Ruas de Brasília foram ocupadas por milhares de mulheres camponesas, sem terras, quilombolas, pescadoras e ribeirinhas, unindo-se às indígenas que participavam da I Marcha das Mulheres Indígenas
(Assessoria de Comunicação do CIMI /
fotos: Méle Dornelas - ISPN / Ingrid Campos - CPP e Andressa Zumpano - CPT Maranhão)
Mais de cem mil mulheres ocuparam as ruas de Brasília, nesta quarta (14), durante a sexta edição da Marcha das Margaridas. Num encontro simbólico, milhares de mulheres camponesas, sem terras, quilombolas, pescadoras, ribeirinhas e oriundas de diversos povos e comunidades tradicionais tomaram a capital federal, unindo-se às indígenas que participavam da I Marcha das Mulheres Indígenas.
Sob o tema “Margaridas na luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência”, mulheres do campo, das águas e das florestas, vindas de todos os estados do Brasil, uniram-se para denunciar o desmonte de direitos promovido pelo governo de Jair Bolsonaro e reafirmaram seu protagonismo na luta por direitos sociais.
A manifestação percorreu o Eixo Monumental e foi até a Praça dos Três Poderes, ocupando toda a extensão da Esplanada dos Ministérios. Com a enorme quantidade de manifestantes, a marcha, que iniciou em torno das sete horas da manhã, levou até perto do meio-dia para que todas as mulheres concluíssem o trajeto.
Foi divulgada uma Plataforma Política na qual são identificadas as pautas, motivações e proposições da Marcha das Margaridas, entre as quais se destacam a defesa de uma “reforma agrária ampla, massiva e de qualidade”, a luta contra a proposta de Reforma da Previdência do governo Bolsonaro, que atualmente tramita no Senado, e a defesa de um “projeto de sociedade enraizado em princípios feministas”.
As mulheres da Marcha também defendem o “reconhecimento, valorização e fortalecimento da agricultura familiar e dos territórios como espaço de vida”, a autonomia dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Por outro lado, denunciam as políticas de desmonte do Estado e das políticas sociais herdadas do governo de Michel Temer e aprofundadas pelo governo Bolsonaro.
“As Margaridas entendem que não dá para negociar com esse governo que retira o direito da classe trabalhadora. Aqui, nessa plataforma construída com várias discussões, está o desejo das trabalhadoras rurais em dizerem o modelo de sociedade que queremos construir”, afirmou a coordenadora da Marcha das Margaridas, Mazé Morais, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), durante o ato de abertura da atividade.
“É momento de luta, resistência, mas também de proposição, em que queremos construir uma sociedade livre de violências contra as mulheres do campo, indígenas e negras”, explica Mazé.
“O corpo das mulheres indígenas tem sido a trincheira que impede a invasão dos territórios. E negar nosso território é negar, principalmente nosso modo de vida. Nós vamos continuar marchando os 365 dias”
Encontro de marchas
Mulheres indígenas de mais de cem povos viajaram das diversas regiões do país até Brasília, para participar da I Marcha das Mulheres Indígenas. As atividades da mobilização iniciaram-se na sexta-feira (9) e seguiram até hoje (14), reunindo mais de três mil indígenas.
Na segunda-feira, as mulheres indígenas ocuparam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), denunciando as tentativas de desmonte do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi-SUS), que garante a atenção básica diferenciada aos povos originários e sua participação social na elaboração das políticas de saúde.
Em uma nota, a Marcha das Mulheres Indígenas também denunciou a Medida Provisória (MP) 890, que foi editada por Bolsonaro em 1º de agosto e traz, embutida, a possibilidade de desmantelamento da saúde indígena por meio de sua abertura ao mercado privado.
Na terça-feira (13), as mulheres indígenas realizaram sua própria marcha, ao final da qual juntaram-se aos manifestantes que, em Brasília, lutavam contra os cortes na educação pública. Hoje, finalmente, juntaram-se à Marcha das Margaridas, num momento celebrado com a pintura do urucum.
“Estar aqui em Brasília foi um momento, não apenas simbólico, foi significativo por que tem significado histórico e político. Histórico para entender que a miscigenação do Brasil não foi pacífica e que nossas mulheres indígenas foram, sim, estupradas, e que todo processo de colonização atinge diretamente os corpos das mulheres indígenas. Estar aqui e fazer frente a essa denúncia do genocídio, do etnocídio que é a matança da nossa identidade, do ecocídio que é a matança da mãe, mas não exatamente só a nossa mãe porque o território também é avó”, afirma a liderança Célia Xakriabá.
Para ela, esse momento de mobilização em Brasília também serve para motivar os povos no retorno aos seus territórios, num contexto de violência e invasões às terras indígenas motivadas pelos discursos de ódio proferidos pelo próprio presidente da República.
“Ao retornar aos territórios indígenas, a marcha vai servir com o resultado do encorajamento, a reencantaria das mulheres acreditando que é possível reverter esse quadro. Nós resistimos por 519 anos. As pessoas perguntam se nós vamos morrer, e nós temos dito que só quem tem cicatrizes profundas sabe qual remédio que cura. E nós, mulheres indígenas, temos cicatrizes profundas do processo da miscigenação, mas nós não levamos esse processo apenas com dor, mas com a capacidade de curar esse momento que está doente”, avalia ela.
Ao final da marcha conjunta, as indígenas partiram para a sua assembleia final, na qual elaborarão um documento avaliando a marcha e apontando caminhos para a continuidade da luta em defesa de seus territórios e seus projetos de futuro.
“O corpo das mulheres indígenas tem sido a trincheira que impede a invasão dos territórios. E negar nosso território é negar, principalmente nosso modo de vida. Nós vamos continuar marchando os 365 dias, porque mesmo sendo a primeira vez em Brasília, nós mulheres sempre estivemos em movimento na luta pelo território”, concluiu a Xakriabá.