Aprovação pelo órgão do estado foi emitida mesmo após recomendação contrária do Ministério Público e de diversos estudos que apontam inconsistências no projeto.
Por Roberta Fontes, Movimento pelas águas do Serro e Santo Antônio do Itambé e
Juliana Deprá, MAM - Movimento pela Soberania Popular na Mineração
Na manhã desta última quinta-feira, dia 10 de fevereiro, o Conselho de Desenvolvimento do Meio Ambiente (CODEMA) do Serro, em Minas Gerais, aprovou a conformidade municipal para o Projeto Céu Aberto, da empresa Ônix Mineração, contrariando o Ministério Público, a Comissão de Direitos Humanos da ALMG e os estudos técnicos realizados pelo GESTA/UFMG e UFV, que recomendaram a suspensão imediata da votação por insuficiência e inconsistência das informações sobre o projeto.
O projeto da Ônix foi apresentado para avaliação pela primeira vez ao CODEMA no dia 13 de janeiro de 2022. Porém, foi contestado por um estudo técnico realizado pela UFV junto ao Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e outro realizado pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA), da UFMG.
O estudo do MAM/UFV denunciou que a mineradora apresentou informação falsa em seu projeto, afirmando que o empreendimento estaria localizado dentro na Zona Especial de Exploração Mineral – ZEM, quando na verdade se encontra na Zona de Conservação e Ocupação Controlada – ZCO, que, de acordo com as regras municipais de uso e ocupação do solo, não permite a instalação de mineradoras.
A empresa também omitiu a informação de que a Área de Influência Direta (AID) do empreendimento se sobrepõe ao território da comunidade quilombola de Queimadas, o que exige a realização de consulta livre, prévia e informada dessa comunidade, antes de qualquer decisão, em cumprimento ao disposto no artigo 6° da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. A área pretendida pela Ônix é vizinha à área pretendida pela mineradora Herculano, o que amplia ainda mais os impactos negativos sobre essa comunidade tradicional.
Já o parecer do GESTA/UFMG indicou que o Projeto Céu Aberto não apresentou informações suficientes que permitissem avaliar com responsabilidade os impactos que pode causar. Por exemplo, o projeto não caracteriza o território pretendido, não menciona impactos de sua atividade sobre o trânsito, sobre a qualidade e disponibilidade das águas e não informa sobre como será feito o controle de drenagem da pilha de estéreis prevista, equivalente a um prédio de 16 andares.
A partir dessas contestações, o CODEMA formou uma Comissão Temática para avaliar o caso e adiou a votação para a data do dia 10 de fevereiro. A população, preocupada com uma deliberação precoce, conseguiu aprovar na Câmara dos Vereadores a realização de uma Audiência Pública da Câmara Municipal, requerida por intermédio da vereadora Karine Roza (PT) e marcada para o dia 14/2 (segunda-feira), visando garantir os direitos à informação e participação da população.
Porém, mesmo com a recomendação do Ministério Público e com o ofício enviado pela Comissão de Direitos Humanos para que o CODEMA não deliberasse sobre o Projeto Céu Aberto antes da audiência, o Conselho manteve a votação para o dia 10/2. A maioria dos conselheiros negou o pedido de vista do processo da conselheira Camila Mattos e a conformidade para o projeto da Ônix foi aprovada de forma atropelada e sem o devido debate com a sociedade. A votação resultou em 2 abstenções, 9 votos a favor e 1 contra. Integrantes do MAM e jovens da comunidade quilombola de Queimadas, manifestaram-se indignados com a decisão e reafirmaram a defesa de Serro como um território livre de mineração, capaz de escolher outras alternativas econômicas, baseadas em seus potenciais ecológicos agrícolas e culturais.
Até quando Minas Gerais terá que lidar com processos de licenciamento ambiental feitos às pressas, com base em projetos superficiais e inconsistentes, passando por cima da legislação e descumprindo processos democráticos fundamentais para que se decida com responsabilidade? Em um momento em que as chuvas reacendem o alerta sobre os riscos de barragens e pilhas de deposição a seco no estado de Minas Gerais, causa perplexidade e revolta esse tipo de atuação. Sabemos que essa postura irresponsável e negligente por parte das empresas e do poder público, acaba resultando em grandes tragédias, como as ocorridas em Mariana e Brumadinho.
Não é a primeira vez que o próprio município do Serro enfrenta esse padrão recorrente de atropelos, invisibilidade e violação de direitos da comunidade quilombola de Queimadas, erros e inconsistências nos projetos apresentados pelas mineradoras. As empresas Anglo American, Herculano e Ônix, em períodos diferentes, agiram seguindo esses mesmos padrões.
Em 2015, a mineradora Anglo American teve a conformidade municipal para seu empreendimento negada por unanimidade. Vendeu seus direitos minerários para a Herculano, que teve a conformidade aprovada em janeiro de 2021, porém continua sendo questionada pelo Ministério Público. Agora, a população questionará a aprovação da conformidade concedida à ÔNIX e pautará sua anulação na audiência pública que acontecerá na próxima semana.