Libertados protagonizam reunião para debate de estratégias contra escravidão. Depoimentos indicam que falta de acesso a direitos básicos é uma constante. O evento, que reuniu dezenas de trabalhadores, ocorreu nos dias 12 e 13 deste mês, em Santa Luzia, no Maranhão.
Por Lisa Carstensen, da Repórter Brasil
Santa Luzia (MA) – Em 12 e 13 de maio, encontro realizado no Centro de Formação São Francisco, na cidade de Santa Luzia (MA), reuniu 53 trabalhadores e trabalhadoras resgatados da escravidão. Os participantes debateram juntamente com entidades da sociedade civil organizada e instituições governamentais a situação de superexploração à qual foram submetidos, e, principalmente, a melhor forma de se organizarem em seus municípios para enfrentar as formas de aliciamento, identificar casos e fazer denúncias. Também foram discutidas condições socioeconômicas atuais, os riscos de serem aliciados novamente, e indicativos e formas para fortalecer o combate.
A data não foi mera coincidência. O encontro inter-regional aconteceu num dia simbólico da história brasileira: 13 de maio, ocasião em que se comemora oficialmente a abolição da escravatura. Foi uma forma de lembrar que até hoje trabalhadores são escravizados no Maranhão e que centenas foram resgatados nos últimos anos (clique aqui ou na imagem ao lado para ver um mapa das libertações de 2003 a 2012 no Estado). As organizações e instituições públicas têm pouco conhecimento de como vivem essas pessoas depois do resgate, e a preocupação é que muitos não consigam melhorar suas condições de vida.
O encontro foi organizado pelo Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán – Centro de Referencia em Direitos Humanos Açailândia-MA (CDVDH/CB) e teve como objetivo promover o debate sobre a situação dos resgatados, bem como dar voz para que eles apresentem suas principais demandas e reivindicações. Santa Luzia fica no interior do Maranhão, a 293 km de São Luís, cerca de quatro horas de viagem de carro.
Além dos representantes do município, participaram também trabalhadores de cidades como Açailândia, Bom Jesus das Selvas, Monção, Pindaré-Mirim, São Mateus, Tufilândia e Zé Doca, entre outros. Também estiveram presentes representantes de Comissão Pastoral da Terra de Balsas (MA), Paróquia de Santa Luzia (MA), Ministério Publico do Trabalho, Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão (Coetrae-MA) e Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Maranhão.
Entre os participantes estavam trabalhadores resgatados nos últimos dez anos da escravidão em diferentes atividades econômicas, sendo a maioria atuando no roço da juquira, como é conhecida a abertura do mato e limpeza de terreno para plantio de capim e formação de pastos. O objetivo principal do encontro foi motivar a criação de uma rede de trabalhadores que sejam multiplicadores e observadores, e que estejam capacitados para ajudar outros a identificarem e denunciarem a escravidão, fortalecendo assim a luta por seus direitos.
Muitos dos que passaram por essa situação no período não foram localizados. Segundo os organizadores, uma aprendizagem importante é que, se não for feita logo depois do resgate, a busca e localização desses trabalhadores podem não dar resultados. Muitos acabam indo embora das suas comunidades de origem em procura de outros serviços ou melhores condições de vida.
Protagonismo
A primeira mesa do encontro foi aberta por Marinaldo Soares Santos, trabalhador que foi resgatado três vezes. Ele não foi o único a relatar que situações de precariedade e falta de acesso a direitos são uma constante na sua vida, mas ao falar em público acerca de suas experiências rompeu com a sensação de impotência a respeito. A agente de cidadania Elbna Carvalho, que atende as demandas dos trabalhadores de municípios da região, falou sobre o trabalho desenvolvido pelo núcleo do CDVDH/CB de Santa Luzia (MA). Na sua apresentação, reforçou a ideia de que os protagonistas do encontro são os próprios trabalhadores, pedindo que eles se apropriassem das discussões e dos espaços do evento.
Instituições locais e estaduais apresentaram seus trabalhos, discutiram desafios para o futuro e também puderam conhecer as demandas dos trabalhadores, assim como apresentar algumas ações. O procurador Marcos Antonio de Souza Rosa, do Ministério Público do Trabalho da 16ª região, organizou uma oficina para promover a familiarização com conceitos e políticas de combate ao trabalho escravo. Ele defendeu que o Brasil passa por momento histórico no que se trata de exigir direitos fundamentais e ressaltou que a educação é vista como uma das vias mas importantes para proteger futuras gerações da exploração do trabalho.
O encontro representa o começo de uma série de mobilizações de trabalhadores rurais maranhenses na procura da garantia de direitos fundamentais e trabalhistas. A equipe envolvida entende que o caminho a ser percorrido é longo, mas demonstra motivação. Representantes dos municípios citados assumiram o compromisso de atuarem como observadores e defensores de direitos humanos nas relações de trabalho no campo e na cidade.