A expansão da monocultura do eucalipto e a criação do gado bovino afetam a forma de vida das comunidades da região. O que sobra do Cerrado e da Caatinga está sendo posto ao chão e transformado em carvão ou pastagens. A expansão dos monocultivos e do uso intensivo de maquinaria pesada, de agrotóxicos e fertilizantes, degradam os solos, contaminam os trabalhadores e destroem o equilíbrio hidrológico, fundamental para a sobrevivência das populações. Nascentes e rios estão secando e milhares de famílias de camponeses estão sendo expulsas da terra.
Outro fator que está encurralando os camponeses geraizeiros na região é a descoberta de jazidas de minério de ferro na região, maiores do que as do Quadrilátero Ferrífero em torno de Belo Horizonte. Esta realidade provoca graves conflitos agrários e violência contra lideranças das comunidades, e membros de entidades comunitárias e sociais. Mas aí também cresce e se fortalece a resistência. Já se contam no Norte de Minas 74 assentamentos de reforma agrária e 58 acampamentos com cerca de 4,5 mil sem-terra que aguardam, debaixo da lona preta, por novos assentamentos. As Comunidades Quilombolas de Brejo dos Crioulos e dos Gorutubanos conquistaram, com muito esforço, o reconhecimento de suas áreas. A resistência se reforça com o resgate da cultura camponesa.
É neste contexto que Montes Claros está acolhendo o III Congresso da CPT. As atividades do Congresso vão se realizar no Colégio São José, dos Irmãos Maristas, que acolheram com entusiasmo a CPT e ofereceram todas as condições para que o Congresso tenha êxito. Também Dom José Alberto Moura, arcebispo de Montes Claros, tem se mostrado extremamente receptivo. Neste ano a arquidiocese completa 100 anos de existência. Eles se colocam, na realidade, na condição de parceiros, não meros cededores de espaço. O regional Minas Gerais agarrou a proposta do Congresso com muita vontade e está empenhado em oferecer uma acolhida calorosa a todos os delegados e delegadas da CPT e aos convidados.
Os biomas e suas tendas
Em torno de mil pessoas estão sendo esperadas para o III Congresso, que terá como um dos seus principais focos, os Biomas. A centralidade do Congresso vai se dar em quatro tendas: a do bioma Amazônico, a do Bioma do Cerrado, junto com o Pantanal, a do bioma da Caatinga e a do bioma Mata Atlântica, junto com o Pampa. Os congressistas serão divididos nestas quatro tendas para as quais cada regional vai levar suas experiências. Na apresentação das experiências serão considerados o clamor da natureza e dos camponeses, a resistência das comunidades na luta contra a destruição e em defesa da vida, e como a CPT e seus aliados e parceiros tem atuado nesta realidade.
Para ajudar a situar os participantes, no primeiro momento será feita uma análise da conjuntura atual. O Pe. Inácio Neutzling, da Universidade do Rio dos Sinos, Unisinos, de São Leopoldo (RS), vai apresentar a Conjuntura Política de nosso país. O Professor Carlos Walter Porto-Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), vai apresentar a conjuntura ecológica no Brasil, e o professor Benedito Ferraro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, vai falar sobre a conjuntura eclesiástica. No confronto entre a realidade que hoje se vive no Brasil, com as experiências das comunidades e grupos acompanhados pela CPT, o Congresso vai detectar os grandes desafios de hoje para a CPT e apontar possíveis indicativos de solução.
A vida camponesa celebrada
O III Congresso, antes de mais nada, pretende ser um grande momento de reabastecimento de energias, e de fortalecimento da mística que move a CPT. Para isso estão programados para todos os dias, momentos celebrativos que buscarão unir a temática discutida, com a Missão da CPT, à luz da Palavra de Deus. Além disso, três grandes celebrações estão programadas. A primeira, na noite do dia 17 de maio, Celebração de Abertura e Acolhida. Os camponeses e camponesas, e os e as agentes da CPT, vindos de todo o país, serão apresentados e acolhidos para o grande acontecimento do Congresso.
Na noite da quarta-feira, dia 19 de maio, os congressistas trarão ao III Congresso, as irmãs e os irmãos que, na luta em defesa da terra e dos direitos do povo do campo, derramaram seu sangue. Será a grande Celebração dos Mártires.
Por fim, na sexta-feira 21, o Congresso será encerrado com uma solene Celebração. Uma celebração que vai se juntar à comemoração dos 100 anos da arquidiocese de Montes Claros. Será o momento em que serão apresentados os compromissos assumidos no Congresso, em que se proclamará a mensagem que a CPT vai dirigir à sociedade brasileira, e o momento em que os Congressistas vão ser enviados às suas comunidades e áreas de trabalho para continuarem cada vez mais comprometidos com as causas dos camponeses e camponesas do Brasil. Além disso, no dia 20 de maio, acontecerá a Noite Cultural.
O Congresso será uma grande festa!!!
O Contexto Global em que vai acontecer o III Congresso
O III Congresso vai acontecer num momento em que o mundo vive grandes crises e passa por grandes mudanças. Transcrevemos abaixo a introdução do texto “A CPT em época de desmontes e reconstruções”, publicado no Texto-Base de preparação ao Congresso, escrito por Roberto Malvezzi, o Gogó, Alessandro Gallazzi e Frei Luciano Bernardi:
“Viver em determinadas épocas é um privilégio. Se olharmos do ponto de vista das ‘vocações’, numa perspectiva de fé, é um chamado de Deus. A CPT é um carisma, é uma vocação, complexa e desafiadora.
Nossa época parece ser diferente de todas as anteriores. Antigas ideias desmoronaram e novas referências estão sendo construídas. Ficou mais difícil e mais contraditório imaginar o futuro da Terra e dos povos que a habitam. Os paradoxos se avolumam: não é mais possível condenar ou acatar em bloco. É necessário o discernimento, seja ele o fruto de um bom trabalho filosófico (bônus philosophus distinguit), seja o dom teológico do ‘discernimento’ de que fala São Paulo (ICor 12,1).
A crise civilizatória está derrubando velhas referências e vai construindo novas. É difícil saber o que subsistirá das conquistas atuais, o que será superado, o que virá de novo. As culturas e as filosofias de matriz ocidental – liberais, marxistas, positivistas, cristãs -, partem do princípio que a humanidade está sempre em ascensão; que a Terra, inanimada, é fonte de recursos inesgotáveis e que, de uma forma ou de outra, encontraremos os caminhos da plenitude e da felicidade. Marx falava do ‘paraíso na Terra’.
Hoje somos obrigados a aceitar que o planeta no qual vivemos se comporta como um ser vivo, tem sua alteridade em relação ao ser humano, precisa de sua própria cobertura vegetal para respirar, de uma determinada média de temperatura para abrigar a atual comunidade da vida, de seu ciclo de águas, enfim, tem seu próprio metabolismo, e que o ser humano é parte deste metabolismo, como tudo que existe. Pensar que temos o controle sobre a Terra é uma ilusão da arrogância humana. Nós dependemos da Terra, e das condições que ela nos oferece para viver. Somos parte integrante desta imensa vida e temos que aprender que nosso existir é fruto do gigantesco milagre da evolução e da interação de todos os elementos que vêm acontecendo há bilhões de anos.
A construção de uma sociedade intra-humana, onde a Terra e suas riquezas eram consideradas somente como ‘matéria prima’ e tinham serventia apenas como suporte para o bem estar humano, acaba de desabar. A Terra passou a exigir o seu próprio quinhão e entrou em guerra com o vírus humano que a habita. A reação é o aquecimento global. Qual será o futuro da temperatura da Terra e como será a vida humana em um planeta aquecido? Não há certezas: só é possível construir cenários. Este é um novo desafio, um novo fator que deve ser levado em consideração e do qual uma Pastoral da Terra não tem como se esquivar.
O aquecimento global está mudando a temperatura da Terra, está alterando o ciclo das águas e dos ventos, está reduzindo as áreas agricultáveis, está provocando fenômenos climáticos extremos, cada vez mais prejudiciais a uma agricultura que exige estabilidade climática. Parece ser inevitável a multiplicação de pragas, de doenças, de perdas de safra, de escasseamento dos alimentos e da água. Atualmente 1 bilhão de pessoas está passando fome e 1,2 bilhão está sofrendo pela sede. Em breve tempo, essas cifras poderão subir em uma velocidade vertiginosa. O que já é ruim pode ficar bem pior”.