COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Organizações buscam providências para o esclarecimento e a elucidação dos motivos que levaram à morte de seis trabalhadores quilombolas no dia 06 de agosto de 2017.

 

(Fonte/Fotos: Uilson Viana-CONAQ, Mídia Bahia).

Debater sobre a chacina ocorrida na comunidade quilombola de Iuna e a tomada de providencias para o esclarecimento e elucidação dos motivos que levaram a morte de seis trabalhadores quilombolas. Este foi o objetivo da reunião ocorrida na manhã do último dia 21 de agosto na sede da Associação Grãos de Luz e Griô na cidade de Lençóis (BA). Na parte da tarde a reunião deu prosseguimento no Fórum de Lençóis com a presença do juiz daquela Comarca, onde as entidades e lideranças puderam dialogar sobre a situação em que se encontra a comunidade de Iuna e propor ações urgentes junto aos órgãos competentes. Depois disto, os presentes se deslocaram para Iuna, onde realizaram visitas e conversaram com alguns moradores.

Representantes das mais diversas entidades e movimentos sociais, tais como: o Conselho Estadual de Comunidades Quilombolas (Ceaq), o Conselho Nacional de Associações Quilombolas (Conaq), as associações quilombolas do Remanso, de Iuna, de São José, a associação grãos de Luz e Griô no município de Lençóis, a Associação quilombola de Volta Grande de Barro Alto, a Comissão Pastoral da Terra (CPT ) das dioceses de Irecê e Rui Barbosa, a câmara técnica da juventude da chapada Diamantina e Tivi Griô, a Ouvidoria Nacional de Igualdade Racial (SEPIR), a coordenação de mediação de conflitos da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, as escolas quilombolas de Iuna e Remanso, a secretaria Municipal de Educação, a Procuradoria da República Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Fundação Palmares, o campus avançado da Chapada Diamantina da Universidade Federal de Feira de Santana (UEFS), a Associação dos Advogados de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Bahia (AATR), a Defensoria Pública do Estado da Bahia e Ouvidoria Geral, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), se fizeram presentes nesta ação, considerada por todos como um momento ímpar para debater a problemática de Iuna, que não encerrou com a morte de seis trabalhadores quilombolas, mas que se desdobrou em questões gritantes e que precisam ser urgentemente resolvidas.

Entenda o caso

Na noite do dia 6 de agosto (domingo), ocorreu uma chacina na comunidade quilombola de Iuna, onde seis homens foram assassinados por arma de fogo. Ao ser notificada do ocorrido, a ouvidoria da Igualdade Racial, segundo sua ouvidora Luana Vieira, ficou surpresa com a urgência da polícia em constatar que o fato tinha relação com o tráfico de drogas naquela região. “A ouvidoria Nacional de Igualdade Racial assim que recebeu a denúncia de seis mortes, que ocorreram na comunidade de Iuna, fez todas as mobilizações possíveis de articulação com os atores locais, municipal, estadual e federal. Chama muita atenção uma comunidade que iniciou um processo de regularização fundiária em 2010, ter o relatório publicado em 2015 (RTID) e, a partir deste relatório, a gente ser informado de inúmeras violências e violações de direitos. E chama mais atenção ainda da gente, receber uma resposta muito rápida de que as mortes foram decorrentes do tráfico de drogas”. Para a ouvidora, a chacina criou uma alerta na Ouvidoria Nacional diante de outros casos em outras comunidades espalhadas pelo Brasil, que vivem a mesma situação. Ressaltou ainda que o papel da ouvidoria é “receber estas denúncias e articular uma rede de enfrentamento destas violências”, a fim de garantir que esta comunidade permaneça no território. A comunidade ainda consternada com o ocorrido realizou no último dia 15 uma caminhada pedindo paz e providências dos poderes constituídos, mobilizando escolas, entidades e associações quilombolas.

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Durante a reunião, as entidades visitantes puderam ouvir das lideranças e autoridades locais depoimentos que esclareceram como se deu o histórico de ocupação do território e em que pé anda o processo de regularização fundiária. A chacina não é um caso isolado de violência na comunidade e não pode ser tratada de forma antecipada como uma questão de tráfico de drogas. De acordo com o coordenador de mediação e conflitos agrários da ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, Ailson Silveira, a partir do momento que a comunidade foi certificada como território quilombola é que começaram as violências e ameaças. “A gente precisa dar direitos às comunidades e minorias, no sentido de ter direito ao território. Estamos assustados com as ameaças na educação, das pessoas ficarem com medo de não conseguir chegar a escola e estas ameaças acontecem em outros lugares do país. Quando a propriedade tem demarcação fundiária, as pessoas começam a fazer ameaças. É de grande importância que nós do poder público federal, estadual e municipal consigamos acabar a impunidade e resolver as questões fundiárias neste pais que é imenso”, pontuou Silveira.

O processo de regularização Fundiária do território quilombola de Iuna foi publicado em relatório do INCRA no dia 20 de novembro de 2015. Ainda de acordo com Ailson, a chacina se destacou como o maior e mais grave massacre em área quilombola do Brasil. O mesmo destaca ainda que de acordo com informações prestadas em reunião no dia 22 de agosto em Salvador, reunindo órgãos como a Ouvidoria de Igualdade Racial, Defensoria Pública Federal e Estadual, Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, Ministério Público, Delegados de Polícia, Defensoria governo do Estado, defensoria, Seppir, Incra, foi informado que as prisões de pessoas, tidas como suspeitas da chacina, já efetuadas e divulgadas na mídia, não têm nenhuma vinculação com o massacre de Iuna e que, inclusive, os mesmos estavam com drogas no ato das prisões. Isto reforça ainda mais a hipótese defendida pela maioria das entidades presentes na reunião em Lençóis, de que a chacina pode estar ligada ao conflito agrário e à disputa pelo território quilombola.

Relatos e depoimentos apontaram que a comunidade já vivia amedrontada com acontecimentos anteriores, como arrombamentos à escola e o assassinato de outro quilombola no mês de junho deste ano, além de bilhetes de ameaças deixados em baixo das portas. Por outro lado, os agentes da Pastoral da Terra de Rui Barbosa alertam para uma possível relação da chacina com questões fundiárias, já que há interesses de empresas em se instalarem na região da Área de Proteção Ambiental Maribuns Ibicoara (APA) para exploração da terra e da água para fins de projetos do agronegócio. Para o agente da Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Ruy Barbosa, Edinaldo Oliveira, o conflito agrário tem se acirrado no Brasil e, principalmente, na Bahia. Esta conjuntura aliada ao desejo de exploração do território de Iuna, que Edinaldo afirma se tratar de uma área cobiçada pelo agronegócio, levanta a hipótese de que a chacina está relacionada ao conflito agrário. “Temos aqui grandes empresas multinacionais que fica na região de Iraquara e que já acabou com o solo e água e agora estão migrando para esta área do baixo Paraguaçu. Há um interesse de uma empresa japonesa em delimitar esta área da bacia do rio Santo Antônio para ampliação do agronegócio como pivô. Por isto reforça a hipótese de que esta chacina está relacionada com a questão fundiária aqui nesta região”, salientou o agente pastoral.

Ao concordar com a CPT em relação ao histórico de conflitos agrários, o representante da CONAQ pontuou a atual situação de insegurança em que vivem os quilombos e as ameaças e mortes ocorridas este ano na Bahia, a exemplo do assassinato do líder quilombola José Raimundo, no quilombo de Jibóia em Antonio Gonçalves, também na Bahia. No caso de Iuna, ele ressaltou que a representação quilombola não aceita a reposta imediatamente dada pelos órgãos de segurança pública que apontou o tráfico de drogas, como único motivo da tragédia.

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Seja qual for a causa de tantas mortes de quilombolas, se faz necessário uma ação mais enérgica do estado. Para o vice-presidente do Conselho Estadual de comunidades quilombolas e representante da associação quilombola de Remanso, o estado precisa dar mais apoio à causa e a luta dos quilombolas, tendo em vista que as lideranças estão sendo ameaçadas.

No caso de Iuna, o defensor público federal, Sergio Ricardo B. Goulart ao participar da reunião e visitar a comunidade denunciou a ausência do Estado em apurar os fatos e desabafou: “O que a gente pode verificar aqui é que estamos numa comunidade de extrema vulnerabilidade, abandonada, em processo de degradação e sem nenhum apoio público”. Nesta mesma direção, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União se pronunciaram reafirmando a urgente necessidade de notificação aos órgãos competentes e de segurança pública sobre o clima de medo que aterroriza a comunidade e impede o curso normal dos moradores, levando ao fechamento da escola e o abandono das famílias de seus lares e de suas atividades peculiares. Tendo em vista que a comunidade era povoada por 42 famílias e após o clima de violência que se instalou, 30 famílias tiveram que migrar para outras localidades. As que permaneceram temem pela segurança das crianças no deslocamento até a escola.

Para a ouvidora geral da defensoria pública do estado da Bahia, Vilma Reis, que se fez presente em todos os momentos das reuniões e visita em Iuna, é uma aberração o que está acontecendo neste quilombo e que isto tem de fato uma relação muito forte com a questão territorial. “Os órgãos federais e estaduais precisam se colocar sobre o que ocorreu, nós não abrimos mão, inclusive se a polícia civil e militar não elucidar a situação de terror que a comunidade está vivendo, nós vamos recorrer a Policia Federal. Nós da Ouvidoria Geral do Estado da Bahia não aceitamos, não naturalizamos esta situação”, concluiu. Reis salientou ainda de que a comunidade não está sozinha e todas as entidades que se fizeram presentes em Lençóis e Iuna se comprometeram num processo de defesa desta comunidade.

Questionada sobre quais os encaminhamentos foram tomados depois de um dia de agendas intensas sobre o caso, Vilma Reis afirmou: “A gente vai oficiar a quem tem a governança de acompanhar os conflitos agrários no tribunal de justiça da Bahia, vamos também oficiar a Prefeitura de Lençóis para que ela concentre as suas políticas públicas aqui no território, porque se não fizer isto, a comunidade vai embora apavorada, ou investe e povoa aqui ou a gente vai estar diante de uma verdadeira tragédia em pleno século 21”, certificou a ouvidora. Luana Vieira propôs também que a partir de agora sejam construídas medidas protetivas de urgência para que as pessoas permaneçam no território, enquanto corre o processo de regularização fundiária. A caravana a Iuna terminou por volta das 16 horas e a comunidade aguarda ansiosa pelos desdobramentos das instituições que ali se fizeram presentes.

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