e tuberculose. A maioria é de crianças com menos de 3 anos de idade. Em 02 de janeiro de 1990, a Funai inicia a “Operação Saúde”, para tratar de 5.450 Yanomamis que contraíram malária em 116 aldeias nas reservas de Surucucus, Uaicas e Alto e Baixo Mucajaí. Ainda em 1989, entre outubro e dezembro, segundo o órgão, 150 indígenas morreram vitimados pela doença. A convivência forçada e muito próxima com os garimpeiros lhes trouxeram males, que até então eram “privilégio” dos brancos, como: a leishmaniose, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, hepatite, oncocercose e subnutrição. 

Em agosto de 1993 ocorreu o que ficou conhecido como Massacre de Haximu. Esse massacre é resultado das tensões relacionadas à corrida do ouro de 1987 no Brasil, que incluem conflitos entre os garimpeiros brasileiros e o povo Yanomami. O nome da aldeia tornou-se mundialmente conhecido após o sangrento massacre que vitimou 5 crianças e 5 adultos, entre mulheres e idosos de Haximu, pegos de surpresa no início de uma manhã por um grupo de garimpeiros fortemente armados. O massacre aconteceu numa das roças nos arredores da aldeia Haximu-teri, no norte do estado de Roraima. Haximu é o nome de uma comunidade Yanomami na fronteira do Brasil com a Venezuela, nas proximidades do Rio Demini. Foi o primeiro e único crime do Brasil a ser julgado como um genocídio. Há desencontro no número de mortos, entre diferentes fontes. A CPT registrou 10 mortos nesse massacre. Em 1997, o garimpeiro Pedro Emiliano Garcia e outros quatro acusados foram condenados a 20 anos de prisão por genocídio do povo Yanomami. Esta foi a primeira sentença de genocídio assumida no Brasil. No entanto, em 2011, a pena foi considerada extinta e todos os acusados foram soltos

Alguns anos depois, ainda vivendo subsequentes conflitos com garimpeiros e invasores no território Yanomami, em 2004, um fiscal da Funai foi assassinado por garimpeiros.

Em 07 de abril de 2010, cerca de 100 indígenas Yanomami denunciaram a invasão de seu território por fazendeiros e garimpeiros, em frente à sede da Funai em Boa Vista (RR). Eles esperavam que a visita do então Presidente Lula à Roraima, anunciada para a semana seguinte, fosse acompanhada de medidas concretas de combate aos invasores. Dezoito anos após a homologação do seu território, os Yanomami continuavam a denunciar sua constante invasão por fazendeiros e garimpeiros. 

Em agosto de 2011, garimpeiros invadiram a Aldeia Yanomami Yoxianapii, da região do Paapiú, com espingardas e roubaram os medicamentos existentes no local. Segundo a Hutukara Associação Yanomami (Hay), a presença de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami continuava preocupando os indígenas. Para Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, os indígenas informaram que os funcionários do Distrito Sanitário Yanomami (Dsei-Y) ficaram com bastante medo. “Eles disseram que os funcionários não fizeram nada, nem avisaram os Coordenadores do DSEI-Y em Boa Vista”.

Em 14 de abril de 2013, de acordo com a Funai, um conflito com armas de fogo entre tribos yanomami deixou 05 indígenas mortos e 07 feridos. Os indígenas da região afirmaram à Funai na época, que estavam sendo armados por garimpeiros em troca de permissões para exploração ilegal de ouro na terra indígena, que estaria invadida por ao menos 1.600 homens. Para João Catalano, chefe do setor de proteção yanomami da Funai na época, o conflito foi 'gravíssimo' por envolver um grupo recém contatado. 'Os garimpeiros chegam aos poucos e vão introduzindo armas e munições para impor o ritmo da exploração de ouro', disse. Segundo Dário Kopenawa, vice-presidente da Associação Yanomami, o conflito foi motivado por disputa de roça de pupunha (fruto de palmeira). Para ele, o conflito foi resultado da falta de fiscalização sobre o garimpo ilegal. No ano anterior, a Polícia Federal chegou a retirar cerca de 600 garimpeiros da região, mas muitos voltaram. 'Os garimpeiros estão aliciando indígenas com arma de fogo para matar todos os indígenas. A PF sabe disso', disse ele na ocasião.

Em 07 de fevereiro de 2014, foi realizada a operação Korekorema na Terra Indígena Yanomami, pela Funai, para combater o garimpo ilegal na reserva. A ação envolveu 15 servidores da Funai, dois policiais federais, 18 policiais Militares da Companhia Independente de Policiamento Ambiental e do Bope, além de Yanomamis que acompanhavam a operação dando apoio e servindo de guias e pilotos de barco. Cerca de 30 balsas foram desativadas e 60 garimpeiros que atuavam na região foram retirados. Uma liderança da Maloca do Paapiú, localizada a mais de 200 quilômetros de Boa Vista, entre os municípios de Alto Alegre e Iracema, denunciou à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye´kuana (FPEYY) que um dono de garimpo naquela região teria abusado sexualmente de meninas indígenas de 12 e 13 anos, além de submeter jovens indígenas a trabalho escravo. Conforme relataram os indígenas, cinco crianças foram abusadas sexualmente. A equipe conseguiu identificar duas. Segundo o coordenador da FPEYY na época, João Catalano, o homem oferecia batons e perfumes para atrair as crianças, e os rapazes trabalhavam em troca de alimentos para a comunidade. João Catalano relatou que no dia em que a equipe retornaria para Boa Vista, a expedição dos indígenas foi atacada por indígenas da Venezuela. “Dois indígenas Yanomami morreram no confronto e por isso não pudemos trazer as crianças que foram abusadas. Um dos índios mortos era parente de uma das vítimas”, comentou. A CPT não registrou as duas mortes em sua base de dados, por falta de mais informações.

No dia 15 de maio de 2014, um menino Yanomami de 12 anos, com sinais de maus tratos, foi resgatado pela PF, durante a operação Kratiras. O garoto contou que foi contratado por um oleiro, enquanto estava com a família na Feira do Produtor, para trabalhar em uma fábrica de tijolos na Vila Vintém, após a ponte dos Macuxi, sentido Cantá, no município de Caracaraí (RR). Ele estava desnutrido, machucado e com marcas no corpo como se tivesse sido amarrado. Após passar por cuidados médicos foi reintegrado à família, que vivia na região de Ajarani. Segundo relatos, o oleiro teria dado uma surra no menino após este pedir uma camiseta para vestir. João Catalano alertou na época para o risco de utilização de crianças e adolescentes indígenas como mão-de-obra barata ou análoga à escrava em Caracaraí. Ressaltou, também, que essa prática era comum em Roraima, aliciar indígenas para trabalhar em troca de comida e bebida alcóolica.

Ainda em 2014, Davi Kopenawa, presidente da Hutukara, recebeu seguidas ameaças de morte. Inclusive um grupo teria invadido a sede do Instituto Socioambiental (ISA), à procura dele, e quando não encontraram, anunciaram um assalto e levaram equipamentos do local. Nesse ano de 2014, também, explode - mais uma vez - os casos de malária entre os Yanomamis.

Em 26 de outubro de 2016, o levante nacional dos povos originários, motivado pela perda de autonomia financeira da Secretaria Especial de Saúde Indígena-Sesai e dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), em razão das Portarias 1.907 e 2.141, que submetiam as comunidades às decisões centralizadas do Ministério da Saúde, foi vitorioso. Diante da resistência, o ministro da Saúde na época, Ricardo Barros, após reunião com lideranças indígenas em Brasília, revogou as Portarias (as portarias revocatórias são a 2.206 e 2.207), voltando a vigorar aquelas publicadas em 2011 e 2013. Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), disse na época que considerou uma vitória do movimento indígena, num momento de retrocesso de direitos. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cerca de 11.000 indígenas, com representação de 20 etnias, participaram dos protestos em pelo menos 14 estados, com ocupação de prédios e bloqueio de rodovias. 

Ainda em 2016, ao invadirem mais uma vez o território Yanomami, 6 garimpeiros foram mortos a flechadas, durante confronto com indígenas, em resistência a mais uma invasão.

Em 31 de maio de 2018, dois indígenas isolados, da etnia Moxihatëtëma, que habitavam a Serra da Estrutura, na T.I. Yanomami, foram mortos em conflito com garimpeiros. Os homicídios ocorreram quando dois garimpeiros roubavam a “roça” dos indígenas. Repelidos, eles retornaram, em represália, armados com armas de fogo. Um não indígena teria sido ferido durante o confronto e desapareceu. O relato foi colhido pela assessoria indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami-DSEI-Y. A Hutukara Associação Yanomami denunciou o caso à Funai, através da CARTA/HAY Nº 051/2018. Diz um trecho do documento: “A equipe de saúde do DSEI Y teve conhecimento do caso durante uma reunião realizada em 18 de julho na região do Alto Catrimani, T.l. Yanomami Roraima que fica próxima à área onde vivem os isolados e que está invadida por centenas de garimpeiros. Na ocasião, jovens yanomami relataram que ouviram dos próprios garimpeiros sobre o conflito e as mortes, e repassaram para a equipe de saúde”. O Centro de Documentação da CPT, até o momento, não registrou as duas mortes por falta de mais informações.

Segundo a HAY, o grupo isolado possuía aproximadamente 80 indivíduos e corria grave risco, uma vez que a habitação coletiva ficava a menos de cinco quilômetros do local das atividades garimpeiras. A base de proteção criada pela Funai em 2012 estava abandonada desde 2015. Desde então, os garimpeiros invadiram o local e utilizavam o prédio e a pista de pouso. Calcula-se que nesse período existiam cerca de cinco mil garimpeiros em atividade na T.I. Yanomami.

Em 29 de maio de 2019, lideranças indígenas Yanomami, de Roraima, foram a Brasília pedir apoio para combater a sistemática e crescente invasão do garimpo em seu território. Estimava-se que já existiam cerca de 20 mil invasores garimpeiros no território, em busca de ouro. A invasão explodiu desde o início do ano de 2019 e era a maior desde 1992, quando houve uma intrusão de 40 mil garimpeiros. A maior parte dos invasores montou acampamento a poucos minutos de caminhada das aldeias. 

Em 07 de agosto de 2019, o Exército apreendeu, no rio Mucajaí, em Roraima, uma embarcação com 850 litros de combustível e alimentos, cujo destino era um garimpo ilegal no interior da T.I. Yanomami. Os cinco tripulantes empreenderam fuga, mas foram perseguidos e capturados pela 1ª Brigada de Infantaria da Selva. Um deles ficou ferido e foi encaminhado para atendimento médico na Comunidade Indígena Sikamabiu. Todo o material foi apreendido e os ocupantes cadastrados.

Duas lideranças Yanomami se empenharam em denunciar o garimpo ilegal em suas terras: Davi Kopenawa e seu filho Dário Kopenawa, presidente e vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami. “Sempre denunciamos, mas os garimpeiros continuam lá. Hoje, ele [Bolsonaro] não está prejudicando só os Yanomami, ele está arrumando problema pro Estado brasileiro”, declarou Dário, durante entrevista à Agência Pública, ao criticar o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, que legitima, com seu discurso, a permanência dos garimpeiros nos territórios indígenas. “Quando eles demarcaram a terra Yanomami em 1992, o governo federal tirou todos os garimpeiros da nossa terra. Agora a gente tem que ter uma ação pesada para retirar os garimpeiros imediatamente. Mas como o governo Bolsonaro é a favor [da exploração] isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa desintrusão”, comentou.

Em 08 de janeiro de 2020, o Exército prendeu 15 garimpeiros na T.I. Yanomami, no município de Mucajaí (RR). Eles estavam em sete barcos e tentaram passar por um posto de verificação sem se identificar e mostrar a carga transportada, que era composta por “grande quantidade de material destinado ao garimpo”, informou a assessoria da 1ª Brigada de Infantaria da Selva. Os presos foram conduzidos à Polícia Federal, em Boa Vista.

Em 07 de abril de 2020, o resultado do segundo teste para Covid-19, em um adolescente Yanomami de 15 anos com sintomas de gripe, teve resultado positivo. Foi o primeiro indivíduo da etnia a contrair o coronavírus. A suspeita das lideranças da T.I. Yanomami, localizada em Roraima, foi de que a transmissão do vírus tenha ocorrido por garimpeiros invasores. A suspeita de coronavírus no adolescente surgiu dia 03 de abril, quando ele foi internado no Hospital Geral de Roraima-HGR, em Boa Vista, com um quadro de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O primeiro exame foi negativo, mas a investigação prosseguiu com o adolescente internado na UTI. O jovem morreu por conta do vírus algum tempo depois. A partir daí, explode a contaminação por coronavírus entre os Yanomamis.

Em maio de 2020, três mulheres Yanomami, do grupo conhecido como Sanöma, moradoras de uma aldeia em Auaris, na região fronteiriça entre Roraima e a Venezuela, foram levadas, juntamente com seus bebês, para Boa Vista com suspeita de pneumonia. Nos hospitais da cidade, as crianças teriam sido infectadas pelo coronavírus e morreram da doença. As mães não conseguiram ver seus filhos, que provavelmente foram sepultados em cemitérios de Boa Vista. As mulheres ficaram inconformadas com a violência da retirada de seus bebês. Houve uma comoção e uma campanha Internacional pela devolução dos corpos dos bebês, para os devidos rituais fúnebres tradicionais do povo indígena. Em 01 de julho de 2020, uma das mães Yanomami que requeriam os corpos de seus bebês, recebeu o cadáver da criança, do sexo feminino. Após dois meses no aguardo de uma posição da Secretaria Especial de Saúde Indígena-Sesai, o corpo foi trasladado para a aldeia Onkopiu, na região de Auaris, fronteira com a Venezuela, onde vive o subgrupo Yanomami, Sonöma. A mãe foi infectada pelo coronavírus, se recuperou e retornou ao território em 19 de junho. Os demais bebês foram enterrados em um cemitério de Boa Vista, sem o consentimento da comunidade, o que fere violentamente a cultura da etnia.

Em 12 de junho de 2020, dois jovens indígenas Yanomami, Original Yanomami, 24 anos, e Marcos Arokona Yanomami, 20, foram assassinados a tiros por garimpeiros dentro da T.I. Yanomami, em Roraima. O crime aconteceu em uma área de mata fechada, na comunidade maloca do Macuxi, região do rio Parima, no município de Alto Alegre, informou Júnior Hekuari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana-Condisi-Y, que recebeu a informação das mortes. As vítimas faziam parte de um grupo de cinco indígenas que se deparou com os garimpeiros (por volta das 15 horas) próximo a uma pista de pouso clandestina para helicóptero. A maloca tinha sido criada sete meses antes e nela viviam cerca de 80 indígenas. “Os garimpeiros, ao verem eles, atiraram e acertaram um indígena. O grupo correu no meio da floresta, houve perseguição (que durou cerca de uma hora), e o outro indígena também foi atingido”, contou Júnior. Embora armados com arcos e flechas, as vítimas não conseguiram atingir os garimpeiros. Possivelmente outros indígenas ficaram feridos, porém não há mais informações.

Ainda em junho de 2020, um estudo realizado pelo ISA e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revisado pela Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, concluiu que até 40% da população Yanomami poderia ser contaminada pela Covid-19, em virtude das invasões de garimpeiros na T.I. Yanomami, em Roraima. Com medo, lideranças Yanomami e Ye’kwana criaram a campanha #ForaGarimpoForaCovid para exigir do governo federal providências para retirar mais de 20 mil garimpeiros de seu território.

Em 05 de julho de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) abriu procedimento para investigar a distribuição de cloroquina, tratamento precoce para o coronavírus sem comprovação científica de eficácia, em comunidades indígenas de Roraima, bem como o acesso aos territórios sem a aquiescência dos indígenas. 

Em 28 de janeiro de 2021, o Conselho de Saúde Indígena alertou o Ministério da Saúde sobre a morte de 9 crianças Yanomami com sintomas de Covid. Segundo o conselho, mais 25 crianças da etnia poderiam estar infectadas em comunidades de Roraima. A doença teria sido transmitida também por garimpeiros que atuam ilegalmente na área. O Supremo Tribunal Federal já havia rejeitado três planos do governo para o combate à Covid em terras indígenas, por considerá-los genéricos e insuficientes. Neste mesmo dia, o Ministério da Saúde afirmou, em Nota, que recebeu do Condisi-YY a comunicação das mortes e que investigaria junto ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami a “veracidade das informações”. 

Em 17 de março de 2021, após pedido do Ministério Público Federal (MPF), a justiça determinou multa diária de 1 milhão de reais caso não houvesse a retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. A ação do MPF veio após um pedido de socorro do povo Yanomami ainda em 2020, em meio ao avanço do garimpo ilegal e da pandemia de Covid-19. A justiça federal considerou um grande risco de que fosse criada outra “Serra Pelada” e que a omissão da União resultasse em genocídio dos povos indígenas da região. A morte de crianças yanomami por Covid-19 e outras mortes indígenas causadas pelo garimpo ilegal foram lembradas pelo juiz, que avaliou que “se desde o início da demanda as medidas determinadas pelo TRF1 não somente tivessem sido bem elaboradas, mas efetivadas, possível é que essas crianças, fora os demais indígenas mortos, não tivessem de forma tão vil e desnecessária perdido suas vidas”. Para não cumprir a decisão, a União, Funai, Ibama e ICMBio interpuseram sucessivos recursos perante o judiciário. Todavia, reafirmando a omissão do Estado Brasileiro, o Poder Judiciário negou todos os recursos e, diante da reiterada negativa em cumprir a decisão, foi imposta a multa caso os réus se omitissem novamente. E mais uma vez, vemos a realidade da invasão do território tradicional Yanomami se repetir, com ataques mortíferos contra os povos indígenas.

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