"O caso chegou ao conhecimento do Ministério Público do Trabalho por meio de uma denúncia encaminhada pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH-PR) através da Promotoria estadual. Informava a situação calamitosa de um trabalhador idoso na fazenda Avelinos, na região norte do Estado do Tocantins. O Procurador do Trabalho em Araguaína pediu diligência à Polícia Militar de Colinas do Tocantins. No local, os policiais não acharam o idoso, mas encontraram cerca de vinte trabalhadores laborando na instalação de cercas e no roço de pastos, alojados em condições degradantes, à boa distância da sede confortável da fazenda". Confira depoimento de frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo, que acompanhou a operação.
Fotografaram barracos e trabalhadores; em seguida, pediram orientação sobre o que fazer. Alertado, o MPT procurou então viabilizar uma imediata inspeção no local e passou a chamar os parceiros: PF, MTE, além da PM. Presente na Procuradoria naquele momento, a CPT auxiliou na organização e realização da operação.
Ao chegar na semana passada, 22 de junho, na PRT, pelas 16h, para uma conversa agendada com o Dr Alexandre Ragagnin, procurador, este me informou que acabava de receber o resultado da diligência que havia solicitado à PM de Colinas do Tocantins, visando averiguar uma denúncia no município de Bandeirantes, TO. O Ministério Público Estadual havia recebido (e repassado ao MPT) denúncia de que um trabalhador de 70 anos estaria mantido dentro de uma fazenda, em cárcere privado e maltratado. Só que ao chegar lá, a PM descobriu cerca de vinte trabalhadores mantidos em regime degradante, debaixo de lona preta; fotografou tudo, registrou os nomes, pediu orientação à chefia, a qual procurou a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho para saber se era o caso de retirar as pessoas..., mas, depois, fazer o que com elas? ...
O Procurador se convenceu logo da necessidade de inspecionar a fazenda sem esperar outro dia. Pediu-me auxílio para articular a operação... Era para já! Objetivo: sair antes da noite e antecipar assim a provável reação do empregador. Conseguimos alcançar o Auditor Fiscal do Trabalho Humberto Célio e o chefe da fiscalização na Superintendência do Trabalho de Palmas; fizemos contato com a DETRAE em Brasília. A avaliação na SRTE era de que só poderia ter deslocamento da fiscalização após o feriado prolongado, pois cabia levantar dados e planejar melhor e minimizar riscos eventuais.
Os policiais militares haviam flagrado evidências bastante robustas na mesma tarde quanto à situação degradante em que os trabalhadores se encontravam. Já era 16h45. Em pouco mais de meia-hora conseguimos articular ação, operação, envolvendo: PF (o Delegado Omar, de Araguaína, liberou na hora dois policiais e uma viatura 4X4); PM (o Comandante, em Colinas, disponibilizou um 4X4 e os mesmos dois policiais do setor de Inteligência e um motorista, fardado, para voltar à área de onde acabavam de regressar, orientando nossa turma), o MTE (achamos por sorte dois fiscais que estavam na Agência do MTE de Araguaína, a qual [um cúmulo!] não comporta AFTs no seu quadro). O chefe de fiscalização autorizou a participação deles (Josenilton Soares e Marcos Lázaro Calixto), subsidiando assim o trabalho a ser completado na segunda-feira, 27, quando chegaria o AFT Humberto. Consultei nossa Coordenação e resolvi atender o convite do Procurador para acompanhar a operação.
Constava das informações recebidas que a fazenda estaria a 175 km de Araguaína: 75 km ao sudoeste de Colinas, saindo pela BR 153 e deixando a mesma no povoado de Tiririca, pegando a seguir 60 km de chão ruim. Encostei minha moto no pátio do MPT; o procurador trocou roupa social por roupa de campo: eram 18h quando deixamos a PRT. Formamos um comboio integrado por três veículos 4X4, aberto pelo da PF, fazendo de batedor. Em Colinas (100 km ao sul) paramos no quartel da PM; os policiais mostraram as fotos evidenciando com clareza as típicas condições degradantes dos alojamentos; um quarto carro incorporou-se a nossa caravana. Saímos finalmente às 20h rumo à fazenda. Quinze quilômetros de asfalto, mais sessenta de estrada de chão. Chegamos um pouco antes das 22h à sede da propriedade, uma casa muito bem estruturada comportando pelo menos três entradas distintas, como se tivesse sido planejada para ser um alojamento de boa qualidade... só que ali residiam apenas o vaqueiro-gerente e sua esposa e, nos fins de semana, o proprietário. A casa tem energia e água de poço artesiano.
Aquilo que se podia imaginar havia ocorrido: alertado pelo vaqueiro, após a passagem dos policiais militares, o fazendeiro havia, por volta de 19h30, mandado desmanchar todos os barracos de lona e trazer os trabalhadores para a sede da fazenda. Aí estavam eles, cada um deitado na sua rede, do lado de fora da sede, aguardando serem, com toda probabilidade, despejados para Colinas no dia seguinte. Fizemos constatações e entrevistas. Percorremos dois ou 3 km na quase-escuridão mitigada por um céu repleto de estrelas, em busca dos restos dos dois
alojamentos que achamos, afastados da sede uns 1000 a 2000 m, em dois locais distintos, à margem de um córrego multiuso (um trabalhador comentou para mim o frio gelado que passavam ali durante as noites). Sobravam cinzas e forquilhas do barraco jogadas no chão amassado.
Procuramos encontrar o local de um terceiro alojamento, mas, na escuridão, não conseguimos alcançar. Finalmente tiramos da fazenda e levamos para a cidade todos os trabalhadores encontrados, com exceção do tratorista (alojado em casebre bem precário) e do vaqueiro-gerente (alojado na sede) e de suas respectivas famílias (foram trabalhadores, sendo um de 17 anos, provenientes de Itacajá e Colinas).
Usamos os 4X4 para garantir a transferência até o último ponto acessível ao ônibus que havíamos fretado no início da noite. Seguimos em comboio até Colinas aonde chegamos às... 2h30 da manhã.
Deixamos oito trabalhadores num hotel ao lado da rodoviária. Os custos correriam pela conta do empregador (ao qual o fiscal telefonou desde a fazenda, por volta de 1h da madrugada...; o mesmo é dono de um escritório de contabilidade em Colinas; não ostentou resistência; fingiu que estava em Redenção, PA, mas tudo indica que estava mesmo em Colinas onde, provavelmente, havia até observado nosso comboio, ao sairmos do quartel da PM). Ficou acertado que Humberto Célio, AFT de Palmas, viria na segunda-feira realizar os procedimentos de praxe, lavrar os autos de infração, determinar a rescisão dos contratos e encaminhar a inclusão dos 17 resgatados no registro do seguro-desemprego. O Procurador também: para pegar depoimentos dos trabalhadores e oferecer Ação Civil Pública, incluindo um pedido de indenizações por danos morais, ou propor possível Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se o empregador concordar em acertar logo.
Acabamos voltando a Araguaína às... 4h30 da manhã.
A fazenda chama-se Avelinos; seu dono: Genilson Rodrigues da Silva. Ocupa 160 alqueires e tem 650 novilhas. Contratados diretamente por Genilson, os trabalhadores não possuíam carteira assinada. Formavam três times distintos, cada um com seu responsável: um time de quatro trabalhadores (todos de Itacajá, TO) cuidava da construção de cercas e recebia por produção (uma grosseira avaliação situa em 1300 estacas a produção realizada por esse time entre 20 de abril, quando começaram, e 22 de junho, com preço combinado de R$ 5 por estaca, ou seja: uma remuneração teoricamente equivalente a 6500/2/4 = 812 por pessoa e por mês), os demais, quase todos de Colinas (Santo Antônio II e Santa Rosa), trabalhavam no roço de pasto e de juquira e combinaram a R$ 400 por alqueire, o que asseguraria uma remuneração média de R$ 20 a 25 por dia, próxima ao salário mínimo. Deste grupo, uns estavam na fazenda há oito dias e, outros, há mais tempo, mas sem ultrapassar dois meses. Não receberam nenhum pagamento a não ser pequenas remessas, por solicitação individual. Eles acreditavam serem pagos apenas no final da empreita.
Distância, isolamento e falta de condução inviabilizavam qualquer saída do local a não ser para três deles que possuíam uma moto. O rancho era preparado por cada turma no seu barraco, com base em compras feitas semanalmente em supermercados de Colinas e trazidas pelo fazendeiro (o mesmo visitava a propriedade a cada fim de semana) e pagas (descontadas do valor final a receber) pelos chefes de cada time. O fazendeiro não fornecia nenhum instrumento de trabalho ou equipamento de proteção. Não parecia haver dívidas dos trabalhadores para com o fazendeiro. Não havia sinal de armamento.
Os acertos realizados em Colinas nos últimos dias 27 e 28 resultaram no pagamento de verbas rescisórias no valor total de R$ 32.169,82. Foram lavrados 19 autos de infração. No TAC assinado com o Ministério Público do Trabalho, o proprietário comprometeu-se a cumprir com as regras legais de contratação rural – sob penas de multas reforçadas - e se obrigou a pagar R$ 10.000 a título de indenização por danos morais (um valor reduzido, em função da curta duração da empreita). Em conversa com o Silvano, agente da CPT presente naquele momento, os trabalhadores agendaram novo encontro, a fim de debater como se prevenir contra a prática do aliciamento e de encontrar caminhos para um trabalho livre e decente, quem sabe, em cima de uma terra que seja deles...