O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento de uma ação que estava pautada para a sessão plenária desta quarta-feira (16), sobre a validade do decreto que regulamenta a demarcação de terras de comunidades quilombolas.
(Fonte: Jornal do Brasil / Imagem: José Cruz, da Agência Brasil).
O adiamento se deve à ausência do ministro Dias Toffoli, que pediu vista do caso. O ministro se ausentou por um problema de saúde. Uma nova data para o julgamento do caso será agendada pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, após o retorno de Toffoli.
A ação foi aberta pelo Democratas, que contestou a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, sobre os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos. Um dos principais dispositivos questionados pelo partido é o critério de autodeterminação, pelo qual a própria comunidade determina quem são e onde estão os quilombolas.
Organizações não-governamentais que defendem os direitos quilombolas temem que o Supremo decida impor algum "marco temporal", uma data para a comprovação da efetiva ocupação das terras. Isso poderia inviabilizar a titulação de algumas comunidades que tenham sido expulsas à força de seus territórios originais.
A ação, aberta em 2004, chegou a ser levada ao plenário do STF em 2010, quando o então relator, ministro Cezar Peluso, votou pela inconstitucionalidade do decreto. A ministra Rosa Weber divergiu, votando em sentido contrário. Logo em seguida, o pedido de vista de Toffoli interrompeu o julgamento.
Os Servidores dos Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas das Superintendências Regionais do Incra e DFQ emitiram nota alertando para "as ameaças a que estão sujeitas as comunidades quilombolas e o nosso trabalho como executores da politica de regularização dos seus territórios, a qual temos muito orgulho de realizar, tentando compensar as injustiças cometidas durante séculos de formação da sociedade brasileira".
Confira nota dos Servidores:
Nota dos Servidores dos Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas das Superintendências Regionais do INCRA e DFQ
Nos últimos dias a sociedade brasileira vem se mobilizando em campanhas de apoio aos direitos territoriais das comunidades quilombolas e indígenas (1), tendo em vista os ataques sofridos recentemente aos direitos duramente conquistados por essas minorias, e especialmente devido a pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 16 de agosto, que avaliará a tese do marco temporal e a ADIN 3239. Nesta pauta, propõe-se o julgamento da validade constitucional do Decreto nº 4887/2003, que orienta e regulamenta o nosso trabalho como servidores públicos federais responsáveis pela execução da política fundiária dos territórios quilombolas.
Tais campanhas pretendem sensibilizar o poder judiciário para o risco de uma futura inocuidade desses direitos, uma vez que o próprio poder executivo, responsável pela aplicação da política, publicou recentemente um Parecer da AGU que assimilou a tese do marco temporal, de que só poderão ser demarcadas as terras nas quais os indígenas estivessem presentes na data da promulgação da Constituição de 1988. Como servidores dos setores quilombolas do Incra, nos preocupamos com a fragilidade das garantias territoriais indígenas, mas também de que essa orientação inconstitucional se amplie para os processos de regularização dos territórios quilombolas.
Ainda no âmbito executivo, a Presidência do INCRA abriu uma sindicância do processo de regularização de Morro Alto, na Superintendência do Rio Grande do Sul, em março, para “avaliar” sua “legalidade”, quando toda a fase de contestações já havia sido superada, caracterizando que os atos administrativos do processo estavam adequados e restando a sindicância sem justificativas pertinentes. Soma-se a isso, ofício emitido pela Casa Civil ao Ministério Público do Rio de Janeiro (Volta Redonda) afirmando que todos os decretos de territórios quilombolas estão suspensos até o julgamento da referida ADIN, argumento que não se sustenta administrativa e juridicamente e que tem como objetivo postergar ou inviabilizar os processos de regularização dos territórios quilombolas.
Na esfera legislativa federal, composta por grande número de representantes da “bancada ruralista” a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da FUNAI e INCRA também contribuiu para uma tentativa de desmoralização da política de regularização fundiária com o objetivo de criminalizar e ameaçar servidores e processos administrativos.
Para além de toda essa conjuntura política de achatamento da eficácia administrativa e jurídica dos processos de regularização fundiária de territórios quilombolas, nossa preocupação com as condições de vida das comunidades quilombolas se torna ainda mais urgente, pois se verifica concomitantemente, maior número de agressões e violência contra essas comunidades tradicionais. Para dar o exemplo de apenas quatro estados da federação, dentre eles os que possuem maior número de comunidades e processos administrativos registrados na nossa instituição, a saber Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Pará, podemos citar alguns eventos trágicos:
Em 24 de março, em Minas Gerais, o presidente da associação e sua esposa da comunidade quilombola de Marobá dos Teixeiras, localizada no município de Almenara, no norte do Estado, na região do baixo Jequitinhonha, foram vítimas de espancamento (2). Em nota da Comissão Pastoral da Terra (3), considerou-se que a agressão esteja vinculada ao processo de regularização fundiária. Ainda em Minas Gerais, no dia 28 de julho, a comunidade quilombola de Brejo dos Crioulos, município de Varzelândia, sofreu invasão e ameaças no seu território.
Na Bahia, em 13 de junho, aconteceu o assassinato da liderança quilombola, Júnior Mota, da comunidade da Jiboia, município de Antonio Gonçalves, vinculado ao Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) (4). Em 17 de julho, foi morto Lindomar, quilombola de Iúna, no município de Lençóis. Agora em agosto, dia 06, foram assassinados mais seis quilombolas na comunidade Iúna. Ainda não se pode concluir que esses últimos assassinatos estejam diretamente ligados a conflitos fundiários, mas, sem dúvida, o atual contexto implica numa maior vulnerabilidade dessas populações e exige que uma investigação cuidadosa seja levada a cabo.
No Maranhão, Raimundo Silva, o Umbico, foi morto no dia 12 de abril, no quilombo do Charco, em São Vicente Ferrer.
Por fim, o assassinato de Maria Trindade da Silva Costa (5), em 24 de junho, liderança quilombola da comunidade de Santana do baixo Jambuaçu, no município de Moju, no Pará. Todos esses acontecimentos reiteram a fragilidade maior a que estão sujeitas tais comunidades tradicionais em todo o país nos últimos tempos de crise das representações e instituições democráticas e republicanas do nosso país.
Gostaríamos de deixar claro para a sociedade a responsabilidade, o empenho e o compromisso que temos no nosso cotidiano de trabalho, pouco reconhecido e precário. Por tudo isso, nos manifestamos publicamente, para alertar para as ameaças a que estão sujeitas as comunidades quilombolas e o nosso trabalho como executores da politica de regularização dos seus territórios, a qual temos muito orgulho de realizar, tentando compensar as injustiças cometidas durante séculos de formação da sociedade brasileira.
Nota:
1 https://peticoes.socioambiental.org/nenhum-quilombo-a-menos e https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/nossa-historia-nao-comeca-em- 1988-marco-temporal-nao
2 https://outraspalavras.net/brasil/quilombolas-a-longa-batalha-pelo-territorio/
3 http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/29/comissao-da-pastoral-da-terra-emite-nota-derepudio-agressao-contra-quilombolas-em-minas/
4 http://racismoambiental.net.br/2017/07/13/antonio-goncalves-militante-do-mpa-e-assassinado-atiros/
5 http://www.aba.abant.org.br/files/20170627_59526e3cb30f1.pdf
Servidores do Serviço Quilombola (F4) do INCRA: DFQ – Coordenação Geral de Regularização dos Territórios Quilombolas , SR01-PA , SR 03-PE , SR 04 - GO , SR 05 -BA, SR 06 - MG, SR 07-RJ , SR 08 -SP , SR 09 –PR, SR 10 -SC, SR11 - RS, SR13-MT, SR 15 - AM, SR16-MS, SR 17 –RO, SR 18 –PB, SR19-RN, SR-20 - ES, SR 23/SE, SR 26 -TO, SR 28 -DFE, SR29 - MSF, SR30- SANTARÉM, Apoio de servidor de outros setores do INCRA, SR 14 -AC.
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