A ONG sul-africana African Centre for Biosafety (ACB) publicou no final de outubro o relatório intitulado “África coagida a produzir milho Bt defeituoso: o fracasso do milho MON810 da Monsanto na África do Sul” (na tradução livre do inglês). O documento mostra como o milho transgênico da Monsanto, que fracassou completamente na África do Sul, está agora sendo impingido no resto do continente.
(site 12ª Jornada de Agroecologia)
O milho MON810 é do tipo Bt, ou seja, foi modificado geneticamente para produzir toxinas capazes de matar lagartas que atacam as lavouras. Segundo o relatório, pesquisas independentes mostraram que a variedade, que é cultivada na África do Sul há 15 anos, já não “funciona” devido ao desenvolvimento massivo de resistência nas lagartas, o que levou à retirada do produto do mercado sul-africano.
O documento mostra que as estratégias para o manejo do desenvolvimento de resistência nos insetos foram baseadas no falso pressuposto de que a resistência ao MON810 era uma expressão genética recessiva, e não dominante. Em função dessa falsa suposição, a recomendação para evitar o desenvolvimento de resistência é que os agricultores plantem um refúgio de 5% de milho não Bt em suas lavouras, que não deve ser pulverizado com inseticidas, ou então 20% de milho não Bt que pode ser pulverizado.
Pesquisas recentes, entretanto, mostraram que a resistência ao Bt é uma característica dominante e que, de modo a evitar o rápido desenvolvimento de resistência em larga escala nas populações do inseto, os agricultores deveriam plantar mais de 50% de milho não Bt como refúgio, onde indivíduos não resistentes poderiam se reproduzir. Essa recomendação não é viável para os agricultores, o que chama a atenção para a insustentabilidade da tecnologia.
O milho Bt foi aprovado na África do Sul antes que as autoridades regulatórias estivessem capacitadas para avaliá-lo adequadamente. O necessário monitoramento do desenvolvimento de resistência nos insetos não foi realizado e os órgãos reguladores não fiscalizaram o cumprimento das recomendações para o manejo da resistência – que, de todo modo, já se mostraram ineficazes.
A Monsanto compensou os agricultores sul-africanos que tiveram mais de 10% de perda de colheita em função da resistência das lagartas – alguns tiveram perdas acima de 50% devido à infestação pelos insetos.
Não obstante o fracasso da tecnologia no país, a Monsanto está agora empurrando o mesmo milho transgênico para o resto do continente. Segundo o relatório do ACB, a empresa doou sua tecnologia MON810 sem a cobrança de royalties para o projeto “filantrópico” Water Efficient Maize for Africa – WEMA (Milho Eficiente no Uso da Água para a África), financiado pela Fundação Gates e pela própria Monsanto. O projeto está sendo lançado em Moçambique, no Quênia, em Uganda e na Tanzânia.
O WEMA foi durante alguns anos apresentado como um projeto beneficente, com o objetivo de disponibilizar variedades de milho tolerantes à seca para agricultores familiares pobres na África. Contudo, num passe de mágica e em absoluto silêncio, o projeto incluiu a tecnologia MON810.
Campos experimentais com o MON810 já estão plantados no Quênia e em Uganda. Em função do projeto, o governo moçambicano está agora mudando sua lei de biossegurança com o intuito de permitir o cultivo de lavouras transgênicas. O WEMA está ainda pressionando o governo da Tanzânia a mudar sua lei de biossegurança, que em sua forma atual tornaria a Monsanto responsável pelos danos que seus produtos provocassem.
O relatório do ACB ressalta ainda que a tecnologia MON810 foi também inserida em uma variedade local de milho do Egito chamada Ajeeb. Conforme o ACB, o “Ajeeb Yieldgard” foi patenteado pela Monsanto e aprovado para cultivo comercial no Egito através de um processo fraudulento, em desacordo com a lei nacional de biossegurança, e a despeito de o governo egípcio ter publicado um estudo independente, financiado com recursos públicos e revisado por pares, mostrando sérios riscos do MON810 para a saúde humana e animal.
O mais triste, conforme observa Haidee Swanby, autora do relatório, é o fato de que, enquanto as empresas de biotecnologia e as autoridades regulatórias fazem de tudo para disseminar o milho transgênico pelo continente, a máquina de relações públicas das empresas espalha o mito de que essas lavouras têm o objetivo de alimentar os pobres na África.