COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Lideranças indígenas protocolaram no dia 17 de agosto documentos exigindo do governo federal a revogação do Parecer nº 01/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), publicado em julho. O parecer, elaborado pela AGU assinado por Michel Temer, pretende obrigar todos os órgãos do Executivo a aplicar o marco temporal e as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol a todas as demarcações de terras indígenas.

 

(Fonte/Fotos: Tiago Miotto, do Cimi).

Motivados pela decisão do STF no julgamento das Ações Civis Ordinárias (ACOs) 362 e 366, ocorrido ontem, indígenas dos povos Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Guarani, Kaingang e Xokleng, realizaram cantos em frente ao Palácio do Planalto, ao Ministério da Justiça e à AGU, em Brasília, enquanto lideranças protocolavam documentos exigindo que o Parecer nº 01/2017 – GAB/CGU/AGU seja revogado.

No julgamento de quarta, o STF negou, por oito votos a zero, o pedido de indenização do estado de Mato Grosso pela criação do Parque Indígena do Xingu, em 1961, e a demarcação de áreas na década de 1980 que, segundo aquele estado, seriam de sua propriedade. 

Os ministros e ministras reafirmaram, com a decisão, os direitos originários dos povos indígenas e o indigenato, em referência à longa história de reconhecimento formal do direito dos povos indígenas às suas terras no Brasil, em diferentes constituições e em legislações que remontam ao período colonial. 

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, que foi relator dos embargos de declaração do caso Raposa Serra do Sol, destacou que o conteúdo da Petição 3388/RR se aplicava única e exclusivamente ao julgamento do caso Raposa Serra do Sol – o que consta do próprio acórdão daquela decisão e que é frontalmente desrespeitado pelo parecer da AGU.

Um dos pontos que aparecem no acórdão da Petição 3388/RR, e que foi incorporado ao Parecer 001/2017 da AGU, é a tese do marco temporal, segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse na data da promulgação da Constituição Federal. 

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Embora o marco temporal não tenha sido julgado diretamente, ministros, como o próprio Barroso, afirmaram princípios contrários à tese. Para Barroso, “somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena caso demonstrado que os índios deixaram voluntariamente os territórios que possuam ou desde que se verifique que os laços culturais que os uniam a tal área se desfizeram”.

O ministro Ricardo Lewandowski foi enfático ao afirmar a relevância científica dos laudos antropológicos sua validade como prova para se analisar processos envolvendo a demarcação de terras indígenas. Rosa Weber também ressaltou que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas o direito originário às terras que ocupam de acordo com sua própria forma de ser e suas especificidades, o que também conflita com a tese do marco temporal.

                                       

“Foi uma vitória que a gente teve ontem na votação aqui no STF, mas ainda é preocupante esse parecer do governo Temer”, afirma Kerexu Yxapyry, liderança Guarani Mbya da Terra Indígena Morro dos Cavalos que participou da entrega de documentos ao Executivo hoje.

“Para nós é assustador, quando a gente está na aldeia e vê uma coisa dessas sendo lançada pelo presidente do Brasil, a gente fica tão preocupado e não sabe onde vai. Mas quando a gente chega em Brasília e vê o STF falando que isso não se aplica, a gente começa a perceber que existe uma falta de respeito entre os próprios poderes que estão aqui”, completa.

O parecer que os indígenas exigem que seja revogado fez parte da grande negociata de Temer para se manter no poder, após ser denunciado por corrupção passiva pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A peça foi publicada pelo governo federal após negociação de Temer com a bancada ruralista, como integrantes da própria bancada divulgaram em suas redes sociais. Os votos ruralistas foram essenciais para garantir que a denúncia da PGR não fosse investigada e Temer se mantivesse no cargo.

Nas últimas semanas, os povos indígenas mobilizaram-se intensamente contra o marco temporal, preocupados com a possibilidade do STF adotar esta tese política e jurídica nos julgamentos da última quarta. Contudo, a ação que teria mais chances de trazer essa discussão de forma direta – a ACO 469, sobre a demarcação da Terra Indígena Ventarra, no Rio Grande do Sul – acabou sendo retirada de pauta.

“A decisão nas ações do Mato Grosso foi uma vitória nossa, dos povos indígenas. Agora, estamos aqui dizendo mais uma vez não ao decreto do presidente Temer que antecipa o marco temporal, e vamos lutar até esse parecer cair e esse fantasma sumir das nossas vidas”, afirma Ramon Tupinambá.

Veja aqui o documento entregue pelos indígenas no Palácio do Planalto, no MJ e na AGU.

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