COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

De acordo com um estudo publicado na revista Science, ao menos um quinto das exportações agrícolas do Brasil para a União Europeia pode estar ligado ao desmatamento ilegal.

Texto: Sarah Sax | Traduzido por Roberto Cataldo
Foto: Henrique Manreza/The Nature Conservancy
Mongabay series: *

  • Ao menos 20% da soja e pelo menos 17% da carne bovina exportadas para a União Europeia podem estar ligados ao desmatamento ilegal, segundo um estudo publicado na revista Science.

  • Utilizando conjuntos de dados e softwares de alta performance, os pesquisadores analisaram 800 mil propriedades rurais na Amazônia e no Cerrado e detectaram que apenas 2% das propriedades são responsáveis ​​por 62% de todo o desmatamento potencialmente ilegal nos biomas.

  • Os métodos do estudo têm potencial para aprimorar a rastreabilidade das cadeias produtivas, mostrando que já é possível acompanhar a trajetória de commodities desde áreas desmatadas ilegalmente até consumidores estrangeiros, incentivando a contenção do desmatamento por nações e empresas.

De acordo com um estudo publicado na revista Science, ao menos um quinto das exportações agrícolas do Brasil para a União Europeia pode estar ligado ao desmatamento ilegal.

Utilizando conjuntos de dados e softwares de alta performance, os pesquisadores analisaram 800 mil propriedades rurais na Amazônia e no Cerrado e detectaram que apenas alguns poucos produtores são responsáveis por grande parte do desmatamento potencialmente ilegal nos dois biomas. Daí o nome do estudo: The rotten apples of Brazil’s agribusiness” (As maçãs podres do agronegócio brasileiro).

“Nos dois biomas, descobrimos que menos de 20% [dos proprietários de terras] estão de fato desmatando,” diz Raoni Rajão, professor associado de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais e principal autor do artigo. “E, embora todos aqueles que estão desmatando ilegalmente sejam responsáveis, no fim das contas são apenas alguns poucos atores do setor que estão causando os maiores problemas.”

O estudo conclui:

Embora a maior parte da produção agrícola brasileira esteja livre de desmatamento, constatamos que 2% das propriedades na Amazônia e no Cerrado são responsáveis ​​por 62% de todo o desmatamento potencialmente ilegal, e que aproximadamente 20% da soja e pelo menos 17% da carne bovina exportadas à UE, oriundas desses biomas, podem estar contaminados com desmatamento ilegal.

Aline Soterroni, pesquisadora convidada do Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas, diz que outras plataformas de sensoriamento remoto, como a MapBiomas, mostram o desmatamento não autorizado (uma medida indireta do desmatamento ilegal), e que outras pesquisas anteriores mapearam os riscos de desmatamento nas exportações brasileiras de soja e carne bovina para a União Europeia, inclusive em nível de empresa. Porém, “combinar os dados de rastreabilidade existentes com uma ampla análise de conformidade em relação ao Código Florestal em nível de propriedade é um passo importante para implementar um sistema para monitorar a maior parte do desmatamento causado por commodities no Brasil.”

Eliminando as “maçãs podres”

O antigo debate sobre até onde o agronegócio é responsável pelo desmatamento está cada vez mais polarizado. Enquanto alguns ambientalistas são críticos à cadeia produtiva inteira, produtores e empresas do mercado de commodities assumem pouca ou nenhuma responsabilidade. “Os reguladores, a União Europeia, não sabem em quem confiar”, diz Rajão. “Por isso, consideramos realmente importante separar o joio do trigo. Ou eliminar as ‘maçãs podres’, por assim dizer, para mostrar que é possível excluí-las e ainda ter um setor viável”.

Segundo os pesquisadores, o tipo de metodologia usada no estudo proporciona “prova de conceito” para a rastreabilidade da cadeia produtiva e pode ser aplicado em uma escala muito maior, principalmente nas commodities responsáveis ​​por grande parcela do desmatamento em florestas tropicais do mundo todo: óleo de palma, gado e soja.

“Este artigo é um bom exemplo de como é possível realizar a devida diligência em toda a cadeia de suprimento”, diz Lindsay Duffield, consultora da ONG FERN para comunicações estratégicas. Os pesquisadores, segundo ela, “estão observando fazendas, matadouros e vias de escoamento para a União Europeia. Eles podem identificar ilegalidades potenciais em propriedades específicas. É realmente útil reconhecermos que isso é possível”.

O estudo conta com grandes quantidades de dados já gerados no Brasil e com bancos de dados como o Trase, portal de transparência que conecta informações regionais de cadeias produtivas a dados globais sobre exportação. No mês passado, o Trase divulgou um relatório anual mostrando que, apesar dos compromissos mais sólidos da União Europeia com o fim do desmatamento, a soja exportada para o velho continente na última década foi mais prejudicial às florestas e ao clima global do que a que foi exportada para a China. Outro estudo apresentou, pela primeira vez, estimativas detalhadas das emissões de gases de efeito estufa em toda a sojicultura brasileira.

As empresas do mercado de commodities, por sua vez, também estão entrando na onda da rastreabilidade. A Cargill, uma das maiores traders de soja do Brasil, publicou recentemente um relatório semestral de avanços mapeando 100% de sua cadeia de produção no país. Foi possível mostrar que mais de 95% da soja brasileira são cultivados em terras desmatadas e sem que tenha havido conversão.

Para Rajão, tudo isso leva a um dos pontos principais do estudo: “Temos os sistemas do Inpe para monitoramento [de desmatamento], o registro de 6 milhões de agricultores [o Cadastro Ambiental Rural], modelagem espacial e capacidade de vincular tudo isso a cadeias produtivas. Temos à mão os meios para reduzir o desmatamento. Agora, realmente é tudo uma questão de vontade política.”

 

*Reportagem publicada originalmente em: site Mongabay

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