COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O Seringal São Bernardo, na região de Rio Branco, no Acre, é também conhecido como Fazenda União III, e possui 17 mil hectares. A área está inserida na Bacia Hidrográfica do Riozinho do Rôla, que, ao todo, possui 763.695 hectares e se destaca como um dos principais afluentes da bacia do Rio Acre, contribuindo significamente para o abastecimento de água da capital. É uma área em conflito desde os anos 2000. No Seringal há mais de 30 anos, as famílias de posseiros vivem da extração de castanha, borracha e lavoura. Após um longo histórico de conflitos devido os planos de manejo sustentáveis, nesta última terça-feira, 06, dois jovens da comunidade foram agredidos ao longo de horas por policiais militares, conforme denúncia.

Fonte: Assessoria de Comunicação da CPT

Imagens: CPT Acre

Na tarde desta última terça-feira, 06, dois jovens trabalhadores, Francivaldo Santos, de 25 anos, e Maurir de Souza, 24 anos, moradores há nove anos do Seringal São Bernardo vivenciaram longas horas de terror quando trabalhavam na coleta de castanha. Por volta das 15 horas deste dia, segundo denúncia apresentada na Delegacia de Combate a Roubos e Extorsões e no Ministério Público do Estado do Acre (MP-AC), quatro policiais vestidos com fardas do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), sem nenhuma ordem judicial, entraram na comunidade, abordaram e agrediram fisicamente os rapazes.

No Termo de Declaração registrado no MP-AC, Francivaldo e Maurir relataram que eles estavam trabalhando quando, por volta das 15 horas, os policiais chegaram na localidade em um carro descaracterizado, de modelo Hilux, e já começaram a agredi-los. Mandaram eles deitarem no chão e questionavam, a todo momento, se eles estavam armados. Os jovens respondiam que não tinham nenhum tipo de armamento. 

Em seguida, conforme a denúncia, ao renderem os seringueiros, os policiais colocaram eles deitados e amarraram suas mãos. Francivaldo foi imobilizado com suas próprias roupas, e Maurir foi amarrado com estopas. Já com as mãos presas, eles afirmam que continuaram a ser agredidos nas costas com o lado não cortante do terçado (um tipo de facão que era utilizado pelos seringueiros para roçar o mato na área). Os militares ainda procuraram por armas, mas nada foi encontrado porque os jovens não utilizam armamento.

Após isso, Francivaldo foi levado para um local mais distante por dois policiais. De joelhos embaixo de uma árvore, os PMs perguntaram ao trabalhador quais eram as suas últimas palavras. “Ele teria se apegado à sua fé, por temer a morte, e o policial disse que ele ficaria coberto é com o seu próprio sangue”, diz trecho da declaração feita ao MP. Na sequência, o policial teria falado para a vítima se fingir de morta, e em seguida atirou no chão. Nesse momento, os rapazes contam que conseguiram ver Elielson, apelidado de “Preto”, junto com os PMs. Ele é identificado na denúncia como sendo o capataz da Fazenda União.  

Naquele momento, Maurir, que estava distante do companheiro, continuava a ser ameaçado de morte pelos outros militares, conforme o depoimento. Para ele também perguntaram quais eram as suas últimas palavras. Muito nervoso e com medo de ser morto, o rapaz disse que não conseguiu responder, e apenas pediu: “queria fazer uma ligação para meu pai”. Após inúmeras tentativas sem sucesso de encontrar alguma arma sem sucesso, um policial disse que iria atirar devido a orientação que tinha para matar, e como não haviam encontrado armas para incriminá-los, iriam apenas levá-los para a delegacia. 

Algum tempo depois, após todas essas agressões físicas e psicológicas, os policiais colocaram os dois jovens, ainda algemados, na carroceria da caminhonete e os levaram para a Delegacia de Flagrantes (DEFLA) em Rio Branco, lugar onde chegaram por volta das 19 horas. De acordo com as vítimas, o fazendeiro Mozar Marcondes Filho, que se diz proprietário da Fazenda União III, estava no local e foi o primeiro a ser atendido pelo delegado plantonista. O fazendeiro, conforme matéria publicada no site AC 24 horas, é responsável por manter na Fazenda Agropecuária Sorriso, na área rural de Rio Branco, 13 trabalhadores em situação análoga ao de escravo no ano de 2015, e figura na lista suja do trabalho escravo em 2015, 2017 e 2018. 

Depois de ouvir as vítimas e antes de liberá-las, o delegado manifestou, segundo a declaração dada ao MP-AC, que: “esse Mozar [o fazendeiro] aqui de novo perseguindo todo mundo, não era para esses meninos estarem presos”. As vítimas acreditam que naquele momento o dito fazendeiro também registrou um Boletim de Ocorrência. 

Já por volta das 22h30, antes de serem liberados pelo delegado, os jovens foram informados que precisavam comparecer ao Juizado Especial Criminal no dia 27 de agosto para uma audiência referente ao Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). 

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Um dos trabalhadores rurais também denunciou que um policial salvou o seu número de celular no telefone dele. No Ministério Público, Francivaldo e Maurir solicitaram que o órgão atue para a responsabilização dos policiais “que atuaram, estranhamente, sem ordem judicial e em completo desrespeito aos direitos humanos” . E para comprovar as agressões, no dia 07, os dois jovens realizaram o Exame de Corpo de Delito no Instituto Médico Legal (IML). 

A área               

A Bacia Hidrográfica do Riozinho do Rôla abriga posseiros e seringueiros que vivem da extração de castanha, borracha e pequena agricultura. Desde 2000 ocorrerm sérios conflitos agrários tanto na área do Seringal São Bernardo, como no Seringal São Francisco do Espalha, Seringal Cachoeira e outros. 

O riozinho é uma das principais fontes de sustento das famílias e a única via de acesso às comunidades que vivem às margens dele durante a maior parte do ano. É por ali que escoam a produção e vão atrás de educação e saúde nas áreas urbanas próximas.

Moradores do Seringal São Bernardo em reunião no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), juntamente com agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), discutiram a situação fundiária da área. Desde o ano de 2015 as famílias solicitaram ao órgão o levantamento da cadeia dominial do seringal para saber se há terras da União dentro do Seringal São Bernardo. Entretanto, até hoje, esse levantamento não foi produzido pelo órgão.

Ao longo de mais de 30 anos na área do Seringal São Bernardo, muita gente nasceu e cresceu neste lugar, mas ano após ano, conforme registros do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT, os conflitos são incessantes: ameaças, expulsões, agressões, e etc.

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