Agricultoras e agricultores do Engenho Batateiras acusam empresário Walmer Almeida da Silva de ameaçá-los e de bloquear o acesso aos sítios.
Crédito: Plácido Júnior/CPT
Desde o mês de julho deste ano, quando a IC Consultoria e Empreendimentos Imobiliários chegou de fato às terras do Engenho Batateiras, no município de Maraial, Mata Sul de Pernambuco, famílias agricultoras locais relatam não terem tido um minuto de descanso.
A integridade das suas vidas e as posses dos seus sítios têm sido ameaçadas por um conflito fundiário que surgiu em meio à pandemia e traz consigo traços de impunidade diante de diversas violações de direitos.
A urgência de mediação do Governo do Estado e da prefeitura tem sido reivindicada pela Comissão Pastoral da Terra (CPTNE2), a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Rurais do Estado de Pernambuco (Fetape) e mais 22 organizações do campo, mas as respostas não acompanham o ritmo no qual as cercas têm sido erguidas, as plantações derrubadas e as ameaças de morte passaram a ecoar nas terras onde agricultoras e agricultores vivem e trabalham há mais de 70 anos.
Foram enviados 4 ofícios ao governo estadual relatando as denúncias. As famílias são posseiras, fazem o pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) e têm o Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas isso não foi suficiente para que os donos da empresa IC deixassem a situação apaziguada como estava com os antigos proprietários – Gustavo Jardim Pedrosa e a empresa SIMARCO.
O universitário alagoano Walmer Almeida Cavalcante, registrado formalmente como dono da IC, chegou a visitar o local à época da compra, em abril, e informou às moradoras e aos moradores que a relação com eles continuaria como estava. Mas, segundo as denúncias dos agricultores, o seu pai, o empresário Walmer Almeida da Silva, não cumpriu a promessa do filho. As violações começaram pela presença de seguranças armados no local e por cercas que ora eram derrubadas, quando se tratava de proteger os sítios das famílias, ora eram erguidas, para fechar as saídas do engenho.
Boletins de ocorrência
Ao todo e até o momento, existem 22 boletins de ocorrência registrados. Entre as denúncias, estão ameaças feitas pelo empresário Walmer, por telefone, de expulsão das famílias de suas terras. Está citada também a derrubada de um hectare de reflorestamento, o cerceamento de acesso a uma via pública e um episódio em que o empresário teria disparado dois tiros para cima enquanto intimidava a agricultora Vanessa Maria da Silva Oliveira. Alguns boletins citam Walmer filho, porque no início das violações, o pai se apresentava apenas pelo primeiro nome.
Em entrevista à Marco Zero, a agricultora conta que passou cerca de um mês tendo que procurar caminhos dentro da mata para poder sair do Engenho Batateiras e ter acesso ao centro de Maraial e outros municípios. A situação era pior para idosos e pessoas com limitações de mobilidade. “Se adoecesse alguém, tínhamos que fazer acordo com Walmer para pegar a chave”.
“Eu me sinto de uma maneira que tento ser forte, mas não consigo. Tenho uma filha de 11 anos que vive com medo. Ela diz: Mainha, faça o acordo com ele pelo o que ele quer, porque eu só tenho você e painho.”
Para sair de casa, Vanessa tem que passar por três porteiras em menos de quinhentos metros de caminhada. Tem dormido várias vezes fora do sítio por medo de sofrer algum atentado durante a noite e já não deixa mais documentos e fotos com o receio de perder seus registros formais e afetivos, na iminência de uma invasão ou depredação da residência.
A saída e o acesso ao engenho ficaram sob controle do empresário. O intuito de forçar esse contato direto, segundo a agricultora, era para convencer as famílias a vender o sítio onde moram. Segundo ela, muitas famílias aceitaram a negociação por causa do rápido acirramento do conflito com o proprietário. Quem nega os acordos de venda para o empresário acaba por ouvir ameaças de despejo extrajudicial e xingamentos como estão registrados em alguns dos boletins de ocorrência.
Vanessa é professora e dá aula às crianças do Engenho Batateiras na Escola Municipal Batateiras. A demanda das alunas e alunos durante a pandemia é por atividades em casa, levadas pela profissional, mas com a mobilidade reduzida dentro do local e as ameaças, Vanessa não tem conseguido entregar o conteúdo para os estudantes.
As denúncias do que tem ocorrido em Maraial foram levadas à Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal no dia 21 de agosto pelo deputado Carlos Veras (PT-PE) e devem ser investigadas. Ele chegou a visitar Batateiras a convite da CPT e da Fetape no dia 14 de agosto e encontrou o empresário Walmer no local. Segundo Veras, houve uma tentativa de coação antes dele se identificar como parlamentar.
“Eu encontrei o grileiro lá, reforçado de seguranças, as vias que dão acesso às residências das famílias bloqueadas e eles não tinham condições de socorrer uma pessoa se precisassem. Ele disse, inclusive, que nós estávamos invadindo as terras deles. Chegou a me confrontar, tentou vir com uma tentativa de coação e quando eu me identifiquei, como diz o bom ditado, ele deu uma ré. Me apresentei e falei sobre o que estava fazendo lá como parlamentar. Não foi ninguém que me disse, eu vi as violações.”
Veras acredita que levar o assunto para a Câmara significa dar um peso político ao caso para reivindicar a atenção de outros parlamentares estaduais e federais, do próprio Governo de Pernambuco e do Judiciário.
No dia 27 de agosto, agricultoras e agricultores do Engenho Batateiras se reuniram com o prefeito de Maraial, Marquinhos Moura (PTB), para solicitar a abertura da via pública e das entradas e saídas que davam acesso ao local e foram restringidas pelo empresário. Algum acessos já foram liberados.
Os governos estadual e o municipal têm sido acionados por meio das secretarias envolvidas e também pelo Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (Iterpe). O líder do governo na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Isaltino Nascimento (PSB), também visitou o local e se comprometeu a contribuir com a mediação e resolução do caso em diálogo com a gestão.
Ataques à sociedade civil
Mesmo com os registros feitos por meio dos boletins e as denúncias das organizações e parlamentares, o empresário Walmer Almeida da Silva nega ter ocorrido qualquer tipo de violação de direitos. Para ele, não há violência sendo praticada no local e os seguranças armados estiveram no engenho apenas no começo da situação. Também nega que porteiras e cercas foram colocadas para restringir o acesso dos moradores ao local.
“Lá não tem problema nenhum, não. Tem algumas pessoas que dizem que são donos da terra e não têm escritura. Quem tem a escritura delas é Walmer Almeida Cavalcante, que está no nome da empresa. Na realidade, eles estão mentindo, lá não tem confusão”, diz.
O empresário afirma que no começo teve que contratar uma empresa de segurança, a Tróia, porque os moradores “estavam colocando cercas no lugar errado”. “Teve um conflito sim. Teve a violência da parte deles. A gente lá não tem nenhum segurança, a fazenda está lá aberta e o povo trabalhando. Vamos discutir judicialmente e quem estiver certo está certo e quem estiver errado vai estar errado.”
Walmer acusa a CPT de estar mentindo em relação às denúncias e diz que seu filho chegou a fazer acordo com o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, e com o secretário de Desenvolvimento Agrário, Dilson Peixoto, mas a comissão “continua fazendo coisa errada”.
“Esse pessoal que a CPT está defendendo, eu quero que me mostre qual é a lavoura que eles têm lá dentro. Tem dois lá ou três que são fazendeiros, agiota, o pessoal fala. Têm casa na cidade. Ai a CPT defende que nem fosse um coitadinho, que tá na terra pra colher não sei o que. Eu tenho nojo desses caras”.
A Marco Zero solicitou o posicionamento das duas secretarias do Governo de Pernambuco citadas pelo empresário, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lembrou da quantidade dos boletins de ocorrência registrados e que antes da chegada da IC Consultoria, as famílias agricultoras “não viviam a situação de violência a qual se encontram atualmente”, evidenciadas pelas várias denúncias de “ameaças de morte, perseguições, destruições e situações que configuram cárcere privado”.
“Os agricultores e agricultoras do Engenho Batateiras pedem socorro, clamam por justiça e clamam para que seus direitos sejam respeitados, principalmente o direto à vida e o direito a permanecer na terra que cultivam há gerações. A CPT seguirá acompanhando o conflito, repercutindo cada denúncia de violência feita contra as famílias e cobrando das autoridades que atuem para solucionar definitivamente o conflito.”, explicou a Comissão em nota enviada à Marco Zero.
A Fetape também emitiu nota, afirmando que tem recebido inúmeras denúncias de violências praticadas por empresas contra famílias agricultoras na Mata Sul do estado. Que esteve no local algumas vezes e constatou a situação de “ruptura com o Estado de Direito”.
Reforçou que continuará ao lado das agricultoras e dos agricultores “cobrando que as autoridades atuem com firmeza para preservar a segurança dos cidadãos, os seus direitos e apurando as graves denúncias que existem contra o Senhor Walmer Almeida da Silva, que atua diretamente em nome de seu filho homônimo, não apenas por suas atitudes violentas no Engenho Batateiras, mas também no Estado de Alagoas, de onde é originário.”.
Operação da Polícia Federal
Walmer Almeida da Silva foi investigado e preso em 2013 pela Operação Abdalônimo, da Polícia Federal de Alagoas, sob acusação de formação de quadrilha, sonegação fiscal, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Segundo a PF, ele e os outros envolvidos, sua irmã Vitória Zoolo e o contador André Ferreira de Lima, evidenciavam patrimônios incompatíveis com as suas declarações de renda registradas na Receita Federal.
Segundo a polícia, os envolvidos movimentaram irregularmente R$ 300 milhões no período de cinco anos que antecederam a prisão. Eles abriam empresas e repassavam para “laranjas” após cerca de dois anos, quando se desvinculavam como sócios. Também de acordo com a PF, mais de vinte empresas teriam sido abertas neste esquema.
Apesar de entrar em contato diretamente com as agricultoras e os agricultores, Walmer Almeida da Silva não anda só pelas terras do engenho. Geralmente, ele chega de helicóptero e acompanhado de seguranças armados, mais conhecidos na Zona Rural como “capatazes”.
Estes têm cumprido as determinações sobre as cercas e efetuado as intimidações também a mando de José Cristiano do Nascimento, mais conhecido como “Capitão Cristiano”. Eles são vinculados à empresa Tróia Seguranças e Serviços, que tem sede na cidade de Campestre, em Alagoas.
De acordo com dados obtidos no site da Receita Federal, a empresa foi criada em 2016, pertence ao “Capitão Cristiano” e a atividade desempenhada consta como “atividades de cobranças e informações cadastrais”. Para além desta atividade não estar ligada aos serviços de segurança, a Tróia não está cadastrada na Polícia Federal, como é formalmente necessário para exercer tal função.
A empresa é a mesma envolvida em violações ocorridas no município de Jaqueira. Esta ligação entre os conflitos fundiários não é a única, esquemas de vendas das terras chamam atenção pelos valores baixos pelos quais elas são repassadas. O Engenho Batateiras possui 960 hectares e, cada um deles, foi vendido por R$ 540 à empresa IC, abaixo do valor do mercado que gira em torno de R$ 9 mil, segundo o mais recente Relatório de Análise do Mercado de Terras do Estado de Pernambuco, feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).