A justiça estadual do município de Vilhena (RO) decidiu por nova reintegração de posse de 77 famílias moradoras de área rural ocupada há vários anos por posseiros. A ordem foi divulgada pela Juíza da 2ª Vara Cível de Vilhena. Em função disso, a Polícia Militar do estado já convocou reunião presencial para esta segunda-feira (31) visando preparar o cumprimento da reintegração do processo. A Defensoria Pública agravou a decisão, que deve ser analisada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça.
Texto e imagem: CPT Regional RO
Na pandemia despejos representam risco de vida
Novamente a decisão de reintegração de posse acontece em plena pandemia e representa um real perigo de contágio, que ameaça a vida de todos e todas moradores e moradoras do local, num momento em que Rondônia já registra 1.100 vítimas do Covid19 e contabiliza 53.119 casos confirmados da doença. O adiamento das reintegrações de posse já foi solicitado pela Defensoria Pública de Rondônia em ao Tribunal de Justiça
Com isso, é de extrema importância destacar que os despejos impedem a permanência das pessoas ameaçadas de despejo forçado a continuarem em isolamento em suas residências, e ainda, colocam em risco diversos profissionais envolvidos no cumprimento das ordens de despejos forçados, como policiais militares, servidores do poder judiciário, conselheiros tutelares, assistentes sociais e as próprias famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social.
25 anos do Massacre de Corumbiara (RO)
Área com processo administrativo de cancelamento de CATP
A referida reintegração afeta as famílias de posseiros dos Lotes 75 e 85 do setor 8 da Gleba Corumbiara. Uma ameaça semelhante foi solicitada pelos mesmos autores nas proximidades e já adiada logo após a Defensoria Pública do Estado de Rondônia ter agravado e obtido a suspensão dentro da mesma área conhecida como Fazenda Vilhena do Pensamento.
A reintegração foi requerida por Flávia Fontes Romero, Fernanda Fontes da Silva e Leony Rosa Fontes, todos eles moradores do estado do Paraná, porém sempre representados por Eládio Cândido, conhecido como Nego Zen, fazendeiro acusado de várias agressões aos pequenos agricultores da região.
Combate à grilagem de terras públicas: o caminho a ser seguido
O Incra confirma que a área tem o CATP em cancelamento
Segundo manifestação do Superintendente do Incra do município de Porto Velho, Ederson Littig Bruscke, em 24 de agosto de 2020, o lote 75 do setor 08 da Gleba Corumbiara, faz parte do conglomerado que compõe a Fazenda Vilhena do Pensamento, uma área em processo administrativo de cancelamento do Contrato de Alienação de Terras Públicas/CATP (título provisório) que já foi considerado inadimplente, pelo Programa Terra Legal, e confirmou os procedimentos de análise e notificação realizados pelo Incra:
“Entretanto não foi ajuizada ação de reversão ao patrimônio do INCRA, providência essa que está em curso, fase administrativa de instrução processual, por parte da Procuradoria Regional do Incra no bojo do processo eletrônico no Sistema Eletrônico de Informações -SEI nº 54000.023028/2020-04,! entretanto este cuida de vários lotes que compõe a Fazenda Vilhena do Pensamento e não especificamente só o Lote 75.” (Manifestação Incra 24/08/20)
Um conflito de competência de Foro Federal
A decisão de reintegração de posse já foi agravada também pela Defensoria Pública do Estado de Rondônia, especialmente após a manifestação do Incra alegando que se trata de Terra Pública, com processo administrativo de cancelamento do CATP por falta de cumprimento de cláusulas resolutivas.
NOTA PÚBLICA - A violência no campo não respeita quarentena
Ainda, a manifestação do Incra, confirma que o litígio é de competência da Justiça Federal, pois há no local um processo administrativo de retomada da área para o patrimônio da União. Uma decisão, então, que deve passar da Justiça Estadual para o foro da Justiça Federal.
A mesa de negociações estadual debaterá o problema
A extensa área da antiga Fazenda Vilhena do Pensamento por diversas vezes tem sido palco de violências no campo, com várias chacinas, justamente pela dificuldade do Estado em tratar com seriedade e urgência dos casos de conflitos agrários em terras públicas no estado de Rondônia.
No dia 12 de agosto de 2020 ocorreu a reunião da Mesa de Negociações de Conflitos Agrários do estado de Rondônia, presidida pelo Superintendente da SEPAT, Constantino Erwen, com presença de numerosas autoridades. Nesta oportunidade, houve proposta do MPF de atuar com o intuito de coibir a atuação de Policiais Militares que exercem atividades extras como de segurança particular.
Com destaque foi mencionado a participação de policiais nos conflitos da referida região de Vilhena, junto a Eládio Cândido, o “Nego Zen”, que já foi visto de posse de arma de fogo visando intimidar produtores rurais da região. O mesmo fazendeiro consta como réu em vários outros processos, além de possuir grandes propriedades na região.
No dia 1º de setembro de 2020 a nova ameaça de reintegração deve ser tratada pela Mesa de Negociações de Conflitos Agrários, com presença do Incra, a pedido do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Rondônia.
A regularização dos posseiros em CATPs canceladas
Dezenas de famílias de pequenos agricultores da região do Cone Sul e de todo o estado de Rondônia, mantém direito de posse acima de terras que estavam abandonadas e que eles ocuparam e estavam produzindo. São terras públicas, porém muitas delas com existência de títulos provisórios emitidos na época da Ditadura Militar, os chamados Contrato de Alienação de Terra Públicas (CATPs). Esses títulos exigem cumprimento de cláusulas resolutivas, que em sua maioria não foram cumpridas, e como resultado disso instituem o seus cancelamentos.
Alguns assentamentos de Reforma Agrária foram criados em áreas de CATPs retomadas judicialmente pelo Incra, e muitas outros CATPs foram revisadas pelo Incra e pelo Programa Terra Legal, sendo canceladas em processos administrativos que culminam com o retorno da terra, que nunca deixou de ser pública, para o domínio da União. Finalmente, com averbação do cancelamento nos registros de Propriedade, nada impede que sejam regularizadas para as famílias de posseiros que as ocupam há anos.
Dessa maneira, confirmada a inadimplência do CATP em processo administrativo próprio, deveria ser anotado o seu cancelamento no registro do imóvel e procedida a regularização fundiária em favor das famílias de posseiros.