Por Luana Bianchin (CPT MT) e Júlia Barbosa (Comunicação CPT Nacional)
Famílias acampadas comemoram decisão favorável da justiça para concretização do assentamento na Gleba Mestre I. Foto: Luana Bianchin.
Na última quinta-feira (25), as famílias acampadas há mais de 20 anos na área da Gleba Mestre I, no município de Jaciara, em Mato Grosso, comemoraram uma vitória resultado dessas duas décadas de luta. A União foi finalmente imitida na posse da área, com a decisão do juiz em 23 de abril deste ano, pela expedição do mandado de imissão na posse, favorável para a concretização do assentamento.
Atualmente, as famílias vivem em uma área de 478 hectares, cuidando e trabalhando na terra que hoje é produtiva. Fruto desse trabalho, semanalmente, cerca de cinco toneladas de alimentos são produzidos e entregues nos municípios de Jaciara, Rondonópolis e Cuiabá, totalizando aproximadamente 20 toneladas de alimentos por mês. Como forma de sensibilizar a sociedade, os trabalhadores e trabalhadoras rurais realizaram uma ação de solidariedade, em dezembro de 2023, com a doação de alimentos produzidos no acampamento.
Linha do tempo do conflito
Os 20 anos de espera que se deram pela morosidade da justiça não decorreram de forma passiva, mas foram permeados de muita luta e reivindicações da comunidade, apesar dos desafios impostos. Em 2014, foi julgada procedente a Ação Reivindicatória, reconhecendo como propriedade da União a área da Gleba Mestre I, sendo previsto na sentença a antecipação de tutela, de acordo com a colheita da cana. Contudo, a imissão na posse demorou 10 anos para ser cumprida.
Em 2019, representante do Grupo Naoum e Usina Pantanal, grileiras da área, impetraram um Mandado de Segurança (MS), que teve como relatora a desembargadora Maria do Carmo, que concedeu liminar suspendendo a decisão de antecipação de tutela. O MS só foi derrubado após o julgamento da Apelação, que ocorreu em 2021, momento em que perdeu o objeto. Contudo, os grileiros impetraram um novo Mandado, que novamente foi distribuído para relatoria da desembargadora Maria do Carmo. Ambos MS impediram por aproximadamente quatro anos que a União fosse imitida na posse de sua área, prolongando ainda mais o contexto de violência vivenciado pelas famílias.
A situação dessas famílias acampadas não é diferente de outros acampamentos. Em meio ao conflito por terra, sofreram e ainda sofrem as mais diversas violências, tanto por parte de grileiros e empresas de segurança privada, quanto por parte do Estado. Em 28 de setembro de 2023, as famílias foram diretamente atingidas por agrotóxicos, utilizados como uma arma química, por meio de pulverização aérea de veneno, causando a contaminação da água consumida pelas famílias e atingindo também as plantações, causando danos irreversíveis à comunidade.
Ainda em 2023, no dia 10 de outubro, ocorreu mais uma ação de violência física perpetrada contra as famílias. Na ocasião, agricultores familiares estavam colhendo o roçado e foram surpreendidos com ação truculenta da Patrulha Rural da Polícia Militar do estado, que sem ordem judicial, estavam derrubando e destruindo cercas de um morador que ocupa a área há mais de 10 anos. Questionados pela ação, os policiais responderam disparando tiros de balas de borracha pelas costas dos trabalhadores, além de agressões com chutes e socos. Um dos trabalhadores ficou gravemente ferido e teve que passar por cirurgia. Segundo os trabalhadores, os policiais estavam acompanhados de grileiros ligados à Usina Porto Seguro e Pantanal/Grupo Naoum.
Ação truculenta da PM em outubro de 2023 deixou dez trabalhadores feridos à balas de borracha. Foto: Luana Bianchin.
Já em 04 de dezembro de 2023, após 4 anos de espera, o Mandado de Segurança foi pautado para julgamento, obtendo decisão favorável às famílias acampadas, com a denegação de segurança. Para que isso fosse possível, diversas articulações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto aos parceiros foram realizadas, além de cobranças à relatora do processo por meio do Conselho Nacional e Estadual de Direitos Humanos, bem como pela Ministra do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), após o Ministério Público Federal (MPF) ter entrado com uma ação de Suspensão de Segurança.
Este ano, no dia 31 de janeiro, o Juiz Federal do cumprimento provisório de sentença decidiu determinar a execução imediata da decisão, com a imissão da União na posse da área. Contudo, no dia 26 de fevereiro de 2024, o juiz suspendeu, por ora, o cumprimento do mandado de imissão na posse, após contestação dos ocupantes ilegais da área, e intimou a União e o MPF para se manifestarem acerca das petições juntadas.
As manifestações da União e do MPF reafirmaram o contexto de violência vivenciado pelas famílias e a urgência da decisão favorável para a concretização do assentamento. Enfim, na última semana, no dia 23 de abril, o juiz decidiu pela expedição do mandado de imissão na posse da União na área da Gleba Mestre I, concretizada no dia 25 de abril de 2024. Agora, as famílias seguem na resistência, com a fé e a esperança de finalmente conquistarem a terra prometida.
Fotos: Luana Bianchin.