COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Foi lançada no último dia 1° de Abril, data do aniversário do Golpe de 1964, a campanha de financiamento coletivo Bem Querer o Brasil . O projeto busca recursos para organizar, catalogar e doar para a Biblioteca Nacional todo o acervo digital do fotógrafo João Roberto Ripper, um dos maiores fotodocumentaristas do país.

Por Rebeca Gehren - Tribuna de Petrópolis

Imagens: João Ripper

São 50 anos de documentação das populações tradicionais e de pessoas menos favorecidas financeiramente no Brasil, como as histórias das dificuldades da seca no semi-árido; a injustiça contra crianças e adultos em situação de escravidão; mas também histórias de força das lutas dos movimentos sociais e povos pelo Brasil. Fotografias documentais de enchentes em Petrópolis e fotografias históricas da cidade também fazem parte do acervo.

São cerca de 20 terabytes de arquivo, que cobrem os últimos 15 anos da carreira do fotógrafo, ainda em andamento. Este projeto é parte de um projeto maior, que inclui todo o acervo de quase 50 anos de Ripper, contabilizado em mais de 140 mil fotogramas em filme e dezenas de cadernos de campo. A campanha de financiamento coletivo visa a parte digital, como primeiro passo na direção de assegurar a conservação de parte importante da memória do Brasil, disponibilizada a todos.

O conteúdo digital do acervo aborda os seguintes temas: trabalho escravo, trabalho infantil, seca no semiárido, populações tradicionais (geraizeiros, vazanteiros, quilombolas, colhedores de flores sempre-viva, veredeiros, pescadores, caranguejeiros, caatingueiros, quebradeiras de côco, etc.), populações indígenas e povos da Amazônia, universo feminino, cerrado, movimentos sociais (trabalhadores rurais e urbanos, mulheres), favelas, saúde e doenças negligenciadas.

Para o fotógrafo, o fio condutor de seu trabalho durante todos esses anos é retratar as pessoas com beleza e dignidade, contrariando o senso comum. “Por que, na hora de informarmos sobre as populações mais pobres, não informamos sobre a beleza de suas tarefas e de suas realizações? Todos nós sonhamos, mas os exemplos de sonhos não são comentados quando se fala sobre essas populações. Não se contam suas conquistas e vitórias, portanto, mostram-se histórias de ausências ou de violências, que, de tanto se repetirem, ficam arraigadas no imaginário popular. Assim se fazem os estereótipos”.

Para Ripper, essa maneira de comunicar e informar sobre populações menos favorecidas financeiramente no Brasil traz quase sempre as mesmas histórias, produz uma “história única”.

“O perigo de uma história única é que, independentemente de ser verdadeira ou falsa, ela se transforma na única história possível de uma pessoa, de um povo, de uma comunidade, de um país ou de um continente. E ninguém, em nenhum lugar, tem uma única história”, explica o fotógrafo e diz que, com o tempo, aprendeu a deixar de olhar para as pessoas com olhar de pena para olhar com admiração.

Clique aqui e saiba como colaborar com esse projeto

 

Conheça um pouco do trabalho fotográfico de João Ripper

A intenção, segundo o fotógrafo, de doar seu acervo de mais de 50 anos de trabalho fotográfico é democratizar a informação. “A história vai deixar de ser contada só pelos meios tradicionais de comunicação. Ela vai ficar em um lugar público para ser visto por quem quiser. E esse protagonismo também vai ser assumido pelas organizações que trabalham diretamente com estes grupos”.

Além da doação para a Biblioteca Nacional, cópias das fotografias serão distribuídas para as organizações e entidades que atuam na defesa dos direitos humanos e na luta dos povos retratados. As fotos de populações tradicionais, por exemplo, serão doadas ao Centro de Agricultura Alternativa de Minas; fotos das vivências e lutas no semiárido serão doadas ao Centro Sabiá de Direitos Humanos e para a Organização Caatinga; fotos das lutas por terra irão para a Comissão Pastoral da Terra e para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; e os registros de trabalho escravo irão para organizações que realizam trabalho sério de combate à prática, como a Repórter Brasil.

Petropolitana trabalha no acervo de João R. Ripper

A fotógrafa e socióloga petropolitana Sara Gehren trabalha há 2,5 anos com o fotógrafo na recuperação e organização de seu acervo. Ela conta que conheceu o trabalho de Ripper em um curso de fotografia, no qual abordavam a sua fotografia humanista. “Fiquei tão impactada com a formar de fotografar dele que me ofereci para trabalhar com ele”, conta. Ela e o fotógrafo e jornalista Breno Lima têm assessorado voluntariamente o acervo e estão a frente da campanha de financiamento coletivo.

Ela conta que mesmo para fazer uma doação é preciso que as fotografias e negativos estejam catalogados de acordo com padrões. “Você não pode simplesmente entregar um monte de negativos soltos. Alguém tem que organizar e catalogar com as informações contextuais e históricas”.

“Pessoas menos favorecidas financeiramente me ensinaram uma coisa: elas têm a deliciosa teimosia de ser feliz. Nada muda isso.”

O financiamento permitirá que a equipe trabalhe integralmente no acervo digital por seis meses, recuperando os arquivos que estão inacessíveis, catalogando com informações do fotógrafo e históricas e disponibilizando à Biblioteca Nacional e às entidades que têm interesse no material.

De acordo com Sara, a escolha da data em que foi impetrado o Golpe Militar no Brasil para o lançamento da campanha não foi por acaso, mas visa combater as tentativas de revisionismo histórico que têm surgido no país. “O projeto vai disputar a narrativa da memória recente do país. As fotografias do Ripper contam a história do Brasil do ponto de vista de quem tem sido explorado, quem tem tido seus direitos retirados ao longo dos mais variados governos. É necessário reavivar essas narrativas e torná-las acessíveis para todos”.

João Ripper registrou o enterro dos trabalhadores sem-terra mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que completou 23 anos no último dia 17 de abril.

Como colaborar

A campanha é feita por meio do site “Benfeitoria ” e tem o prazo de dois meses para atingir a meta de R$ 20 mil. Há como contribuir com valores que vão desde R$ 15 até R$ 5 mil. Cada apoiador recebe uma recompensa de acordo com o valor contribuído, como cartões postais e/ou fotografias de Ripper.

É importante dizer que nesse modelo de financiamento, o projeto só recebe o dinheiro se a campanha atingir a meta estabelecida – assim como os colaboradores só recebem as recompensas se o alvo for atingido.

Interessados em colaborar podem acessar o site benfeitoria.com/bemquererobrasil. Quem quiser conhecer mais do acervo de João R. Ripper, acesse o site https://imagenshumanas.photoshelter.com/index

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